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Pretendemos neste artigo desenvolver ferramentas básicas a fim de que o leitor se torne
apto a resolver uma vasta gama de problemas de competições matemáticas que envolvam
desigualdades. Tentamos tornar nossa exposição a mais auto-suficiente possível. Em certas
passagens, contudo, algum conhecimento de cálculo é útil, ainda que não imprescindível. Em
tais ocasiões indicamos ao leitor a referência [3] como bibliografia auxiliar.
1 1 1 1 1
Exemplo 1: Para todo inteiro positivo n, prove que 1 . . . ≥
2 3 4 n 2
log 2 n1 .
Solução : Veja que, para todo inteiro k > 1,
1 1 1 1 1 1 1
+ + ... + > k + k + ...+ k =
2 k −1 +1 2 k −1 + 2 2k
2 2 2 2
2 k −1 vezes
Portanto, sendo 2 k a maior potência de 2 menor ou igual a n, temos
( )
n 2k k k
1+ 1
+∑ 1
≥1+ 1
+ ∑ 1j = 1 + 12 + ∑ 1
+ ... + 1
>1 + 12 + ∑ 12 = 1 + k2
2 j 2 2 j −1 +1 2j
j =3 j =3 j =2 j =2
O exemplo acima foi colocado de propósito. Ele chama atenção para o fato de que nem
sempre precisamos de algo mais que raciocínio para resolver problemas envolvendo
desigualdades. A proposição abaixo mostra um pouco mais sobre como podemos derivar
desigualdades interessantes com muito pouca matemática.
Proposição 1 (Desigualdade do Rearranjo): Sejam a1 < a2 < ... < a n reais positivos dados,
e considere a expressão S = a1b1 + a 2 b2 + ...+a n bn , onde ( b1 , b2 ,..., bn ) é uma
reordenação de ( a1 , a2 ,..., a n ) . Então
a1a n + a2 a n −1 + ...+a n a1 ≤ S ≤ a12 + a22 + ...+a n2
Prova : Vamos primeiro tornar S a maior possível. Como só há um número finito (n fatorial)
de possíveis reordenações ( b1 , b2 ,..., bn ) , há uma delas que torna S máxima. Suponha
então que estamos com a reordenação ( b1 , b2 ,..., bn ) que torna S máxima.
Queremos mostrar que essa reordenação é exatamente ( a1 , a 2 ,..., a n ) . Para isso, basta
mostrarmos que deve ser b1 < b2 < ... < bn . Suponha o contrário, i.e., que existam índices i <
j tais que bi > b j . Trocando as posições de bi e b j (i.e., pondo bi ao lado de a j e b j
ao lado de a i ), S varia de a i b j + a j bi − ( a i bi + a j b j ) = ( ai − a j )( b j − bi ) > 0 , quer dizer,
S aumenta. Mas isso contraria o fato de ser a reordenação ( b1 , b2 ,..., bn ) aquela que torna
S máxima. Logo, b1 < b2 < ... < bn e daí bi = a i para todo i, donde o maior valor possível
de S é a12 + a22 + ...+a n2 .
O raciocínio para minimizar S é análogo. ❏
a1 + a 2 + ...+ a n
i. A média aritmética de a1 , a 2 ,..., a n como o número .
n
ii. A média geométrica de a1 , a 2 ,..., a n como o número n a1a 2 ... a n .
( a1 +...+ a n ) + ( a n +1 +...+ a 2 n )
2n = 2 [
1 a1 +...+ a n
n +
a n +1 +...+ a 2 n
n ] ≥
n a1 ...a n + n
2
a n +1 ...a 2 n
≥
≥ n a1... a n n a n +1... a 2 n = 2 n a1... a n a n +1... a 2 n
Para haver igualdade, devemos ter igualdade em todas as passagens. Então, deve ser
a1 + ...+ a n a + ...+ a 2 n
= n a1... a n , n+1 = n a n + 1... a2 n e
n n
n a1 ...a n + n a n +1 ...a 2 n
2 = 2 n a ... a a
1 n n + 1... a 2 n
Para as duas primeiras igualdades, segue da hipóteses de indução que deve
ser
a1 = ... = a n e a n +1 = ... = a2 n
A última igualdade ocorre se e só se n a1... a n = n a n +1... a2 n . Estas duas condições juntas
implicam que devemos ter a1 = ... = a n = a n +1 = ... = a 2 n . É também evidente que se os
números forem todos iguais a igualdade ocorre.
