Você está na página 1de 5

A expressão “precisamos falar sobre suicídio” tem se propagado pelas mídias sociais,

contribuindo para que o tema saia do status de “tabu” e entre na lista das questões sociais
que precisam ser tratadas com seriedade. Há implicações decorrentes do falar sobre
suicídio, no entanto. Surgem dúvidas sobre o que falar, o que não falar, e – principalmente –
como abordar o tema quando alguém próximo sofre de ideações suicidas. Algumas
direções sobre o que é apropriado e inapropriado em mídias sociais podem ser conferidas
no texto “Suicídio, Mídia, e Epidemia”. No presente texto, introduziremos alguns princípios
básicos de como iniciar e conduzir uma conversa difícil sobre ideações suicidas. Para isso,
precisamos entender um pouco sobre o comportamento suicida a fim de identificar
possíveis sinais que nos permitam iniciar a conversa.

Ideações suicidas: o que perceber?

Popularmente associam-se ideações suicidas à depressão. De fato há uma associação forte


entre esses dois fatores. No entanto, não há concordância entre os pesquisadores sobre o
quanto a depressão explica a emergência de ideações suicidas, uma vez que a depressão é
também efeito de outras variáveis. Há também casos de ideações e tentativas de suicídio
com os quais a depressão não está associada [1]. De todo modo, notamos uma alteração
no humor da pessoa, e o porquê desta alteração está geralmente associada às
circunstâncias de sua vida. Diversos estudos têm mostrado que a formação de ideações
suicidas está relacionada ao surgimento de pensamentos e sentimentos de fracasso na
vida, derrota (e.g., a pessoa lutou o máximo que pôde e não obteve sucesso no que
almejava), desesperança (e.g., não consegue visualizar boas perspectivas de futuro em
nenhum aspecto – resultado do fracasso), e aprisionamento (e.g., sente que não há mais
saída nem solução para o contexto vivido) [2].

Esses sentimentos e pensamentos poderão ser identificados através de frases (ou


variações de tais frases) como:

“Eu não consigo mais ver sentido nenhum na minha vida”


“Não vejo mais nenhuma saída para mim”
“Eu quero sumir desse mundo”
“Se eu pudesse, eu dormiria para nunca mais acordar”
“A minha vida não tem mais jeito”
“Eu não deveria ter nascido”
Em geral, a expressão verbal da visão negativa não se restringe a um problema particular,
mas é generalizada para todas as dimensões da vida da pessoa que sofre de ideações
suicidas. Um exemplo seria uma pessoa que tem dificuldades para encontrar
relacionamentos e está à procura de uma relação estável há muitos anos, mas não obtém
sucesso em encontrar. Por mais que sua vida profissional seja de imenso sucesso, haverá
uma tendência de a pessoa generalizar o problema para todas as outras áreas da vida,
ainda que tal expressão verbal não coincida com o que de fato acontece. Isso se dá devido
ao processo psicológico de aprisionamento, cuja percepção (discriminação) torna-se
extremamente restrita como efeito das inúmeras experiências de derrota, inflexibilidade
psicológica e pobre repertório comportamental de enfrentamento. O sofrimento é intenso e
terrível. A pessoa precisa ser ajudada.

Como iniciar uma conversa?

Antes de iniciar uma conversa, é necessário estar ciente de posturas fundamentais que
serão base de qualquer interação com quem sofre: respeito, empatia, conexão,
compartilhamento e disponibilidade. Caso estas posturas estejam ausentes, o efeito da
conversa poderá ser oposto e, ao invés de ajudar, é bem possível que o resultado será a
intensificação do sofrimento e aumento do risco de suicídio.

Se alguém pedir para conversar, a interação se iniciará de modo mais fácil. No entanto, se
você está preocupado com a saúde mental de alguém, então você terá de abordar a pessoa
para iniciar a conversa. Perguntas que iniciam a interação envolvem, por exemplo:

“Olá, como você está?”


