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2.

A Relação de Trabalho

O artigo 11º define o contrato de trabalho:

Artigo 11.º

Noção de contrato de trabalho

Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa

singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua

atividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de

organização e sob a autoridade destas.

Este é o contrato indispensável para que haja relação de trabalho: sem que ele seja

celebrado não há empregador nem trabalhador. Do conhecimento das características

essenciais do contrato de trabalho depende a compreensão do que é uma relação de

trabalho.

2.1 Noções básicas

Um contrato é um acordo entre duas ou mais partes para a produção de efeitos

jurídicos. Esses efeitos jurídicos consistem sempre em direitos e deveres que, em

consequência do contrato, passam a vincular as partes. Direitos e deveres são prestações

cujo cumprimento uma parte pode exigir à outra e que esta está obrigada a realizar. Se

não o fizer, a outra parte, uma vez que se tem um direito jurídico, pode recorrer aos

meios de autoridade e aos tribunais para impor o seu cumprimento.

O artigo 405º do Código Civil prevê o princípio fundamental de todo o Direito

Privado: o princípio da liberdade contratual, nos termos do qual qualquer pessoa pode
obrigar-se, através da celebração de negócios jurídicos, como bem entender, podendo

criar novas direitos e até formas contratuais não previstas na lei. Mas também aí se

estabelece que essa liberdade contratual tem de ser exercida dentro dos limites da lei.

Acontece que o Direito do Trabalho, impressionado pela ideia da protecção da parte

mais fraca, define mais limitações à autonomia privada do que o Direito Privado.

O artigo 406º do Código Civil determina que os contratos devem ser pontualmente

cumpridos, ou seja, devem ser cumpridos ponto por ponto, em tudo aquilo que eles

estabelecem como direitos e deveres das partes. Igualmente importante é o que a mesma

disposição legal estabelece de seguida: o contrato só pode modificar-se por mútuo

consentimento das partes. Sucede que o contrato de trabalho é um contrato duradouro.

Mesmo que seja de curta duração, dura, ou seja, não se extingue pela cumprimento de

uma determinada prestação.

Por outras palavras, o contrato de trabalho cria uma relação de trabalho. Mesmo que o

contrato seja de curta duração, enquanto dura estabelece um feixe muito complexo de

direitos e deveres das partes. E, quanto mais tempo dura, mais se sente a necessidade de

alterar algum ou mesmo muitos pontos do contrato estabelecido. Esta é uma das

questões práticas mais importantes quando se gere recursos humanos com base num

contrato individual de trabalho: como mudar a relação para a adequar à evolução da

tecnologia, do mercado de trabalho e da organização de trabalho na empresa. Como é

evidente, grande parte do que foi acordado originalmente num contrato que dure, por

exemplo, trinta anos, terá sido alterado.

Nunca nos podemos esquecer de que, de acordo com o princípio estabelecido pelo

artigo 406º do Código Civil, tudo o que foi acordado só pode ser modificado por novo

acordo. Veremos que há exceções e procedimentos para flexibilizar a exigência de

renegociar tudo o que foi negociado. É muito importante conhecer essas exceções.
Recordemos, agora, que o contrato é um acordo. Ou seja, existe a partir do momento

em que duas ou mais vontades se juntam para produzir efeitos jurídicos. É, portanto,

essencial, que haja manifestações de vontade com esse conteúdo. Na terminologia

jurídica, essas manifestações de vontade têm a designação de declarações negociais. As

declarações negociais, nos termos do artigo 217º do Código Civil, podem ser expressas

ou tácitas. As expressas manifestam directamente uma vontade. As tácitas

correspondem a um comportamento do qual se retira, implicitamente, uma determinada

vontade. Isto é muito importante. Vejamos um exemplo: o empregador, num caso em

que não possa alterar unilateralmente o local de trabalho, propõe ao trabalhador essa

alteração; neste caso, só com o acordo do trabalhador pode ser mudado o local de

trabalho e o trabalhador não responde mas, no dia seguinte, comparece no novo local de

trabalho; ou seja, pelo seu comportamento, dá conta de que aceitou a alteração do

contrato; conclui-se, assim, que o contrato foi alterado porque houve acordo.

Importa ainda dizer que o contrato existe quando há um encontro de vontades. Ao

contrário do que por vezes se julga, não é necessário celebrar o contrato de trabalho por

escrito. O princípio da liberdade de forma está previsto no artigo 219º do Código Civil e

é confirmado no Código do Trabalho, como veremos. Normalmente, nos chamados

contratos atípicos o legislador exige forma escrita. Mas no contrato por tempo

indeterminado não. O que significa que em qualquer situação na qual um trabalhador

exerça funções sob as ordens de um empregador sem que tenha sido assinado um

compromisso há contrato de trabalho por tempo indeterminado.


2.2 Contrato individual de trabalho: sujeitos, objeto e subordinação jurídica

O contrato de trabalho é um contrato bilateral: de um lado encontramos o

trabalhador, do outro o empregador ou empregadores. Os seus direitos e deveres são

contrapostos, a razão de ser de uns encontra-se na existência dos outros na titularidade

da contraparte. O trabalhador obriga-se a prestar a sua atividade sob a autoridade e a

direcção do empregador e o empregador tem o direito de exigir essa prestação. O

empregador obriga-se a pagar a retribuição e o trabalhador tem o direito a exigir esse

pagamento. Muitos outros deveres e, portanto, também direitos, emergem da relação de

trabalho. Mas estes são os essenciais e, por isso, constam da própria definição do

contrato.

O conceito de sujeição à autoridade do empregador é decisivo, porque corresponde a

uma característica que é própria do contrato de trabalho e que o distingue de outras

realidades. Referimo-nos ao conceito de subordinação jurídica.

Só existe subordinação jurídica quando a atividade é heterodeterminada, isto é,

quando o trabalho é realizado sob as ordens, as instruções, as regras determinadas pelo

empregador.

O artigo 115º prevê que cabe às partes definir a atividade para que o trabalhador é

contratado: essa atividade é o objeto do contrato de trabalho. Trata-se da definição

abstracta de uma prestação laboral que é feita no contrato mas que depois tem de ser

concretizada pelo empregador. É que, ao definir-se no contrato a categoria do

trabalhador apenas se estabelece uma obrigação de conteúdo indeterminado: não se diz

o que ele vai efectivamente fazer, pois isso só poderá ser decidido e imposto pelo

empregador através do poder de direcção.

Na verdade, sendo assim definido o objeto do contrato de trabalho, nota-se que neste

contrato se encontra necessariamente um elevado grau de flexibilidade, na medida em


que se prevê o exercício de uma atividade que será sempre determinado em concreto

pelo empregador. Eis a razão porque o contrato de trabalho tem um conteúdo

indeterminado mas determinável: cabe à entidade patronal, através de ordens, instruções

ou regras, decidir em cada caso e em cada momento o que pretende do trabalhador.

Deve observar-se uma diferença importante entre a flexibilidade própria do contrato

de trabalho e a flexibilização das normas que hoje em dia se pretende consagrar no

Direito do Trabalho. A primeira resulta da natureza do contrato, cuja execução carece

de uma intervenção do empregador ou do seu representante – o superior hierárquico do

trabalhador – para concretizar em cada caso e em cada momento o que se espera do

trabalhador. Coisa bem diferente é o acréscimo de flexibilidade que tem sido marca da

política legislativa seguida nos países desenvolvidos nos últimos anos. Damos um

exemplo: o Direito do Trabalho tem defendido certos direitos dos trabalhadores como,

por exemplo, o direito à categoria. A nossa lei fala, justamente, em garantias dos

trabalhadores: por exemplo, não é permitido ao empregador reduzir o salário do

trabalhador (al. d) do art. 129º), não lhe é permitido baixar a categoria do trabalhador

(al. e) do art. 129º). Uma vez adquirido direito a uma determinada retribuição ou

categoria, já o trabalhador não as poderia ver reduzidas nunca mais.

