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FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA

CLÍNICA

Dra. Mariana Rodrigues Festucci Grecco.


Prof. Guilherme Bernardes Filho

Diretor Presidente

Prof. Aderbal Alfredo Calderari Bernardes

Diretor Tesoureiro

Prof. Frederico Ribeiro Simões

Reitor

UNISEPE – EaD

Prof. Me. Anderson Martins da Silva

Coordenador EaD de área

Prof. Dr. Renato de Araújo Cruz

Coordenador Núcleo de Ensino a distância (NEAD)

Material Didático – EaD

Equipe editorial:

Fernanda Pereira de Castro - CRB-8/10395

Isis Gabriel Alves

Laura Lemmi Di Natale

Pedro Ken-Iti Torres Omuro

Prof. Dr. Renato de Araújo Cruz – Editor Responsável

Apoio técnico:

Alexandre Meanda Neves

Anderson Francisco de Oliveira

Douglas Panta dos Santos Galdino

Fabiano de Oliveira Albers

Gustavo Batista Bardusco

Kelvin Komatsu de Andrade

Matheus Eduardo Souza Pedroso

Vinícius Capela de Souza

Revisão: Vinicius Guimarães Rodrigues

Diagramação: Nikolas Felipe de Morais


SOBRE O(A) AUTOR(A):

Mariana Rodrigues Festucci Grecco é psicóloga e professora universitária. Doutora em


Psicologia clínica pelo Instituto de Psicologia da USP (2021 – onde foi bolsista de
pesquisa Cnpq). Mestre em Psicologia Social (2016 – onde foi bolsista de pesquisa
Capes) e especialista em Psicanálise e Linguagem (2014) pela PUC-SP. Especialista
em Gestão da Educação pela Unifesp (2019), especialista em Psicopedagogia (2020),
especialista em Docência e Gestão na educação à distância (2021) e especialista em
Dificuldades da aprendizagem (2021) pela Uscs. Aprimoramento em Orientação
profissional e de carreira pelo Instituto de Psicologia da USP (2021). Possui título de
especialista em Psicologia clínica fornecido pelo Conselho Federal de Psicologia
(2015).

Endereço para currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/9407260669781180

SOBRE A DISCIPLINA:

Prezado aluno (a)

A disciplina Fundamentos da Psicologia clínica visa instrumentalizar os alunos à


reflexão sobre o processo histórico de formação e transformações da clínica, bem
como sobre processos de saúde e doença e de como eles se configuraram nas
diversas épocas conforme os discursos sociais. Enfatizar-se-á como as relações
interpessoais nos diferentes modos de se praticar a clínica podem aprimorar os
processos terapêuticos. Além disso, demonstrar-se-á como é possível desenvolver
diferentes métodos de investigação em clínica conforme o referencial teórico adotado
e como as habilidades de comunicação podem contribuir para as boas práticas em
clínica.

Em Fundamentos da Psicologia clínica estudaremos os desenvolvimentos da Teoria


à Prática na Clínica; o processo histórico de nascimento da Clínica conforme
desenvolvido pelo filósofo e psicólogo francês Michel Foucault; os métodos de
investigação em Clínica; as habilidades de comunicação em clínica, incluindo a
Entrevista centrada na Pessoa (desenvolvida por Carl Rogers); e, por fim, proporemos
duas atividades práticas: I. para desenvolvimento de instrumento para a entrevista
inicial; e II. Role-play de um atendimento.

Bons estudos!
Os ÍCONES são elementos gráficos utilizados para ampliar as formas de
linguagem e facilitar a organização e a leitura hipertextual.
SUMÁRIO

UNIDADE I – PSICOLOGIA CLÍNICA: UMA INTRODUÇÃO


1º O que é a Psicologia clínica?
2º A Psicologia como ciência e a Psicologia clínica como
especialidade em Psicologia – aspectos históricos
3º O pensamento clínico: contribuições de Canguilhem e Foucault
4º As diferentes abordagens em Psicologia clínica

UNIDADE II – MÉTODOS DE INVESTIGAÇÃO CLÍNICA


5ºAvaliação clínica: principais elementos
6º A entrevista clínica
7º As funções psíquicas elementares e suas alterações
8º Os instrumentos privativos e não-privativos de uso do(a)
psicólogo (a)

UNIDADE III – HABILIDADES DE COMUNICAÇÃO


9º A intervenção verbal em Psicologia clínica
10º Os recursos terapêuticos em Psicologia clínica
11º O desenvolvimento de instrumento para a entrevista inicial
12º Role-play de um atendimento

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................


UNIDADE I
CAPÍTULO 1 – O QUE É A PSICOLOGIA CLÍNICA?
No término deste capítulo, você deverá saber:

 Definir o que é a Psicologia clínica


 Descrever as atribuições de um(a) psicólogo(a) clínico(a)

Introdução

Antes que possamos definir o que é a Psicologia clínica, é importante que saibamos distinguir
como o conceito de clínica foi se delineando ao longo da História da humanidade a partir do
desenvolvimento das ciências médicas.

Os significados atualmente incorporados à palavra clínica provêm, etimologicamente, de


três vocábulos: clinicus, do latim – que define o médico que visita os doentes em seus leitos, de
klinike tekhne, do grego – que corresponde à prática à beira do leito, e de klinikos, do grego, que
nomeia a cama sobre a qual se deita. Sinteticamente, clínica diz respeito à prática clínica que foi se
aprimorando ao longo da História da Medicina para atendimento a pessoas enfermas; hoje em dia
tal prática não se restringe mais à figura do médico, mas abarca todos os profissionais de saúde,
ou mesmo filósofos, que se propõem à escuta do sofrimento humano, seja ele físico ou mental, por
meio de uma técnica científica específica; assim é que os médicos das diversas especialidades,
fisioterapeutas, psicólogos, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos e até mesmo os filósofos
clínicos exercem a clínica; é importante, portanto, que nos lembremos que o significado de clínica
não se restringe aquele mais frequentemente usado pelo senso comum: “o estabelecimento onde
são admitidos doentes para tratamento, exames, cirurgias etc.” (Michaelis, 2022, s/p); trata-se de
uma palavra, portanto, que não se limita à definição de um local em seu caráter físico, mas que
pode remeter a uma espécie de prática: a prática com os doentes.

Quando falamos em Psicologia clínica, estamos tratando de um campo do conhecimento


científico, uma disciplina teórica e prática e também de uma especialidade profissional que se
dedica à compreensão do comportamento humano em suas diversas manifestações.

No Brasil a profissão de psicólogo(a) é regulada pelo Conselho Federal de Psicologia


(CFP). De acordo com a Resolução nº13/2007 o CFP define 12 tipos de especialidade em
Psicologia (entre elas Psicologia social, Psicomotricidade, Neuropsicologia, Psicologia em saúde,
Psicologia hospitalar, Psicologia jurídica, Psicologia do trânsito, Psicologia do esporte, Psicologia
escolar, Psicologia organizacional e do trabalho, Psicopedagogia e Psicologia clínica). A
especialidade em Psicologia clínica é descrita nesta resolução como a atuação “na área específica
da saúde, em diferentes contextos, através de intervenções que visam reduzir o sofrimento do
homem, levando em conta a complexidade do humano e sua subjetividade. Estas intervenções
tanto podem ocorrer a nível individual, grupal, social ou institucional e implicam uma variada gama
de dispositivos clínicos já consagrados ou a serem desenvolvidos, tanto em perspectiva preventiva,
como de diagnóstico ou curativa” (CFP, 2007, s/p).

5
Reflita
“A clínica psicológica é herdeira do modelo médico, no qual (...) cabe ao profissional observar e
compreender para, posteriormente, intervir, isto é, remediar, tratar, curar. Tratava-se, portanto, de
uma prática higienista. Dessa maneira, a clínica psicológica esteve, por um bom tempo, distante
das questões sociais” (Moreira et al, 2007, s/p).

1.1 O que é a Psicologia clínica.

De acordo com a Associação de Psicologia Americana (APA, 2016) a Psicologia clínica “integra
ciência, teoria e prática para compreender, prever e aliviar o desequilíbrio, a incapacidade e o
desconforto; também promove a adaptação humana, ajuste e desenvolvimento pessoal. A
Psicologia clínica foca os aspectos intelectuais, emocionais, biológicos, psicológicos, sociais e
comportamentais humanos que funcionam em diferentes culturas e em todos os níveis
socioeconômicos” (p. 25).

Para Cullari (2001) a especialidade da Psicologia clínica representa um grande atrativo para
as pessoas que estejam interessadas na ciência e que possuam a curiosidade de saber como se
desenvolve, se mantém ou se muda a conduta humana, ou para as pessoas que por um caráter
altruístico almejem uma profissão que atue no acolhimento do sofrimento humano; a amplitude de
sua definição permite que ela se posicione como a especialidade de maior destaque da Psicologia.

A preocupação em compreender o comportamento humano não é, entretanto, exclusividade


e nem nasceu com a Psicologia. Segundo Aranha e Martins (2009) desde que a humanidade
desenvolveu a linguagem apareceram as primeiras narrativas que tentavam explicar sobre a
origem e o propósito da vida humana ou as motivações para os diversos comportamentos.

As diferentes narrativas mitológicas constituíram uma dessas tentativas: no mundo ocidental


é amplamente divulgada a mitologia grega, que incluía explicações para a origem do mundo, os
fenômenos naturais e as paixões humanas. Sacrifícios ritualísticos eram praticados pelo povo
grego para homenagear os deuses e assim obter fartura nas colheitas, apaziguamento dos ânimos
ou mesmo a fertilidade que assegurasse a descendência. Aos poucos, porém, tais narrativas
mitológicas foram sendo colocadas em perspectiva com o desenvolvimento da Filosofia, primeiro
campo do conhecimento sistematizado sobre o mundo. As pessoas começaram a notar, por
exemplo, que mesmo quando o sacrifício a um dos deuses era executado com perfeição, a seca ou
a fome persistiam; fazia-se necessário então compreender o mundo de outro modo.

No período da Antiguidade Clássica (século VIII a.C – século V d.C.), filósofos como
Sócrates, Platão e Aristóteles refletiram a respeito da natureza humana, questionando no que o ser
humano poderia ser diferente dos animais (na compreensão deles, pela capacidade de pensar,
uma das atribuições da alma), se haveria diferenças entre o gênero feminino ou masculino, quais
seriam as motivações para o amor e mesmo se haveriam razões que justificassem a escravidão,
entre outros temas. Só para que tenhamos uma ideia de como este conhecimento se estruturava,
tomemos como exemplo o humor melancólico: de acordo com Hipócrates (460 a.C – 370 d.C.) tal
humor seria causado pela produção excessiva de bile negra no organismo, o que geraria apatia,
tristeza e morbidez nas pessoas. Hipócrates, considerado como o pai da Medicina, dado que ele
acompanhava as pessoas acometidas por doenças, chegara a esta conclusão sobre a bile negra a
partir da observação sistematizada de pessoas que apresentavam as mesmas características.
Hoje sabemos que a hipótese de Hipócrates era falsa, mas é preciso considerar que naquela

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época não havia os recursos tecnológicos diagnósticos que existem na atualidade. Aristóteles (384
a.C – 322 a.C), por sua vez, baseado na hipótese de Hipócrates, articulou que todas as pessoas
geniais de sua época (artistas, pensadores etc.) apresentavam características de um humor
melancólico, pois uma vez que eram dominadas pela atividade do pensamento e contemplação,
elas tendiam a ver além das situações mais imediatas.

As hipóteses da Filosofia sobre a natureza humana, ainda que oferecessem explicações


mais sistematizadas e reflexivas do que as narrativas mitológicas, acabaram se mostrando
ineficazes para predizer ou compreender os comportamentos humanos, uma vez que estavam
calcadas em hipóteses nem sempre viáveis de uma comprovação ou observação sistemática:
como poderia ser possível observar a manifestação da alma humana? Qual seria a prova material
da alma?

No contexto do Iluminismo, movimento cultural europeu que se iniciou entre os séculos XVII
e XVIII e que valorizava a razão como instrumento para validação do conhecimento, as diversas
especialidades científicas foram se estruturando: a Medicina moderna, a Sociologia, a História e a
Psicologia, entre outras.

Um marco para a distinção da Psicologia como ciência foi a fundação do primeiro


Laboratório de Psicologia Experimental por Wilhelm Wundt (1872-1920) no ano de 1879 na cidade
de Leipzig, território que hoje pertence à Alemanha. Em seu laboratório Wundt visava compreender
a consciência humana por meio da observação sistemática (mensuração e catalogação) das
sensações e dos sentimentos ou afetos.

Nesta primeira fase de seu desenvolvimento, a Psicologia tomou maior distância das
circunstâncias sociais envolvidas nos comportamentos humanos, uma vez que tais circunstâncias
eram mais difíceis de serem reproduzidas da maneira sistemática em experimentos científicos.
Entretanto, com a eclosão das catástrofes humanitárias na primeira metade do século XX, tais
como o genocídio do povo armênio, os pogroms contra os judeus, as duas guerras mundiais (de
1914 a 1917 e de 1939 a 1945), e a descoberta dos campos de concentração, além da tendência
da Psicologia se afastar da realidade social ser duramente criticada, novas demandas de
atendimento psicológico foram se configurando: era preciso, por exemplo, desenvolver formas de
tratamento para as pessoas acometidas pelos traumas de guerra. É neste contexto que a
especialidade da Psicologia clínica ganha força (Schultz e Schultz, 2015).

Conforme destaca Figueiredo (1996) a psicologia clínica não se define pelo local em que é
realizada (um consultório, por exemplo), mas pela escuta e acolhida de qualidade que oferece a
pessoa acometida por um sofrimento seja ele físico ou psíquico, pois corpo e mente interagem
entre si fazendo com que os males físicos alterem o equilíbrio psíquico e vice-versa.

Para Dutra (2004, s/p): “não importa em que lugar ou espaço o ato clínico aconteça, seja no
âmbito privado ou público, numa relação diádica, grupal ou coletiva. Este será sempre um fazer
psicológico que se pautará em concepções teóricas e metodológicas que refletirão uma postura
diante do sofrimento ou fenômeno psicológico que se coloca diante dele. Melhor dizendo, o ato
clínico se pautará muito mais por uma ética do que por referenciais teóricos fechados”.

No esteio de Dutra (2004) é que Gondar (2006) ratifica que a psicologia clínica não se
define por um espaço, mas antes por uma modalidade de escuta, já que quando as questões
humanas aparecem, ainda que sejam “no seio de uma família, numa escola ou numa relação

7
amorosa, trata-se sempre do quanto e de como o desejo pode produzir e se expressar” (s/p) a
partir de condições adversas; trata-se, portanto, de promover, por meio da psicologia clínica, a
potencialização das maneiras de ser e de viver ou, em outras palavras, a valorização das
modalidades de subjetivação.

No documento descritivo das atribuições profissionais do psicólogo no Brasil que o


Conselho Federal de Psicologia (CFP) entregou ao Ministério do Trabalho em 17 de outubro de
1992 para incluir oficialmente a Psicologia no catálogo brasileiro de ocupações, a Psicologia clínica
é descrita da seguinte forma:

Atua na área específica da saúde, colaborando para a compreensão dos


processos intra e interpessoais, utilizando enfoque preventivo ou curativo,
isoladamente ou em equipe multiprofissional em instituições formais e
informais. Realiza pesquisa, diagnóstico, acompanhamento psicológico, e
intervenção psicoterápica individual ou em grupo, através de diferentes
abordagens teóricas (Conselho Federal de Psicologia, 1992, p.1).

1.2 As atribuições de um(a) psicólogo(a) clínico(a)

O documento das atribuições profissionais do psicólogo no Brasil redigido em 1992 pelo CFP inclui
a descrição de ocupação em psicologia clínica, com o detalhamento das dezenove atribuições
referentes a esta especialidade. Elas incluem:

Tabela 1 - As atribuições da Psicologia clínica no Brasil

1 – Realização de avaliação e diagnóstico psicológicos de entrevistas, observação, testes e dinâmica de


grupo, com vistas à prevenção e tratamento de problemas psíquicos.

2– Realização de atendimento psicoterapêutico individual ou em grupo, adequado às diversas faixas


etárias, em instituições de prestação de serviços de saúde, em consultórios particulares e em instituições
formais e informais.

3 – Realização de atendimento familiar e/ou de casal para orientação ou acompanhamento


psicoterapêutico

4 – Realização de atendimento a crianças com problemas emocionais, psicomotores e psicopedagógico.

5- Acompanhar psicologicamente gestantes durante a gravidez, parto e puerpério, procurando integrar


suas vivências emocionais e corporais, bem como incluir o parceiro, como apoio necessário em todo este
processo.

6- Preparar o paciente para entrada, permanência e alta hospitalar, inclusive em hospitais psiquiátricos.

7- Trabalhar em situações de agravamento físico e emocional, inclusive no período terminal, participando


das decisões com relação à conduta a ser adotada pela equipe, como: internações, intervenções
cirúrgicas, exames e altas hospitalares.