“Como estão as coisas contigo?”
“O que você tem feito ultimamente?”
“Eu tenho notado que você não tem se sentido bem recentemente, e eu queria saber se
você gostaria de conversar sobre isso”.
Se disser que não quer conversar, que está tudo bem, ou outra resposta que interrompa ou
modifique a direção da abordagem, é importante dizer que está tudo bem e, de certa forma,
deixar “a porta aberta” para futuras conversas. Caso a pessoa responda positivamente, a
conversa então evoluirá para tópicos mais sensíveis e alguns pontos importantes devem ser
destacados:

Tente encontrar um lugar mais quieto e reservado para conversar.


Sendo amigo, parente ou conhecido, sua função é ouvir ativamente.
Evite falar sobre você. Reserve outro momento para compartilhar suas questões.
Não tente resolver os problemas da pessoa. Se assim o fizer, há chances de que você
aumente a intensidade dos sentimentos de aprisionamento vividos por ela.

Como fazer perguntas e prosseguir com a conversa?

Faça perguntas abertas. Evite perguntas cuja resposta se resuma a “sim” ou “não”. É
importante que suas perguntas funcionem como um mecanismo que incentive, de forma
respeitosa e não invasiva, a pessoa a falar sobre o que está vivendo e sentindo. Alguns
exemplos são: “Quando você percebeu que isso estava acontecendo?”, “O que mais
aconteceu?”, “Em que lugar isso aconteceu?”, “Como você se sentiu?”, “Que coisas se
passaram na sua cabeça naquele momento?”. [3]

Não pergunte “Por que”. Perguntar sobre o porquê soa muito crítico (a pessoa pode se
sentir julgada por você), e pode produzir dois efeitos: a pessoa não se sentirá compreendida
e tenderá a reagir de modo defensivo, além de fazer com que a conversa se interrompa, já
que a pessoa não se sentirá mais confortável em falar o que se passa.

O que deve ser evitado:

Reações de surpresa, choque ou susto. Algumas expressões verbais que exemplificam tal
reação incluem: “Meu Deus!”, “Não acredito que você está me dizendo isso!”, “Vira essa
boca pra lá!”.
Reações que rechacem a pessoa, seus sentimentos e comportamentos: “Pare de falar
besteira!”, “Para quê você fica falando essas coisas?”.
Expressões de incompreensão através de verbalizações supostamente positivas: “Não
entendo isso. Você sempre teve tudo na vida”; “Olhe para as coisas boas da vida”, “Você
precisa pensar positivo”. Vale ressaltar aqui que “pensamento positivo” não se caracteriza
em si como fator protetor contra ideações suicidas. De fato, há evidências de que
determinados “pensamentos positivos” podem contribuir para a recorrência de
comportamentos suicidas [4].
Outras expressões a serem evitadas são: “Não chore!”, “Isso não faz sentido nenhum”, “Eu
entendo perfeitamente como você está se sentindo”, “Será que podemos conversar de
modo mais rápido?”, “Seja forte!”, “Levante a cabeça!”.
Intervenções de cunho religioso: “Você precisa é de Deus!”, “Isso é coisa do inimigo na sua
vida”, “Deus sabe de todas as coisas e ele vai te ajudar”, “Isso é falta de fé. Você precisa ter
mais fé em Deus”.
Evite fazer qualquer tipo de interpretação do que está se passando na vida da pessoa.
Como alguém que dá suporte, não é sua função fornecer interpretações nem formular
explicações sobre as circunstâncias de vida da pessoa. Se você quer ajudar, por melhores
que sejam suas intenções, apenas ouça e incentive a pessoa a falar.

Como ouvir ativamente?