As boas intenções do legislador que começou por estabelecer estas garantias

confrontam-se com a realidade que a competição internacional impõe. Noutros países

não se encontram tais limites ou, pelo menos, a legislação é mais flexível. O legislador

português viu-se, assim, como que obrigado a flexibilizar essas regras. Exemplo disso é

a figura da comissão de serviço (art. 161º). Nela, um determinado trabalhador que vá

exercer funções de confiança ou de direcção, já o pode fazer através de uma nomeação

transitória. Terminando ela, ou regressa ao seu posto normal ou perde mesmo o vínculo

com o empregador, nunca adquirindo direito irreversível à retribuição ou à categoria.


Repete-se que esta é uma expressão da flexibilidade que o legislador português teve

de introduzir no nosso Direito do Trabalho. A flexibilidade própria do contrato é outra

coisa e está ligada ao conceito de subordinação jurídica.

Como podemos saber se estamos ou não perante um contrato em que haja

subordinação jurídica, ou seja, um contrato de trabalho? Esta matéria é particularmente

importante porque o Código do Trabalho determina que, em regra, não é necessária

forma especial para celebrar um contrato de trabalho (art. 110º). Se um indivíduo

começar a exercer funções sob as ordens de outro, sem ter sido celebrado um contrato

escrito e sem que as partes tenham designado o seu acordo como contrato de trabalho,

isso não obsta a que o devamos tratar como contrato de trabalho.

Por outro lado, ainda mais importante, há a tendência para, procurando evitar a

aplicação das regras do Direito do Trabalho, dar aos contratos outra designação, como,

por exemplo, contrato de prestação de serviço, muito embora uma das partes esteja a

prestar a sua atividade sob as ordens da outra. Também aqui, apesar do nome que foi

dado ao contrato, estamos perante um contrato de trabalho e aplicam-se as regras do

Direito do Trabalho.

Pelo que antecede, fica claro que é uma questão prática importante descobrir se,

numa determinada relação contratual, existe ou não subordinação jurídica. Tanto mais

que as situações de abuso – normalmente designadas por “recibos verdes” – proliferam

e devem ser combatidas.

Sucede que não é assim tão fácil descobrir se, num determinado caso concreto, uma

das partes está ou não sob as ordens da outra. Para nos ajudar, o legislador fornece-nos

um critério (art. 12º): se numa determinada relação contratual encontrarmos alguns dos

elementos de facto ali previstos presume-se, isto é, parte-se do princípio de que estamos

perante um contrato de trabalho. Os critérios legais, no entanto, não são particularmente

felizes. Desde logo porque a expressão “se verifiquem algumas das seguintes
características” é demasiado vaga. Como se usa o vocábulo “algumas” terão de ser pelo

menos factos que integrem duas alíneas daquele artigo. Mas será isso sempre suficiente?

Parece que não. Julga-se que o legislador pretende conferir ao juiz a faculdade de

apreciar a prova fornecida pelo trabalhador de modo bastante livre.

Também não se percebe a alínea e) do nº 1: se o prestador da atividade desempenha

funções de direcção ou chefia numa estrutura hierarquizada está ele próprio a actuar

com base numa delegação de poder do empregador, exercendo em seu nome o poder de

direcção. E estando subordinado no seu exercício ao empregador. No fundo, diz-nos que

haverá contrato de trabalho quando houver subordinação jurídica. Ora, isso já no-lo

dizia o artigo 11º.

Vejamos o que é essencial, no fundo, aquilo que convencerá um juiz de que se

está perante um contrato de trabalho e não perante um contrato de prestação de serviços:

se um indivíduo estiver inserido numa estrutura organizativa, exercer uma atividade

seguindo as orientações de quem dela beneficia e nas instalações desta com um horário,

seja retribuído em função do tempo que exerça a atividade, use instrumentos de trabalho

do beneficiário da atividade e exerça as suas funções durante um certo período de

tempo, não haverá dúvidas de que é contrato de trabalho.

Mas importa que fique claro que isto não significa que não haja contrato de

trabalho sempre que não se verificarem todos os requisitos do artigo 12º. O que esta

disposição legal nos diz é que, se houver dúvidas, procuramos verificar se aqueles

requisitos existem. Se existirem todas, não restam dúvidas de que há contrato de

trabalho. Se existirem só algumas, a solução depende da convicção do juiz. É que é bom

não esquecer que há contratos de trabalho sem que se verifiquem todos aqueles

requisitos: não é necessário, para que haja contrato de trabalho, que a atividade seja

desenvolvida nas instalações do empregador ou que o trabalho seja remunerado só em

função do tempo despendido.


Merece referência a figura das situações equiparadas, previstas no artigo 10º.

Equiparadas porquê? Porque não se trata de verdadeiros contratos de trabalho, na

medida em que não há subordinação jurídica. Então porque são equiparadas? Porque há

dependência económica de uma parte – a que exerce uma atividade – em relação à outra

parte – a que beneficia dessa atividade. É o caso, por exemplo, do trabalho no domicílio

sem subordinação jurídica.

Vejamos uma situação concreta: uma costureira que exerce as suas funções em

casa, mas em exclusividade para uma determinada empresa de confecções. Os

instrumentos de trabalho são seus, decide em que dias, a que horas e com que ritmo

trabalha. As matérias-primas são fornecidas pela empresa e todas as semanas tem de

entregar um determinado número de peças, tendo o seu trabalho de seguir um modelo

fixado no contrato.

Neste caso, não há contrato de trabalho porque não existe subordinação jurídica.

Contudo, a costureira depende economicamente dos proventos que aufere apenas

daquela empresa: para ela, tal como, em regra, para o trabalhador num verdadeiro

contrato de trabalho, o pagamento que é contrapartida da sua atividade tem um carácter

vital. O legislador entende que alguma protecção conferida pelo Direito do Trabalho

deve ser estendida a casos como este. Mas apenas aquilo que respeita a direitos de

personalidade, igualdade e não discriminação e segurança e saúde no trabalho.

Merece algum desenvolvimento esta questão dos critérios que marcam a

existência, ou não, de um verdadeiro contrato de trabalho e que justificam, ou não, a

aplicação do Direito do Trabalho.

Quando da formação autónoma do direito do trabalho, tornou-se necessário

definir claramente qual o âmbito das relações de trabalho a regular pelo novo ramo de

direito. Tendo o Direito do Trabalho surgido quando o controlo social tornou

indispensável uma regulação das situações de trabalho em que vigorava a exploração e a


dependência, pareceria indicado usar um critério distintivo que recorresse à ideia de

trabalho, cujo resultado fosse apropriado por outrem, necessitando o prestador de

trabalho da remuneração obtida como contrapartida para o seu próprio sustento e da sua

família. Da necessidade resultaria a dependência, desta a submissão do trabalhador a

condições de trabalho que de outro modo não aceitaria. A verdadeira fragilidade dos

trabalhadores, justificativa de um regime jurídico diverso, seria a sua dependência da

remuneração do trabalho. Seria, assim, possível distinguir as situações de dependência,

por isso carecidas de protecção, de outras situações em que houvesse prestação de

trabalho sem dependência económica e, portanto, sem necessidade de protecção porque

não haveria parte mais fraca na relação contratual.