8- Participar da elaboração de programas de pesquisa sobre a saúde mental da população, bem como
sobre a adequação das estratégias diagnosticas e terapêuticas a realidade psicossocial da clientela.

9- Criar, coordenar e acompanhar, individualmente ou em equipe multiprofissional, tecnologias próprias ao


treinamento em saúde, particularmente em saúde mental, com o objetivo de qualificar o desempenho de

8
várias equipes.

10- Participar e acompanhar a elaboração de programas educativos e de treinamento em saúde mental, a


nível de atenção primária, em instituições formais e informais como: creches, asilos, sindicatos,
associações, instituições de menores, penitenciárias, entidades religiosas e etc.

11- Colaborar, em equipe multiprofissional, no planejamento das políticas de saúde, em nível de macro e
microssistemas.

12- Coordenar e supervisionar as atividades de Psicologia em instituições e estabelecimentos de ensino


e/ou de estágio, que incluam o tratamento psicológico em suas atividades.

13-Realizar pesquisas visando a construção e a ampliação do conhecimento teórico e aplicado, no campo


da saúde mental.

14- Atuar junto à equipe multiprofissionais no sentido de levá-las a identificar e compreender os fatores
emocionais que intervém na saúde geral do indivíduo, em unidades básicas, ambulatórios de
especialidades, hospitais gerais, prontos-socorros e demais instituições.

15- Atuar como facilitador no processo de integração e adaptação do indivíduo à instituição. Orientação e
acompanhamento a clientela, familiares, técnicos e demais agentes que participam, diretamente ou
indiretamente dos atendimentos.

16- Participação nos planejamentos e realização de atividades culturais, terapêuticas e de lazer com o
objetivo de propiciar a reinserção social da clientela egressa de instituições.

17-Participação em programas de atenção primária em Centros e Postos de Saúde ou na comunidade,


organizando grupos específicos, visando a prevenção de doenças ou do agravamento de fatores
emocionais que comprometam o espaço psicológico.

18- Realização de triagem e encaminhamentos para recursos da comunidade, sempre que necessário.

19- Participação na elaboração, execução e análise da instituição, realizando programas, projetos e planos
de atendimentos, em equipes multiprofissionais, com o objetivo de detectar necessidades, perceber
limitações, desenvolver potencialidades do pessoal envolvido no trabalho da instituição, tanto nas
atividades fim, quanto nas atividades meio.

Fonte: Adaptado de Conselho Federal de Psicologia, 1992, p. 2-3.

A Resolução nº13/2007 do CFP institui as 12 especialidades em Psicologia no Brasil e as


maneiras de obter a titulação em cada uma das especialidades. Elas incluem: 1. ter um certificado
ou diploma no curso de Psicologia fornecido por uma instituição de ensino superior (IES) que seja
reconhecida pelo Ministério da Educação (MEC); e 2. ter experiência comprovada na área
requerida para titulação de pelo menos 2 anos e um certificado em curso de especialização na área
reconhecido pelo MEC e autorizado pelo CFP, ou ser aprovado concurso de provas e títulos
promovido pelo CFP e comprovar experiência de atuação na área requerida para titulação de pelo
menos 5 anos. Nesta mesma resolução, no Anexo II, o (a) psicólogo (a) especialista em Psicologia
clínica recebe a seguinte descrição:

9
Tabela 2 – Descrição do(a) Psicólogo(a) especialista em Psicologia clínica

Atua na área específica da saúde, em diferentes contextos, através de intervenções que visam reduzir o
sofrimento do homem, levando em conta a complexidade do humano e sua subjetividade. Estas
intervenções tanto podem ocorrer a nível individual, grupal, social ou institucional e implicam em uma
variada gama de dispositivos clínicos já consagrados ou a serem desenvolvidos, tanto em perspectiva
preventiva, como de diagnóstico ou curativa. Sua atuação busca contribuir para a promoção de mudanças
e transformações visando o benefício de sujeitos, grupos, situações, bem como a prevenção de
dificuldades. Atua no estudo, diagnóstico e prognóstico em situações de crise, em problemas do
desenvolvimento ou em quadros psicopatológicos, utilizando, para tal, procedimentos de diagnóstico
psicológico tais como: entrevista, utilização de técnicas de avaliação psicológica e outros. Desenvolve
trabalho de orientação, contribuindo para reflexão sobre formas de enfrentamento das questões em jogo.
Desenvolve atendimentos terapêuticos, em diversas modalidades, tais como psicoterapia individual, de
casal, familiar ou em grupo, psicoterapia lúdica, terapia psicomotora, arteterapia, orientação de pais e
outros. Atua junto a equipes multiprofissionais, identificando, compreendendo e atuando sobre fatores
emocionais que intervêm na saúde geral do indivíduo, especialmente em unidades básicas de saúde,
ambulatórios e hospitais. Atua em contextos hospitalares, na preparação de pacientes para a entrada,
permanência e alta hospitalar, inclusive pacientes terminais, participando de decisões com relação à
conduta a ser adotada pela equipe, para oferecer maior apoio, equilíbrio e proteção aos pacientes e seus
familiares. Participa de instituições específicas de saúde mental, como hospitais-dia, unidades
psiquiátricas e outros, podendo intervir em quadros psicopatológicos tanto individual como grupalmente,
auxiliando no diagnóstico e no esquema terapêutico proposto em equipe. Atende a gestante, no
acompanhamento ao processo de gravidez, parto e puerpério, contribuindo para que a mesma possa
integrar suas vivências emocionais e corporais. Atua junto aos indivíduos ou grupos na prevenção,
orientação e tratamento de questões relacionadas a fases de desenvolvimento, tais como adolescência,
envelhecimento e outros. Participa de programas de atenção primária e centros e postos de saúde na
comunidade, organizando grupos específicos na prevenção de doenças ou no desenvolvimento de formas
de lidar com problemas específicos já instalados, procurando evitar seu agravamento em contribuir ao
bem-estar psicológico. Acompanha programas de pesquisa, treinamento e desenvolvimento de políticas de
saúde mental, participando de sua elaboração, coordenação, implementação e supervisão, para garantir a
qualidade da atenção à saúde mental em nível de macro e microsistema.

Fonte: Adaptado de CFP, 2007.

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Considerações Finais

Em 27 de agosto de 2005 durante o XIII Plenário do Conselho Federal de Psicologia realizado em


Brasília foi instituído o Código de Ética Profissional do(a) psicólogo(a) atualmente em vigor no país.
O código é válido para as 12 especialidades reconhecidas em Psicologia, trazendo importantes
parâmetros para o exercício da profissão em conformidade com a Declaração Universal dos
Direitos Humanos postulada pela ONU (Organizações das Nações Unidas) em 1948 e a
Constituição Federal promulgada em 1988. O código conta com 25 artigos ao todo, e vale à pena
consultá-lo para o exercício de boas práticas em Psicologia clínica.

De um modo sintético, podemos afirmar que o código de ética profissional em Psicologia


visa promover o respeito à liberdade, à saúde e à qualidade de vida; estimular o exercício da
responsabilidade social; universalizar o acesso da população às informações sobre a atuação em
Psicologia; censurar situações em que o exercício profissional esteja descaracterizado; contribuir
para a eliminação de situações de opressão, exploração e violência por meio da atuação em
Psicologia; e situar a Psicologia como instrumento de análise crítica da realidade social.

Em seu artigo 1º são discriminados os deveres fundamentais do(a) psicólogo(a):

Assumir responsabilidades profissionais somente por atividades para as


quais esteja capacitado pessoal, teórica e tecnicamente; prestar serviços
psicológicos de qualidade, em condições de trabalho dignas e apropriadas à
natureza desses serviços, utilizando princípios, conhecimentos e técnicas
reconhecidamente fundamentados na ciência psicológica, na ética e na
legislação profissional; prestar serviços profissionais em situações de
calamidade pública ou de emergência, sem visar benefício pessoal; (...)
informar, a quem de direito, os resultados decorrentes da prestação de
serviços psicológicos (...); orientar a quem de direito sobre os
encaminhamentos apropriados, a partir da prestação de serviços psicológicos
(...); zelar para que a comercialização, aquisição, doação, empréstimo,
guarda e forma de divulgação do material privativo do psicólogo sejam feitas
(...); ter, para com o trabalho dos psicólogos e de outros profissionais,
respeito, consideração e solidariedade (...); sugerir serviços de outros
psicólogos, sempre que, por motivos justificáveis, não puderem ser
continuados pelo profissional que os assumiu inicialmente, fornecendo ao seu
substituto as informações necessárias à continuidade do trabalho; levar ao
conhecimento das instâncias competentes o exercício irregular da profissão
(Conselho Federal de Psicologia, p. 8-9).

Já em seu artigo 2° o código determina o que é vedado ao psicólogo(a):

Praticar ou ser conivente com quaisquer atos que caracterizem negligência,


discriminação, exploração, violência, crueldade ou opressão; induzir a
convicções políticas, filosóficas, morais, ideológicas, religiosas, de orientação
sexual ou a qualquer tipo de preconceito, quando do exercício de suas
funções profissionais; utilizar ou favorecer o uso do conhecimento e a
utilização de práticas psicológicas como instrumentos de castigo, tortura ou
qualquer forma de violência; (...) emitir documentos sem fundamentação e
qualidade técnico-científica; interferir na validade e fidedignidade de
instrumentos e técnicas psicológicas (...); estabelecer com a pessoa
atendida, familiar ou terceiro, que tenha vínculo com o atendido, relação que
possa interferir negativamente nos objetivos do serviço prestado; ser perito,
avaliador ou parecerista em situações nas quais os vínculos pessoais ou

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profissionais, atuais ou anteriores, possam afetar a qualidade do trabalho a
ser realizado ou a fidelidade aos resultados da avaliação; (...) prolongar,
desnecessariamente, a prestação de serviços profissionais; pleitear ou
receber comissões, empréstimos, doações ou vantagens de qualquer
espécie, além dos serviços contratados, assim como intermediar transações
financeiras; receber, pagar remuneração ou porcentagem por
encaminhamento de serviços; realizar diagnósticos, divulgar procedimentos
ou apresentar resultados de serviços psicológicos em meios de comunicação,
de forma a expor pessoas, grupos ou organizações (Conselho Federal de
Psicologia, 2005, p. 10-11).

O código de ética fornece ainda: instruções para a remuneração pelo trabalho do(a)
psicólogo(a), parâmetros para o estabelecimento das relações com outros profissionais; instruções
quanto ao sigilo do serviço prestado; instruções para depoimento em juízo quando solicitado;
parâmetros para a confecção de documentos psicológicos e para o atendimento à crianças e
adolescentes, orientações para a realização de estudos, pesquisas e atividades em Psicologia,
entre outras informações valiosas para o exercício da Psicologia clínica.

Resumindo

Neste capítulo definimos no que consiste a Psicologia clínica enquanto especialidade da Psicologia
geral e descrevemos quais são as atribuições de um(a) psicólogo(a) clínico.

Verificamos que quando tratamos à respeito da Psicologia clínica, estamos falando de um


campo do conhecimento científico, uma disciplina teórica e prática e também de uma especialidade
profissional que se dedica à compreensão do comportamento humano em suas diversas
manifestações, e que a Psicologia clínica constitui uma das doze especialidades em Psicologia
delimitadas pela Resolução nº13/2007 do Conselho Federal de Psicologia, que a delimita a sua
atuação “na área específica da saúde, em diferentes contextos, através de intervenções que visam
reduzir o sofrimento do homem, levando em conta a complexidade do humano e sua subjetividade.
Estas intervenções tanto podem ocorrer a nível individual, grupal, social ou institucional e implicam
uma variada gama de dispositivos clínicos já consagrados ou a serem desenvolvidos, tanto em
perspectiva preventiva, como de diagnóstico ou curativa” (CFP, 2007, s/p).

Observamos que entre as atribuições da Psicologia clínica estão incluídos: a Realização de


avaliação e diagnóstico psicológicos de entrevistas, observação, testes e dinâmica de grupo, com
vistas à prevenção e tratamento de problemas psíquicos; e a Realização de atendimento
psicoterapêutico individual ou em grupo, adequado às diversas faixas etárias, em instituições de
prestação de serviços de saúde, em consultórios particulares e em instituições formais e informais.

Também aprendemos que o exercício da Psicologia clínica, bem como de todas as outras
especialidades em Psicologia no Brasil devem estar pautadas pelo Código de Ética Profissional
do(a) psicólogo(a), aprovado em 27 de agosto de 2005 e atualmente em vigor no país.

12
Reflita
No código de ética estão descritos os princípios fundamentais para o exercício profissional em
Psicologia no Brasil. Eles incluem que: “I. O psicólogo baseará o seu trabalho no respeito e na
promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e da integridade do ser humano, apoiado nos
valores que embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos. II. O psicólogo trabalhará
visando promover a saúde e a qualidade de vida das pessoas e das coletividades e contribuirá
para a eliminação de quaisquer formas de negligência, discriminação, exploração, violência,
crueldade e opressão” (Conselho Federal Psicologia, 2005, p. 7).

Colocar após Considerações finais

Lembre-se
A Psicologia clínica constitui uma das 12 especialidades em Psicologia listadas na Resolução n°
13/2007 do Conselho Federal de Psicologia.

Colocar após item 1.1

Tome Nota
Lo Bianco (et. al, 1994) por meio de um estudo que visava o mapeamento do perfil do psicólogo
brasileiro encontraram a especialidade em psicologia clínica como aquela que domina o campo de
atuação no Brasil, característica que os autores associam ao contexto sócio-histórico no qual a
profissão surgiu no país. Lo Bianco (et. al, 1994), sinalizam em seu trabalho que a atividade clínica
em geral é a primeira, e possivelmente a mais segura, especialidade de atuação de psicólogos
recém-formados no Brasil. Ao entrevistar os participantes do estudo, os autores constataram que a
atuação clínica absorve um maior número de profissionais psicólogos na medida em que suas
carreiras se desenvolvem.

Colocar após item 1.2

Investigue
De acordo com Meira e Nunes (2005), “o interesse pela Psicologia Clínica pelos estudantes de
Psicologia e, mais especificamente, pela Psicoterapia é, em grande parte, influenciado pelo corpo
docente, que exerce estímulo direto no encaminhamento do seu aluno. No estudo realizado por
Gomes, Teixeira, Crescente, Fachel, Sehn e Klarmann (1996), é enfatizada esta idéia: muitas
vezes é por influência dos professores que os estudantes procuram tratamento psicoterapêutico
como parte da sua formação profissional, e, mostram-se favoráveis a eles por serem incentivados
na graduação (...). Ao fazerem comparações entre estudantes de Psicologia e os de outros cursos
universitários (não especificados no artigo), Gomes e cols. (1996) afirmam que os alunos de
Psicologia consultam um psicoterapeuta cerca de 25% a mais do que os que pertencem a outras
graduações”. E você? Já faz ou tem interesse em realizar psicoterapia individual ou em grupo? Se
sim, o que te motiva neste interesse? Converse com os seus colegas de turma à respeito do tema.

Colocar após Considerações finais

13
Hiperlink
Na base de dados Scielo@ você poderá encontrar o artigo científico intitulado “Psicologia clínica e
ética – do objetivo deste trabalho: a íntima relação de fundação entre a psicologia clínica e a ética”,
escrito por Francisco Martins, que é doutor em psicologia e professor universitário, e que aborda
sobre o exercício ético da psicologia clínica, realizando, para tanto, uma distinção entre ética e
moral, uma explanação sobre o que é a ética de Claude Bernard, uma teorização sobreo corpo na
experiência clínica, uma articulação sobre o discurso e o desejo do outro na clínica e uma
explanação sobre a vergonha e a culpa: o sujeito em luta consigo mesmo, isto é, com a sua moral.
https://www.scielo.br/j/pcp/a/M3T4LL8ZGskXp8GxwYBvZPK/?lang=pt

(colocar após item 1.2).

Façamos Juntos
(Questão 19 - ENADE - 2015)
A Psicologia se reconhece e é socialmente reconhecida como um campo multifacetado e dividido
em várias áreas de atuação. Tais áreas configuram temáticas, problemas, conhecimentos,
tecnologias, modos de pensar e de atuar sobre as demandas oriundas de diferentes seguimentos e
contextos sociais. In. BASTOS, A.V.LB.; GONDIM, S.M G. (org). O trabalho do psic[ologo no Brasil:
um exame à luz das categorias da psicologia organizacional e do trabalho. Porto Alegre: Artmed,
2010. (adaptado).
Em agosto de 2015, comemoram-se 53 anos de regulamentação da Psicologia como profissão no
Brasil. As mudanças contemporâneas, o avanço do conhecimento e as transformações na
realidade nacional propiciaram alterações significativas nessa área no decorrer do período.
Considerando esse contexto, avalie as asserções a seguir e a relação proposta entre elas.
I. A clínica tradicional, centrada no atendimento individual, tem sido substituída por
modalidades de atendimento grupal e familiar, ocasionando a perda de identidade
profissional do psicólogo.
Porque:
II. O surgimento de novas áreas de atuação, como as de saúde e de assistência social,
tem representado possibilidades de inserção do psicólogo em contextos além da clínica.
A respeito dessas asserções, assinale a opção verdadeira:
A. As asserções I e II são proposições verdadeiras, e a II é uma justificativa correta da I.
B. As asserções I e II são proposições verdadeiras, mas a II não é uma justificativa correta da
I.
C. A asserção I é uma proposição verdadeira, e a II é uma proposição falsa.
D. A asserção I é uma proposição falsa, e a II é uma proposição verdadeira.
E. As asserções I e II são proposições falsas.
Comentário: Conforme vimos no item 1.1 do livro texto, a atuação em psicologia clínica não se
restringe ao espaço físico de um consultório, mas a um tipo de escuta do sofrimento humano por
meio de técnicas e teorias psicológicas, portanto pode se dar em lugares variados e na modalidade
individual ou em grupo; a possibilidade de atuação em diferentes contextos não desfigura a
identificação ou atuação profissional. A alternativa correta, portanto, é a letra D.

