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CODO, W., SAMPAIO, J. & HITOMI, A. Indivíduo, trabalho e sofrimento. Petrópolis:


Vozes, 2ª edição, 1994.

INDIVÍDUO
TRABALHO E SOFRIMENTO
UMA ABORDAGEM INTERDISCIPLINAR

WANDERLEY CODO
JOSÉ JACKSON COELHO SAMPAIO
ALBERTO HARUYOSHI HITOMI
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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO
PREFÁCIO: Jurandir Freire Costa
INTRODUÇÃO: Wanderley Codo
PARTE I - INDIVÍDUO E SOCIEDADE
Capítulo 1. Em busca da Psicologia
(Onde se percorre as dificuldades da Psicologia em encontrar seu próprio objeto)
Capítulo 2. Um velho Handicap
(Onde se descobrem falhas, suas razões e as dificuldades de supera-las)
Capítulo 3. O Homem não é um ser Social/ Uma abordagem Marxista.
(Onde se freqüenta a história em busca do indivíduo e se tenta impedir alguns psicólogos afoitos de
eliminá-lo)
Capítulo 4. Psicologia, Atividade e Trabalho
(Quando o trabalho é oferecido como categoria capaz de romper um velho impasse)
PARTE II - OS TRABALHOS DO TRABALHO
Capítulo 5. A Magia do Trabalho:
(Quando o trabalho, revisitado, se apresenta múltiplo, mágico)
Capítulo 6. Trabalho e Identidade:
(Onde se caminha por entre o cartão de ponto e o trabalhador)
Capítulo 7. Em busca de um marco teórico
(Um guia de sobrevivência na selva situada entre o que Marx disse e o que se diz que Marx disse)
Capítulo 8. A evolução histórica do Trabalho
(Onde se percorre, a passo ligeiro, a distância entre a Mule Jenny e o Computador.)
Capítulo 9. Processo de trabalho e a construção da subjetividade.
(De como o Trabalho faz o Homem, que faz o Trabalho, que faz o Homem, que faz...)
Capítulo 10. A perplexidade contemporânea: Informática e Automação
(Onde se adverte para a possibilidade de O Trabalho, quem diria, desaparecer.)
PARTE III - TRABALHO E SOFRIMENTO
Capítulo 11. Afeto e Trabalho:
(Quando se redesenham os limites entre o lar, doce lar, e a empresa)
Capítulo 12. A Questão Epidemiológica:
(Onde se mostra que, para contabilizar a doença mental é preciso saber o que é doença mental)
Capítulo 13. O Trabalho na Entrevista Psiquiátrica:
(Quando, enfim, o trabalho comparece no consultório do terapeuta)
Capítulo 14. Trabalho e Saúde Mental:
(Onde se busca uma definição de doença mental, quiçá mais próxima da vida)
BIBLIOGRAFIA
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PREFÁCIO

Entre-se numa livraria, numa biblioteca ou numa sala de aula, no Brasil de


hoje. Procure-se ou pergunte-se onde está a Psicologia Marxista. As estantes
provavelmente ficarão mudas. Nada ou quase nada tem sido escrito ou dito sobre o tema.
Mudaram os tempos ou mudamos nós, os acadêmicos? Quais as razões desta ausência
eloqüente? Por que o silêncio em torno de Marx? Algumas respostas podem ser
esboçadas, a título de hipóteses. Em primeiro lugar, podemos pensar que o meio
universitário tornou-se, por uma outra razão, mais conservador, política ou teoricamente.
Esta explicação não seria satisfatória. A hipótese do recrudescimento do
conservadorismo, por si só, não daria conta do vazio de reflexão marxista sobre a
Psicologia. Pode-se perfeitamente imaginar uma teoria marxista político-conceitualmente
conservadora, como pode-se pensar em teorias não marxistas político-conceitualmente
revolucionárias ou radicais. Os exemplos, nos dois casos, são facilmente encontráveis na
prática clínica ou na teoria das psicoterapias disponíveis no mercado de idéias. Vejamos
uma segunda hipótese. O refluxo do pensamento marxista dever-se-ia ao desinteresse
deste pensamento pela questão ou por sua incapacidade de competir com teorias
concorrentes. Tal hipótese, igualmente plausível, também encontraria obstáculos para
afirmar-se plenamente. A tradição marxista, no terreno da Psicologia, dispõe de pesos-
pesados intelectuais, que vão desde a genialidade precursora e ortodoxa de um Politzer
até a atualidade heterodoxa e inequivocamente respeitável de um Habermas, que carrega
nos ombros, nada mais, nada menos, que a herança da Escola de Frankfurt.

