Os dois trechos fazem parte de um subgênero do romantismo chamado
“romance urbano” onde predominam descrições dos costumes e valores da burguesia
brasileira, fazendo, da arte, segundo Merquior ( 2014, p.112), “ [...] um instrumento de resistência aos costumes burgueses”. Ambos os trechos foram retirados de romances onde o palco do enredo é a então capital do Brasil, o Rio de Janeiro, e possibilitam encontrar vias de acesso aos costumes do período que exerciam controle sobre as mulheres oitocentistas bem como à idealização das mesmas no romantismo brasileiro. Assim, no trecho do romance de Macedo, o fato de Carolina, na simplicidade de seu penteado, de seu vestido fino e mais curto ( mostrando o pé), na simplicidade de seu colo nú, ser a diferença que contrasta em meio às moças complexamente vestidas com a habilidade de modistas e, ainda, o fato de isso configurar um “pecado contra a moda reinante”, nos oferece uma via de acesso aos costumes vigentes no século XIX. Segundo Teixeira ( 2013, p.188), no século XIX as mulheres carregavam de cinco a quinze quilos de roupa! Espartilho, anáguas, crinolinas ( que dificultavam a locomoção e mantiam as mulheres distantes das pessoas), longos vestido de lã grossa, chapéus e xales de crashemete, são exemplos no vestuário de mulheres da época. Dessa maneira, seus vestidos longos, suas crinolinas, suas mangas compridas e o colo coberto de acessórias, parecem tornar licitio dizermos que o belo feminino estava intimamente ligado ao recato, à pureza e à inocência, uma vez que o corpo, fonte do prazer das mulheres e sensualidade, estava sempre coberto ao máximo, Dessa maneira, tendo em vista a relação da literatura com seu contexto histórico de produção, parece viável pensarmos que a moda reinante no século XIX representada por Macedo, orientava-se pela manutenção do pudor das mulheres, que sequer deveriam mostrar os pés pois seria indecoroso, o que justifica as simples vestimentas da adolescente Carolina como um pecado não somente contra a moda reinante, mas também contra os valores machistas predominantes ao indicarem um repúdio às convenções sociais, característica marcante do romantismo ( MERQUIOR, 2014, p. 102.) Isto, no entanto, não impede que o ideal de mulher enquanto pura e inocente permaneça nas produções românticas, endossando, em algum medida, o controle sobre o corpo feminino exercido no Brasil durante o império. É o que notamos na obra “Lucíola” de Alencar, onde o destaque de uma prostituta no romance é oportunidade para ressaltar não somente a pureza presente na mulher, mas também sua fragilidade. Nessa perspectiva, o trecho sugerido de Lucíola nos permite fazer um aprofundamento no que diz respeito à idealização da mulher no romantismo. A cena inicia com Paulo ( narrador) encontrando uma jovem ( Lúcia ) contemplando o céu e transmitindo “laivos de ingenua castidade”. A jovem parece ser vista pelo prisma da representação de um certo tipo de beleza apreciada pelo narrador. Esta seria, aos olhos dele, frágil, pura e inocente. Percebemos isso quando ele afirma que Lúcia portava "um desses rostos suaves, puros, diáfanos, que parecem vão desfazer-se ao menor sopro [...}" Sob essa conjuntura, já notava a historiadora Emília Santos (2001, p.49), que podemos encontrar nas obras dos autores do romantismo uma concepção de mulher como “anjo frágil e indefeso”. Assim, não é por acaso que Paulo decepciona-se consigo mesmo ao ter se deixado confundir pela aparência da moça que trasmitia o “recato da inocência”, quando na verdade era um prostituta. E exatamente aqui, portanto, revela-se a idealização da mulher no romantismo, mesmo quando ele choca-se com as convenções sociais ao dar destaque à uma prostituta: o vestido cinzento, pouco chamativo, realçando o rosto em vez do corpo, pode ser encarado como uma tentativa de expressar a pureza da cortesã que se evidenciará ao longo do romance, tentativa de expressão de uma pureza oculta que faz ainda mais sentido se lembrarmos que as roupas no século XIX tinham um grande significado, pois eram fonte de afirmação social.
REFERÊNCIAS:
Merquior, José Guilherme. De Anchieta a Euclides: breve história da literatura
brasileira. São Paulo: É Realizações, 2014 COSTA, E. V. da. A concepção do amor e idealização da mulher no romantismo. ALFA: Revista de Linguística, São Paulo, v. 4, 2001. Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/alfa/article/view/3216. Acesso em: 1 nov. 2021.
TEIXEIRA, Cristiane Garcia. O Rio de Janeiro de José de Alencar: a moda e as
transformações urbanas da corte fluminense. Baleira na rede: estudos em arte e sociedade. n. 10, vol. 1, 2013