No entanto, como vimos que aconteceu no Direito do Trabalho português, o

sistema jurídico rejeitou o conceito de dependência económica. Por que razão assim

sucedeu? Decerto por se considerar tal conceito como extrajurídico. A racionalidade

jurídica impôs o seu próprio conceito, presumivelmente mais preciso e de aplicação

mais rigorosa: como sabemos, impôs o conceito de subordinação jurídica. Para o direito,

só o exercício da autoridade poderia caracterizar o trabalho que merecia uma regulação

específica, exactamente por, em termos jurídicos, ser essa uma especialidade gritante

face aos outros contratos: o contrato que liga pessoas livres, não as sujeita umas às

outras, apenas as sujeita aos termos negociados e previstos no contrato. O contrato de

trabalho, ao sujeitar uma pessoa à vontade de outra pessoa, ao permitir, um

relacionamento de domínio, já que, como veremos melhor de seguida, uma das partes

exerce poderes de ordenação, fiscalização e sancionatórios, que a outra parte é obrigada

a suportar na sua esfera jurídica, surgia como um atavismo do direito pré-moderno.

Tinha de ser essa aparente sobrevivência do direito “não-racional”, esse corpo estranho

no seio do direito liberal, a fundar a especificidade de um novo tipo de regulamentação.


Assim se conclui que foram preconceitos e esquemas mentais liberais a determinar o

critério que vai delimitar o direito do trabalho.

A partir da consagração desse desenvolvimento conceitual, passaram a ser

abrangidas pela protecção do direito do trabalho situações em que, pela celebração de

um contrato, alguém tinha o poder jurídico de exigir de outrem uma prestação, cujo

modo podia determinar sucessivamente. Vê-se, assim, como a perspectiva determinante

deixa de ser a do trabalhador, para assentar na entidade patronal e no seu poder sobre

outrem. O conteúdo do contrato determinará, então, se estamos perante uma relação de

trabalho ou face a qualquer outro tipo de contrato, sendo que, neste último caso, mesmo

que haja situações de dependência económica, se exclui a protecção do direito do

trabalho. Trata-se, portanto, de um critério eminentemente formal, enquanto o critério

da dependência económica seria um critério material.

As consequências são fáceis de diagnosticar. Há, desde logo, situações de

subordinação jurídica que não justificam um elevado grau de protecção jurídica, mas

que dele beneficiam. É o caso típico dos quadros superiores das empresas que, em

certos casos, acumulam com funções de administração da sociedade1. A indefinição de

estatutos é muito grande em diversas ordens jurídicas: muitos administradores são, ao

mesmo tempo, assalariados, mas com possibilidades de se aproveitarem de todos os

recursos do direito do trabalho, designadamente beneficiando de um regime de

prestações sociais e de reforma. Noutros casos constata-se a dependência económica e,

consequentemente, a situação de debilidade negocial e, até, pessoal,, pelo que deveria

1
Em Portugal, o artigo 398º-2 do Código das Sociedades Comerciais impede a cumulação das posições
de trabalhador e de administrador:
Artigo 398o
Exercício de outras atividades
1 – Durante o período para o qual foram designados, os administradores não podem exercer, na sociedade ou em
sociedades que com esta estejam em relação de domínio ou de grupo, quaisquer funções temporárias ou
permanentes ao abrigo de contrato de trabalho, subordinado ou autónomo, nem podem celebrar quaisquer desses
contratos que visem uma prestação de serviços quando cessarem as funções de administrador.
2 – Quando for designado administrador uma pessoa que, na sociedade ou em sociedades referidas no número
anterior, exerça qualquer das funções mencionadas no mesmo número, os contratos relativos a tais funções
extinguem-se, se tiverem sido celebrados há menos de um ano antes da designação, ou suspendem-se, caso tenham
durado mais do que esse ano.
haver protecção mas, como não há subordinação jurídica, não se aplica o direito do

trabalho Deste modo, o direito do trabalho, como dizia um dos grandes juslaboralistas

italianos, Gino Giugni, “o direito do trabalho perdeu em parte a relação originária

com a sua razão de ser”.

A função de protecção social dilatou-se exageradamente, de tal modo que um

direito originalmente preocupado com o contraente débil, estendeu os seus limites a

todo o trabalho subordinado, quase sem distinção2. Em termos sociológicos e políticos,

vimos que não mais é possível captar de uma forma unitária a situação vital e os

interesses do trabalhador. Pretender fundar-se na pura e simples existência de um

contrato de trabalho uma posição social merecedora de um tratamento especial é

totalmente falacioso. Por outras palavras, mantendo-se a solução legal existente, está-se

a tratar de modo igual situações que são, na sua essência, diferentes. A isso chama-se

injustiça.

Por outro lado, num certo sentido, o próprio Direito do Trabalho pode ser

considerado como um mecanismo de atribuição de privilégios ao círculo fechado

daqueles que dele beneficiam, independentemente de o merecerem. Ou seja, também

por tratar de modo diferente aquilo que é essencialmente idêntico, o direito do trabalho

promove a desigualdade.

É por isso que se pode dizer que um certo “irrealismo” do direito do trabalho

português face ao nosso nível de desenvolvimento económico promove uma sociedade

dualista. Portugal tem uma lei laboral mais garantística e protectora do que muitos

países da Europa, sem ter um desemprego tão alto como o da Europa. Como se pode

explicar esta situação? Acontece que uma minoria está sujeita à lei e tem um emprego

garantido e desemprego protegido. Mas, como ainda não somos um país rico, não é

2
Dizemos “quase” sem distinção alguma, porque há alguns casos em que se começa a distinguir. Veja-se
todas as normas do Código do Trabalho que admitem um regime especial para os trabalhadores de
administração ou direcção.
possível garantir isto a todos, sob pena de afundarmos o desenvolvimento nacional. Por

isso, a maioria dos trabalhadores não têm qualquer protecção. Nem sequer aquela que

uma lei mais modesta, mas mais realista, lhes daria.

Na verdade, a utilização do critério da subordinação jurídica permite uma

deliberada fuga ao direito do trabalho. Fuga que, deve-se esclarecer desde já, pode ser

lícita ou ilícita. O momento da celebração do contrato é decisivo. Aí se decide se se

aplica o Direito do Trabalho ou se a relação se vai situar no território do trabalho

independente não subordinado. Nos casos de fuga ilícita – os chamados “recibos

verdes” -, há, como já denunciámos, uma manipulação das formas e conteúdos

contratuais, de modo a mascarar uma situação de trabalho subordinado, envolvendo-a

numa aparência de contrato de prestação de serviço, em qualquer das suas modalidades.

Apesar dos já referidos critérios de subordinação jurídica do artigo 12º, não é fácil

afastar os efeitos da manipulação porque, para obter tal efeito, seria necessário recorrer

a tribunal, com os encargos, a demora, a incerteza e até o receio que daí decorrem.

Desse modo, subsistem e multiplicam-se situações laborais em que não há qualquer

protecção. É nesta área, a do trabalho informal não coberta pelo Direito do Trabalho,

que em França recebe o nome de “travailler au noir” – ou seja, trabalhar no escuro,

numa terra de ninguém, sem protecção e sem fiscalização - que se acobertam as

situações mais graves de exploração da dependência das pessoas3.

Encontramos, deste modo, muitas situações que põem em causa o paradigma laboral

fundado no conceito de subordinação jurídica. Mas esse é o conceito que a nossa lei

continua a eleger para distinguir o contrato de trabalho de outras relações jurídicas,

onde avultam algumas figuras contratuais muito próximas do contrato de trabalho.