Faça Você Mesmo – Questão Objetiva


(Questão 30 - Conselho Federal de Psicologia - Prova para a obtenção do título de especialista em
Psicologia clínica – 2012).
A conceituação do psicólogo clínico entende-se como:
A. O profissional que atende em consultório particular.

14
B. O profissional que atende a indivíduos, grupos ou famílias.
C. O profissional que trabalha no regime de profissional liberal.
D. O profissional que aplica um corpo de teorias à sua prática clínica.
E. Nenhuma das alternativas anteriores é correta.

Faça Você Mesmo – Questão Discursiva


A partir da tirinha abaixo, comente sobre a importância da atuação ética em Psicologia clínica:

Bibliografia Comentada
No documento Atribuições profissionais do psicólogo no Brasil, editado pelo Conselho Federal de
Psicologia, é possível ter contato com a descrição das atribuições da especialidade em Psicologia
clínica, bem como das outras especialidades em Psicologia regulamentadas no Brasil. A Resolução
n° 13/2007, também editada pelo CFP, oferece em seu anexo II um descritivo sintético de cada
uma das doze especialidades. Os documentos estão disponíveis na íntegra para leitura no site do
CFP: https://site.cfp.org.br/.

Glossário
Gama: tipos, variantes.
Genocídio: extermínio deliberado, parcial ou total, de uma comunidade, grupo étnico, racial ou
religioso.
Morbidez: abatimento físico ou psíquico, ausência de vigor, de força e de vitalidade; estado de
esgotamento e prostração.
Pogroms: palavra de origem russa que significa “causar estragos, destruir violentamente”.;
costuma ser utilizada para designar os ataques violentos sofridos pela população judaica residente
do território do império russo entre os séculos XIX e XX.

15
Subjetividade: realidade psíquica, emocional e cognitiva do ser humano, passível de manifestar-
se simultaneamente nos âmbitos individual e coletivo, e comprometida com a apropriação de
objetos externos; é o que confere a singularidade até mesmo entre dois seres humanos com o
mesmo material genético.

Referências Bibliográficas

AMERICAN PSYCHOLOGICAL ASSOCIATION – APA (2016). APA Handbook of clinical


Psychology. New York: APA, v. 2.
ARANHA, M.L.; MARTINS, M. H. P. (2009). Filosofando: introdução à Filosofia. São Paulo:
Moderna.
CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. (1992). Atribuições profissionais do psicólogo no Brasil.
Disponível em: https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2008/08/atr_prof_psicologo.pdf. Acesso
em 10 de janeiro de 2022.
__________________________________. (2005). Código de ética profissional do psicólogo.
Distrito Federal: Brasília.
__________________________________. (2007). Resolução CFP n°013/2007. Disponível em:
https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2008/08/Resolucao_CFP_nx_013-2007.pdf. Acesso em
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CULLARI, S. (2001). Fundamentos de Psicologia clínica. México: Person Educación.
DUTRA, E. (2004). Considerações sobre as significações da Psicologia clínica na
contemporaneidade. São Paulo: Estudos em Psicologia, v.9, n.2.
FIGUEIREDO, L. C. (1996). Revisitando as Psicologias: da Epistemologia à Ética das práticas e
discursos psicológicos. Petrópolis: Educ.
GONDAR, J. (2006). A clínica como prática política. Disponível em:
http://www.estadosgerais.org/mundial_rj/download/5c_Gondar_147161003_port.pdf#search='palavr
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implicações para a formação. In Conselho Federal de Psicologia (Org.), Psicólogo brasileiro:
práticas emergentes e desafios para a formação (pp. 7-76). São Paulo: Casa do Psicólogo.
MARTINS, F. (1989). Psicologia clínica e ética – do objetivo deste trabalho: a íntima relação de
fundação entre a psicologia clínica e a ética. Disponível em:
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Disponível em: https://www.scielo.br/j/paideia/a/XsSXZ4QvRyDpqJXh6WLqbBg/?lang=pt. Acesso
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https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues . Acesso em 10 de janeiro de
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MOREIRA, J.; et al. (2007). O surgimento da clínica psicológica: da prática curativa aos dispositivos
de promoção da saúde. Disponível em:

16
https://www.scielo.br/j/pcp/a/BBv99MqzHbTRwVHprgvvR6P/?lang=pt. Acesso em 10 de janeiro de
2022.
SCHULTZ, S.; SCHULTZ, D.P (2015). Teorias da personalidade. São Paulo: Cengage.

17
UNIDADE I
CAPÍTULO 2 – A PSICOLOGIA COMO CIÊNCIA E A
PSICOLOGIA CLÍNICA COMO ESPECIALIDADE EM
PSICOLOGIA
No término deste capítulo, você deverá saber:
 Compreender como a Psicologia surge como ciência
 Identificar que lugar a Psicologia clínica ocupa na história da Psicologia

Introdução

Conforme já visto no capítulo 1, o desejo de compreender o comportamento humano antecede o


surgimento da Psicologia como ciência e remonta aos períodos mais antigos da História da
humanidade, atravessando desde as narrativas mitológicas até o desenvolvimento da Filosofia, e
se manifestando nos esforços de filósofos como Sócrates, Platão e Aristóteles.

A origem etimológica da palavra Psicologia deriva do latim: psiqué corresponde à alma e


logos à razão. Logo a palavra psicologia remete ao estudo da alma. Aristóteles, discípulo de
Platão, foi um importante filósofo que se propôs ao estudo da alma. Aristóteles acreditava que o
que diferenciava os humanos dos animais irracionais era a capacidade de pensar, atributo da alma
humana. Todos os seres seriam dotados de uma alma, mas somente a alma humana seria capaz
de desenvolver o pensamento. Por isso é que para Aristóteles a alma humana estaria localizada no
cérebro.

A Psicologia tem, portanto, as suas raízes lançadas a partir da Filosofia; os primeiros


filósofos, entretanto, que se propuseram a explorar a natureza humana, o fizeram a partir da
especulação, intuição e generalização a respeito da alma – já que esta não poderia ser observada
a olho nu. Tratava-se de explorar a natureza humana por meio do conhecimento metafísico e não
por meio de metodologias científicas práticas e sistematizadas.

Para alcançar o estatuto de ciência e se consolidar de maneira independente da Filosofia, a


Psicologia teve de romper com as raízes filosóficas e passar a adotar métodos científicos oriundos
das ciências físicas e biológicas.

É no contexto do movimento iluminista e do surgimento e consolidação das diversas


ciências entre os séculos XIX e XX que um fato histórico será significativo para a consolidação da
Psicologia como ciência: a fundação do Primeiro Laboratório de Psicologia Experimental, em 1875,
por Wilhelm Wundt (1832-1920), na Universidade de Leipzig, situada no território que hoje compõe
a Alemanha. Neste laboratório, à diferença dos filósofos que especulavam sobre a natureza
humana a partir da alma (um elemento imaterial), Wundt se proporá a analisar a natureza humana
por meio da observação material de determinados elementos: percepções, sensações e
sentimentos. Wundt situava a pessoa que é alvo de uma experiência científica como a protagonista
no fornecimento de informações: mediante a aplicação de um estímulo específico no laboratório tal
pessoa deveria descrever as próprias percepções; paralelamente, um observador documentava
cuidadosamente as respostas da pessoa e o tempo que ela levava para emiti-las a partir da

18
aplicação do estímulo. Nascia assim um método científico de observação do comportamento
humano.

Reflita
“Para Wundt, a psicologia era uma ciência intermediária entre as ciências da natureza e as ciências
da cultura. Sua obra se estende da psicologia experimental fisiológica à psicologia social. Ou seja,
desde seu início, o lugar da psicologia entre as ciências é um tanto incerto, e um dos méritos de
Wundt foi o de conceber a psicologia nessa posição intermediária. O objeto da psicologia é, para
Wundt, a experiência imediata dos sujeitos, embora ele não esteja primordialmente interessados
nas diferenças entre esses sujeitos. Experiência imediata é a experiência tal como o sujeito a vive
antes de se se pôr a pensar sobre ela, antes de comunicá-la, antes de conhecê-la. É, em outras
palavras, a experiência tal como se dá” (Figueiredo e Santi, 2008).

2.1 O surgimento da Psicologia como ciência

De acordo com Bock, Furtado e Teixeira (2001, p. 31) a Psicologia se tornou independente como
área científica em 1875 quando Wundt fundou o laboratório de Psicologia Experimental em Leipzig,
pois tal fato significou a possibilidade de pensar Psicologia separadamente “de ideias abstratas e
espiritualistas, que defendiam a existência de uma alma nos homens, a qual seria a sede da vida
psíquica. A partir daí, a história da Psicologia é de fortalecimento de seu vínculo com os princípios
e métodos científicos. A ideia de um homem autônomo, capaz de se responsabilizar pelo seu
próprio desenvolvimento e pela sua vida, também vai se fortalecendo a partir desse momento”.

Atualmente a Psicologia não é capaz de explicar todos os fatos que dizem respeito à
natureza humana. Deve-se a isso o fato dela ser uma ciência relativamente nova (pouco mais de
100 anos) e de, tal como todas as outras ciências e objetos inanimados do mundo, ser uma criação
humana e, por conseguinte, estar sujeita a falhas.

Dadas as suas limitações, a Psicologia não pretende esgotar todos os fatos a respeito do
humano, e nem se sobrepor às outras ciências em suas especificidades. O que ela faz é estudar
sobre o humano a partir de uma metodologia e objeto específicos – já que é isto, partir de uma
metodologia e possuir um objeto específico, o que diferencia as variadas ciências do conhecimento
produzido pelo senso comum.

Cabe então esclarecer qual é o objeto e a metodologia da Psicologia antes que possamos
nos aprofundar na história de como ela se firmou como ciência.

Para Bock, Furtado e Teixeira (2001) o objeto de estudo da Psicologia é “subjetividade: é


essa a sua forma particular, específica de contribuição para a compreensão da totalidade da vida
humana (...). A subjetividade é a síntese singular que cada um de nós vai constituindo conforme
vamos nos desenvolvendo e vivenciando as experiências da vida social e cultural” (p.27). Tal
síntese, se por um lado nos singulariza (faz com que cada pessoa seja diferente da outra, mesmo
em se tratando se gêmeos idênticos), por outro nos iguala na condição humana – ser um
emaranhado de elementos biológicos, psicológicos e sociais –, tanto que o ser humano também é
definido enquanto ser biopsicossocial. A subjetividade é composta pelo “mundo das ideias,
significados e emoções construído internamente pelo sujeito a partir de suas relações sociais, de

19
suas vivências e de sua constituição biológica; é, também, fonte de suas manifestações afetivas e
comportamentais” (p.28). Em suma, a subjetividade é o que nos confere a nossa identidade.

Pensar o ser humano a partir da subjetividade diferencia a Psicologia da Filosofia na medida


em que tal subjetividade pode ser observada a partir dos comportamentos emitidos em um
contexto específico. É por isso que, a depender do manual ou livro de Psicologia que você estiver
lendo, poderá encontrar que o objeto de estudo da Psicologia é o comportamento; isso ocorre
porque os comportamentos humanos são situados enquanto manifestações da subjetividade. Em
resumo, se afirmarmos que o objeto de estudo da psicologia é o comportamento, ou se afirmarmos
que tal objeto é a subjetividade, ambas as afirmações estarão corretas.

E quanto à metodologia da Psicologia? Conforme vamos verificar por meio do percurso


histórico de desenvolvimento da Psicologia como ciência, tal método varia de acordo com a ênfase
que as diferentes abordagens teóricas vão dando à subjetividade e/ou comportamento. Em
Psicologia existem diferentes abordagens, também chamadas de escolas, tendências ou
movimentos. É importante não confundir a abordagem com a especialidade: conforme veremos a
seguir, a abordagem se trata da maneira como a teoria e metodologia psicológica são estruturadas
(Associacionismo, estruturalismo, funcionalismo, Gestalt etc.). Já a especialidade delimita a
especificidade do campo de atuação em Psicologia (Psicologia clínica, Psicologia social, Psicologia
escolar etc.). Podemos ver presentes em cada uma das especialidades em Psicologia as diferentes
abordagens. Por exemplo: um(a) psicólogo(a) clínico (a) pode adotar a Gestalt, o
comportamentalismo ou o funcionalismo, entre outras abordagens, para atuar.

Para entender como as diferentes abordagens desenvolveram as suas metodologias,


precisamos antes resgatar o percurso histórico da Psicologia.

Na Antiguidade Clássica (VIII a.C – V d.C.), com o desenvolvimento da Filosofia, Sócrates


trouxe a preocupação em diferenciar o ser humano dos animais: para ele, “a razão permitia ao
homem sobrepor-se aos instintos, que seria a base da irracionalidade. Ao definir a razão como
peculiaridade ou como essência humana, Sócrates abre um caminho que seria muito explorado
pela Psicologia” (Bock, Furtado e Teixeira, 2001, p. 41).

Platão (427-322 a.C), que foi discípulo de Sócrates, buscou delimitar a localização da razão
no corpo. “Definiu esse lugar como sendo a cabeça, onde se encontra a lama do homem. A medula
seria, portanto, o elemento de ligação da alma com o corpo. Este elemento de ligação seria
necessário porque Platão concebia a alma separada do corpo” (Bock, Furtado e Teixeira, 2001, p.
42).

Aristóteles (384-322 a.C) que, por sua vez, foi discípulo de Platão, discordou do seu mestre
ao propor que não haveria separação entre a alma e o corpo. Para ele:

Tudo aquilo que cresce, se reproduz e se alimenta possui a sua psyché ou


alma. Desta forma, os vegetais, os animais e o homem teriam alma. Os
vegetais teriam a alma vegetativa, que se define pela função de alimentação
e reprodução. Os animais teriam essa alma e a alma sensitiva, que tem a
função de percepção e movimento. E o homem teria os dois níveis anteriores
e a alma racional, que tem a função pensante (Bock, Furtado e Teixeira,
2001, p. 42).

Em um ponto Aristóteles concordava com Platão: a sede da razão, ou alma, seria a cabeça.
A alma racional seria a manifestação da divindade no homem.

20
Já durante a Idade Média (476 d.C. – 1453 d.C.) por conta do forte poder político,
econômico e cultural que a Igreja Católica exercia, os filósofos tentarão articular as suas teorias
sobre a natureza humana ao conhecimento religioso.

Agostinho de Hipona (354-430 d.C), também conhecido como Santo Agostinho, irá se
inspirar tanto em Platão quanto em Aristóteles: para ele, haveria uma separação entre a alma e o
corpo, no entanto, a alma representaria a manifestação divina no homem. “A alma era imortal por
ser o elemento que liga o homem a Deus. E, sendo a alma também a sede do pensamento, a
Igreja passa a se preocupar também com a sua compreensão” (Bock, Furtado e Teixeira, 2001, p.
44).

São Tomás de Aquino (1225-1274), por sua vez, se inspirou em Aristóteles para separar a
essência da existência. Tal como “o filósofo grego, [ele] considera que o homem, na sua essência,
busca a perfeição através de sua existência. Porém, introduzindo o ponto de vista religioso, ao
contrário de Aristóteles, afirma que somente Deus seria capaz de reunir a essência e a existência,
em termos de igualdade. Portanto, a busca de perfeição pelo homem seria a busca de Deus”
(Bock, Furtado e Teixeira, 2001, p. 44).

No período do Renascimento (século XIV – século XVI) René Descartes (1596-1659) se


destaca como filósofo. Ele acreditava, assim como Platão, que haveria uma separação entre a
mente (sede da alma) e o corpo, e que o corpo, esvaziado da alma, não seria mais do que uma
máquina a serviço da vida. Por conta desta separação entre mente e corpo, também chamada de
dualismo psicofísico, é que será possível o desenvolvimento da Anatomia por meio do estudo do
corpo morto, coisa inconcebível em séculos anteriores já que, conforme defendia a Igreja Católica,
a alma estaria ligada ao corpo e, por conseguinte, cortar o corpo para procedimentos exploratórios
representaria uma profanação do divino.