Há cinco passos para se ouvir ativamente [3]:

Faça questões abertas (como visto anteriormente)


Resumir. Resumir um determinado trecho da conversa demonstra que a pessoa tem sua
plena atenção e que você está entendendo o que está sendo dito. Exemplo: “Entendo. Você
está sendo tratado terrivelmente pela sua esposa, mas você ainda a ama”.
Refletir. Repetir uma palavra ou uma frase pode encorajar a pessoa a continuar a se abrir.
Por exemplo, se a pessoa disser “As coisas estão muito difíceis recentemente”, você pode
manter a continuação da conversa refletindo sobre esta frase e dizendo “Eu sinto que você
tem vivido momentos muito difíceis”.
Clarificar. Se a pessoa com quem você está conversando passar por cima de algum ponto
importante, você pode dizer algo como “perdão, você poderia me falar mais sobre…” ou
“esse parece um tópico difícil para você”. Isso pode ajudar a esclarecer alguns pontos não
só para você, mas também para a própria pessoa.
Reagir. Não ouça como um robô. Demonstre empatia, respeito, e demonstre que você está
ouvindo atentamente o que está sendo dito.

Como abordar a questão do suicídio?

Se você suspeita que a pessoa está vivenciando ideações suicidas, simplesmente pergunte:
“você está vivenciando sentimentos suicidas?”.
Se a resposta for sim, continue a conversa pedindo por mais informações sobre esses
sentimentos. Exemplo:
“Quando você vivenciou sentimentos suicidas pela primeira vez?”,
“O que você acha que está fazendo você se sentir assim?”,
“Você já conversou com alguém sobre esses sentimentos?”
“Você sabe onde e como buscar por ajuda?”
Depois dessas questões, é importante ajudar a pessoa a buscar por ajuda e mantê-la
segura. Encoraje a pessoa a marcar uma consulta com um psiquiatra ou um psicólogo. Se
ofereça para ir com ela.
Se a pessoa possui um plano suicida imediato (planejou como acabar com a própria vida) e
afirma que está certa de que irá fazê-lo, não deixe a pessoa sozinha. Busque por ajuda
imediatamente ligando para um médico, levando a pessoa a um serviço de saúde mental ou
pedindo orientações ao Centro de Valorização da Vida, no telefone 141. Esteja certo de que
a pessoa está em um ambiente seguro e sob suporte profissional.
Conte para alguém que você confia. Lidar com suicídio é uma experiência extremamente
difícil e você não deve fazer isto sozinho. Encontre alguém da sua confiança para que você
possa falar dos seus próprios sentimentos.
Ajudar alguém sob situação estressora pode ser estressor em si mesmo. Se você está
ajudando alguém que se sente suicida, lembre-se de que você também deve cuidar de si
mesmo. Se você precisa conversar sobre como você está se sentindo, ligue para o Centro
de Valorização da Vida (141) ou converse com um profissional de saúde mental [5].

*Se você está vivendo um momento muito difícil e se identificou com alguma parte deste
texto, converse agora com um profissional do CVV (Centro de Valorização da Vida) através
do telefone 141 ou via internet (chat, Skype ou email) através do site:
http://www.cvv.org.br/site/index.php. Os profissionais desta ONG (uma das mais antigas e
reconhecidas instituições no país) estão disponíveis 24 horas para ajudar e acolher.

Referências:

[1] Joo, J., Hwang, S., & Gallo, J. J. (2016). Death ideation and suicidal ideation in a
community sample who do not meet criteria for major depression. Crisis, 37(2), 161–165.
[2] O’Connor, R. C., & Nock, M. K. (2014). The psychology of suicidal behaviour. The Lancet
Psychiatry, 1(1), 73–85.

[3] NHS Scotland (2015). The art of conversation. Choose Life.

[4] O’Connor, R.C., Smyth, R., & Williams, J.M.G. (2015). Intrapersonal positive future
thinking predicts repeat suicide attempts in hospital treated suicide attempters. Journal of
Consulting and Clinical Psychology, 83, 169-176.

[5] Samaritans. (2016). What should I do if I know someone who is feeling suicidal?.

Você também pode gostar