ii. Seja agora n > 1 um natural qualquer e a1 ,a 2 ,..., a n reais positivos. Tome k
natural tal que 2 k > n. Usando a desigualdade entre as médias para os 2 k números
a1 , a 2 ,..., a n e 2 k − n cópias de a = n a1a2 ... a n , obtemos
a1 + ...+ a n + a + ...+ a k k
−n 2k k
−n 2k k
k ≥ 2 a1... a n a 2 = a na 2 = a2 = a ,
2
a1 + ...+ a n
e daí a1 + ...+a n + ( 2 k − n )a ≥ 2 k a , ou ainda
n ≥ a = n a1 ... a n , que era a
desigualdade desejada.
Para haver igualdade, segue do item i que deve ser a1 = ... = a n = a = ... = a . Em particular,
todos os números a1 , a 2 ,..., a n devem ser iguais. É fácil ver que se esses números forem
todos iguais então há igualdade. ❏
Corolário 2.1 : Dados n > 1 reais positivos a1 , a 2 ,..., a n , temos
( a1 + a2 + ...+ a n ) ( 1
a1 + 1
a2 + ...+ a1 ≥ n 2 ,
n
)
com igualdade se e só se a1 , a2 ,..., a n forem todos iguais.
n −1
∑( kn1+ j + 1)
n −1 n −1 n −1
∑ 1 + n = kn + j +1 kn + j +1
kn + j = ∑ kn + j > nn ∏ kn + j =nn k +1
k ,
j =0 j =0 j =0 j =0
onde aplicamos a desigualdade entre as médias aritmética e geométrica uma vez. Note que,
kn + j +1
como os números kn + j
são dois a dois distintos, não há igualdade, razão do sinal > acima.
com igualdade se e só se existir um real positivo λ tal que ai = λ para todo i, quer dizer, se
e só se os a i forem todos iguais. Para obter a desigualdade do enunciado, basta dividir
ambos os membros da desigualdade acima por n. ❏
Corolário 3.2 : Se n > 1 é inteiro e a1 , ..., a n , b1 ,..., bn são reais positivos, então
( a1
b1
+ ...+
an
bn ) ( a b + ... + a b ) ≥ ( a + ... + a )
11 n n 1 n
2
,
ai
Prova : Faça xi = bi
, yi = ai bi e aplique a desigualdade de Cauchy para os números
x1 ,..., x n , y1 ,..., y n . ❏
Exemplo 3 : (Teste de Seleção da Romênia para IMO) Sejam x1 , x 2 ,..., x n +1 reais
positivos tais que x1 + x 2 + ...+ x n = x n +1 . Prove que
x1 ( x n +1 − x1 ) + ...+ x n ( x n +1 − x n ) ≤ x n +1 ( x n +1 − x1 ) +...+x n +1 ( x n +1 − x n )
Prova : Para 1 ≤ j ≤ n , seja y j = x n +1 − x j . Pela desigualdade de Cauchy
temos
= x n +1 ( x n +1 − x1 ) +...+ ( x n +1 − x n ) ❏
( n )(
a1 + a 2 +...+ a n b1 + b2 +...+ bn
n ≤ n )
a1b1 + a 2 b2 + ...+ a n bn
,
Prova :
a1b1 + a 2 b2 + ...+ a n bn
n − ( a1 + a 2 +...+ a n
n )( b1 + b2 +...+ bn
n )=
= 1
n2
[ n( a1b1 + a2b2 + ...+ anbn ) − ( a1 + a2 + ...+ an )( b1 + b2 + ...+ bn ) ] =
n
=
1
n2
∑( ai − a j )( bi − b j ) ≥ 0 ,
i , j =1
Note que a condição do enunciado é suficiente para haver igualdade. Por outro lado, suponha
que tenhamos a igualdade. Como ( a i − a j )( bi − b j ) ≥ 0 para todos i, j, devemos ter
( ai − a j )( bi − b j ) = 0 para todos os i, j. Suponha que existisse um índice k com bk < bk +1
. Então b1 ≤ ... ≤ bk < bk +1 ≤ ... ≤ bn , e de ( a i − a k +1 )( bi − bk +1 ) = 0 segue que
ai = a k +1 para i ≤ k. Portanto a1 = a2 = ... = a k = a k +1 . De ( ai − a k )( bi − bk ) = 0 e
i > k concluímos que a k +1 = ... = a n . Logo, todos os a i devem ser iguais. ❏
Prova : Por indução, o resultado acima é trivialmente verdadeiro para k = 1. Suponha k > 1 e
o resultado válido para k - 1. Como ambos os membros da desigualdade acima são invariantes
por permutações dos índices 1, 2, ..., n, podemos supor sem perda de generalidade que
a1 ≤ a 2 ≤ ... ≤ a n . Daí, a1k −1 ≤ a2k −1 ≤ ... ≤ a nk −1 , e da desigualdade de Chebychev obtemos
a1k + a 2k + ...+ a nk
n ≥ ( a1 + a 2 + ...+ a n
n ) a1k −1 + a 2k −1 + ... + a nk −1
n
.