Não é por falta de patrono, nem de chancela científica que a Psicologia


marxista tornou-se tímida e inibida em seu aparecimento público. Resta uma terceira
hipótese. O imaginário acadêmico estaria saturado ou monopolizado por uma avalanche
sem precedentes de formulações estruturalistas, formalistas ou idealistas de estudos
sobre o indivíduo e a subjetividade, que deixariam pouca margem de manobra ao
pensamento psicológico marxista. Psicanálise, Antropologia, Sociologia ou Filosofia,
concebidas dentro destes paradigmas, estariam hipnotizando a consciência dos
profissionais ligados à área, impedindo-os de olhar de lado e ver alguma coisa a mais,
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além do permitido pelas idéias dominantes. É possível que esta hipótese tenha um quê de
verdade. Mas como entender esta pretensa hegemonia do pensamento a-histórico na
Psicologia, se, agora, mais que nunca, fomos expostos a uma enxurrada de estudos
históricos sobre a construção social dos sujeitos? Vivemos ou não a era de Ariés,
Flandrin, Foucault, Castel, Donzelot, Richard Sennett, Jos van Ussel, sem falar nos
magistrais trabalhos de Georg Simmel ou Norbert Elia? E, como se não bastasse toda
esta bateria histórico-construtivista, bem próxima do caudal prático-social da definição
marxista do sujeito, não temos, de quebra, a presença de um Basaglia ou da filiação
deleuzo-nietzscheana, para contestar o formalismo estruturalista ou idealista das
psicologias reinantes na produção acadêmica? Por que, pergunto, ainda assim, a
Psicologia Marxista não reafirmou seu direito de cidade no universo das psicologias?

Com o presente trabalho, acredito, uma primeira resposta acaba de ser


dada a estas interrogações. Os autores emprenham-se na tarefa de sustentar as teses de
uma Psicologia fundada em Marx, com um vigor inusitado, no panorama intelectual
brasileiro. Até então, raras, honrosas e solitárias exceções procuraram manter aceso o
gosto por uma investigação, que corria o risco de diluir-se no esquecimento ou nos votos
de boas intenções. Porém, uma diferença separa este trabalho da maioria de seus
predecessores; e ela é fundamental. Não se pensa, aqui, retomar o freudo-Marxismo,
nem a démarche politzeriana, por demais comprometida com a Fenomenologia, a Gestalt
e o Behaviorismo. Vai-se direto a Marx. E, em Marx, toca-se o coração do edifício
marxista: o trabalho. Este é o desassombro que fascina e cativa o leitor. Dispensam-se os
rodeios e os compromissos que, tradicionalmente, cercaram as abordagens marxistas da
Psicologia. A intenção é trazer à tona aquilo que o Marxismo tem de essencial: o homem
produzindo, pelo trabalho, as condições de sua existência e de sua consciência. Donde, a
opção teórico-metodológica. Depois de uma recapitulação das categorias marxistas de
homem, indivíduo, atividade, trabalho e sociedade, chega-se ao exemplo de indivíduos
concretos, em situações concretas de trabalho. Nada de abstrações invisíveis a olho nu
ou inaudíveis ao ouvido humano. Trabalho e indivíduo estão lá, evidentes no modo de
aparecer social, e desta visibilidade compartilhada com quem queira ver, extrai-se as
peças de convicção da tese defendida. O sujeito, seus afetos e sentimentos, chamam-se
"um bancário"; seu trabalho é "um trabalho num banco".
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A partir daí, são derivadas proposições sobre Psicologia, Psicopatologia,


