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INSTITUTO FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

CURSO DE GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA METALÚRGICA

CAIO CÉSAR PRATES MARTINS

GABRIEL WERNECK DA SILVEIRA

JORGE LUIZ RAMLOW PAULINO

MODELAGEM DE DADOS PARA DUREZA EM FUNÇÃO DA TEMPERATURA DO


AÇO INOXIDÁVEL MARTENSÍTICO

VITÓRIA

2021
1 INTRODUÇÃO

1.1 Modelagem de dados

Problemas de engenharia envolvem o uso de instrumentos para coletar


dados de um fenômeno. Seja no movimento de uma partícula, a queda livre de um
objeto, a concentração de uma substância no tempo, ou a distribuição de
temperatura em uma placa, a modelagem dos dados pode facilitar na determinação
da variável. Além disso, é possível determinar, com certa precisão, valores que não
estão contidos nos dados, o que é chamado de interpolação, e valores que
representam uma projeção do que foi obtido, chamado de extrapolação. A ideia
consiste em usar um conjunto de pontos {(𝑥1, 𝑦1), (𝑥2, 𝑦2),..., (𝑥𝑛, 𝑦𝑛)}para formar
um molde de gráfico onde há um maior leque de possibilidades de obtenção de
dados não experimentais.

Com uma tabela que reúne o conjunto de dados, a modelagem pode ser feita
de diversas formas. As principais formas são: interpolação polinomial e ajuste por
mínimos quadrados. Neste trabalho será abordado um tipo de interpolação, via
polinômios de Lagrange, que será descrito posteriormente.

1.2 Microestrutura do aço


Na siderurgia, uma das principais análises feitas é acerca da estrutura
microscópica dos aços, ligas de ferro (solvente) com carbono e outros materiais
(solutos). Uma razão para a versatilidade dos materiais metálicos, como o aço, está
no fato de que suas propriedades mecânicas estão sujeitas a controle e modificação.
Cada ramo industrial necessita de um aço com diferentes propriedades, que são
determinadas pela forma microscópica do material, chamada de microestrutura ou
fase, e pela sua estrutura cristalina. O que garante uma fase é a quantidade de
constituintes (principalmente carbono) presentes no aço e a temperatura do material.
As principais microestruturas do aço são: austenita, ferrita, cementita, perlita e
martensita, e as principais estruturas cristalinas são as cúbicas de corpo centrado
(CCC), cúbicas de face centrada (CFC) e ortorrômbicas. Cada fase apresenta
características peculiares, mas as de maior importância são a estrutura cristalina da
fase, a porcentagem de carbono nela e a temperatura para obtê-la. A Tabela 1
representa a fase do aço, a estrutura cristalina e a temperatura para se obter uma
máxima solubilidade do carbono. Já a Figura 1 mostra a transformação da estrutura
cristalina em função da temperatura.

Tabela 1: Propriedades das fases do aço

Símbolo Nome da Fase Estrutura % C máxima Temperatura na


(fase) Cristalina (%) Solubilidade
Máxima (ºC)

α Ferrita ou Ferro Alfa CCC 0,025 723

𝛄 Austenita ou Ferro CFC 2,11 1130


Gama

𝛅 Ferrita Delta ou CCC 0,12 1493


Ferro Delta

Cementita Ortorrômbica 6,67 -


Fe3C

Fonte: Scheid, A.

Figura 1: Transformações estruturais cristalinas

Fonte: Scheid, A.

A transformação da martensita não é muito compreendida, mas se sabe que


a temperatura mínima é de 723°C e a estrutura cristalina obtida é tetragonal de
corpo centrado (TCC), uma variação de CCC com um dos lados com medida maior,
formando um retângulo.
Todos os dados acima foram obtidos experimentalmente, por meio de uma
série de pesquisas envolvendo diferentes concentrações de constituintes e
temperaturas. Entretanto, a representação por tabela não é usualmente utilizada,
apenas em casos onde se deseja ter os principais pontos. A representação mais
utilizada é a em forma de diagrama, sendo o Ferro-Carbono, representado pela
figura 1 o mais importante. Esse tipo de diagrama relaciona a quantidade de carbono
e a temperatura com a fase do aço naquele estado, além de sua estrutura cristalina.
Percebe-se que para situações específicas há mais de uma fase no aço ao mesmo
tempo, e, para determinar a porcentagem de cada fase, é preciso utilizar alguns
métodos, como a conhecida regra da alavanca. Em relação a figura 2, o eixo
horizontal mais abaixo representa a porcentagem em massa de carbono e o mais
acima a porcentagem atômica do constituinte. Já os eixos verticais representam a
temperatura do aço nas escalas Celsius (à esquerda) e Fahrenheit (à direita).
Nota-se, ainda, que alguns dados da Tabela 1 estão presentes no diagrama. Além
disso, uma fase que não foi apresentada também aparece no diagrama, a fase
líquida, representada pela letra L.