Já no século XIX será a fundação do laboratório em Leipzig por Wundt que marcará o
nascimento da Psicologia enquanto ciência. Mas o que contribui para que este marco histórico
aconteça é o desenvolvimento da Lei Fechner-Weber, que determina uma correlação entre
sensação e estímulo, viabilizando, por consequência, a mensuração do fenômeno psicológico, até
então considerada impossível de ser realizada:

Segundo Fechner e Weber, a diferença que sentimos ao aumentarmos a


intensidade de iluminação de uma lâmpada de 100 para 110 watts será a
mesma sentida quando aumentamos a intensidade de uma iluminação de
1000 para 1100 watts, isto é, a percepção aumenta em progressão
aritmética, enquanto o estímulo varia em progressão geométrica. Essa lei
teve muita importância para a Psicologia porque instaurou a possibilidade de
medida do fenômeno psicológico (...) porque, para a concepção de ciência da
época, o que não era mensurável não era passível de estudo científico (Bock,
Furtado e Teixeira, p. 20).

Quando Wundt funda o laboratório na Universidade de Leipzig, ele o faz porque desenvolve,
baseado na Lei Fechner-Weber, o conceito de paralelismo psicofísico: de acordo com este
conceito, para cada fenômeno orgânico haveria um correspondente fenômeno mental. Se uma
pessoa fosse picada na pele por uma agulha, por exemplo, haveria uma sensação correspondente
na mente desta pessoa a partir da estimulação disparada no corpo pela picada. É por isso que o
laboratório de Wundt também será chamado de Laboratório de estudos Psicofísicos. É lá que os
fenômenos mentais serão mensurados pela primeira vez.

21
Embora a Psicologia como ciência tenha nascido na Alemanha, será nos Estados Unidos
que ela ganhará mais desenvolvimento, pois é lá que se desenvolverão as três primeiras
abordagens em Psicologia: o funcionalismo, o estruturalismo e o associacionismo.

O funcionalismo proposto por William James (1842-1910) se preocupará em responder “o


quê” e “por quê” os comportamentos humanos ocorrem, ou seja, a função do comportamento. “para
responder a isto, James elege a consciência como o centro de suas preocupações e busca a
compreensão de seu funcionamento, na medida em que o homem a usa para adaptar-se ao meio”
(Bock, Furtado e Teixeira, 2001, p. 52). Para a abordagem funcionalista, portanto, somente os
fenômenos conscientes em sua funcionalidade seriam relevantes para estudo.

Já o estruturalismo formulado por Edward Titchner (1867-1927) se voltará para o mesmo


objeto que o funcionalismo, a consciência, porém com a diferença de que ela será abordada em
seus aspectos estruturais. Tal abordagem focará a exploração dos estados elementares da
consciência entendidos como resultantes de estruturas do sistema nervoso central. Titchner, que
fora bastante influenciado por Wundt, desenvolverá um método de observação baseado no
princípio do introspeccionismo, que consiste na descrição das sensações disparadas por estímulos
aplicados de maneira controlada em laboratório.

O associacionismo formulado por Edward L. Thorndike (1874-1949) articulará, por sua vez,
a primeira teoria de aprendizagem em Psicologia. Isto porque de acordo com o princípio
associacionista, a aprendizagem ocorre por “um processo de associação de ideias – das mais
simples às mais complexas. Assim, para aprender um conteúdo complexo, a pessoa precisaria
primeiro aprender as ideias mais simples, que estariam associadas àquele conteúdo” (Bock,
Furtado e Teixeira, 2001, p. 53). Além do princípio associacionista, Thorndike também formulou a
Lei do efeito que consiste em afirmar que todo comportamento de um organismo vivo (homem ou
animal) tende a se repetir se for recompensado imediatamente após a sua manifestação. Em
contrapartida, um comportamento pode se extinguir se for castigado após a sua emissão. Neste
sentido, a metodologia associacionista consistirá na observação dos comportamentos a partir de
respostas controladas (positivas – recompensa ou negativas – castigo). Esta abordagem
influenciará posteriormente no desenvolvimento da teoria behaviorista.

Já no século XX ganha corpo as três principais teorias adotadas em Psicologia: o


Behaviorismo, a Gestalt e a Psicanálise. Estas teorias serão abordadas com mais detalhes no no
capítulo IV deste livro texto. Por ora, é importante esclarecer que o Behaviorismo focará no
conceito de comportamento (em inglês, behavior, daí o nome da teoria); a Gestalt, por sua vez,
enfatizará a compreensão do homem em sua totalidade a partir da forma dos fenômenos
conscientes; e a Psicanálise adotará como objeto de estudo o inconsciente, passível de ser
observado a partir de atos falhos, chistes, sonhos e sintomas somáticos. Tanto a Gestalt quanto a
Psicanálise serão influenciadas por princípios filosóficos. A Psicanálise é uma teoria que nasce no
campo da Medicina (Freud era neurologista), portanto, não é uma teoria, a princípio, psicológica,
mas que exercerá grande influência na Psicologia por conta de contextualizar comportamentos não
explicáveis à luz da razão consciente.

II.2 O lugar da Psicologia clínica na história da Psicologia

Conforme vimos até aqui, a Psicologia nasce enquanto ciência a partir da possibilidade de
mensurar o seu objeto de estudo: a subjetividade ou comportamento, por meio de suas
manifestações observáveis. Isto significa que, em seus primórdios, a Psicologia não estava voltada

22
para a prática clínica, mas antes, para a exploração dos comportamentos em laboratórios
(psicologia experimental). A partir desta exploração, teorias foram sendo desenvolvidas para
compreender os fenômenos humanos. As demandas que foram se apresentando ao longo do
século XX, marcadas por fatos históricos (tais como as guerras e os traumas gerados por elas),
impulsionaram o desenvolvimento da especialidade clínica em Psicologia: esta, por sua vez,
recebeu a influência não somente das teorias psicológicas, mas das teorias médicas (Psiquiatria,
Psicanálise, entre outras) uma vez que se volta mais para o cuidado e acolhimento de pessoas em
sofrimento psíquico. Isso significa que os marcos históricos do desenvolvimento da Medicina,
principalmente no que diz respeito a prática médica, serão importantes, por sua vez, para a
compreensão da Psicologia clínica.

O desenvolvimento da Medicina e, por conseguinte, da prática clínica, foi fortemente


marcado por Hipócrates (460 a. C- 370 a. C) que introduziu uma observação sistemática dos
sintomas das doenças para a determinação dos cuidados que seriam necessários, desvinculando,
por sua vez, a prática com os doentes de um caráter místico. Justamente por isso é que Hipócrates
é considerado o pai da Medicina. Esta observação sistemática, também chamada de observação
clínica e exame médico hipocrático, envolvia três instrumentos: a observação, a anamnese e o
exame. A observação de todos os elementos que cercavam o contexto do doente, a anamnese
(questionário) aplicada aos doentes para que estes descrevessem a doença e, por fim o exame
(medir a temperatura e auscultar o coração, entre outros). O instrumento da anamnese influenciará
posteriormente o desenvolvimento não somente de todas as especialidades em Medicina
(Psiquiatria, Neurologia, entre outras) como também o desenvolvimento da Psicologia clínica. Isso
porque a anamnese dá voz ao doente, o torna protagonista da narração de seu mal, e busca
contextualizar este mal a partir da narrativa. É por conta disso que Hipócrates desenvolverá, por
exemplo, a teoria dos humores – onde os aspectos da personalidade e manifestações patológicas
de uma pessoa são articuladas a existência de quatro humores que, em desequilíbrio, causam
sofrimento, Segundo esta teoria, a melancolia (tristeza, apatia, prostração) estaria ligada a
presença da bile negra em excesso no organismo. Para chegar a esta conclusão, Hipócrates
perguntava sobre a história dos sintomas e da pessoa que estava sobre os seus cuidados.

De acordo com Foucault (2001) o desenvolvimento da clínica médica inicialmente proposta


por Hipócrates atingirá o seu auge durante o século XIX, quando, por conta dos interesses
econômicos, da reconfiguração geopolítica dos territórios (surgimento dos estados-nação) e da
reconfiguração social e cultural da era Moderna, a Medicina assume um outro papel para além de
tratar as doenças: ela passa a exercer o biopoder – tomando os corpos como alvo de medidas
disciplinares e rotulações ou, em outras palavras, transformando a prática médica em um
instrumento de controle social. Neste contexto, asilos e/ou manicômios serão criados para “acolher”
as pessoas incapazes de responder racionalmente pelos seus atos; os indesejáveis sociais, por
sua vez, serão rotulados como irracionais e asilados. Os instrumentos inicialmente propostos por
Hipócrates, principalmente a anamnese, serão esvaziados da intenção de capturar a singularidade
de cada doente, e se tornarão mais objetivos e padronizados. Isso influenciará, por sua vez, as
práticas clínicas não restritas à Medicina, como a Psicologia.

O termo psicologia clínica foi utilizado pela primeira vez por um psicólogo americano
chamado Lightmer Witmer (1867-1956) para se referir aos procedimentos de avaliação
empregados nas crianças com necessidades especiais que ele atendia em sua clínica. Esta “clínica
psicológica” foi fundada por Witmer na Universidade da Pensilvânia em 1896 com o propósito de
estudar crianças que manifestavam problemas de aprendizagem ou comportamento, e que eram

23
trazidas à clínica por seus pais ou professores. Figueiredo (1995) aponta que neste período a
psicologia clínica tal como a conhecemos hoje estava sendo apenas gestada, posto que embora
Witmer empregasse o termo, ele focava mais nos sintomas fisiológicos das crianças. Witmer, por
sua vez, explica o uso do termo psicologia clínica na Revista Clínica Psicológica, fundada por ele
em 1907:

Embora a psicologia clínica ligava claramente com a medicina, ela é tão


ligada também à sociologia e à pedagogia... Uma abundância de material ao
estudo científica ainda não é utilizado por que o interesse dos psicólogos está
engajado em outros assuntos, e aqueles em contato constante com
fenômenos reais não possuem o treinamento necessário para extrair da
experiência e da observação valor científico... Emprestei o termo "clínico" da
medicina por que é o termo que encontrei que indica o caráter do método que
julgo necessário para este trabalho (Witmer, 1907/1996, p.248).

De acordo com Baker (1988) Witmer delimitou quatro princípios para o que ele nomeou de
Psicologia clínica: concentrar os esforços na investigação estatística e do estado clínico das
pessoas portadoras de deficiência intelectual; fundar clínicas psicológicas e/ou hospitais
especializados no atendimento a pessoas com deficiência intelectual; estabelecer diálogo com
profissionais de outras áreas (Medicina, Serviço social, entre outras) para observação conjunta de
crianças portadoras de deficiência intelectual e crianças com o desenvolvimento dentro do
esperado, a fim de estabelecer as características de cada grupo; treinar psicólogos(as) para que
pudessem ser especializados no atendimento a pessoas mentalmente ou moralmente deficientes
(aqui podemos observar o biopoder referido por Foucault em ação).

Já no século XX a Psicologia clínica somará ao enfoque mais higienista, ligado à influência


exercida pela clínica médica desenvolvida no século XIX, o atendimento às demandas clínicas
surgidas a partir de acontecimentos históricos de forte impacto para a subjetividade, tais como as
duas guerras mundiais e a quebra da bolsa de Nova Iorque em 1929 (que gera uma forte crise
econômica com impacto no mundo inteiro. Estes fatos provocam traumas e/ou neuroses e colocam
em evidência que uma maior atenção deve ser dada à subjetividade.

Em 1935 a Associação de Psicologia Americana (APA) anuncia que a Psicologia clínica


teria por finalidade:

Definir capacidades e características de comportamento de um individuo


através de testes de medição, análise e observação e, integrando esses
resultados e dados recebidos de exames físicos e histórico social, fornecer
sugestões e recomendações, tendo em vista o ajustamento apropriado do
indivíduo (Meiras, 1987, p. 186).

Impulsionada pelas demandas sociais do contexto sócio-histórico e graças ao diálogo que


estabelece com teorias oriundas de outros campos da ciência é que a Psicologia clínica ganhará
corpo, se tornando uma das especialidades mais influentes em Psicologia durante a segunda
metade do século XX. Não que outras especialidades, tais como a Psicologia Social, ou a
Psicologia do Trabalho, também não estivessem de desenvolvendo visando atender as demandas
sócio-históricas; porém a Psicologia clínica, frequentemente por conta de formas equivocadas da
representação social que as pessoas fazem dos(as) psicólogos (as) acaba ganhando mais
adeptos. Entre as confusões na representação social do profissional envolvido com a psicologia
clínica Figueiredo (1995) inclui: a pressuposição de que, por ter recebido a influência da clínica
médica, a psicologia clínica é uma especialidade mais exata; e a suposição de que a possibilidade

24
de trabalhar em consultórios particulares tornará o profissional mais autônomo quanto à liberdade
de escolha e às possibilidades de trabalho e enriquecimento individual.

No Brasil a Psicologia clínica ainda é a especialidade com maior adesão por parte dos
profissionais graduados em Psicologia, embora o índice de adesão às outras especialidades tenha
crescido nas últimas décadas.

Considerações Finais
As pesquisas realizadas no Brasil a fim de explorar sobre o campo de atuação e peculiaridades das
especialidades em Psicologia, tais como a de Lo Bianco et al (1994) demonstram que é preciso
repensar as práticas em Psicologia clínica, tanto para desfazer equívocos quanto ao exercício da
profissão quanto para aperfeiçoar a especialidade, tornando-a mais abrangente e eficaz. Entre as
medidas indicadas estão: que o ensino da Psicologia clínica seja melhor contextualizado face à
realidade social; que um maior espaço seja dado ao campo da pesquisa em psicologia clínica, com
ênfase para a observação, interpretação e reflexão crítica dos dados clínicos; que durante a
graduação as diferentes especialidades em Psicologia sejam apresentadas e aprofundadas; que os
diálogos com outras disciplinas sejam promovidos continuamente; e que os planos de intervenção
sejam transpostos do enfoque intrapsíquico (enfoque na mente do indivíduo com caráter curativo)
para um enfoque no contexto (uma abordagem biopsicossocial da pessoa em sofrimento psíquico).

Teixeira (1997) enfatiza que a prática em Psicologia clínica não se limita ao consultório;
trata-se de uma especialidade necessária em “qualquer lugar que necessite de promoção de
saúde, sendo caracterizada não por uma área de atuação e sim pelo olhar do psicólogo sobre o
fenômeno” (p. 56).

Resumindo

Bock, Furtado e Teixeira (2001, p. 31) defendem que a Psicologia se tornou independente como
ciência em 1875 quando Wundt fundou o laboratório de Psicologia Experimental em Leipzig; tal fato
significou a possibilidade de pensar Psicologia separadamente “de ideias abstratas e
espiritualistas, que defendiam a existência de uma alma nos homens, a qual seria a sede da vida
psíquica. A partir deste ponto a história da Psicologia é marcada pelo fortalecimento de seu vínculo
com os princípios e métodos científicos. Quando Wundt funda o laboratório, ele o faz porque
desenvolve, baseado na Lei Fechner-Weber, o conceito de paralelismo psicofísico: de acordo com
este conceito, para cada fenômeno orgânico haveria um correspondente fenômeno mental. Se uma
pessoa fosse picada na pele por uma agulha, por exemplo, haveria uma sensação correspondente
na mente desta pessoa a partir da estimulação disparada no corpo pela picada. É no laboratório de
Wundt que os fenômenos mentais serão mensurados pela primeira vez.
Em Psicologia existem diferentes abordagens, também chamadas de escolas, tendências
ou movimentos. É importante não confundir a abordagem com a especialidade: conforme veremos
a seguir, a abordagem se trata da maneira como a teoria e metodologia psicológica são
estruturadas (Associacionismo, estruturalismo, funcionalismo, Gestalt etc.). Já a especialidade
delimita a especificidade do campo de atuação em Psicologia (Psicologia clínica, Psicologia social,
Psicologia escolar etc.).
O termo psicologia clínica foi utilizado pela primeira vez por um psicólogo americano
chamado Lightmer Witmer (1867-1956) para se referir aos procedimentos de avaliação
empregados nas crianças com necessidades especiais que ele atendia em sua clínica, mas é

25
Impulsionada pelas demandas sociais do contexto sócio-histórico e graças ao diálogo que
estabelece com teorias oriundas de outros campos da ciência é que a Psicologia clínica ganhará
corpo, se tornando uma das especialidades mais influentes em Psicologia durante a segunda
metade do século XX.

26
Lembre-se
“A Psicologia, como já dissemos anteriormente, é um ramo das Ciências Humanas e a sua
identidade, isto é, aquilo que a diferencia, pode ser obtida considerando-se que cada um desses
ramos enfoca de maneira particular o objeto homem, construindo conhecimentos distintos e
específicos a respeito dele. Assim, com o estudo da subjetividade, a Psicologia contribui para a
compreensão da totalidade da vida humana” – (Bock, Furtado e Teixeira, 2001, p. 31-2).

Colocar após item 2.1

Tome Nota

O que diferencia a Psicologia enquanto ciência da Filosofia é o fato da Psicologia tomar como
objeto de estudo a subjetividade e possibilitar, por meio de sua metodologia, a observação desta
subjetividade a partir dos comportamentos emitidos pelos seres humanos em um contexto
específico. Se afirmarmos que o objeto de estudo da psicologia é o comportamento, ou se
afirmarmos que tal objeto é a subjetividade, ambas as afirmações estarão corretas.