3
Não há estatísticas precisas quanto ao trabalho informal, mas avalia-se que ele é decisivo para um
desenvolvimento alternativo nos países pobres, calculando-se que a economia informal ocupará aí entre
um a dois terços da população urbana economicamente activa. O que o transforma num factor
competitivo de muito peso. Por exemplo, o “Relatório do Desenvolvimento Humano 1999” das Nações
Unidas assinala que o crescimento económico criou emprego na América Latina, mas que cerca de 85%
dos empregos criados o foram no sector informal.
2.3 A distinção com outras figuras contratuais

Começamos por repetir algo que é fundamental: é muito importante saber distinguir

o contrato de trabalho de outras figuras afins por uma razão muito simples: se

estivermos perante um contrato de trabalho, será aplicável toda a legislação de trabalho

com a sua função protectora bem evidenciada; se não for contrato de trabalho, não se

aplica o Direito do Trabalho.

Vamos começar por dar importância ao conceito de autonomia técnica, que também

é, como não poderia deixar de ser, acolhido no Direito do Trabalho (art. 116º). E não

poderia deixar de ser porque há funções, que podem ser exercidas em regime de

contrato de trabalho, mas que exigem que seja respeitada a autonomia técnica do

trabalhador, ou seja, a liberdade de decidir em cada caso como proceder, como agir, a

que meios recorrer. Um empresário industrial pode contratar um médico do trabalho em

regime de contrato de trabalho, mas não pode dizer-lhe como deve tratar o trabalhador

vítima de um acidente de trabalho.

Mas, se assim é, põe-se o problema da distinção com outras figuras contratuais,

como é o caso do chamado trabalho autónomo e que, na lei, encontra a designação de

contrato de prestação de serviço. Veja-se as suas diversas modalidades.no Código Civil:

mandato – art. 1157º e seguintes; depósito – art. 1185º e seguintes; empreitada – art.

1207º e seguintes.

Ao contrário do trabalhador, no contrato de prestação de serviço o prestador não está

colocado sob a autoridade e direcção de um empregador, exercendo as suas funções de

acordo com as ordens recebidas. Pelo contrário, ele obriga-se apenas a entregar à outra

parte o resultado da sua prestação. O objeto do contrato não é a atividade em si, mas o
resultado da atividade. Eis o que explica a referência do artigo 12º à retribuição em

função do tempo: no contrato de trabalho paga-se o facto de o trabalhador estar

disponível para exercer a sua atividade, no contrato de prestação de serviço paga-se a

entrega de um determinado resultado. Se o médico não fizer o tratamento, não é pago,

se o trabalhador exercer as suas funções mas, se por culpa sua, não produzir nada de

útil, continuará a ser pago (isto, sem esquecer que a retribuição do trabalhador pode ser

variável, em função, nomeadamente, do resultado do trabalho; mas a lei exige que ele

receba sempre um mínimo – veja-se os artigos 258º e seguintes).

O médico, o advogado, tal como o pintor que se compromete a pintar uma casa,

obrigam-se a entregar à outra parte um determinado resultado: um tratamento, a

apresentação em tribunal de um determinado pedido, as paredes pintadas de uma casa.

Mas não recebem ordens. No caso do pintor, o proprietário da casa não lhe pode dar

ordens, apenas pode verificar se o pintor está a proceder como ficou determinado no

contrato: “O empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi

convencionado...” (art. 1208º do Código Civil). O dono da obra pode fiscalizar a obra

mas não pode perturbar o seu andamento (art. 1209º do Código Civil), os materiais e

utensílios são do empreiteiro (art. 1210º do Código Civil).

Se o dono da obra quiser que a casa seja pintada de outra forma, com outra tinta, o

contrato terá de ser alterado. Não há aquela flexibilidade que é própria do contrato de

trabalho. É certo que a lei prevê que o dono da obra tem o direito a exigir que se façam

essas alterações, mas tal exigência implica que se ponha em causa toda a economia do

contrato, ou seja, que se avalie de que modo é que isso importa mais custos e maior

tempo de execução (art. 1216º do Código Civil).


2.4 A categoria profissional, o “ius variandi” e a mobilidade funcional

A categoria profissional pode ser vista como o conjunto de serviços e tarefas que

constituem o objeto da prestação de trabalho, ou seja, aquilo que o trabalhador está

obrigado a prestar e que o empregador tem o direito de exigir.

Assim sendo, com base na categoria profissional definem-se os direitos e as

garantias dos trabalhadores. E também, como é evidente, os poderes e deveres da outra

parte da relação, o empregador.

A categoria pode ser determinada no contrato como uma profissão, por exemplo,

carpinteiro, escriturário, motorista, jardineiro. Sendo que a essa designação corresponde

a um padrão: o das funções normais, correspondentes à profissão.

Vejamos a descrição das funções ou, talvez melhor, das competências de pedreiro

contidas no seu perfil profissional:

Levanta e reveste maciços de alvenaria, de tijolo ou de outros blocos e realiza

coberturas com telha, utilizando argamassas e manejando ferramentas e

equipamentos adequados. Lê e interpreta os desenhos e outras especificações

técnicas da obra a executar. Escolhe, secciona, se necessário, e assenta na

argamassa, que previamente dispôs, os blocos de material. Percute-os, a fim de

melhor os inserir no aglomerante e corrigir o respectivo alinhamento. Verifica a

qualidade do trabalho realizado por meio do fio de prumo, níveis, réguas,

esquadros e outros instrumentos. Executa rebocos e coberturas da talha. Procede à

instalação de sanitários e respectivos escoamentos através de manilhas de grés.

Assenta azulejos e pavimentos de mosaicos ou de betonilha. Por vezes monta

elementos de pré-esforçados. Pode ser especializado num determinado tipo de

construção nomeadamente poços, fornos e chaminés.


Se o empregador apenas pode exigir o que está contido neste tipo de descrição,

concluímos que a categoria profissional defende o trabalhador: tudo o mais que lhe for

ordenado fazer, em princípio, não lhe pode ser exigido. Ou seja, o trabalhador pode

recusar-se a fazê-lo sem que a sua recusa importe desobediência. É o que resulta do

número 1 do artigo 118º: o trabalhador exerce as funções correspondentes à atividade

para que foi contratado.

A questão fundamental é, portanto, a seguinte: até que ponto pode ir o empregador,

no exercício do seus poderes, sem necessitar do acordo do trabalhador. Até que ponto se

está a respeitar o contrato, a partir de que ponto já se trata de uma alteração do contrato,

sendo, portanto, necessário novo acordo: eis a questão, que está prevista em termos

gerais no artigo 406º do Código Civil, onde se determina que os contratos devem ser

cumpridos ponto por ponto, em todas as suas cláusulas. A verdade é que até a promoção

do trabalhador depende de consenso, ou seja, o trabalhador não pode ser promovido

contra a sua vontade – falamos da promoção decidida pelo empregador, não da

promoção automática prevista, por exemplo, na convenção colectiva ou no regulamento

interno. É expressamente proibido ao empregador baixar a categoria do trabalhador (al.

e) do nº 1 do art. 129º). A lei prevê a possibilidade de baixar a categoria do trabalhador

em certas circunstâncias especiais, como acontece no artigo 119º (mudança para

categoria inferior por acordo), dependendo da aceitação do trabalhador mas mesmo esta

não basta: como medida de protecção, é ainda indispensável a autorização da

Autoridade para as Condições de Trabalho.

Dissemos atrás que cabe ao empregador concretizar, em cada caso, o que deve fazer

o trabalhador. Este é um dos poderes do empregador: o poder determinativo da função.