Figura 2: Diagrama Ferro-Carbono

Fonte: Scheid, A.

Com uma introdução aos conceitos de fase e microestrutura podemos


entender como funciona a mudança de fase, já que ela é necessária para atingir os
objetivos industriais de propriedades mecânicas. Observando os dados da tabela 1
podemos definir que a mudança de fase ocorre quando uma certa temperatura
mínima é atingida para uma concentração máxima. Para a obtenção da austenita,
por exemplo, a concentração máxima de carbono deve ser de 2,11% e a
temperatura não pode ultrapassar os 1130ºC. Esse processo é chamado de
austenitização, e pode ser feito em uma faixa de temperatura, que, de acordo com o
diagrama varia de cerca de 800 a 1130ºC.
A grande maioria dos aços não são compostos somente de ferro e carbono, já
que a utilização seria muito restrita. Para variar as propriedades dos aços também
são acrescentados elementos de liga, compostos que auxiliam em diversas
características do material. Com isso, há uma infinidade de diagramas possíveis,
fixando a composição de um elemento e traçando o diagrama ferro-carbono naquela
composição.

1.3 Tratamentos Térmicos


Após passar pelo processo do alto-forno, o aço se encontra em um estado “cru”, e
pode precisar de uma melhora na sua microestrutura. Isso também ocorre com
diversos outros metais, que são melhorados com a ajuda de tratamentos térmicos.
Os principais são:
● Recozimento: normalmente é o primeiro tratamento realizado nos aços.
Equivale ao aquecimento até uma faixa de temperaturas específica, seguido
de resfriamento lento até atingir a temperatura ambiente, com o objetivo de
diminuir a dureza e aumentar a ductilidade do material, além de obter a
microestrutura de perlita grosseira.
● Normalização: consiste no aquecimento até uma faixa de temperaturas
específica, seguido de resfriamento lento com o ar ambiente, objetivando o
alívio de tensões;
● Têmpera: consiste no aquecimento até uma faixa de temperatura específica,
seguido de resfriamento em banho de água ou óleo frios, visando o aumento
da dureza do material. A têmpera é muito utilizada após o processo de
austenitização, onde o aço é exposto a temperaturas acima da linha de
transformação ferrita-austenita (por volta de 800ºC) depois resfriado, tendo
objetivo de obter a microestrutura martensita;
● Revenimento: é o tratamento térmico posterior à têmpera, no qual a peça é
reaquecida a uma faixa normalmente entre 150°C e 600°C, visando aliviar as
tensões e corrigir a dureza excessiva do processo anterior, e ainda obter
microestruturas como ferrita ou cementita. Após a têmpera a martensita se
encontra em um estado muito frágil, e precisa sofrer revenimento para se
tornar aplicável.
● Cementação: consiste na adição de carbono em camadas superficiais da
peça, com o auxílio de altas temperaturas e pressões, visando o aumento da
dureza superficial.
Diversos produtos conhecidos passam por tratamentos térmicos. Esses produtos
vão de alicates de unha, placas para automóveis a peças de navio e de aviões.
Uma das principais vantagens dos tratamentos térmicos é a mudança da
microestrutura do material, o que pode elevar sua dureza, resistência à abrasão,
resiliência, tenacidade, ductilidade, entre outras propriedades.

1.4 Dureza
A definição de dureza não é a mesma para todos os contextos analisados.
Durante um projeto, por exemplo, a dureza é definida como uma medida para
determinação da resistência mecânica. Na usinagem é usada para determinação da
resistência ao corte, na mecânica para determinação da resistência à penetração, na
mineralogia para determinação da resistência ao risco e na metalurgia para
determinação da resistência à deformação plástica localizada e resistência ao
desgaste.
Há diversas formas de determinação da dureza de um material: por rebote,
por impacto ou por penetração, e cada uma delas mostra os dados em escalas
diferentes. A dureza que será abordada neste trabalho se baseia na aplicação de
forças por meio de uma máquina que tem um penetrador, causando um furo no
material. Esse tipo de dureza é chamada de dureza Rockwell, e os motivos de ser
amplamente utilizada são a facilidade de operação, a determinação direta dos dados
e a exatidão nas medidas. A Figura 3 mostra a maneira como é feito o ensaio de
dureza Rockwell.
Figura 3: Ensaio de Dureza Rockwell

Fonte: SOUZA, S. A. Ensaios Mecânicos de Materiais Metálicos

Como pôde ser observado, há uma aplicação inicial de uma pré-carga, para
eliminar o efeito de defeitos superficiais da peça. Após a aplicação da carga inicial a
carga total é aplicada e retirada para fazer a leitura. Nota-se que o resultado é obtido
imediatamente pela máquina, o que não ocorre em outros métodos de dureza que
necessitam de medidas do furo formado pelo penetrador. Além disso, há dois tipos
de penetradores: esférico (aço), e cônico (diamante com 120° de conicidade). A
variação dos tipos de penetrador e as intensidades das cargas aplicadas (60 a 150
kgf) determinam a escala a ser utilizada, que é representada por uma letra. Esse
método é muito utilizado devido a sua rapidez, o que auxilia na obtenção de dados
após tratamentos térmicos, e torna fundamental em linhas de produção.