loucura, saúde e doença mental. Em que e por que isto representa um avanço, na
produção teórica sobre Psicologia Marxista? Penso que a novidade está, em primeiro
lugar, no desaparecimento dos habituais circunlóquios fundacionalistas, tão ciosamente
cultivados pelo saudosismo idealista. Os autores não se preocupam em perguntar quais
são os fundamentos últimos e transcendentes, capazes de garantir a verdade de suas
afirmações sobre a natureza do sujeito e do objeto. Tampouco pretendem retirar do saber
prático e politicamente engajado que adotam, critérios universais de validação de
qualquer proposição, em qualquer mundo possível, sobre o sujeito. Desde o início,
deixam claro o lugar de onde falam e as razões do porque falam da maneira que falam.
Não se subtrai ao leitor os interesses que condicionam o conhecimento. Em segundo
lugar, a tese teórica quer tornar-se prática clínica, se assim posso falar, sem comprometer
a originalidade da "clínica" que os autores defendem. Fala-se de um caso; de um
problema humano, onde os afetos e sofrimentos de um indivíduo trabalhador são
apresentados na nudez de quem não teme ser criticado, corrigido ou retificado naquilo
que diz, faz ou crê.

Não se pode exigir maior prova de boa-vontade e honestidade intelectuais.


Porque são honestos e competentes para defenderem seus pontos de vista, os autores
teorizam a Psicologia marxista de um modo novo, que nos permite aprender umas tantas
coisas, concordando com algumas e discordando de outras. Pessoalmente, como
psicanalista, (e só posso falar enquanto tal), acho que os melhores trechos do estudo são
aqueles consagrados às noções de trabalho, atividade, homem, indivíduo, e aqueles onde
são descritos e interpretados os casos clínicos escolhidos para ilustrarem a teoria. Nestes
trechos, aparecem com nitidez o que julgo serem as maiores virtudes do trabalho, e os
pontos que, a meu ver, necessitam de desdobramentos posteriores.

Analisemos alguns exemplos. No tópico intitulado "O homem não é um ser


social", os autores dialogam, com a Psicanálise e o Behaviorismo, ao mesmo tempo em
que criticam uma leitura a baixo custo das relações conceituais entre homem e indivíduo,
no interior da teoria marxista. Não faz sentido, dizem eles, abstrair ou reificar, por um
lado, o homem e, por outro, a sociedade, como se fossem termos dicotômicos ou
entidades metafísicas, desde sempre e para sempre existentes, uma ao lado da outra. Na
dialética marxista, "o indivíduo aparece como uma totalidade que se realiza ao mesmo
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tempo que se exterioriza por outra totalidade, a sociedade. O homem aparece aqui como
um todo-parte em si e se realizando pela sua outra face ao mesmo tempo. Assim, a vida
genérica (social) e a vida particular aparecem em tensão mutuamente realizadora, nunca
em relação de subsunção". Imaginar o indivíduo como um "atomon" ou "como uma
partícula em repouso", numa visão estática de suas condições de existência ou da
consciência desta existência, significa retirá-lo do movimento permanente de sua
produção e reprodução histórica, para conferir-lhe um estatuto objetivista, como no
Behaviorismo, ou um estatuto biologista, como na Psicanálise.