Se, por exemplo, o trabalhador da construção civil foi contratado como pedreiro –

categoria profissional – cabe ao empregador determinar que funções é que ele vai
desempenhar na sua empresa de construção civil, qual vai ser o seu superior

hierárquico, quais vão ser os trabalhadores que o vão auxiliar, etc.. E, em cada dia e em

cada momento, cabe ao empregador ou ao superior hierárquico ordenar o que ele vai

fazer: hoje de manhã vai levantar uma parede, à tarde vai assentar um telhado.

Eis um dos aspectos da flexibilidade que é própria do contrato de trabalho.

Flexibilidade que, em princípio, apenas actuaria dentro da definição da categoria que se

pode encontrar no contrato de trabalho. Ou por remissão para instrumento de

regulamentação colectiva ou regulamento interno da empresa – art. 118º-2. De facto, é

comum os instrumentos de regulamentação colectiva conterem a sua própria definição

de categorias. Numa convenção colectiva elas podem construídas de modo original, que

apenas vai ter efeitos para os trabalhadores e empregadores abrangidos pela convenção.

Veja-se uma definição incluída num acordo colectivo de trabalho, a de uma

categoria técnica incaracterística:

Técnico de Grau II – O trabalhador que, desempenhando funções de natureza

técnica, pode supervisionar técnicos de grau igual ou inferior, elabora pareceres,

estudos, análises, projectos de natureza técnica e/ou científica que fundamentam e

apoiam as decisões dos órgãos executivos da Instituição

Esta definição não corresponde em nada a uma profissão. Pelo contrário,

profissionais de diversas áreas podem ter esta categoria: economistas, juristas,

engenheiros, gestores de recursos humanos. Nestes casos, para saber o que está o

trabalhador obrigado a fazer haverá que ter em conta, para além da identificação da
categoria convencionada, também a área de formação do trabalhador e a inserção na

orgânica da empresa: o que se exige de um jurista com esta categoria será muito

diferente conforme ele esteja colocado na direcção de auditoria ou na direcção de

recursos humanos.

Mas a situação ainda é mais complexa porque o legislador abre algumas

possibilidades de exercício do poder patronal que o levam para além daquilo que está

previsto no contrato, no instrumento de regulamentação colectiva ou no regulamento

interno. Trata-se daquilo que se pode designar como flexibilidade extracontratual ou

flexibilidade legal, na medida em que é a lei que impõe esse conteúdo a qualquer

contrato.

Referimo-nos ao artigo 120º, relativo à chamada mobilidade funcional. Prevê-se a

possibilidade de o empregador exigir ao trabalhador as prestação de tarefas não

incluídas na categoria. Trata-se, portanto, de uma norma excepcional. E é excepcional

em relação ao já citado artigo 406º do Código Civil, na medida em que é a lei que vai

determinar que surja a obrigação de fazer aquilo que o trabalhador não se obrigou a

fazer ao celebrar o contrato.

O legislador, como é natural numa situação destas, tenta criar requisitos apertados

que justifiquem o recurso a esta medida que a doutrina também designa por uma

expressão latina: ius variandi funcional. Deve haver um interesse objetivo da empresa,

ou seja, trata-se de exigências da organização, por exemplo, um facto que ponha em

causa a normalidade técnico-produtiva da empresa: a necessidade de substituir um

trabalhador que falta é justificação, a ordem para ir entregar às finanças a declaração de

rendimentos do empregador não o é.

O exercício das funções diferentes deve ser temporário: a substituição de um

trabalhador que falte é transitória, a substituição de um trabalhador que se reforme não o

é. Neste caso, terá de se definir bem o carácter transitório da medida: por exemplo, ela
perdurará até que o empregador consiga contratar alguém para desempenhar aquelas

funções. O nº 3 do artigo 120º determina que o exercício de outras funções nunca pode

ultrapassar dois anos. Não deve haver modificação substancial da posição do

trabalhador. Se, por exemplo, o trabalhador era chefe, não deve ser colocado sob as

ordens de um colega da mesma categoria ou até subordinado a trabalhadores que antes

estavam sob as suas ordens. E o trabalhador ainda deve auferir das vantagens

correspondentes à atividade que vai desempenhar, nunca podendo ver reduzida a sua

retribuição. Acrescente-se o requisito formal: a ordem deve ser justificada com a

indicação dos motivos que a fundam e deve indicar a duração previsível do exercício

das funções. Violando-se qualquer destes requisitos, a ordem é ilícita e a desobediência

justificada.

Ainda tem importância nesta matéria o artigo 118º. Aí se determina que o

trabalhador deve, em princípio, exercer as funções correspondentes à atividade definida

no contrato. Toda a importância reside naquela expressão “em princípio”. Poderá

retirar-se dessa expressão do nº 1 do artigo 118º a interpretação de que ao empregador é

possível ordenar ao empregador que desempenhe atividades não previstas no contrato?

Ora, importa deixar muito claro que este artigo não contém uma norma excepcional,

que confira ao empregador poderes para além daqueles previstos no contrato de

trabalho. Trata-se, pelo contrário, de estabelecer os limites normais do poder de

direcção do empregador. Esses limites respeitam à sua faculdade de exigir ao

trabalhador a prestação que ficou prevista no contrato de trabalho, interpretado em

conjunto com o instrumento de regulamentação colectiva, o regulamento interno (no

caso de os haver) e a própria lei.

No caso do artigo 118º, o que o legislador veio precisar foi que as funções que o

trabalhador se obriga a prestar incluem, desde logo, não só aquelas efectivamente

descritas no contrato (ou, como sabemos, no instrumento de regulamentação colectiva


ou no regulamento interno), mas todas aquelas que lhe sejam afins ou funcionalmente

ligadas. Ou seja, aqueloutras atividades que servem o mesmo fim ou a mesma função.

Se se determina que o trabalhador é contratado para exercer as funções de motorista, por

exemplo, não é indispensável que se defina que em caso de furo de um pneu o

trabalhador tem o dever de mudar o pneu para que tal atividade lhe seja exigida.

Por que razão tem o legislador este cuidado? Por causa das interpretações literais

que descrições pretensamente exaustivas de funções, nomeadamente contidas em

instrumentos de regulamentação colectiva, por vezes suscitaram. Imagine-se que numa

convenção colectiva de descreve a categoria de escriturário. Pormenorizadamente,

enumeram-se todas as atividades que ele vai desempenhar. Por absurdo, o trabalhador

faz uma interpretação absolutamente literal das suas funções. Assim, quando chega a

altura de afiar um lápis, percorre a descrição das funções e descobre que aí não se prevê

expressamente que ele afie lápis. Sucede que não se pode prever tudo. É evidente que

afiar um lápis é uma tarefa que é indispensável para o escriturário poder desempenhar a

sua tarefa, se esta implicar escrever com lápis.

Assim, enquanto o ius variandi funcional do artigo 120º corresponde a um poder

unilateral do empregador de modificar as funções do trabalhador não abrangidas na

atividade prevista, o artigo 118º apenas revela uma expressão da flexibilidade normal do

contrato de trabalho.

Apesar dessa normalidade, no entanto, o legislador impõe algumas cautelas. Assim,

o exercício das funções afins ou funcionalmente ligadas só é exigível: se o trabalhador

tiver a qualificação profissional adequada – se o veículo avariar, só se pode exigir ao

motorista que o repare se ele estiver capacitado para tal; se o trabalhador não estiver

capacitado e essas competências, apesar de acessórias, forem indispensáveis, ele

trabalhador tem direito a formação profissional, depois da qual o exercício dessas


funções passa a ser exigível; essas funções não devem ainda implicar qualquer

desvalorização profissional do trabalhador .

