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A carta185 acima, escrita a 12 de junho de 1632, de Buenos Aires, por Francisco

Vasquez Trujillo a Sua Magestade o Rei de Espanha e de Portugal, no calor da tomada de


Guairá pelos paulistas, mostra um fato, um lado da guerra. Criou-se o mito, o do paulista
desalmado, violento, de um maltratador de índios.

Isso tudo será verdade? Ou mito?

O missivista, provincial dos jesuítas de Buenos Aires, ao relatar os acontecimentos


ao seu rei, colocando-o a par de tudo, teceu inúmeros comentários de grande interesse para
a compreensão do povo paulista. Estudemos suas denúncias e ponderações, sua posição de
jesuíta e mais que um jesuíta, de uma autoridade na sua religião. Fazia denúncias porque
acreditava em remédios para os males que os afligiam e também em castigos para os pau-
listas. O destinatário era o monarca de ambos, tanto da vítima como do agressor. Alguém
que poderia tomar partido e mandar a necessária justiça para aquelas plagas. Inclusive a
temível Inquisição...

Em primeiro lugar, o jesuíta estava absolutamente correto na primeira colocação:


paulista era português de São Paulo. Não havia ainda, a julgar pela documentação coeva,
nenhum sentimento de brasilidade. Sem falsos eufemismos de nacionalidade, o paulista era
português, da mesma maneira que o natural de Braga, de Coimbra ou de Guimarães. Da
violência apontada, penso que não há muito a escrever ou a discutir: guerra é guerra...
Acusava os paulistas de não respeitarem o território espanhol porque não reconheciam o
Rei como seu monarca e que inclusive teriam insígnias próprias. Seria curioso se o padre
identificasse melhor que insígnias seriam essas. Ele parece ter razão uma vez mais. Os
paulistas obedeciam ao Rei de Portugal, que, por uma situação de momento, as duas coroas
tinham uma só cabeça. Se ele tivesse o dom da premunição, saberia que oito anos depois as
duas armas estariam definitivamente separadas. Entretanto, deveria estar consciente de que
os portugueses do Brasil desprezavam as fronteiras estabelecidas pelos espanhóis, os quais
pretendiam empurrá-los para o litoral.

Deve-se ressaltar, ainda, que o missivista percebeu muito bem o caráter do paulista.
Este fazia parte de um povo que precisava correr atrás da fortuna, já que Deus não fora
benevolente aos seus naturais. São Paulo dos tempos de 1632 não passava de uma vila mi-
serável, minúscula e sem importância. A única riqueza visível era a utilização da mão-de-

185 Anais do Museu Paulista, tomo XIII, pp. 310-314. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 1949.

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