Colocar após item 2.1

Investigue
Você já parou para pensar por que existem tantas abordagens em Psicologia?
Japiassu (1983) nos oferece uma explicação:
Nenhum cientista, consequentemente, nenhum psicólogo, pode considerar-se
um cientista “puro”. Como qualquer cientista, todo psicólogo está
comprometido com uma posição filosófica ou ideológica. Este fato tem uma
importância fundamental nos problemas estudados pela Psicologia. Esta não
é a mesma em todos os países. Depende dos meios culturais. Suas
variações dependem da diversidade das escolas e das ideologias. Os
problemas psicológicos se diversificam segundo as correntes ideológicas ou
filosóficas venham reforçar esta ou aquela orientação na pesquisa, consigam
ocultar ou impedir este ou aquele aspecto dos domínios a serem explorados
ou consigam esterilizar esta ou aquela pesquisa, opondo-se implícita ou
explicitamente a seu desenvolvimento (p.28).
Você concorda com a explicação de Japiassu? Para investigar melhor o que motiva a
adoção de uma abordagem, pergunte a seus professores(as) ou psicólogos(as) conhecidos como
eles realizaram suas escolhas.

Colocar após item 2.1

Hiperlink
No artigo científico intitulado Pensando a noção de Psicologia clínica no Brasil, de autoria do
psicólogo clínico Daniel Dall´lgna Ecker, podemos encontrar informações sobre como a noção de
clínica é incorporada pela Psicologia desenvolvida no Brasil. O autor retoma as definições de
Psicologia e as regulamentações da profissão realizadas pelo Conselho Federal de Psicologia para
contextualizar as diferenças entre clínica, clínico, terapêutico e terapêutica, privilegiando sempre a
história do desenvolvimento da profissão no nosso país. O artigo editado pela revista
Conhecimento e Diversidade em 2021 está disponível para leitura no seguinte link:
https://revistas.unilasalle.edu.br › download › pdf

27
Colocar após Considerações finais

Façamos Juntos
(Questão 11 - ENADE - 2006)
O nascimento da Psicologia científica na Europa e no Brasil deu-se:
(A)na primeira metade do século XVII, quando da publicação do Novum Organum de Bacon.
(B)na segunda metade do século XVIII, quando da publicação do Discurso do Método de
Descartes. (C)na primeira metade do século XIX, quando da criação do primeiro laboratório de
Psicologia Experimental por Wundt.
(D)na segunda metade do século XIX, quando da criação da primeira escala métrica de inteligência
na França e sua introdução por Binet no Brasil.
(E)na segunda metade do século XIX lá e na primeira metade do século XX aqui, quando se criou o
primeiro laboratório de psicologia experimental.
Comentário: Conforme vimos no item 2.1 do livro texto, o que marca a independência da
Psicologia em relação à Filosofia, fazendo com que ela ganhe um estatuto científico, é a
possibilidade de estudar a subjetividade e/ou comportamento por meio de métodos mensuráveis. A
inauguração do laboratório de Psicologia por Wundt marca este processo. A alternativa correta,
portanto, é a letra C.

Faça Você Mesmo – Questão Objetiva


Em relação à Psicologia não é correto afirmar:
(A)que o Associacionismo, o funcionalismo e o estruturalismo marcaram três abordagens
relevantes no início do percurso histórico da Psicologia como ciência
(B)que a Psicologia clínica foi influenciada pela prática da clínica médica.
(C)que a Psicologia, ao se firmar como ciência, continuou procedendo da mesma maneira que a
Filosofia ao abordar os comportamentos humanos.
(D)que o Behaviorismo e a Psicanálise constituíram teorias de destaque a influenciar a Psicologia
no século XX.
(E)que a Psicologia clínica é uma das especialidades de maior influência no exercício da
Psicologia.

Faça Você Mesmo – Questão Discursiva


A partir da leitura da tirinha abaixo, explique de que maneira a Psicologia procede cientificamente
na observação de comportamentos.

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Bibliografia Comentada
No livro Psicologias: uma introdução ao estudo de Psicologia, escrito por três professores
universitários, que são Ana Mercês Bahia Bock, Odair Furtado e Maria de Lourdes Trassi Teixeira,
você poderá encontrar informações não somente sobre a conceituação da subjetividade e o
desenvolvimento da Psicologia como ciência, mas também sobre as principais teorias em
Psicologia, as especialidades em Psicologia, e os temas que atravessam as teorias psicológicas,
tais como inteligência, identidade, vida afetiva, sexualidade, violência e saúde mental, entre outros.
O livro propõe leituras complementares ao conteúdo, além de atividades em grupo e indicações de
filmes que exemplificam os conceitos trabalhados.

Glossário
Biopoder: De acordo com Foucault (2001) o biopoder é uma forma de governar a vida, em vigor
desde o século 17, que busca otimizar um estado de vida na população para criar corpos
economicamente ativos.
Era Moderna: a Era Moderna, também chamada de Idade Moderna, cronologicamente, começou
com a conquista de Constantinopla pelos otomanos em 1453 e se encerrou com a tomada da
Bastilha em 1789. Ela foi caracterizada por uma fase de grandes transformações, revoluções e
mudanças na mentalidade ocidental, mudanças essas de ordem econômica, científica, social e
religiosa, que balizaram o sistema capitalista.
Idade Média: A Idade Média começou com a queda do Império Romano do Ocidente, em 476 d.C.,
e se encerrou com a tomada da capital do Império Bizantino, Constantinopla, pelos turcos-
otomanos, em 1453. Esse período costuma ser dividido em dois: Alta e Baixa Idade Média. A
Alta Idade Média estendeu-se do século V ao X. As principais características da Idade Média são: o
feudalismo, as relações de suserania e vassalagem, as Cruzadas, as ordens de cavalaria e a Peste
Negra. O feudalismo foi o sistema pelo qual as terras dos reis foram divididas em feudos, nos quais
trabalhavam os servos para seus senhores.
Metafísico: relativo ou pertencente à metafísica, característica do que transcende a natureza das
coisas.
Movimento iluminista: o movimento iluminista também chamado de Iluminismo se iniciou como
um movimento cultural europeu do século XVII e XVIII que buscava gerar mudanças políticas,
econômicas e sociais na sociedade da época. Para isso, os iluministas acreditavam na

29
disseminação do conhecimento, como forma de enaltecer a razão em detrimento do pensamento
religioso.
Renascimento: Renascimento ou Renascença é o nome dado ao movimento de reforma artística,
literária e científica que teve origem no século XIV na Itália e se espalhou para o resto da Europa,
estando em vigor até o século XVI. Esta palavra também significa o ato de renascer e pode ser
sinônimo de reformulação.

Referências Bibliográficas

BAKER, D. B. (1988). The psychology of Lightner Witmer. Disponível em:


https://doi.apa.org/doiLanding?doi=10.1037%2Fh0090552. Acesso em 26 de janeiro de 2022.
BOCK, A.M. B.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M.L. T. (2001). Psicologias: uma introdução ao estudo
de psicologia. São Paulo: Editora Saraiva.
FIGUEIREDO, L. C. M. (1995). Matrizes do pensamento psicológico. Petrópolis: Vozes.

FIGUEIREDO, L. C. M.; SANTI, P.L.R. (2008). Psicologia: uma nova introdução. São Paulo: Educ.

FOUCAULT, M. (2001). O nascimento da clínica. Rio de Janeiro: Forense universitária.

JAPIASSU H. (1983). A psicologia dos psicólogos. Rio de Janeiro: Imago.

LO BIANCO, A.C.; et al. (1994). Concepções e atividades emergentes na psicologia clínica:


implicações para a formação. In. ACHAR, R. Psicólogo brasileiro: práticas emergentes e desafios
para a formação. São Paulo: Casa do psicólogo.

MEIRAS, N. P. (1987). Modalidades de atuação e pesquisa em Psicologia clínica. Teoria e


Pesquisa, Brasília, v. 3, n. 2, p. 166-177.

WITMER, L. (1907/1996). Clinical Psqychology: reprint of Witmer-s 1907 article. Dosponível em:
https://doi.apa.org/doiLanding?doi=10.1037%2F0003-066X.51.3.248. Acesso em 25 de janeiro de
2022.

TEIXEIRA, R. P (1997). Repensando a Psicologia clínica. Disponível em:


https://www.scielo.br/j/paideia/a/r8GDmq76Sfs9hdvZntH4BJg/?format=pdf&lang=pt. Acesso em 26
de janeiro de 2022.

30
UNIDADE I
CAPÍTULO 3 – O PENSAMENTO CLÍNICO: CANGUILHEM E
FOUCAULT
No término deste capítulo, você deverá saber:
 Conceituar normal e patológico a partir de Canguilhem
 Identificar o processo de nascimento da clínica, a medicina social e a gênese social da
loucura segundo Foucault

Introdução

Nos capítulos anteriores vimos que a Psicologia surge enquanto ciência no momento em que torna
possível a observação e mensuração sistemática da subjetividade a partir das suas manifestações
– os comportamentos. Neste sentido, a fundação do Laboratório de Psicologia Experimental por
Wundt em 1875 representou um marco histórico. A psicologia clínica, especialidade dentro da
Psicologia geral, se desenvolveu a partir da influência da prática clínica em Medicina, desde as
primeiras recomendações quanto à observação e privilegiar a narrativa do doente sobre o seu mal
proferidas por Hipócrates, até as práticas higienistas que exerceram o biopoder para realizar o
controle social sobre os corpos entre os séculos XIX e XX. Se as demandas sócio-históricas do
século XX evidenciaram que a subjetividade deveria ser alvo de mais estudos e práticas, o que fez
com que a Psicologia clínica ganhasse corpo, tal especialidade nunca se libertou totalmente da
influência e do legado das práticas em clínica médica.

Estudar, portanto, a história e o desenvolvimento das teorias e práticas em clínica médica


contribui de maneira decisiva para a compreensão do desenvolvimento da Psicologia clínica
enquanto especialidade. A parte disso, certos aspectos teóricos surgidos no contexto das práticas
em clínica médica contribuem para o desenvolvimento do raciocínio clínico em Psicologia ou, em
outras palavras, para o aperfeiçoamento da técnica em Psicologia clínica.

Neste sentido dois pensadores trazem contribuições fundamentais: Georges Canguilhem e


Michael Foucault.

Georges Canguilhem (1904-1955) foi um médico e filósofo francês que se especializou em


epistemologia e história da ciência, tendo publicado obras relevantes sobre a conquista do estatuto
de ciência pela biologia, sobre ideologias científicas, sobre o normal e o patológico a partir da
Medicina e sobre a ética científica, entre outros temas. Canguilhem defendia que a vida humana
não poderia ser reduzida as leis físico-químicas do funcionamento orgânico; antes ela precisaria
ser contextualizada a partir da perspectiva do próprio ser humano. Especificamente quanto aos
desenvolvimentos teóricos em Psicologia, Canguilhem contribuiu questionando o que daria
consistência à Psicologia enquanto ciência, além de articular as noções de normal e patológico sob
outros parâmetros que não exclusivamente quantitativos, o que modificará a noção de saúde.

Michael Foucault (1926 – 1984) foi um psicólogo, filósofo e historiador francês que
desenvolveu importantes articulações entre o conhecimento e o poder. Foucault realizou
levantamentos históricos de como a prática clínica se constituiu a partir da Medicina, como surgiu a
medicina social entre os séculos XIX e XX e como a noção de loucura é socialmente construída.

31
Reflita
“A saúde perfeita não passa de um conceito normativo, de um tipo ideal. Raciocinando com todo o
rigor, uma norma não existe [ela não tem realidade empírica], apenas desempenha seu papel que
é o do desvalorizar a existência para permitir a correção dessa mesma existência. Dizer que a
saúde perfeita não existe é apenas dizer que o conceito de saúde não é o de uma existência, mas
sim o de uma norma, cuja função e cujo valor é relacionar essa norma com a existência, a fim de
provocar a modificação desta. Isso não significa que saúde seja um conceito vazio” (Canguilhem,
2002, p. 54).

3.1 A conceituação de normal e patológico em Canguilhem

De acordo com Safatle (2011) Canguilhem foi um dos especialistas em epistemologia das
ciências naturais mais importantes do século XX e “figura fundamental no desenvolvimento da
epistemologia em ciências humanas. Sua experiência intelectual é peculiar e resultante de sua
dupla formação: médico e pesquisador em filosofia” (s/p). Tal formação viabilizou que Canguilhem
introduzisse reflexões filosóficas no campo das ciências naturais como uma tentativa de aproximar
tais ciências à realidade social experimentada pelas pessoas. Observamos a motivação de
Canguilhem (2002) a partir de uma afirmação que ele faz a respeito da Medicina: "Esperávamos da
medicina justamente uma introdução a problemas humanos concretos [ou seja, a problemas cujo
sentido exige a atualização de uma perspectiva que leve em conta os modos de interação entre o
homem e seu meio, assim como suas disposições teleológicas]" (p. 16).

Tendo em conta que o percurso histórico de desenvolvimento da Psicologia que desde o


início foi marcado pela concorrência entre abordagens aparentemente discordantes, Canguilhem
(2012) questionou qual seria a consistência da Psicologia como ciência. Para além da delimitação
da Psicologia enquanto ciência natural (a partir da abordagem funcionalista, associacionista ou
estruturalista) ou enquanto ciência humana (a partir da Gestalt, por exemplo) Canguilhem apostava
que a Psicologia era ao mesmo tempo uma ciência natural e uma ciência humana, uma vez que
todas as abordagens em Psicologia reconheciam em maior ou menor medida ciência o humano
humano enquanto um ser composto ao mesmo tempo pelo comportamento e pelo sentido ou, em
outras palavras, por aspectos biológicos e culturais.

Entre as obras escritas por Canguilhem a que mais se destacou foi O normal e o patológico
publicada em 1943 (durante a vigência da Segunda Guerra Mundial e com a França ocupada pelo
exército nazista). Nela, Canguilhem critica as definições de normal e patológico engendradas pelo
discurso médico moderno e que estavam baseadas exclusivamente em dados quantitativos. Tais
definições, no entendimento de Canguilhem, resultavam em uma compreensão do processo saúde-
doença muito superficial e que excluía o contexto sócio-histórico em que a pessoa estava inserida.
Era considerada doente, por exemplo, uma pessoa cujo organismo apresentasse uma produção
anormal de células cancerígenas; neste sentido o patológico consistiria em uma variação
quantitativa do normal. Para Canguilhem, se existem infinitas possibilidades contextuais e
fisiológicas de uma vida, formalizar o normal e o patológico em termos quantitativos transformaria
estas categorizações em ideais inalcançáveis.

Para Canguilhem (2002) o patológico consistiria em uma diferenciação qualitativa de um


organismo em relação ao seu estado normal: “a doença é aquilo que perturba os homens no
exercício normal de sua vida e em suas ocupações e, sobretudo, aquilo que os faz sofrer” (p. 43).

32
Logo, uma descrição essencialmente quantitativa não seria suficiente para determinar um processo
de adoecimento. Basta lembrar que um elemento que provoca sofrimento em uma pessoa pode
passar indiferente para outra pessoa. Cada pessoa vivenciará as dores à sua própria maneira; por
isso é importante considerar a doença a partir da perspectiva da pessoa, e não apenas na
perspectiva do seu médico.

Canguilhem (2002) articula que o estado patológico não se traduz pela ausência de uma
norma, mas antes pela presença de uma norma que: “não tolera nenhum desvio das condições na
qual é válida (...). A saúde seria, portanto, mais do que ser normal, é ser capaz de estar adaptado
às exigências do meio, e ser capaz de criar e seguir novas formas de vida” (p. 188) quando as
normas existentes são insustentáveis. Por exemplo, se um político tirano assume o poder em um
país e determina que todos os cidadãos não poderão usufruir de assistência em saúde pública e
gratuita, o esperado é que os cidadãos deste país reajam à esta proibição. Se as pessoas não se
sentirem capazes de reagir para a criação de um novo estado de coisas, isso significa que elas
estão doentes (doentes no excesso de obediência à norma vigente, ainda que esta represente uma
violação à vida).

Canguilhem (2002) articula que o normal e o patológico só podem ser concebidos a partir de
uma relação qualitativa da pessoa com o seu meio a partir da percepção dela. Cabe destacar que a
relação entre a pessoa e o seu meio é estabelecida individualmente e não se presta a padrões
estatísticos. O estado patológico seria uma diferenciação qualitativa em relação ao estado normal
de uma pessoa: “quando um indivíduo começa a se sentir doente, a se dizer doente, a se
comportar como doente, ele passou para outro universo, ele tornou-se um outro homem (...).
Considerando em seu todo, um organismo é outro na doença e não o mesmo em dimensões
reduzidas” (p.165).