Este último requisito – o não implicar desvalorização profissional - tem interesse

especial na situação em que o empregador resolva exigir ao trabalhador apenas as

funções afins e não as funções nucleares da categoria. Imagine-se que o empregador,

seja por que razão for – quer para castigar o trabalhador, quer porque entende que a

especialização de cada trabalhador do departamento serve melhor os seus objetivos -,

apenas ordena ao motorista que mude pneus ou ao escriturário que afie lápis. Muito

embora possa dar essas ordens quando o seu cumprimento serve a realização do fim da

sua prestação, ele não pode transformar-se no fim único da prestação. Desde logo, por

importar desvalorização profissional.

Diferente, no entanto, é a situação prevista no nº 3 do artigo 118º. Quando aí se

determina que todas as funções compreendidas no mesmo grupo ou carreira

profissional, não se pode esquecer que a definição de grupos ou carreiras profissionais

em convenções colectivas pode incluir categorias bastante diversas. Veja-se, a título de

exemplo, as categorias incluídas no grupo dos profissionais técnico-fabris de uma

determinada convenção colectiva:


Grupo dos Profissionais Técnico-Fabris:

- Desenhador

- Desenhador praticante

- Modelador

- Operador de laboratório

- Orçamentista

- Planificador

- Projectista

- Radiologista industrial

- Técnico de métodos e tempos

- Técnico de montagens

- Técnico de projectos e ensaios de electrónica

- Técnico de telecomunicações

- Verificador de qualidade

Ora, sendo certo que há funções semelhantes – técnico de projectos e ensaios de

electrónica e técnico de telecomunicações, por exemplo -, não se pode deixar de

concluir que estão presentes no mesmo grupo categorias que correspondem a funções

muito diversas. Assim, por força do seu nº 3, podemos dizer que o artigo 118º abre a

porta para um grande alargamento do poder de direcção do empregador. Pode exigir

muito mais aos trabalhadores sem que se lhes aplique o regime da mobilidade funcional,

que apresenta requisitos mais apertados e maiores direitos para o trabalhador (não

esquecer, no entanto, o art. 267º que estabelece que o trabalhador que exerça funções

afins, mesmo que apenas a título acessório, tem direito à retribuição mais elevada que

lhes corresponda).
2.5 A posição do empregador: o poder de direcção

O poder de direcção do empregador é a outra face do dever de subordinação do

trabalhador: o trabalhador presta a sua atividade sob a autoridade do empregador (art.

11º), competindo ao empregador estabelecer os termos em que o trabalho é prestado

(art. 97º). O dever de subordinação inclui, entre outros, o dever de obediência (al.e) do

nº 1 do art. 128º). Esclareça-se, desde já, que aquele poder de direcção pode ser

exercido, quer pelo empregador, quer por um outro trabalhador para tal designado pelo

empregador: o superior hierárquico (art. 128º-2).

O poder de direcção é decomposto em três poderes: o poder determinativo da função

e da prestação, o poder regulamentar e o poder disciplinar. Vimos várias facetas desse

poder – sobretudo o poder determinativo da função e da prestação, na secção anterior.

Mas o poder de direcção também pode assumir uma faceta regulamentar quando

atribui ao empregador a possibilidade de regular a execução dos contratos de trabalho

de modo genérico e abstracto. Trata-se da possibilidade de, através de um regulamento

interno, criar as normas que regulam de forma padronizada a execução dos contratos de

trabalho dos trabalhadores da empresa ou de um estabelecimento. Cabe ao empregador

organizar a empresa, organizar o trabalho e, para tanto, criar regras a que todos se

submetem.

O artigo 99º prevê o regulamento interno da empresa como um conjunto de normas

de organização e disciplina do trabalho. Trata-se de regras sobre horários de trabalho,

sobre o conteúdo das categorias profissionais, sobre a retribuição, etc..

Através deste regulamento, contudo, o empregador pode introduzir regras que

alteram o que ficou estabelecido nos contratos individuais de trabalho. Ora, como

sabemos, o empregador não pode alterar unilateralmente aquilo que foi acordado.
Imaginemos que no contrato de trabalho se tinha ido ao pormenor de fixar que o salário

do trabalhador Abel seria pago no dia 1 de cada mês ou no dia útil imediatamente a

seguir. Nada o impede: o artigo 278º não fixa nenhuma data para se proceder ao

pagamento. Se, posteriormente, o empregador fixasse no novo regulamento interno que

os salários de todos os trabalhadores passariam a ser pagos no dia 25 de cada mês, tal

regra em nada implicaria com os trabalhadores cujos contratos não previssem uma data.

Já no caso de Abel, o regulamento teria a pretensão de alterar o contrato. Nesse caso,

determina o artigo 104º, a regra do regulamento só pode valer como manifestação da

vontade contratual do empregador de alterar aquele contrato. O que significa que

precisa do acordo de Abel para produzir efeitos.

O artigo 104º vem facilitar a produção desses efeitos, ao determinar que o acordo de

Abel se pode manifestar expressa ou tacitamente. Assim, se Abel nada disser em

contrário, não se opondo por escrito em vinte e um dias, o seu contrato é alterado. Se se

opuser, a vontade de alterar o contrato do empregador não produz qualquer efeito sobre

o contrato de Abel.

Acrescente-se que, quando o número 1 do artigo 104º determina que a vontade

contratual do empregador se pode manifestar através do regulamento interno da

empresa, isso significa que a maior parte das cláusulas contratuais podem estar contidas

no regulamento interno e que a vontade do trabalhador se manifesta através da sua

aceitação do conteúdo do regulamento interno. Mas não se deve esquecer que, para

ambas as partes, terá de haver um acto que corresponda à celebração do contrato de

trabalho. Por outras palavras e exemplificando com o caso de um contrato escrito, as

partes elaboram um documento no qual se identificam, determinam a categoria do

trabalhador, o local onde vai desempenhar as suas funções, a data de início da execução

do contrato. Quanto ao mais, remetem para as regras do regulamento interno da

empresa.
2.6 Poder disciplinar

O poder disciplinar atribui ao empregador um direito de punir o trabalhador quando

este não cumprir os seus deveres – previstos, genericamente, no artigo 128º - e, assim,

violar o contrato. Trata-se, portanto, de uma sanção jurídica e, dentro destas, de uma

sanção punitiva privada. O que também significa que, se o trabalhador, violando

culposamente os seus deveres, causar algum prejuízo ao empregador, pode ser

condenado no pagamento de uma indemnização – sanção compensatória -, aplicando-se

o regime geral da responsabilidade civil, previsto nos artigos 483º e seguintes do

Código Civil.

O artigo 98º estabelece que o poder disciplinar pode ser exercido enquanto o

trabalhador se encontrar ao serviço do empregador. As sanções que podem ser aplicadas

encontram-se discriminadas no artigo 328º, com uma ressalva aí prevista: os

instrumentos de regulamentação colectiva podem fixar outras sanções. Entende-se a

intervenção da regulamentação colectiva: os sindicatos podem aceitar o alargamento do

elenco de sanções ou dos seus limites como modo de proporcionar ao empregador

outras possibilidades de reacção sem ter de recorrer à medida extrema do despedimento.

Se não houver esse alargamento do leque de sanções, o empregador apenas pode

aplicar a repreensão, a repreensão registada, a sanção pecuniária, a perda de dias de

férias, a suspensão do trabalho com perda de retribuição e de antiguidade e o

despedimento. Quanto a este, que corresponde à sanção mais grave, remetemos para o

capítulo relativo à cessação do contrato de trabalho.

A aplicação de sanções punitivas defronta-se sempre com o problema da sua

adequação à gravidade da violação perpetrada. O legislador apenas pode fornecer ao


titular do direito de punir critérios gerais de aplicação da lei. Assim, o artigo 330º

enumera o muito abstracto critério da proporcionalidade da sanção à gravidade da

infracção e à culpabilidade do infractor. Os artigos 328º-2 e 331º, por seu turno,

estabelecem alguns limites às sanções a aplicar, o que permite controlar de algum modo

o exercício do poder disciplinar.