Do Behaviorismo, nada diremos além de assinalar que certas visões


behavioristas da análise das condutas psicológicas, como é o caso do behaviorismo
metodológico e não o do metafísico, dificilmente, em minha opinião, entrariam em choque
com o marxismo, na medida em que também buscam critérios públicos, históricos ou
contextuais para a compreensão, descrição ou explicação do sentido de tais condutas.
Quanto à psicanálise, acho que os autores se equivocam quando insistem no caráter
“biologista” da concepção freudiana do indivíduo. Este suposto biologismo psicanalítico,
muitas vezes identificado no texto à animalidade da sexualidade freudiana, é fruto de uma
leitura parcial de Freud. Não teria receio de contrapor a esta interpretação da psicanálise
uma outra, onde diria que a sexualidade humana é um produto da “hominização cultural”,
que o sujeito está “sujeito”a escolhas sexuais arbitrárias e não instintivamente
determinadas. Vista deste ângulo, boa parte da crítica dirigida à Psicanálise, no trabalho,
carece de pertinência. Se conflito existe entre Psicologia Marxista e Psicanálise (e
acredito que ele exista), os pólos de discussão devem ser buscados em outra esfera. A
tensão intelectual entre as disciplinas, para ser fértil, deve previamente dissipar
malentendidos. O indivíduo, para Freud, nem é uma realidade biológica e animal, nem
uma mônada preexistente à entrada do homem na cultura, e ainda menos uma realidade
estática, com predicados positivos e universais, se por isso entendemos a afirmação da
existência de uma entidade metafísica, conhecida aprioristicamente, de modo indubitável
e incorrigível. Psicanálise não é uma ontologia do indivíduo ou do inconsciente, embora
possa concordar com os autores que isto nem sempre fica explícito em Freud, como em
muitos de seus seguidores.

Do mesmo modo, quando se afirma, em certas passagens, que Alma,


Mente, Consciência, Inconsciente etc. são erros do pensamento psicológico estático, que
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tenta "predicar o impredicável", como psicanalista só posso estar de acordo em gênero e


número com o que é dito. Esta afirmação, diga-se de pronto, é afim de uma outra, onde
se diz que "cada gesto ou palavra é sempre inserida em uma miríade de significados,
reporta sempre aos vários eus convivendo dentro de mim". Pois bem, esta afirmação seria
perfeitamente aceitável por qualquer psicanalista razoavelmente informado dos princípios
de sua disciplina. Não vejo em que o combate ao essencialismo e ao mentalismo,
subjacente a certas concepções psicológicas do indivíduo, poderia levar de roldão a
Psicanálise. Neste aspecto, penso eu, Freud e Marx não teriam por que se desentender.

De outro prisma, as considerações dos autores também me parecem


dignas de uma discussão mais aprofundada. Desta vez, não para criticar opiniões com as
quais não concordo, mas para apontar para horizontes de pesquisa ricos em promessas
teóricas. Refiro-me às afirmações feitas sobre a linguagem. Num dado momento, é
afirmado: "A linguagem é tão velha como a consciência, a linguagem é a consciência
prática, a consciência real que existe também para os outros homens, e que, portanto,
começa a existir também para mim mesmo; a linguagem nasce, como a consciência, da
necessidade, como um produto da relação com os outros homens". Em outra parte, volta-
se a dizer: "A linguagem, originalmente seu desenvolvimento se identifica como o dos
instrumentos de trabalho, modo de intervenção no outro, por isso do outro em mim,
conforma o homem à imagem e semelhança dos seus pares". A estas proposições
genéricas sobre a linguagem, seguem-se exemplos de usos concretos de frases ou
expressões. O caso da expressão "bom dia", analisado pelos autores, numa das melhores
e mais felizes páginas, mostra um caminho de reflexão sobre a linguagem em Psicologia,
em tudo e por tudo promissor. A articulação da linguagem com as "formas de vida", para
falar como Wittgenstein, é demonstrada de modo a excluir qualquer ambição universalista
sobre a pretensa natureza de "uma linguagem mãe de todas as linguagens possíveis".
Neste sentido, só lamento a falta de referências à Bakhtin, que dentro da melhor tradição
marxista, antecipou a discussão atual sobre a natureza da linguagem, discussão que
reputo indispensável a qualquer teoria psicológica sobre o sujeito ou o indivíduo. Também
neste caso, acredito que um confronto entre Psicanálise e Marxismo seria útil a ambos.