i. Convexa se f ( )≤
x+ y
2
f ( x )+ f ( y )
2
para todos os x, y em I.
f( )≥
x+ y f ( x )+ f ( y )
ii. Côncava se 2 2
para todos os x, y em I.
Nas aplicações, quase sempre lidamos com funções contínuas (se você não sabe o que vem a
ser uma função contínua, pense na mesma como uma função cujo gráfico não sofre
interrupções ou saltos ao longo de seu domínio). Se f for contínua a proposição a seguir é
geometricamente evidente. A partir de agora, sempre que nos referirmos a uma função
estaremos sempre supondo ser seu domínio um intervalo da reta e a função contínua nesse
intervalo.
f (z)
x z = ( 1 – t ) x + ty y
1
Prova : Suponha primeiro que f satisfaz a condição do item i. Tomando t= 2
concluímos
que f é convexa. Reciprocamente, suponha que f seja convexa. Dados x, y em I, temos
( ) + f ( y) ≤ f ( x) + f ( y)
( )
x+ y
x +2 y + y f + f ( y)
f ( y ) Trocando
x + 3y
f ( x) +
2 1 3
f 4
= f 2 ≤ 2
2
2
= 4 4
x por
y e raciocinando como acima segue que, para
{
t ∈ 0, 14 , 12 , 43 ,1 } ,
f ( ( 1 − t ) x + ty ) ≤ ( 1 − t ) f ( x ) + tf ( y ) (*)
Por indução sobre k inteiro positivo podemos concluir de maneira análoga que (*) continua
m
válida para todo t da forma k , onde 0 ≤ m ≤ 2 k é inteiro. Como todo real em [0,1] é limite
2
de uma seqüência de números dessa forma, segue que (*) continua válida para todo t em [0,
1]. ❏
As afirmações a seguir são agora bastante evidentes, e vão ser nosso principal guia quando
quisermos decidir se uma dada função é ou não convexa ou côncava.
ii. Se para todos a < b em I o gráfico de f entre as retas x = a e x = b estiver acima da reta que
passa por ( a , f ( a )), ( b, f ( b )) , então f é côncava, e reciprocamente.
A figura abaixo para se convencer da validez desse resultado no caso em que f é convexa.
y = f(x)
e (c, e)
d (c, d)
a c b x
Nele,
a+ b
c=2
. É evidente que d = f (c) = f ( a +2 b ) e e=
f (a ) + f ( b)
2
. Daí,
f ( )
a+ b
2 ≤
f (a ) + f (b)
2
e f é convexa.