Quanto ao processo disciplinar, devemos começar por observar que o processo com

vista ao despedimento é mais complexo e mais garantístico do que o processo

disciplinar comum. Quanto a este, notamos nos artigos 329º e seguintes alguns traços

fundamentais: a existência de uma audiência prévia do trabalhador (nenhuma sanção

pode ser aplicada sem que o trabalhador seja ouvido); o direito de reclamar para um

superior hierárquico ou para o empregador; a possibilidade de suspender o trabalhador

quando a sua presença for inconveniente (esta suspensão é uma mera medida

preventiva, não se trata de uma sanção); a necessidade de o empregador manter um

registo actualizado de todas as sanções aplicadas, de modo a poder verificar-se o

cumprimento de todas estas disposições.

Ainda merece destaque no artigo 329º o facto de o empregador ter sessenta dias para

iniciar o processo disciplinar após o momento em que se teve conhecimento da

infracção e, independentemente do conhecimento, ter um ano para sancionar o

trabalhador após a prática da infracção (só assim não sendo se a infracção disciplinar

constituir igualmente crime e de este ter prazo de prescrição superior). No artigo 330º

estabelece-se que, após a decisão, o empregador tem três meses para aplicar, ou

começar a aplicar, a sanção adoptada.

Se o empregador aplicar alguma sanção abusiva – nos termos definidos no artigo

331º -, pode ser condenado a pagar uma indemnização ao trabalhador. Merecem

sublinhado alguns casos de sanções abusivas: aquelas que são aplicadas devido a

reclamação feita pelo trabalhador contra as condições de trabalho ou devido à recusa de


cumprir ordens em relação às quais não exista dever de obediência. No número 2 do

artigo 331º o legislador estabelece a presunção de que qualquer sanção que se siga a

uma situação aí descrita é abusiva. O que significa que, então, terá de ser o empregador

a provar que a sanção não se ficou a dever àqueles factos.


2.7 Os direitos e os deveres do trabalhador

O principal dever do trabalhador é o de prestar a sua atividade sob a autoridade e

direcção do empregador e o seu principal direito é o de, em contrapartida da sua

prestação, ser remunerado (art. 11º). Mas, além disso, o trabalhador tem uma série de

direitos e deveres regulados um pouco por todo o Código do Trabalho. Esses podem ser

considerados como direitos e deveres acessórios dos direitos e deveres principais. Ou

seja, são acessórios porque se destinam a desenvolver o direito e o dever principais, a

determinar os seus contornos e a esclarecer situações especiais.

O número 1 do artigo 126º contém um importante princípio geral: o de que no

exercício dos direitos e no cumprimento dos deveres, ambas as partes estão obrigadas a

respeitar o princípio da boa-fé. Princípio que assenta na relação de confiança que cada

parte cria na outra e que impõe que os direitos e deveres tenham em conta a finalidade

que justifica a sua criação e imposição pelo legislador. O número 2 daquela disposição

vai mais longe, determinando que as partes devem colaborar, quer na obtenção de maior

produtividade, quer na promoção humana, profissional e social do trabalhador. Estes

princípios são seguramente importantes quando se tiver de determinar o sentido de

certas normas, nomeadamente quando estivermos perante conceitos indeterminados

como motivo atendível ou necessidade imperiosa da empresa. Trata-se, além do mais,

de uma concretização, entre muitas, do princípio da boa fé.

De seguida, o artigo 127º apresenta um elenco de vários deveres do empregador aos

quais corresponde, naturalmente, igual número de direitos do trabalhador. Regulam-se

aqui aspectos relacionados com várias matérias que teremos oportunidade de tratar, ou

que já abordámos. Desde a obrigação de pagar pontualmente a retribuição (art. 127º-b)),

a que corresponde o direito do trabalhador a ser remunerado a tempo e horas, que

desenvolveremos no capítulo sobre a retribuição, a todos os demais. Não vamos aqui


proceder a uma análise detalhada do seu conteúdo, que será remetida para cada ponto da

matéria. O mesmo se deve dizer das disposições seguintes: o artigo 128º, que estabelece

deveres do trabalhador e o artigo 129º, que estabelece garantias do trabalhador.


2.8 Direito à inovação

A atividade do trabalhador é exercida em benefício do empregador. Por outras

palavras, este apropria-se do resultado do trabalho. Tudo o que o faz, tudo o que produz,

constitui um direito do empregador e não seu. Deve, no entanto, ter-se em conta uma

importante especialidade relacionada com o exercício de atividades criativas por parte

do trabalhador. Será assim, desde logo, em certas atividades de criação intelectual,

reguladas pelo Direito de Autor. Tenha-se em conta, por exemplo, a atividade de um

jornalista ou de um fotógrafo de jornal, a atividade de um criador publicitário. Em regra,

sendo exercidas com base num contrato de trabalho, o direito exclusivo de reproduzir,

difundir e comercializar o seu trabalho pertence ao empregador. Só não será assim se as

partes definirem outra solução. Por exemplo, um jornalista acorda com o seu jornal que

as suas reportagens poderão ser, por ele, jornalista, comercializadas no estrangeiro para

que jornais internacionais a possam publicar.

De seguida, vamos analisar com melhor atenção o direito de propriedade industrial.

A criatividade é, em certas funções, o principal atributo do trabalhador e aquilo que

o empregador dele mais espera. Quando a criatividade resulta na introdução de uma

inovação ou invenção que possa ter um valor económico próprio, pode ser objeto de um

título jurídico que garante a exclusividade do aproveitamento do seu valor. Esta questão

é da maior importância para o empregador que quer beneficiar da inovação e para o

trabalhador que a cria, pelo que, adotando a perspetiva da gestão de recursos humanos,

entendemos que devemos abordar este direito à inovação com algum desenvolvimento.

Esta matéria não é regulada no Código do Trabalho. Trata-se de direitos de autor ou

de propriedade industrial. No Código da Propriedade Industrial, aprovado pelo Decreto-

Lei nº 36/2003, de 5 de março, consta o regime jurídico que importa conhecer (as

normas que se referem de seguida correspondem ao referido diploma).


A propriedade industrial atribui direitos privativos sobre os processos técnicos de

produção e desenvolvimento da riqueza. Note-se que o termo "industrial" não deve

induzir em erro. Na verdade, abrange todas as atividades económicas - todo o tipo de

indústria tal como todo o tipo de comércio e serviços.

Os direitos mais extensos sobre a inovação são conferidos quando se atribui uma

patente. Esta confere o direito exclusivo de explorar a invenção em qualquer parte do

território português (se for obtida patente europeia ou internacional, o âmbito será

naturalmente mais vasto), por um período de 20 anos (arts. 99º e 101º).

Por outro lado, quem quiser beneficiar de direitos semelhantes aos atribuídos pela

patente, mas através de um procedimento mais simples, mais expedito e mais barato,

mas que também garantirá o exclusivo do aproveitamento, embora por um período de

tempo inferior, pode pedir a atribuição de um modelo de utilidade.

Por último, quando a inovação disser respeito, não a processos de produção de

riqueza, mas a desenhos ou modelos que singularizem a aparência de um produto, pelas

suas linhas próprias, contornos, cores, forma, textura e materiais, pode pedir o registo

desses desenhos ou modelos.

A regra geral sobre o direito à patente (que se aplica igualmente aos modelos de

utilidade e aos desenhos e modelos), é o de que o direito pertence ao inventor (art. 58º).