O terceiro exemplo do que considero pontos altos do estudo, além da


crítica à noção de indivíduo e as reflexões sobre a linguagem, diz respeito ao trabalho. No
que é dito sobre o trabalho, não de forma genérica, mas na exemplaridade do caso
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clínico, dois tópicos me chamaram atenção. O primeiro, concerne às relações entre


trabalho e sublimação. Em certo trecho, é afirmado: "Como regra geral, e exatamente ao
contrário do que Freud dizia, não se trata de o envolvimento no trabalho significar uma
sublimação de necessidades sexuais mal satisfeitas, mas sim da impossibilidade de
satisfação emocional afetiva no trabalho, inventar uma sexualidade onipresente,
convertida em única forma de expressão de si. Quem duvidar, basta ouvir um trabalhador
burocrático típico e suas insatisfações, o papel onisciente que empresta ao sexo, e depois
ouvir um destes raros trabalhadores que têm a chance de se apaixonar pelo trabalho,
como um artista plástico, por exemplo, e perceber como ali a sexualidade não é mais do
que forma de encontro. O trabalho quanto mais vazio mais constrói a teoria da
pansexualidade, ressuscita Freud com o auxílio dos psicólogos e psiquiatras, que como
Taylor e Ford, não sabem enxergar o trabalho como ato humano, além e acima da
mercadoria da alienação".

Para um psicanalista, a afirmação é discutível, por isso, mesmo, instigante.


Desde já, fica aberta uma via inestimável de investigação para a Psicologia e para a
Psicanálise. Postulando a distinção entre trabalho alienado e não alienado, os autores
imputam ao primeiro a carga de portar a sexualidade sublimada de Freud. Freud,
parecem afirmar, atirou no que viu e errou no que não viu. A sublimação é produto da
alienação do trabalho, por quanto significa sexualização daquilo que deveria ser apenas
vivido como "satisfação emocional afetiva", no trabalho. Ora, ao contrário do que foi
afirmado, Freud, em muitos momentos de sua obra, entendeu a sublimação como produto
da dessexualização da libido. E, como observaram certos autores, com esta
conceituação, chegou mesmo a situar a sublimação além de princípio do prazer. Por outro
lado, elegendo o exemplo da obra de arte e do artista, como um caso bem-sucedido de
realização da "satisfação emocional afetiva" no trabalho, os autores, sem querer,
aproximaram-se de uma das posturas teóricas mais criticadas em Freud, qual seja a de
considerar a sublimação impossível para a massa de indivíduos submetidos a condições
precárias de trabalho e subsistência. Como bom liberal da "Viena fin-de-siécle", ele
entendia que a sublimação era privilégio dos que podiam ter acesso ao que considerava
como a forma não ilusória de satisfação cultural, as artes e a ciência. Foi esta, aliás, uma
das razões de sua dissensão com Reich.
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A sublimação, vista pela Psicanálise atual, perdeu seu halo de nobreza