Para nós, a importância dessa discussão sobre funções côncavas e convexas reside na
seguinte:
Prova : Façamos a prova, por indução sobre n > 1, para o caso em que f é convexa, sendo o
outro caso análogo. O caso n = 2 é nossa hipótese. Suponha agora que para um certo n > 1 e
todos x1 ,..., x n ∈ I e t1 ,..., t n ∈ [0,1] , com t1 + ... + t n = 1 , tenhamos
t 1 x 1 . .. t n x n ∈ I e f ( t1 x1 +... + t n x n ) ≤ t1 f ( x1 ) +... + t n f ( x n )
Considere agora x1 ,..., x n +1 ∈ I e t1 ,..., t n +1 ∈ [0,1] , com t1 + ... + t n +1 = 1 . Se
t n +1 = 1 então t1 = ... = t n = 0 e nada há a fazer. Senão, defina
t x + ... + t x
y = 1 11− t n n = s1x1 + ... + sn x n ,
n+ 1
tj
onde s j = 1− t . Como s1 + ...+ sn = 1 , segue da hipótese de indução que y ∈ I . Daí,
n +1
( )
= f (1 − t n +1 ) y + t n +1 x n +1 ≤ (1 − t n +1 ) f ( y ) + t n +1 f ( x n +1 ) ,
Exemplo 5: (Olimpíada Balcânica) Sejam n > 1 e a1 , ..., a n reais positivos com soma 1.
n
a1 a2 an n
Para cada i, seja bi = ∑ a j . Prove que + + +
... 1+ bn ≥ 2 n −1
.
j =1, j ≠1 1+ b1 1+ b2
a1 a2 a n
2 − a1
+ 2− a2
+ ...+ 2 − na ≥ 2 n −1
n
2 x
n n
∑ f (aj) ≥ n f 1n ∑a j = nf ( 1n ) = n
2 n −1 ❏
j =1 j =1
Exemplo 6 : Utilizando a função logaritmo natural e a desigualdade de Jensen, vamos dar
outra prova da desigualdade entre as médias aritmética e geométrica.
Prova : Sejam a1 , ..., a n reais positivos. Existem reais x1 , ..., x n tais que a j = ln x j
para todo j. Como f ( x ) = ln x é uma função côncava, vem que
f ( x1 ) + ... + f ( x n )
n
≤ f ( x1 + ... + x n
n
,)
ou seja,
ln n x1 ... x n ≤ ln ( x1 + ...+ x n
n )
Como f é crescente, chegamos ao resultado desejado. ❏
Vale notar, para quem tem familiaridade com derivadas, que é possível provar que, se f ' '
existe, então f é convexa se e só se f ' ' ( x ) ≥ 0 para todo x em I e f é côncava se e só se
f ' ' ( x ) ≤ 0 para todo x em I.
Finalizamos este artigo com alguns problemas onde procuramos oferecer oportunidade de
exercitar o que foi aprendido no texto, além de desenvolver um pouco mais a teoria. É bom
salientar que em alguns deles mais de uma desigualdade pode ser usada.
3 ( a1 + b1 )( a2 + b2 )( a3 + b3 ) ≥ 3 a1a 2 a3 + 3 b1b2 b3
10. Sejam n > 1 e x1 , x 2 ,..., x n reais positivos cuja soma é 1. Prove que
x1 xn n x1 + ...+ x n
+ ...+ ≥ n −1
≥
1− x1 1− x n n −1
Outras Desigualdades
1 1
a1α + a 2α + ... + a nα α a1 + a 2 + ... + a nβ β ,
β β
≤
n n
com igualdade se e só se a1 , a2 ,..., a n forem todos iguais.
2
n
( x1 + x2 + ...+ x n ) − ( x1 x2 + x2 x3 + ...+ x n − 1x n + x n x1 ) ≤
xy ≤ xp
p +
yq
q
, ∀ x, y ≥ 0
ii. (Desigualdade de Holder): Sejam a1 , a 2 ,..., a n , b1 , b2 , ..., bn reais
1
positivos e p, q reais positivos tais que p + 1q = 1 . Prove que
1/ p 1 /q
∑ ∑
n n n
∑ ai bi ≤ aip biq
i=1 i=1 i=1
a b
p
1 1
p p p
. .. a n b n ≤ a1p. . . a np b1p . . . b np
p
Sugestão: Faça ci = ( a i + bi ) p −1 e use o ítem anterior para (ai) e (ci) e para (bi) e (ci).
Referências:
[1] Shklarsky, D. O., Chentzov, N. N. e Yaglom, I. M. The USSR Olympiad Problem Book.
Dover. Toronto, 1993.
[2] Rousseau, C. e Lozansky, E. Winning Solutions. Springer-Verlag, 1996.
[3] Lima, Elon L., Análise Real, vol. 1. IMPA, 1995.