1.5 Problema Proposto


Observa-se, portanto, que a dureza de um material varia com a temperatura,
com o tratamento térmico feito e, consequentemente, com sua microestrutura.
Muitos resultados não são suficientes para a utilização de um material como o aço,
por exemplo. Se quisermos saber a dureza em uma temperatura específica que não
está no conjunto de dados, seja dentro ou fora do intervalo dado, precisamos fazer
uma modelagem e uma estimativa, além de avaliar os possíveis erros. Com isso, o
objetivo deste trabalho é modelar um conjunto de dados para um determinado tipo
de aço, analisando a dureza Rockwell em função da temperatura em tratamentos
térmicos que variam a microestrutura do material.
O problema consiste na avaliação de duas tabelas de dados, uma para
dureza em função da temperatura de austenitização e outra da dureza em função do
revenimento. Para a primeira tabela deseja-se saber a dureza da amostra a uma
temperatura de austenitização de 970°C, ou seja, houve um aquecimento até essa
temperatura, depois um resfriamento seguido de têmpera. Já para a segunda, o
modelo deve ser capaz de obter a dureza em uma temperatura de revenimento de
475°C. Essas determinações podem ser importantes, pois os valores de dureza
facilitam em outros processos, como o de usinagem, por exemplo. Além disso, a
fins de análise, vamos calcular o erro dos polinômios para valores de dureza já
conhecidos em temperaturas também já conhecidas na tabela de dados. No primeiro
caso a dureza é de 49,3 HRC para uma temperatura de austenitização de 950°C. No
segundo caso o valor de dureza é de 49.3 HRC para uma temperatura de
revenimento de 520°C. Com esses valores podemos calcular o erro na modelagem.

2 MATERIAIS E MÉTODOS
2.1 Material
O material a ser analisado neste trabalho é o aço inoxidável martensítico
similar ao AISI 420, muito utilizado em componentes que necessitam de elevada
resistência mecânica e à corrosão, por exemplo, em moldes para injeção de
polímeros. Foi recebido na forma de uma barra redonda, recozida, com 200 mm de
diâmetro. O aço foi inicialmente caracterizado com relação à microestrutura e
dureza, que foi avaliada na escala Rockwell C. A composição química do aço é
apresentada na Tabela 2.

Tabela 2: Composição química do aço AISI 420 (% em massa)


Fe C Cr V S

~ 85,8 0,40 13,5 0,27 0,001


Fonte: Pinedo, C. A.
2.2 Métodos
2.2.1 Interpolação via Polinômios de Lagrange
Para realizar interpolação via Polinômios de Lagrange, consideramos a
construção de um polinômio de grau no máximo n que passe pelos (n + 1) pontos
.

Dessa forma, constrói-se uma função , para cada k = 0, 1, …, n, para

qual vale que e , se i ≠ k. E para que valha


, se i ≠ k, utiliza-se o termo

no numerador de . E para que valha que , é necessário que o

numerador e o denominador de sejam iguais quando x = xk.

Conhecidas as funções , um polinômio interpolador é facilmente determinado.


Sendo este chamado de n-ésimo polinômio interpolador de Lagrange e é dado por

(1)
onde para cada k = 0, 1, …, n,

(1.1)

2.2.2 Mínimos quadrados

3 RESULTADOS
No primeiro problema a tabela para os valores de dureza (D) em função da
temperatura de austenitização (𝑇𝐴) foi:

Dureza (HRC) 44,8 55,1 58,9 58,3

Temperatura (ºC) 900 1000 1050 1100


Fonte: Pinedo, C. A.
Além desses valores há ainda o ponto (950;49,3), em verde, que será usado
para o cálculo do erro. Usando a interpolação via polinômios de Lagrange mostrada
obtemos a expressão D(T), aplicando (1) e (1.1) nos dados da tabela, para a dureza
em função da temperatura de austenitização sendo

Substituindo as temperaturas desejadas de 970ºC e 950°C , temos

Portanto, para a estimativa do erro na interpolação via polinômio de Lagrange


no problema 1, temos:

O gráfico, com os pontos da tabela, dessa solução é

Fonte: Autoral

Para o segundo problema, a tabela obtida para os valores de dureza (D) em função
da temperatura de revenimento (𝑇𝑅) foi:

Dureza (HRC) 50,1 50,6 33,6 31,0

Temperatura (°C) 450 500 620 680


Fonte: Pinedo, C. A.