habsburgueana. O que no estudo é chamado de "satisfação emocional afetiva no
trabalho" é o que, em Psicanálise, compreende-se como sublimação. A sexualidade
referida no caso clínico, nunca poderia ser descrita como sexualidade sublimada, já que
era uma sexualidade compulsiva, expressão do sintoma neurótico do sujeito. Não é a
natureza do trabalho por si, manual, intelectual, artístico ou científica, que define quais
investimentos sexuais serão sublimados ou compulsivamente neuróticos. É a forma como
a sexualidade, obedecendo às injunções das instâncias ideais e contornando a
resistência do narcisismo egóico, investe certos objetos culturais, que caracteriza o
processo sublimatório. Em contrapartida, penso que os autores levantam um problema
sério, tanto para a Psicanálise quanto para o Marxismo, quando trazem a situação do
trabalho do céu das idéias para a vida social concreta. Para a Psicanálise, o problema é o
seguinte: em que medida, considerando o trabalho desvinculado de modo de produção
social, é possível colocá-lo, ipso facto, como condição de sublimação, só pelo fato de ser
uma atividade cultural? Em que medida, as condições reais do trabalho tendem ou não a
predispor esta atividade e tornar-se uma fonte de satisfação (na acepção psicanalítica)
neurótica ou perversa, para quem venda sua força de trabalho e para quem compra esta
força? Para o Marxismo, a questão é ainda mais complicada. Pois, se a Psicanálise,
teórico-metodologicamente, consegue separar, mesmo através de mediações conceituais
complexas, desalienação social e "desalienação individual", no Marxismo esta linha
divisória é extremamente difícil de ser pensada. No entanto, se a psicologia marxista quer
tornar-se "clínica", esta pergunta não pode ficar sem resposta, ou, pelo menos, não pode
ser escamoteada. Para esclarecer o que interrogo, tomemos os exemplos mostrados no
caso clínico. O artista é dado como modelo de uma relação de trabalho desalienado, e,
portanto, de uma situação afetiva individual vem resolvida. Mas, o que significa dizer que
o trabalho artístico, numa sociedade capitalista, permite ao indivíduo realizar-se enquanto
produtor de um trabalho não alienado? Significa que o artista escapa ao modo de
produção social? Significa que seu trabalho não está submetido, ainda que de modo
diverso do trabalho assalariado, às leis de troca do regime capitalista? E quanto ao
trabalho assalariado? Ao exemplo do bancário, citada no texto? No momento em que o
bancário toma consciência de que seus sintomas eram produzidos por sua situação de
trabalhador alienado, como veremos adiante, e abre mão da sexualidade compulsiva que
manifestava, neste momento trabalho e trabalhador deixaram de ser alienados? Se assim
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for, desalienação é sinônimo de tomada de consciência intelectual das condições de


alienação? E, mesmo supondo que o dito trabalhador resolvesse militar num partido
político ou num sindicato, a assunção de seus interesses ou consciência de classe
garantiria a prevenção de neurose? Em suma, quais os mecanismos psíquicos que fazem
com que um dado trabalhador, consciente da natureza alienada de seu trabalho, ainda
assim fabrique neuroses, enquanto um outro, mergulhado na alienação social cotidiana,
ainda assim tenha uma vida afetiva equilibrada e satisfatória, diante de seus ideais? Só
uma sociedade totalmente desalienada seria capaz de promover a satisfação emocional
afetiva dos sujeitos? Mas que sociedade é esta, concebida fora das circunstâncias reais
em que é produzida pelos homens trabalhadores, seus produtores históricos? Esta
sociedade é mais ou menos idealista que aquela concebida por pensadores como Freud
ou outros representantes do pensamento liberal, formalista ou essencialsita? Estas
questões são abordadas no trabalho, e, em minha opinião, pedem maiores
esclarecimentos.

Em segundo lugar, e, por fim, o caso clínico trazido como exemplo do valor
do trabalho, na definição do sujeito e de sua psicopatologia, é interessante porque realça
outras ligações entre Psicanálise e Marxismo que são controversas e merecem ser
melhor exploradas. Concluindo a análise do problema apresentado pelo cliente, um
bancário, que, entre outras coisas, queixava-se de impotência sexual diante da esposa,
dizem os autores: "Eu e B, com a ajuda da supervisão, pudemos entender o processo
minimamente. O tipo de trabalho no banco impede as manifestações do afeto. Por
questões de personalidade, B não se envolvia nas recuperações sorrateiras já citadas
acima (trata-se do que no texto é denominado "modos de reapropriação afetiva
secundária, como participação em lutas sindicais; em grupos que freqüentam bares, no
fim do expediente; em grupos de "fofocas" etc), ao contrário, reproduzia o binômio casa-
trabalho, razão e emoção, até que a demanda afetiva emocional no trabalho subiu a um
nível insuportável e B, teve que expressá-la ("abaixo a gerentada"). A coação veio tão
forte quanto a reação emocional, o que de nova deixa-lhe sem canal de expressão. A
amante vinha suprir a lacuna: por um lado se vingava do banco "traindo" os seus colegas
como fora traído, por outro, encontrava um locus afetivo onde podia se expressar sem
comprometer as relações em casa, recompondo um vínculo de expressão das coisas do

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