Mas se é a pessoa que individualmente pode estabelecer, a partir da percepção de suas


relações qualitativas com o mundo, o normal e o patológico, e se, partindo desse princípio, é o
discurso da pessoa e não o discurso do médico que deve ser privilegiado para a compreensão de
uma doença, haverá algum critério para auxiliar as pessoas em sofrimento e os profissionais de
saúde que as acolhem a interpretarem uma percepção?

Para Canguilhem (2002) tal critério seria o da normatividade vital: a capacidade de um


organismo criar normas novas, mesmo que em com contexto anátomo-fisiológico. Prova disso é a
descoberta da neuroplasticidade. Um organismo é saudável quando consegue instituir, a partir de
uma necessidade, normas novas. E um organismo é doente quando está restrito a uma única
forma de viver, plenamente adaptado.

Não existe fato que seja normal ou patológico em si. A anomalia e a mutação
não são, em si mesmas, patológicas. Elas exprimem outras formas de vida
possíveis. Se essas normas forem inferiores às normas anteriores, serão
chamadas patológicas. Se, eventualmente, se revelarem equivalentes – no
mesmo meio- ou superiores – em outro meio- serão chamadas normais. A
normalidade advirá da normatividade (capacidade de produzir normas novas)
(p. 91).

As articulações teóricas de Canguilhem serão decisivas para o desenvolvimento de uma


abordagem mais humanizada tanto para a prática clínica em Medicina quanto para o exercício da
especialidade em Psicologia clínica. Por exemplo: se uma pessoa descreve, para o profissional da
psicologia clínica que a atende, as características físicas (objetivas e concretas, tais como: cores,

33
tamanho, peso) de uma experiência vivida, tais informações não bastarão para que se determine
um estado patológico. Por isso é que durante as sessões a percepção da pessoa em relação a
experiência vivida também será essencial e poderá ser explorada tanto por entrevistas e/ou
anamnese ou testes psicológicos.

3.2 O nascimento da clínica, a medicina social e a gênese social da loucura segundo


Foucault

Se Canguilhem foi um dos especialistas em epistemologia das ciências mais importantes do século
XX, Michael Foucault, por sua vez, é reconhecido como um dos filósofos mais proeminentes mais
proeminentes, dado que ele desenvolveu críticas consistentes às instituições consolidadas em seu
tempo (a Psiquiatria, a Medicina com a sua prática clínica, o sistema prisional e até mesmo a
Psicologia). O termo instituição aparecerá frequentemente na obra de Foucault e não diz respeito a
um lugar físico determinado (a escola do bairro onde eu moro) mas às instituições sociais que
assumem papeis na normatização, vigilância e controle das pessoas, exercendo poder e
determinando condutas. Neste sentido a Psiquiatria representa uma instituição, pois determina
parâmetros normativos em saúde mental controla as pessoas por meio de suas estratégias de
cuidado em saúde.

Na obra O nascimento da clínica, publicada originalmente em 1963, Foucault desenvolve


uma análise sobre a prática clínica em Medicina a partir da Modernidade. O filósofo situa que, entre
os séculos XVIII e XIX, a prática clínica gradualmente deslocou a preocupação do cuidado que
visava promover a saúde para a busca de formas eficazes de exercer controle sobre os corpos. A
clínica passou a ser uma instituição disciplinar, ou seja, uma prática social que desenvolve
tecnologias de controle sobre os corpos a partir de procedimentos médicos visando tornar os
corpos dóceis à manipulação sociopolítica. A expressão corpos dóceis, que Foucault também
desenvolve na obra Vigiar e punir, escrita em 1975, é adotada para se referir as pessoas
assujeitadas à repressão, pacificadas pelos poderes disciplinares. Partindo desse argumento é
que Foucault defende em O nascimento da clínica que a criação dos hospitais e asilos e/ou
manicômios não foi motivada pelo desejo de se oferecer lugares com atendimento médico de
qualidade, mas antes pelo interesse de tirar de circulação, momentânea ou definitivamente, os
indesejáveis do ponto de vista social. A Psiquiatria, que antes se preocupava em compreender as
manifestações mentais e realizava detalhadas anamneses para conhecer bem a pessoa que
estava atendendo e assim alcançar o seu objetivo, vai ganhando contornos cada vez mais
organicistas (teorizando sem provas palpáveis que para cada perturbação mental haveria uma
correspondente lesão orgânica e que o tratamento em Psiquiatria deveria, portanto, intervir no
corpo), o que resultará na adoção de procedimentos desumanos de tratamento dos transtornos
mentais: eletrochoque, coma insulínico e lobotomia, entre outros.

Já na obra Microfísica do poder, publicada originalmente em 1979, Foucault esclarece que a


partir do século XIX a saúde se torna um interesse do Estado. A medicina social surge enquanto
política de saúde pública praticada pelo Estado principalmente nos espaços urbanos que começam
a ser mais ocupados após o início do processo da Revolução Industrial com a finalidade de
“controlar os meios infectocontagiosos, e como a cidade para essa medicina urbana era um local
de propagação de doenças, daí a necessidade de medicalização do meio urbano (Foucault, 1979,
p. 95).

34
De acordo com Foucault (1979) é possível observar a partir da história da saúde pública que
a medicina social não se desenvolve impulsionada pelo desejo de instituir uma política de cuidado
para a nascente população urbana que havia se deslocado do campo para as cidades em busca de
trabalho, e que por estar submetida às condições precárias de moradia (sem saneamento básico e
segurança), além de condições inumanas de trabalho (ambiente insalubre, jornadas de trabalho de
14 a 18 horas diárias) começava a se organizar para reivindicar melhores condições de seus
patrões e do governo. A medicina social se desenvolve como instrumento de controle social,
visando, por exemplo, asilar os indesejáveis. Como exemplo podemos citar as pessoas moradoras
de rua que passaram a ser enviadas para manicômios sem necessariamente possuírem uma
doença mental, como medida de “higienização dos espaços de intensa circulação nas grandes
cidades.

Tais reflexões trazidas pelas obras O nascimento da clínica e Microfísica do poder Foucault
já havia trabalhado em uma das obras pelas quais é mais conhecido: A história da loucura,
publicada originalmente em 1961. Nela, Foucault (2005) realiza um minucioso trabalho sobre a
construção social da loucura desde o período do Renascimento até o século XX. O filósofo verifica
que a representação da loucura nos discursos sociais vai se alterando ao longo do tempo: se de
início a pessoa louca era considerada como portadora de uma conexão privilegiada e trágica com a
divindade, posteriormente ela é estigmatizada como possuída pelo demônio que precisava ser
afastada do convívio; mais adiante, com o advento da Era Moderna, afirma-se que a pessoa louca
não é dotada de racionalidade, o que pode fazer dela perigosa para si mesma ou para os outros. O
levantamento histórico empreendido por Foucault sobre as representações da loucura é realizado
com a intenção de nos fazer refletir criticamente, a partir do momento em que nos deparamos com
uma pessoa considerada louca, se esta pessoa possui de fato algum desequilíbrio em saúde
mental ou se está, por algum motivo (intencional ou não), desintegrada da sociedade em que vive.
Foucault (2005) considera que a loucura:

torna-se uma forma relativa à razão, ou melhor, loucura e razão entram numa
relação eternamente reversível que faz com que toda loucura tenha a sua
razão que julga e controla, e toda razão sua loucura na qual ela encontra
uma verdade irrisória. Cada uma é a medida da outra, e nesse movimento de
referência recíproca elas recusam, mas uma fundamenta a outra (p.30).

Com esta consideração Foucault (2005) coloca em questão a consistência da suposta


racionalidade em julgar a loucura. Ele adverte que frequentemente a pessoa é julgada como louca
a partir de motivações morais, do desejo de que ela seja punida ou ainda por questões
socioeconômicas, e não com base no discurso da pessoa ou nas suas limitações de existência.

Uma das principais contribuições de Foucault para o desenvolvimento da Psicologia clínica


é convidar o profissional a refletir criticamente sobre a pessoa que ele atende a partir do discurso e
condições de vida pessoa, e não a partir de preconceitos arraigados. Além disso, Foucault (2005)
adverte que na medida em que a loucura foi sendo considerada como a ausência da razão, a figura
do médico foi instituída como a única autoridade consistente a poder discernir o normal do louco e
a decidir sobre os cuidados em saúde e estratégias de tratamento. Isso fez com que a Medicina
colocasse entraves para a atuação de outros profissionais, como por exemplo, os da Psicologia, e
passasse a enfatizar mais as estratégias intervencionistas de base orgânica (medicalização,
lobotomia etc.) do que estratégias mais humanizadas, atentas a história de vida da pessoa e que
visassem o acolhimento social de seu discurso. Neste sentido, faz-se necessário que todos os
profissionais da Psicologia, e não somente os da especialidade clínica, se engajem no combate a

35
tratamentos desumanizantes e na reivindicação de cuidados que respeitem a individualidade de
cada pessoa.

Considerações Finais

Foucault, que além da sua formação em Filosofia, também realizou uma formação em Psicologia,
teceu várias considerações críticas à Psicologia enquanto instituição, ou seja, a Psicologia utilizada
enquanto instrumento de controle social.

Foucault (1957/1999) lembra que no contexto em que surgiu a Psicologia se viu marcada
pelo anseio “de alinhar-se com as ciências da natureza e de encontrar no homem o prolongamento
das leis que regem os fenômenos naturais. Determinação das relações quantitativas, elaboração
de leis que se apresentam como funções matemáticas” (p. 122) para a classificação dos
comportamentos humanos foram, no seu entender, assumindo gradativamente a função de
esvaziar os aspectos subjetivos das pessoas igualando-as a animais irracionais para melhor
manipulá-las.

De acordo com Foucault (1957/1999) ainda que seja extremamente complexo lidar com a
subjetividade em todas as suas características e contradições, a Psicologia não deve se prestar a
oferta de um cuidado em saúde que vise unicamente tornar as pessoas mais bem adaptadas aos
interesses sociais; é preciso também levar em conta as possibilidades e o contexto de existência
das pessoas, agindo em um interesse autêntico de promover a saúde mental.

Afirma Foucault (1957/1999):

Nós mostramos, que a psicologia científica nasceu das contradições


encontradas pelo homem em sua prática, e que, por outro lado, o
desenvolvimento dessa ciência consistiu em um lento abandono do
positivismo que a alinhava, no começo, com as ciências da natureza (...). O
futuro da psicologia não estaria, doravante, no levar a sério essas
contradições [contradições do humano], cuja experiência, justamente, fez
nascer a psicologia? Por conseguinte, não haveria desde então psicologia
possível senão pela análise das condições de existência do homem e pela
retomada do que há de mais humano no homem, quer dizer, sua história (p.
138-139).

36
Resumindo

Tanto Canguilhem quanto Foucault são pensadores relevantes para se conhecer quando
estudamos sobre saúde mental, o percurso histórico do estabelecimento da Psicologia como
ciência e até mesmo a exercício prático da especialidade em Psicologia clínica.

Georges Canguilhem (1904-1955) foi um médico e filósofo francês que se especializou em


epistemologia e história da ciência. Canguilhem argumentava que a vida humana não poderia ser
reduzida as leis físico-químicas do funcionamento orgânico; antes ela precisaria ser
contextualizada a partir da perspectiva do próprio ser humano.

Canguilhem (2002) articula que o normal e o patológico só podem ser concebidos a partir de
uma relação qualitativa da pessoa com o seu meio a partir da sua percepção. Cabe destacar que a
relação entre a pessoa e o seu meio é estabelecida individualmente e não se presta a padrões
estatísticos. O estado patológico seria uma diferenciação qualitativa em relação ao estado normal
de uma pessoa: “quando um indivíduo começa a se sentir doente, a se dizer doente, a se
comportar como doente, ele passou para outro universo, ele tornou-se um outro homem (...).
Considerando em seu todo, um organismo é outro na doença e não o mesmo em dimensões
reduzidas” (p.165). Um organismo é saudável quando consegue instituir, a partir de uma
necessidade, normas novas. E um organismo é doente quando está restrito a uma única forma de
viver, plenamente adaptado.

Michael Foucault (1926 – 1984) foi um psicólogo, filósofo e historiador francês que
desenvolveu importantes articulações entre o conhecimento e o poder. Foucault realizou
levantamentos históricos de como a prática clínica se constituiu a partir da Medicina, como surgiu a
medicina social entre os séculos XIX e XX e como a noção de loucura é socialmente construída.

No livro O nascimento da clínica de 1963 Foucault analisa a prática clínica em Medicina a


partir da Modernidade. O filósofo situa que, entre os séculos XVIII e XIX, a prática clínica
gradualmente deslocou a preocupação do cuidado que visava promover a saúde para a busca de
formas eficazes de exercer controle sobre os corpos. A clínica passou a ser uma instituição
disciplinar, ou seja, uma prática social que desenvolve tecnologias de controle sobre os corpos a
partir de procedimentos médicos visando tornar os corpos dóceis à manipulação sociopolítica.

Já em Microfísica do poder, publicado em 1979, Foucault esclarece que a partir do século


XIX a saúde se torna um interesse do Estado. A medicina social surge enquanto política de saúde
pública praticada pelo Estado principalmente nos espaços urbanos que começam a ser mais
ocupados após o início do processo da Revolução Industrial com a finalidade de “controlar os
meios infectocontagiosos, e como a cidade para essa medicina urbana era um local de propagação
de doenças, daí a necessidade de medicalização do meio urbano (Foucault, 1979, p. 95).

37
Tais reflexões trazidas pelas obras O nascimento da clínica e Microfísica do poder Foucault
já havia trabalhado em uma das obras pelas quais é mais conhecido: A história da loucura,
publicada originalmente em 1961. Nela, Foucault (2005) realiza um minucioso trabalho sobre a
construção social da loucura. O filósofo verifica que a representação da loucura nos discursos
sociais vai se alterando ao longo do tempo. O levantamento histórico empreendido por Foucault
nos leva a refletir criticamente, a partir do momento em que nos deparamos com uma pessoa
considerada louca, se esta pessoa possui de fato algum desequilíbrio em saúde mental ou se está,
por algum motivo (intencional ou não), desintegrada da sociedade em que vive.

Lembre-se
Para Canguilhem o normal ou o patológico não podem ser considerados a partir de características
quantitativas, mas sim como variações qualitativas de um organismo.

Colocar após item 3.1

Tome Nota
A psiquiatra brasileira Nise da Silveira (1981/2015) certa vez afirmou que os textos literários de
Machado de Assis lhe auxiliavam a compreender a alma humana mais do que as obras de muitos
filósofos.
Em O alienista, conto publicado em 1981, Machado de Assis conta a história de Simão Bacamarte,
médico que após construir uma carreira de sucesso na Europa e em diversas metrópoles
brasileiras, resolve voltar para a sua terra-natal, Itaguaí, para se dedicar à Medicina. Após algum
tempo na cidade Bacamarte passa a se dedicar aos estudos em Psiquiatria e constrói um
manicômio chamado Casa Verde, para onde começa a mandar as pessoas com sinais de saúde
mental prejudicada. De início as coisas transcorrem com tranquilidade, até que Bacamarte passa a
ver sinais de loucura em todas as pessoas, fazendo com que a cidade, pouco a pouco, seja
esvaziada dos seus habitantes que passam a ficar trancados no manicômio.
Em dado momento da história o personagem Bacamarte afirma: “Supondo o espírito humano uma
vasta concha, o meu fim, Sr. Soares, é ver se posso extrair a pérola, que é a razão; por outros
termos, demarquemos definitivamente os limites da razão e da loucura. A razão é o perfeito
equilíbrio de todas as faculdades; fora daí, insânia e só insânia” (Assis, 1979, p. 261).
O que podemos refletir a partir da frase de Bacamarte? Será que é possível correlacioná-la às
reflexões empreendidas por Foucault em A História da loucura?

Colocar após item 3.2

Investigue
No livro Holocausto brasileiro. Genocídio: 60 mil mortos no maior hospício do Brasil, a jornalista
Daniela Arbex conta por meio de documentos oficiais, fotos e relatos, a história de pessoas que,
consideradas loucas, foram enviadas para o maior hospício do Brasil, o hospital Colônia, na cidade
de Barbacena. Lá as pessoas eram torturadas, ficavam sem alimento e dormiam ao relento.
Quando não morriam de fome, de sede ou de frio, morriam em função das violências que lhe eram
impingidas, ou das doenças que adquiriam graças as condições insalubres do lugar. A jornalista
descobriu que as pessoas “loucas” enviadas à Barbacena nem sempre apresentavam sinais de
doença mental, mas se tratava de pessoas indesejadas pela sociedade: mães solteiras que eram
separadas de seus filhos, homossexuais, comunistas, “moças de família” que perdiam a virgindade,
moradores de rua, entre outros. Graças as condições desumanas as mortes dos internos eram

38
frequentes e Arbex (2019) descobriu que, quando os internos morriam, não se buscava entrar em
contato com a família. Os mortos eram enterrados em valas comum ou os seus corpos eram
vendidos para as faculdades de Medicina para o estudo de Anatomia.
Você acredita que é possível estabelecer uma relação entre a reflexão empreendida por Foucault
em O nascimento da clínica e o relato de Daniela Arbex? Investigue mais sobre o tema.