Além desses valores há ainda o ponto (520;49,3), em verde, que será usado
para o cálculo do erro. Usando a interpolação via polinômios de Lagrange mostrada
obtemos a expressão D(T) para a dureza em função da temperatura de revenimento

Substituindo a temperatura desejada de 475ºC, temos

Portanto, para a estimativa do erro na interpolação via polinômio de Lagrange no


problema 2, temos:

O gráfico dessa solução com os pontos dados é

Fonte: Autoral

4 CONCLUSÃO
Para o primeiro problema as durezas Rockwell C obtidas para as
temperaturas de austenitização de 950 e 970°C foram de 49,52 e 51,80 HRC,
respectivamente. Já para o segundo, as respectivas durezas obtidas para as
temperaturas de revenimento de 475 e 520°C foram de 48,58 e 51,47 HRC. Os
valores de dureza para os pares de temperaturas (950-475 e 970-520) foram muito
próximos, com erro baixo, indicando que tanto a têmpera quanto o revenimento a
qualquer temperatura nesses pares podem ser usados para algum processo
posterior que necessite dessa dureza ou vendidas para empresas que desejam essa
intensidade na propriedade no aço AISI 420. O motivo do erro para o revenimento
ser maior é o fato do processo ser posterior à têmpera, o que estaria somando erros
dos dois tratamentos.
Percebe-se, também, que a interpolação foi muito satisfatória, gerando erros
baixos nas medidas das durezas. Além disso, não é possível determinar valores fora
do intervalo dos dados (extrapolação) utilizando os métodos de interpolação.
Entretanto, isso não é um problema para o caso abordado, pois temperaturas fora
do intervalo podem representar outra fase do material, o que não é desejado, e o
comportamento pode ser totalmente diferente. Já alguns outros problemas podem
necessitar de uma modelagem de extrapolação, para se prever um futuro próximo, e
essa é uma das desvantagens do uso dos métodos por polinômios. Outra
desvantagem é a interpolação com muitos valores, o que formaria polinômios de
graus maiores e tornaria a modelagem imprecisa e inviável. A vantagem está
relacionada à precisão dos dados dentro do intervalo fornecido, como se pode
observar nos gráficos dos resultados.
Por fim, um outro ponto não abordado no trabalho é a determinação da
temperatura necessária (de austenitização ou revenimento) para se atingir uma
dureza. Essa determinação pode ser feita de duas formas: invertendo os valores de
dureza e temperatura para se obter um polinômio T(D) ou resolver a equação de
terceiro grau que é obtida quando se substitui a dureza conhecida nas expressões
de D(T).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

RUGGIERO, Marcia A. Gomes; LOPES, Vera Lucia da Rocha. Cálculo numérico:


aspectos teóricos e computacionais. 2. ed. São Paulo, SP.

CALLISTER, W. D., Ciência e Engenharia de Materiais: Uma Introdução. John


Wiley & Sons, Inc., 2002.

SOUZA, S. A. Ensaios Mecânicos de Materiais Metálicos. 5. ed. São Paulo, SP.

Pinedo, Carlos Eduardo. TRATAMENTO TÉRMICO E SUPERFICIAL DO AÇO


INOXIDÁVEL MARTENSÍTICO AISI 420 DESTINADO A MOLDES PARA INJEÇÃO
DE POLÍMEROS, 2003. Disponível
em:<https://www.heattech.com.br/trabalhos/2004%20-%202o%20ABM%20Moldes%
20-%20AISI%20420%20Parte%201.pdf>. Acesso em: 2 mar. 2021.

SCHEID, Adriano. CURSO BÁSICO DE AÇOS, 2010. Disponível


em:<http://ftp.demec.ufpr.br/disciplinas/TM343/A%C7OS.pdf>. Acesso em: 2 mar.
2021.

SCHEID, Adriano. Diagramas de Fase, 2010. Disponível


em:<http://ftp.demec.ufpr.br/disciplinas/TM343/A%C7OS.pdf>. Acesso em: 2 mar.
2021.

Pinedo, Carlos Eduardo. TRATAMENTO TÉRMICO E DE NITRETAÇÃO SOB


PLASMA DO AÇO INOXIDÁVEL MARTENSÍTICO AISI 420, 2011. Disponível
em:<https://tecnologiammm.com.br/article/10.4322/tmm.2011.014/pdf/tmm-8-2-86.pd
f>. Acesso em: 2 mar. 2021

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