Ora, a questão que se coloca é a de saber quem pode pedir a atribuição e o registo da

patente, do modelo de utilidade ou dos desenhos ou modelos. Quando eles são

desenvolvidos na empresa, pode suceder que o seu processo de criação implique de tal

forma a própria organização, com a participação de vários departamentos e equipas de

trabalho, que não seja possível atribuir a criação a nenhum indivíduo. Nesse caso, o

direito ao seu aproveitamento pertence, inequivocamente à empresa. Por outro lado, se a

criação tiver um autor pessoal, que seja um trabalhador da empresa, a questão coloca-se

em termos diferentes.
A disposição legal que importa conhecer é o art. 59º, aplicado igualmente à patente,

aos modelos de utilidade e ao registo de desenhos e modelos. Determina aquela

disposição legal que o direito pertence à empresa quando a invenção for feita durante a

execução de um contrato de trabalho em que a atividade inventiva esteja prevista. O que

isto significa é que, para o efeito, é fundamental o modo como se descreve a categoria e

as funções do trabalhador. Se ele for um desenhador no departamento criativo de uma

empresa da indústria de moldes e criar um novo modelo, o seu aproveitamento pertence

à empresa porque é próprio daquela atividade ser inventiva. Se for um eletricista numa

empresa da área florestal e criar, na empresa e com meios desta, um novo dispositivo

que pode ser comercializado, o direito ao aproveitamento pertence ao trabalhador, salvo

se no contrato de trabalho se preveja que caso o trabalhador crie algo de inovador o

respetivo aproveitamento beneficia o empregador.

A lei não esquece os direitos do trabalhador inventivo, quando o direito ao

aproveitamento da inovação cabe à empresa. O art. 59º-2 admite que ao trabalhador seja

paga, no salário, uma parcela específica que retribui a sua inventividade. Se tal não

acontecer, atribui ao inventor o direito a uma remuneração especial, de acordo com a

importância da inovação. Se não houver acordo entre ambos, a fixação do valor será

feita por arbitragem (59º-6). Note-se que não se trata de uma remuneração do trabalho,

mas sim especificamente uma remuneração da inovação.

Se a atividade não for, pela sua natureza, inventiva ou se o contrato não previr

essa possibilidade, mas, mesmo assim, o trabalhador inovar, a solução é diferente. A lei,

neste caso, distingue os casos em que a inovação se integra na atividade da empresa e os

demais casos. No exemplo do eletricista, vamos admitir que o contrato de trabalho nada

diz sobre possíveis inovações. Sendo assim, imaginemos que o trabalhador cria um

novo dispositivo elétrico para ser usado no corte e tratamento da madeira. Trata-se

inequivocamente de algo que se integra na atividade de uma empresa que procura


otimizar os métodos de trabalho. Sendo assim, a lei determina que a empresa, se assim o

entender, tem direito à propriedade da invenção (59º-3-a)). Por isso, o trabalhador tem

de informar a empresa da invenção que tiver realizado e, se não o fizer, incorre em

responsabilidade civil e laboral (59º-3-d)). Se a empresa não quiser invocar os seus

direitos, designadamente pelos custos envolvidos ou por não ter interesse na sua

exploração, o trabalhador é livre de pedir o seu registo como inventor que é. No caso de

a empresa querer assumir a propriedade da invenção, o trabalhador deve ser remunerado

nos mesmos termos do 59º-2 e 59º-6.

Ainda tem importância a solução do art. 60º: sempre que a patente, o registo do

modelo de utilidade ou o registo do desenho ou modelo não forem pedidos pelo

inventor (neste caso o trabalhador), mas por um terceiro (neste caso o empregador), o

inventor tem direito a ser mencionado no requerimento e no título da patente ou no

registo do modelo de utilidade ou do desenho ou modelo. Trata-se de um direito que é

muito importante, por exemplo, para o curriculum do trabalhador.

Por último, regressando ao artigo 59º, importa analisar o caso da invenção que

não se integra na atividade da empresa. Segue-se o exemplo do trabalhador eletricista:

ele cria o tal dispositivo elétrico, no local e no tempo de trabalho, usando meios da

empresa; mas sucede que a inovação nada tem a ver com aquilo que a empresa faz nem

há qualquer previsão no contrato de trabalho a propósito de eventuais invenções, até

pela simples razão de que, quando se celebrou o contrato, não se previa que o

trabalhador viesse a inventar o que quer que fosse.

A primeira questão que se coloca, como é evidente, tem a ver com o facto de o

trabalhador ter disposto do tempo de trabalho e dos meios do empregador para

desenvolver atividades que nada têm a ver com a execução do seu contrato de trabalho.

Naturalmente, essa é uma questão que pode ser vista como um incumprimento do

contrato e, portanto, que pode originar responsabilidade disciplinar e civil. Só não será
assim se o empregador tiver autorizado a atividade.

No que se refere especificamente ao direito de propriedade industrial, no entanto,

não há dúvidas: o empregador não tem nenhum direito sobre a invenção. Assim, neste

caso o trabalhador terá o direito exclusivo a registar a patente, o modelo de utilidade ou

o desenho ou modelo e a ter o seu aproveitamento económico.


2.9 Direito de ocupação efectiva

Merece aqui referência um outro dever do empregador e o correspondente direito do

trabalhador, porque têm a ver diretamente com a noção de objeto do contrato de

trabalho. Trata-se do dever, e do correspondente direito, de ocupação efectiva.

Como sabemos, o trabalhador obriga-se a prestar a sua atividade sob a autoridade e

direcção do empregador, competindo a este definir em que termos a prestação vai ter

lugar. O trabalhador, portanto, coloca-se à disposição do empregador, cabendo a este

determinar o que espera do trabalhador. O que acontecerá se o empregador não atribuir

funções nem exigir qualquer prestação efectiva?

A questão ganha relevância especial se tivermos em conta que a ociosidade do

trabalhador pode importar para este numa desvalorização profissional. Só para dar um

exemplo, um piloto que não conduza aeronaves durante um certo período de tempo,

perde o seu brevet.

A questão pode colocar-se do seguinte modo: terá o trabalhador direito a exigir ao

empregador que lhe dê trabalho? Que lhe exija o desempenho concreto das suas

funções?

O artigo 126º, como vimos, começa por esclarecer que as partes devem cumprir as

suas obrigações de acordo com o princípio da boa-fé, que se funda na esperada relação

de confiança que deve ligar empregador e trabalhador. Se o empregador, invocando o

facto de a disponibilidade do trabalhador ser recompensada com o pagamento da

retribuição, nada mais lhe sendo exigido, deixar de dar tarefas ao trabalhador com o

intuito de o prejudicar, estará certamente a violar aquele princípio da boa-fé. Mas se

deixar de dar tarefas ao trabalhador porque houve uma redução das encomendas e se
todos os seus trabalhadores com aquelas funções foram igualmente abrangidos pela

medida, não há qualquer violação do princípio da boa-fé.

O que daqui se pode concluir é que, em certas circunstâncias, mas não noutras, o

empregador pode ter um dever de ocupar efectivamente o trabalhador e este terá o

direito de exigir o seu cumprimento. Assim, da aplicação do princípio da boa-fé resulta

que deve ser proibido ao empregador impedir, injustificadamente, a prestação efectiva

de tarefas por parte do trabalhador, o que fica consagrado numa outra disposição do

Código do Trabalho: alínea b) do nº 1 do art. 129º. O que é sublinhado pelo número 2

do artigo 126º quando aí se estipula que as partes devem colaborar na promoção

profissional do trabalhador.
2.10 Os direitos de personalidade

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