Colocar após item 3.2

Hiperlink
No artigo científico O que é uma normatividade vital? Saúde e doença a partir de Georges
Canguilhem o filósofo e professor universitário Vladimir Safatle contextualiza a normatividade vital
como uma relação qualitativa de flexibilidade entre o organismo e o meio ambiente. Para tanto, ele
revisita em termos resumidos e claros a conceituação de normal e patológico em Canguilhem. OL
artigo está disponível na base de dados Scielo e pode ser acessado no seguinte link:
https://www.scielo.br/j/ss/a/VfqSSxvQ7WBQyrKKbJwjpWx/?lang=pt

Colocar após item 3.1

Façamos Juntos
(Questão 14 - ENADE - 2018)

TEXTO 1
A tal normalidade é um conceito enganoso. Em português comum, ser "normal" significa ser
saudável, perfeito. Matematicamente, contudo, "normal" é apenas aquele que cai no centro da
distribuição estatística de um parâmetro. E, dada a complexidade do ser humano, dificilmente
alguém matematicamente normal é também perfeitamente saudável. Assim como a pessoa "média"
não existe, a chance de alguém ser normal a vida toda, sem qualquer transtorno, é ínfima. De
perto, ninguém é normal. Nem deveria ser: porque normal, afinal, é não ser normal.
HERCULANO-HOUZEL, S. De perto ninguém é normal. Folha de São Paulo; 21/07/2015. Acesso em: 20 jul.
2015 (adaptado).

TEXTO 2
O termo normal está ligado à norma, regra. Norma designa o enquadramento, o que não está à
direita ou à esquerda, o que está no meio, ou central. Desse modo, é normal aquilo que é de
conformidade. Mas, há também um sentido usual, comum, que se refere à maioria dos casos em
uma determinada espécie. Nota-se aqui um duplo sentido: o primeiro refere-se ao que deve ser, já
o segundo designa o mais frequente em torno da média ou de modelo mensurável. A norma é
aquilo que fixa norma a partir de uma decisão normativa.
CANGUILHEM, G. O normal e o patológico. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000 (adaptado).

Com base nos textos apresentados, avalie as asserções a seguir e a relação proposta entre elas.

I. O conceito de normalidade/anormalidade apresenta diferentes nuances e definições de autores


da epistemologia do conhecimento em saúde. PORQUE
II. Aquilo que se define como psicopatológico não é algo que existe a priori, mas é resultante de
uma construção social e histórica que estabelece os critérios de normalidade/anormalidade. A
respeito dessas asserções, assinale a opção correta.

39
A respeito dessas asserções, assinale a opção correta:
(A) As asserções I e II são proposições verdadeiras, mas a II não é uma justificativa da I.
(B) As asserções I e II são proposições verdadeiras, e a II é uma justificativa da I.
(C) A asserção I é uma proposição verdadeira, e a II é uma proposição falsa.
(D) A asserção I é uma proposição falsa, e a II é uma proposição verdadeira.
(E) As asserções I e II são proposições falsas.
Comentário: Conforme vimos no item 3.1 do livro texto a partir de Canguilhem, a normalidade e a
patologia se define muito mais por termos quantitativos no campo das ciências naturais em função
dos preconceitos arraigados na sociedade; Canguilhem propõe uma inversão desta lógica para
definir normal e patológico em termos qualitativos. Já no item 3.2 vimos com Foucault que a partir
do século XIX a oferta de uma política pública em saúde não visa ao cuidado, mas ao controle
social. Em A história da loucura Foucault chama a atenção para a sociedade que chama de louco
quem quer colocar à margem. As classificações exercem, portanto, controle e provém de
engendramentos sociais. A alternativa correta, portanto, é a letra B.

Faça Você Mesmo – Questão Objetiva


Sobre a conceituação de patológico em Canguilhem é correto afirmar:
(A) que se trata de uma variação quantitativa em relação ao normal
(B) que se apoia exclusivamente na visão do médico sobre o doente.
(C) que não presta atenção às condições sociais onde a pessoa está inserida.
(D) que se trata de uma variação qualitativa em relação ao normal, e da impossibilidade de produzir
normas novas.
(E) que não tem qualquer relação com o discurso da pessoa sobre a sua doença.

Faça Você Mesmo – Questão Discursiva


Levando em conta a tirinha abaixo e as teorizações de Canguilhem e Foucault responda o que
você entende por normal.

Bibliografia Comentada

40
No livro A história da loucura Michael Foucault demonstra por meio de um levantamento histórico
detalhado como a concepção de loucura é socialmente construída, já que se altera conforme a
época. Além disso, ele desenvolve a ideia de que a inauguração dos manicômios não resultou de
uma preocupação em ofertar um serviço de saúde para as pessoas portadoras de doenças
mentais, mas antes uma maneira de promover a exclusão dos indesejáveis. Foucault também
demonstra que a prescrição de medicação pode não estar atendendo a um desejo de eliminar um
estado de sofrimento, mas antes estar motivada por um preceito moral. Se trata de uma leitura
essencial para desenvolver o pensamento crítico em relação às temáticas de saúde mental.

Glossário
Arraigados: que lançou raízes, que se fixou.
Ciências humanas: as ciências que se dedicam ao estudo do ser humano como um ser social.
Podemos citar como exemplo: História, Antropologia, Geografia, entre outras.
Ciências naturais: as ciências que se dedicam ao estudo das características gerais da natureza,
assim como todas as leis e regras que a regem. Podemos citar como exemplo: Medicina, Biologia,
Química, Mecânica, entre outras.
Epistemologia: estudo dos postulados, conclusões e métodos dos diferentes ramos do saber
científico.
Nazista: relativo ao nazismo, doutrina ideológica propagada por Adolf Hitler.
Neuroplasticidade: capacidade de o sistema nervoso modificar a sua estrutura e função em
decorrência dos padrões de uma determinada experiência, podendo recuperar, por exemplo,
funções prejudicadas por lesões em determinadas regiões cerebrais graças ao desenvolvimento de
novas conexões sinápticas.
Pacificados: que se pacificaram, apaziguados.
Teleológicas: que dizem respeito a teleologia – que defende que os seres humanos e outros
organismos têm finalidades e objetivos que orientam seu comportamento.

Referências Bibliográficas

ARBEX, D. (2019). Holocausto brasileiro. Genocídio: 60 mil mortos no maior hospício do Brasil.
São Paulo: Intrínseca.

ASSIS, M. (1883/1979). O alienista. In. ASSIS, M. Obra completa, v. II. Rio de Janeiro: Nova
Aguilar.

CANGUILHEM, G. (2002). O normal e o patológico. Rio de Janeiro: Forense Universitária.

______________. (2012). O que é a Psicologia? In. CANGUILHEM, G. Estudos de História e de


Filosofia das ciências. Rio de Janeiro: Forense Universitária.

FOUCAULT, M. (1957/1999). A Psicologia de 1850 a 1950. In. FOUCAULT, M. (1999).


Problematização do sujeito: Psicologia, Psiquiatria e Psicanálise. Rio de Janeiro: Forense
Universitária.

____________. (1961/2005). História da loucura na Idade Clássica. São Paulo: Perspectiva.

____________. (1973/2001). O nascimento da clínica. Rio de Janeiro: Forense Universitária.

41
____________. (1979). Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Edições Graal.

SAFATLE, V. (2011). O que é uma normatividade vital? Saúde e doença a partir de Georges
Canguilhem. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ss/a/VfqSSxvQ7WBQyrKKbJwjpWx/?lang=pt.
Acesso em 27 de janeiro de 2022.

SILVEIRA, N. (1981/2015). Imagens do inconsciente. Rio de Janeiro: Vozes.

42
UNIDADE I
CAPÍTULO 4 – AS DIFERENTES ABORDAGENS EM
PSICOLOGIA CLÍNICA
No término deste capítulo, você deverá saber:
 Identificar a abordagem psicanalítica
 Sintetizar a abordagem comportamental
 Analisar a abordagem cognitiva
 Refletir sobre a abordagem existencial/humanista/centrada na pessoa.

Introdução

Conforme nos demonstrou Foucault (2005) com a História da loucura os conceitos utilizados para
situar uma pessoa como saudável ou doente do ponto de vista mental pode sofrer variações
conforme a época em que esta pessoa está inserida, ou seja, a loucura é socialmente construída,
bem como as estratégias adotadas para o seu acolhimento e/ou tratamento.

Como na Idade Média considerava-se que a pessoa louca era possuída pelo demônio, a
providência que se tomava era afastar a pessoa do convívio social de maneira drástica, trancando-
a em masmorra ou colocando-a em uma barca e lançando-a ao mar. Uma pintura que retrata bem
este período da história se chama Nau dos insensatos do artista brabantino Hieronymus Bosch
(1450-1516). Neste período histórico, portanto, se realizou uma leitura subvertida de princípios
religiosos para justificar uma abordagem desumanizante da doença mental, sem qualquer cuidado
ou acolhimento.

Já na passagem do século XVIII para o século XIX, em grande medida influenciada pela
consolidação dos Estados-nação, o fortalecimento do sistema econômico capitalista e a ascensão
dos ideários burgueses da Revolução Francesa (1789-1799) , a prática clínica em Medicina ganhou
contornos diferentes daqueles propostos por Hipócrates na Antiguidade Clássica: já não se tratava
mais de acolher a narrativa do doente sobre o seu sofrimento, mas de exercer um controle social
por meio da oferta de um cuidado em saúde.

Este cuidado, entretanto, embora travestido com uma roupagem de humanização para se
colocar de maneira superior as práticas adotadas na Idade Média, não fazia mais do que também
apartar o doente mental do convívio social: muito embora a emblemática cena do psiquiatra
Philippe Pinel (1745-1826) tirando os grilhões de pessoas internadas no Hospital de Salpêtriere
seja divulgada exaustivamente como uma prova de que as medidas adotadas a partir de então
proporcionavam uma maior “liberdade” ao doente, tal liberdade consistia, na realidade, na
permissão concedida para o doente circular dentro de um espaço rigidamente vigiado. (Schultz e
Schultz, 2019).

Pinel realizava uma abordagem moralista e idealista das doenças mentais, o que resultava
na visão do louco como um ocioso e fraco de caráter que precisava ser redimido por meio das
atividades laborais promovidas dentro dos manicômios. Estas atividades não eram, entretanto,
remuneradas, e coincidiram com a necessidade das fábricas na época de adquirir mais mão-de-
obra para atender à crescente industrialização. Neste contexto cabe perguntar: será que Pinel foi

43
ético ao propor como tratamento para as pessoas loucas atividades ocupacionais? Sua proposta
estaria isenta de interesses?

Estudamos estas informações históricas sobre o desenvolvimento da prática em clínica


médica porque, conforme vimos nos capítulos anteriores deste livro-texto, o desenvolvimento da
Psicologia clínica foi fortemente influenciado pela Medicina e pela Filosofia (Cordioli e Grevet,
2019).

Fiorini (2004) nos lembra, entretanto, que para que a prática em Psicologia clínica não
recaia nos mesmos erros que marcaram a história da prática clínica em Medicina, se faz importante
que interroguemos as teorias e metodologias adotadas do ponto de vista ético. A teoria e
procedimentos que eu adoto estão em conformidade com o melhor interesse do paciente ou estão
servindo a algum princípio ideológico?

Conforme indicam Cordioli e Grevet (2019) até o ano de 2017 haviam sido identificadas 174
diferentes técnicas psicoterápicas. Face a tanta diversidade, Fiorini (2004) alerta que cabe
perguntar: a abordagem e/ou teoria que sustenta a técnica que eu adoto adota princípios científicos
e éticos? A abordagem que eu adoto é a mais adequada para atender as necessidades dos
pacientes? Os instrumentos propostos pela técnica que eu adoto estão em conformidade com a
teoria que é mais consistente para mim? Esta última pergunta é importante tendo em vista que não
se pode esperar que um atendimento em psicologia clínica seja eficaz se ele faz de maneira
despropositada uma salada-mista de instrumentos pertencentes a abordagens diferentes.

Não é possível esperar resultados se eu combino em um mesmo atendimento clínico a


técnica de interpretação de sonhos (da abordagem psicanalítica) com a técnica de registro de
pensamentos disfuncionais da abordagem cognitiva-comportamental. Isso não quer dizer que eu
não possa estabelecer diálogos interdisciplinares entre a abordagem que eu utilizo em Psicologia
clínica e outros saberes que possam auxiliar a pensar melhor na condição do meu paciente. Mas é
inadequado adotar procedimentos de abordagens concorrentes, principalmente porque não é
possível conhecer todas as abordagens em profundidade e se eu adoto um procedimento de
abordagem que conheço pouco o risco de que eu proceda erroneamente é maior.

Face a pluralidade de técnicas adotadas em Psicologia clínica na atualidade, Cordioli e


Grevet (2019) sintetizaram alguns modelos ou abordagens teóricas mais consistentes e que
atendem à parâmetros científicos e éticos: o modelo psicanalítico, proposto por Freud e que se
estrutura em torno da existência do inconsciente; o modelo comportamental, que foca nos padrões
de comportamento aprendido e condicionado a partir dos estudos de Pavlov, Watson, Skinner e
Bandura; o modelo cognitivo desenvolvido por Ellis e Aaron Beck, e que foca na observação das
cognições disfuncionais como fator responsável pelos sintomas; e o modelo
existencial/humanista/centrado na pessoa, que a partir das tendências fenomenológica e
existencial da Filosofia entende que o sofrimento humano decorre do esvaziamento de significado
para a existência.

Neste capítulo conheceremos mais sobre cada um desses modelos.

Reflita
“O homem pós-moderno se tem desiludido com as promessas de um mundo social, econômico e
politicamente mais rico em termos de comunidade. As promessas socializantes ou capitalizantes
falharam e, mais uma vez, o homem se encontra só, perguntando-se “o que, como e o para quê”

44
das coisas. Sem fugir da proposta comunitária de felicidade, milhares de indivíduos, em todas as
partes do mundo, estão procurando, pessoalmente, estar bem consigo mesmos. Por isso, a
psicoterapia está deixando de ser algo destinado às pessoas ditas doentes e se tornando uma
opção para todos atentos à orientação do mundo moderno, procuram estar bem consigo mesmos,
criando um ambiente à sua volta na qual eles possam realizar-se como pessoas” (Ponciano-
Ribeiro, 2013, p. 21).

4.1 A abordagem psicanalítica

Em 1886, após a conclusão da sua formação em Medicina e a realização de um estágio no


Hospital de Salpêtriere com os dos psiquiatras mais proeminentes da época (Jean Martin Charcot,
especialista no tratamento de doenças nervosas), o austríaco judeu Sigmund Freud (1856-1939)
começa a atuar junto a um colega de profissão com mais anos de experiência prática e já bem
estabelecido na profissão chamado Josef Breuer (1842-1925). Freud, um neurologista, e Breuer,
um fisiologista, se propõem a oferecer atendimento clínico as pessoas acometidas por doenças
nervosas.

Influenciado pelo estágio que havia realizado com Charcot em Paris, Freud se propõe a
descobrir as causas das doenças nervosas de seus pacientes com a técnica de hipnose. Mas ele
se depara com duas dificuldades: a primeira, que nem todas as pessoas eram hipnotizáveis; a
segunda, que embora algumas pessoas revelassem sob hipnose a causa para o sofrimento, ao
acordarem do transe não se lembravam do que haviam dito, e o efeito de melhora obtido pela
técnica era temporário, fazendo com que os sintomas retornassem diversas vezes.

Após perceber que a técnica hipnótica não era eficaz, Freud passou a perguntar sobre o
histórico de vida e as possíveis origens do sofrimento para as pessoas em estado consciente; mas
em um determinado dia uma paciente, após se aborrecer com as perguntas de Freud, lhe ordena:
“Fique quieto! Deixe que eu fale!”. Após a advertência desta paciente, Freud passou a ocupar uma
posição mais discreta, deixando que as pessoas falassem livremente aquilo que lhes viesse à
cabeça.

Com esta técnica, posteriormente chamada de associação livre, Freud reparou que as
pessoas acabavam revelando, muitas vezes sem que se dessem conta, as causas do sofrimento, e
que eram os conflitos difíceis para a consciência da pessoa admitir que geravam as doenças
nervosas: por exemplo, uma mulher que era apaixonada pelo cunhado, mas que, tendo em conta
que se tratava de uma paixão inapropriada, não admitia conscientemente esta paixão. Isso fazia
com que a mulher desenvolvesse um sofrimento para o qual não se encontrava uma causa
orgânica: ela não conseguia mais mover as próprias pernas. Quando, por meio do
compartilhamento da própria história, e de maneira livre, a mulher reconhece a paixão pelo
cunhado, ela volta a andar normalmente.

A partir da história desta mulher e de outros pacientes é que Freud irá descobrir a existência
do inconsciente, parte da mente inacessível à razão consciente onde se localizam os elementos
insuportáveis para a pessoa de admitir, e que apesar de estarem inacessíveis à consciência, não
deixavam de ter efeitos sobre a vida e o corpo da pessoa.

Por meio da técnica da associação livre de ideias, além da análise dos sonhos e dos atos
falhos, Freud buscava tornar conscientes os conflitos inconscientes que geravam mal-estar nas

45
pessoas. Ao conjunto de técnicas e teorização em torno da existência do inconsciente Freud deu o
nome de Psicanálise.

Na atualidade existem diversas técnicas derivadas da abordagem psicanalítica: a


observação do brincar infantil, as técnicas de atendimento grupal, e os testes psicológicos
projetivos (HTP, TAT, CAT, Rorscharch, entre outros) que, levando em conta que o inconsciente
não segue a padrões normativos e é individual, se utilizam de elementos que não sejam indutores
de respostas, para que desta maneira a pessoa possa falar livremente e, a partir da sua fala, o seu
inconsciente se revele.

4.2 A abordagem comportamental

Tendo surgido no final do século XIX, o comportamentalismo ou behaviorismo teve a colaboração:


das descobertas de Ivan P. Pavlov (1849-1919) que a partir de experimentos com cães, descobriu
a existência do reflexo condicionado; da Lei do efeito proposta por Edward Thorndike (1874-1949),
e da técnica de condicionamento comportamental desenvolvida por John Watson (1878-1958).

Watson, partindo da descoberta de Pavlov, desenvolveu a teoria do condicionamento


comportamental (daí provém o nome da abordagem – behavior, do inglês, comportamento).
Segundo ela, um comportamento desejável pode ser instaurado a partir de reforços positivos e
um comportamento indesejável pode ser eliminado por meio de reforços negativos.

Posteriormente Burrhus F. Skinner (1904-1990) desenvolveu uma modalidade de


psicoterapia chamada de behaviorismo radical. Por meio dela, explorava-se as causas do
sofrimento da mente a partir dos elementos manifestados pela consciência. Tanto Watson quanto
Skinner defendiam que em Psicologia seria possível levar em conta apenas os fatos observáveis, o
que coloca a abordagem behaviorista em oposição à Psicanálise, que leva em conta a existência
do inconsciente.

Na década de 1950 o médico sul-africano Joseph Wolpe (1915-1997) desenvolveu, com


base na teoria comportamental, uma técnica de dessensibilização sistemática para tratar fobias.
Esta técnica consiste na exposição sistemática ao objeto ou situação que gera fobia. Na
atualidade, técnicas de reforço positivo oriundas da teoria comportamental são utilizadas no âmbito
escolar e também no organizacional, visando a geração de comportamentos desejáveis.

4.3 A abordagem existencial/humanista e centrada na pessoa

Na década de 1950, como uma alternativa a duas abordagens muito influentes da época e que
concorriam entre si, surgiu uma nova abordagem que visava ser alternativa a estas abordagens
dominantes, que se inspirava tanto na Fenomenologia quanto no Existencialismo e que se centrava
em “elementos inespecíficos das psicoterapias, como a pessoa do terapeuta, a empatia, o calor
humano e a autenticidade, desenvolvida por Carl Rogers (1902-1987). Na mesma época, Viktor
Frankl (1905-1997) propôs uma forma de psicoterapia existencial-humanista inspirada no
existencialismo, que salientava o valor da liberdade de escolha” (Cordioli e Grevet, 2019, p. 58).

Enquanto Rogers defendia que o saber sobre a doença só poderia ser produzido pela
própria pessoa, daí ele propor a técnica da entrevista centrada na pessoa, Frankl propôs uma
técnica que possibilitasse ao paciente a construção de um sentido para a sua vida; para isso ele se
inspirou na própria experiência vivida enquanto prisioneiro judeu em um campo de concentração

46
nazista durante a Segunda Guerra Mundial. No campo de concentração Frankl verificou que as
pessoas resistiam menos às violências que sofriam quando não encontravam um significado para a
própria vida.

A abordagem de base existencial/humanista e centrada na pessoa, embora se volte, dado


que fora influenciada pela Fenomenologia, para as percepções conscientes da pessoa (tal como o
comportamentalismo e em oposição à Psicanálise) não é diretiva (tal como o comportamentalismo),
o que a situa como uma terceira via a estas duas abordagens.

4.4 A abordagem cognitiva

A abordagem cognitiva surgiu na década de 1950 nos Estados Unidos como uma resposta ao
descontentamento gerado com a teoria comportamental e com a Psicanálise. Criada por Albert Ellis
(1913-2007) e Aaron Beck (1921 – 2021), tal teoria sustenta que os processos cognitivos
(pensamentos e crenças) tem o poder de provocar emoções adequadas ou inadequadas, o que
pode induzir comportamentos adaptativos ao ambiente (desejáveis), ou comportamentos
patológicos (indesejáveis). Por isso é que tal abordagem propõe enquanto ´técnica concentrar-se
nos comportamentos conscientes da pessoa e nos problemas do tempo presente, o aqui-e-agora.

Por ter incorporado elementos da abordagem comportamental é que a abordagem cognitiva


também é chamada de cognitiva-comportamental. Tal abordagem propôs a técnica da terapia
racional em otiva comportamental (TREC) que se propõe a “identificar e desafiar as crenças
irracionais e substituí-las por outras mais realistas. Utiliza o poder da razão e da argumentação
lógico-empírica, o desafio e o debate racional para al finalidade, o que, por sua vez, acarreta
mudanças no comportamento” (Cordioli e Grevet, 2019, p.59).

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Considerações Finais

As abordagens teóricas adotadas em Psicologia clínica são resultantes do contexto histórico onde
surgiram e estão intimamente ligadas a própria construção da Psicologia como ciência, remontando
e atualizando questionamentos sobre a natureza e o comportamento humano levantadas há mais
de três mil anos pelos filósofos na Antiguidade.

Ao longo desse percurso histórico de retomada e atualização das questões concernentes


aos comportamentos humanos, o entendimento acerca dos processos mentais evoluiu de uma
narrativa mítica e/ou mística para a atenção às relações complexas do ser humano em seus
aspectos biopsicossociais com o seu meio ambiente (incluindo aí o contexto familiar, político,
ecológico, comunitário, entre outros).

É atentando-se para o acolhimento do sofrimento e da subjetividade que a pessoa


especialista em Psicologia clínica deve atuar, lembrando sempre de refletir criticamente sobre as
teorias científicas disponíveis a fim de evitar equívocos documentados pela história da prática
clínica desenvolvida pela Medicina.

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Resumindo

Conforme vimos nos capítulos anteriores deste livro-texto, o desenvolvimento da Psicologia clínica
foi fortemente influenciado pela Medicina e pela Filosofia. Por conta disso as informações históricas
sobre o desenvolvimento da prática em clínica médica são relevantes para se pensar a prática em
Psicologia clínica (Cordioli e Grevet, 2019).

Tendo isso em mente, podemos resgatar o psiquiatra Pinel, que durante o século XIX
realizou uma abordagem moralista e idealista das doenças mentais, o que resultou na visão do
louco como um ocioso e fraco de caráter que precisava ser redimido por meio das atividades
laborais promovidas dentro dos manicômios. Estas atividades não eram, entretanto, remuneradas,
e coincidiram com a necessidade das fábricas instaladas no entorno de adquirir mais mão-de-obra
para atender à crescente industrialização. Neste contexto podemos refletir se a ação de Pinel foi
ética ao propor como tratamento para as pessoas loucas atividades ocupacionais. Será que a sua
proposta estaria isenta de interesses?

Fiorini (2004) nos adverte que para que a prática em Psicologia clínica não recaia nos
mesmos erros que marcaram a história da prática clínica em Medicina, é importante que
interroguemos as teorias e metodologias adotadas do ponto de vista ético. A teoria e
procedimentos que eu adoto estão em conformidade com o melhor interesse do paciente ou estão
servindo a algum princípio ideológico?

Conforme indicam Cordioli e Grevet (2019) até o ano de 2017 haviam sido identificadas 174
diferentes técnicas psicoterápicas. Face a tanta diversidade, Fiorini (2004) alerta que cabe
perguntar: a abordagem e/ou teoria que sustenta a técnica que eu adoto adota princípios científicos
e éticos? A abordagem que eu adoto é a mais adequada para atender as necessidades dos
pacientes? Os instrumentos propostos pela técnica que eu adoto estão em conformidade com a
teoria que é mais consistente para mim? Esta última pergunta é importante tendo em vista que não
se pode esperar que um atendimento em psicologia clínica seja eficaz se ele faz de maneira
despropositada uma salada-mista de instrumentos pertencentes a abordagens diferentes.

Não é possível esperar resultados se eu combino em um mesmo atendimento clínico a


técnica de interpretação de sonhos (da abordagem psicanalítica) com a técnica de registro de
pensamentos disfuncionais da abordagem cognitiva-comportamental. Isso não quer dizer que eu
não possa estabelecer diálogos interdisciplinares entre a abordagem que eu utilizo em Psicologia
clínica e outros saberes que possam auxiliar a pensar melhor na condição do meu paciente. Mas é
inadequado adotar procedimentos de abordagens concorrentes, principalmente porque não é
possível conhecer todas as abordagens em profundidade e se eu adoto um procedimento de uma
abordagem que conheço pouco o risco de que eu proceda equivocadamente é maior.

Face a pluralidade de técnicas adotadas em Psicologia clínica na atualidade, Cordioli e


Grevet (2019) sintetizaram alguns modelos ou abordagens teóricas mais consistentes: o modelo
psicanalítico, proposto por Freud e que se estrutura em torno da existência do inconsciente; o
modelo comportamental, que foca nos padrões de comportamento aprendido e condicionado a
partir dos estudos de Pavlov, Watson, Skinner e Bandura; o modelo cognitivo desenvolvido por Ellis

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e Aaron Beck, e que foca na observação das cognições disfuncionais como fator responsável pelos
sintomas; e o modelo existencial/humanista/centrado na pessoa, que a partir das tendências
fenomenológica e existencial da Filosofia entende que o sofrimento humano decorre do
esvaziamento de significado para a existência.

Lembre-se
É importante que nos questionemos se a abordagem teórica que adotamos está em conformidade
com padrões científicos e éticos.

Colocar no final da Introdução

Tome Nota

Na tabela a seguir consta uma síntese das principais abordagens teóricas adotadas em Psicologia
clínica:

Tabela 3. As principais abordagens adotadas em Psicologia clínica.

Abordagem Características principais.


Psicanálise Explorar os conteúdos inconscientes para dissolução de conflitos que
resultem em sofrimento
Comportamental Achar e manipular as condições que produzem e mantêm um
comportamento indesejável para alterá-lo.
Cognitiva Mudar os processos de pensamento disfuncionais
Existencial- Restaurar o sentido da vida; ênfase na relação terapeuta-paciente e na
humanista-centrada promoção da liberdade de escolha
na pessoa

Colocar após item 4.4

Investigue
Você sabe o que é “psicoterapia breve”?
Se trata de uma técnica adotada em Psicologia clínica que foca em uma queixa específica do
paciente que será trabalhada durante um tempo determinado. Pode ser subdividida em três
modalidades: estrutural ou de impulso (onde testes psicológicos e entrevistas são utilizadas como
instrumento diagnóstico a respeito da queixa trazida pelo paciente); relacional (que investiga a
queixa a partir da percepção do paciente) ou integrativa (que combina vários recursos
psicodiagnósticos na análise da queixa do paciente para determinar a melhor maneira de atender a
sua necessidade).
A psicoterapia breve pode lançar mão de diferentes referenciais teóricos: comportamental,
cognitivo-comportamental ou humanista-existencial. Mas será que é possível desenvolver a
psicoterapia breve a partir de um referencial teórico psicanalítico? Pesquise e veja o que você
encontra sobre o assunto. Não se esqueça de fazer a pesquisa em bases de dados e livros
científicos.

Colocar após item 4.2

Hiperlink

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Na base de artigos científicos da Universidade de São Paulo é possível encontrar o artigo:
Psicoterapias: conceitos introdutórios para estudantes da área de saúde, de autoria de Flávia de
Lima Osório, Ana Irene Fonseca Mendes, Caroline da Cruz Pavan- Cândido e Vanda Cristina
Almeida. As autoras, que são pesquisadoras e professoras universitárias, além de retomarem a
etimologia da palavra psicoterapia, trabalharam de maneira sintética e acessível à compreensão as
principais abordagens teóricas que são utilizadas em Psicologia clínica, com os conceitos-chave de
cada abordagem. O artigo está disponível no seguinte link:
https://www.revistas.usp.br/rmrp/article/download/127534/124629/243291#:~:text=As
%20psicoterapias%20podem%20ser%20definidas,principais%20conceitos%20t%C3%A9cnicos
%20e%20te%C3%B3ricos

Colocar após Considerações finais

Façamos Juntos
(Questão 11 - ENADE – 2015)
As teorias em Psicologia constituíram-se de diversas raízes filosóficas e epistemológicas, que
deram origem a sistemas complexos de conceitos, histórica e culturalmente determinados. Tais
sistemas conceituais, por sua vez, possibilitaram a emergência de abordagens, escolas, teorias e
práticas diferenciadas de Psicologia. Essa situação configura um campo de dispersão da
Psicologia, que se formou com a utilização de diversas perspectivas epistemológicas,
metodológicas e conceituais. A manifestação desse processo ocorreu por meio da produção de
diferentes teorias e sistemas que marcaram a primeira metade do século XX.
Barreto, C.L.B.; MORATO, H.T.P. A dispersão do pensamento psicológico. Boletim de Psicologia,
São Paulo, v.58, n.129, dez. 2008.
Considerando os fundamentos epistemológicos da Psicologia na primeira metade do século XX,
avalie as afirmações a seguir.
I. O Behaviorismo tinha como pressupostos básicos a natureza objetiva e natural do ser
humano e a possibilidade de construção de uma sociedade embasada em princípios do
comportamento humano.
II. A Fenomenologia buscava alcançar a compreensão do ser, partindo da intuição das
essências como possibilidade da consciência e recorrendo a noção fundamental de
intencionalidade.
III. A Psicologia Funcional, ao se ocupar com as estruturas mentais, pretendia determinar
os elementos constitutivos da consciência, decompor as experiências complexas em
elementos mais simples e definir, com precisão, a sua natureza.
IV. A Psicologia estrutural fundamentava-se na noção de pulsão e seu arcabouço
conceitual dependia da existência efetiva e da função desse pressuposto.
V. A Psicanálise não pretendia ser uma teoria sistemática, mas uma atitude ou modo de
observar os fenômenos psicológicos.
É correto apenas o que se afirma em
A. I e II.
B. I e III.
C. II e IV.
D. III e V.
E. IV e V.
Comentário: a Psicologia funcional se ocupa das funções e não das estruturas mentais; a
Psicologia estrutural se fundamenta nas estruturas e não na noção de pulsão, que por sua vez, é

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um conceito psicanalítico; a psicanálise tem sim um conhecimento sistematizado no conjunto de
textos teóricos escritos por Freud e reunidos sob a denominação de textos metapsicológicos. Por
outro lado, o Behaviorismo desejava sim construir uma sociedade embasada nos princípios do
comportamento e a Fenomenologia buscava a compreensão do ser a partir da sua essência. A
alternativa correta é, portanto, a letra A.

Faça Você Mesmo – Questão Objetiva


Escolha das abordagens teóricas utilizadas em Psicologia clínica considera os conflitos
inconscientes para o tratamento do sofrimento psíquico.
A. Humanista
B. Behaviorista
C. Cognitiva-comportamental
D. Psicanálise
E. Terapia centrada na pessoa

Faça Você Mesmo – Questão Discursiva


Escreva sobre a abordagem teórica em Psicologia clínica que se utiliza de um elemento presente
na tirinha abaixo.

Bibliografia Comentada
No livro Psicoterapias: abordagens atuais, publicado em 2019, os organizadores Cordioli e Grevet
organizam textos de profissionais e pesquisadores atuantes em Psicoterapia e que traduzem, de
maneira prática e em linguagem acessível, porém sem perder o rigor teórico, como as diferentes
abordagens teóricas são utilizadas em Psicologia clínica em diferentes contextos que não somente
o do consultório.

Glossário
Dessensibilização: técnica psicológica que visa diminuir a sensibilidade de uma pessoa a um
elemento que lhe causa desconforto e/ou sofrimento.
Reforços positivos: aplicação de estímulos agradáveis com o objetivo de que a pessoa repita
determinado comportamento.
Reforços negativos: aplicação de estímulos desagradáveis com o objetivo de que a pessoa
elimine determinado comportamento.
Testes psicológicos projetivos: testes que, tendo por base a existência do inconsciente, não
induzem a uma resposta específica, apresentando elementos que podem ser contextualizados
livremente pelo paciente.

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Referências Bibliográficas

CORDIOLI, A. V.; GREVET, E. H. (2019). Psicoterapias: abordagens atuais. Porto Alegre: Artmed.

FIORINI, H. J. (2004). Teoria e técnica de psicoterapias. São Paulo: Martins Fontes.

PONCIANO-RIBEIRO, J. (2013). Psicoterapia: teorias e técnicas psicoterápicas. São Paulo:


Summus editorial.

SCHULTZ, D.; SCHULTZ, S. E. (2019). História da Psicologia moderna. São Paulo: Cengage.

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