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CARNOY, Martin; Estado e Teoria Política, 4. ed., São Paulo, Papirus, 1994. p. 89-117.

• Capítulo 3 - Gramsci e o Estado.


As teorias que Gramsci desenvolveu surgiram da situação histórica na qual ele viveu. Como
figura central do partido socialista italiano e posteriormente do Partido Comunista, Gramsci viu
o fracasso de um movimento revolucionário das massas trabalhadoras e o início de um fascismo
reacionário apoiado por grande parte da classe trabalhadora. É daí que ele faz uma releitura da
teoria marxista como forma de achar respostas para o paradoxo que ele via acontecendo na
sociedade. Para entender sua teorização é preciso ter noção de alguns conceitos usados por ele,
como:

a) hegemonia, cujo significado tem a ver com o predomínio ideológico dos valores e


normas burguesas sobre as classes subalternas através de um conjunto de instituições,
ideologias, práticas e agentes.  “A hegemonia compreende as tentativas bem sucedidas da
classe dominante em usar sua liderança política, moral e intelectual para impor sua visão de
mundo como inteiramente abrangente e universal, e para moldar os interesses e as
necessidades dos grupos subordinados” (p95).

b) sociedade civil - conjunto dos organismos vulgarmente chamados “privados”, como


os meios de comunicação, entidades, etc.

c) Estado - não só como o aparelho repressivo da burguesia, mas também como aquele


que inclui a hegemonia da burguesia na superestrutura. “O Estado é o complexo das atividades
práticas e teóricas com o qual a classe dominante não somente justifica e mantém a dominação
como procura conquistar o consentimento ativo daqueles sobre os quais ela governa” (p.99).

d) superestrutura - é formada por dois níveis: o primeiro é a sociedade civil e o


segundo é a sociedade política ou Estado.

e) bloco histórico – relação dialética entre a infra e a superestrutura; superestrutura


como reflexo das relações sociais de produção. Essa relação não se dá abstratamente, mas sim
de forma concreta e histórica. Ex: “Hegemonia e função hegemônica do Estado emanam ao
mesmo tempo da natureza da burguesia como uma classe ideologicamente abrangente e de sua
posição específica de poder econômico na sociedade capitalista” (p.102).    

Invertendo a teoria de Marx e Lênin, “Gramsci enfatiza a supremacia das


superestruturas ideológicas sobre a estrutura econômica” (p.94); predomínio do elemento
ético-político no desenvolvimento histórico em detrimento do elemento econômico. A rejeição
de Gramsci quanto a esse aspecto do pensamento de Marx vem do fato de considerá-lo
incompleto e não adequado à situação ocidental (Itália, pra ser mais específico), não negando,
porém, a vinculação da superestrutura com as relações de produção. Segundo ele, para se obter
o poder ao ponto de promover uma real transformação na sociedade, era preciso dominar as
consciências (hegemonia; situadas na superestrutura) e não somente as forças de produção
(infra-estrutura) ou o Estado (força coercitiva); “ênfase na supremacia da sociedade civil
(consenso) sobre a sociedade política (força)” (p.94). 

“A força verdadeira do sistema não reside na violência da classe dominante ou no


poder coercitivo do seu aparelho de Estado, mas na aceitação por parte dos dominados de uma
concepção de mundo que pertence aos seus dominadores” (p.94). Domina-se e desenvolve-se
de fato não com um Estado repressivo, mas sim com um Estado “educador”, aquele capaz de
absorver toda sociedade e fazê-la, espontaneamente, compactuar com seus valores e normas. E
quando acontece de um Estado não mais conseguir controlar as consciências, ele tende a
recorrer à força, à coerção.
É aí que entra o conceito de revolução passiva, que para Gramsci, não seria nada mais
do que uma constante readaptação do poder do Estado em relação às classes subordinadas como
forma de se preservar sua hegemonia e evitar que as massas exerçam influência sobre as
instituições econômicas e políticas. Em outras palavras, é dar para as classes subalternas aquilo
que elas conseguiriam com uma possível revolução ativa, vinda de baixo. No entanto, isso
aconteceria de forma que não prejudicasse a classe dirigente. Assim, quando um Estado tiver
sua hegemonia ameaçada, surtirá efeitos mais positivos fazer essa revolução passiva do que
apelar para a força.

Essa tentativa de compreender o fracasso da atividade revolucionária na Itália e buscar


uma estratégia mais relevante frente à hegemonia capitalista nos leva a outros 3 conceitos, pelos
quais, segundo Gramsci, dar-se-ia o processo de transformação da sociedade. São eles:

a) a crise de hegemonia – a teoria de Gramsci era bipolar; um elemento positivo


sempre faz gerar um negativo, isto é, não há teoria sobre a hegemonia sem uma teoria sobre a
crise da hegemonia, por exemplo. Essa crise seria resultado “de atos impopulares das classes
dirigentes (através do Estado) ou do intensificado ativismo político de massas anteriormente
passivas” (p.105). Valer notar que Gramsci não acreditava que esta crise fosse resultado de uma
crise econômica; esta poderia criar condições para que aquela ocorresse, no entanto, seria o
desenvolvimento da consciência das massas que produziria a transformação revolucionária, e
não a taxa decrescente de lucro – “o empobrecimento cada vez maior é apenas um elemento
dentro das possibilidades de elevar essa consciência” (p.107).   

b) a guerra de posição – estratégia para contornar o paradoxo “proletariado mais


extenso e menos desejoso de derrubar o capitalismo”. Controlar o Estado não significa controlar
a sociedade, já que ele é apenas uma peça no sistema de poder. Assim, mais do que isso, é
preciso desenvolver também a superestrutura ideológica. É aí que entra a guerra de posição: a
criação de uma nova consciência, uma hegemonia da classe subalterna, gerada dentro dela
mesma, para que quando tomasse o poder do poder do Estado, não ficasse um vácuo. Essa nova
cultura, concreta e consistente, com normas e valores proletários, serviria de alicerce para a
construção de uma nova sociedade. A guerra de posição tem 4 elementos fundamentais:
            01) enfatiza que cada país particular exigiria um “reconhecimento acurado”. Isto
é, diferentemente de Marx, que acreditava numa revolução de todos os trabalhadores do mundo
utilizando, simultaneamente, as mesmas estratégias, Gramsci dizia que “os Partidos
Comunistas de cada país tinham de desenvolver seu próprio plano de como criar o socialismo
dentro do seu contexto político específico antes que qualquer ordem socialista mundial pudesse
ser alcançada” (p.109).

            02) baseia-se na ideia de sitiar o aparelho do Estado com uma contra-hegemonia,
criada pela organização de massa da classe trabalhadora e pelo desenvolvimento das instituições
e da cultura da classe operária. Os burgueses tentariam manter sua consciência (hegemonia)
enquanto os proletários tentariam ascender a sua (contra-hegemonia); confronto da hegemonia
burguesa e proletária numa disputa pela posição de dominante.

            03) a guerra de posição é a luta pela consciência da classe operária; consciência
como ingrediente chave no processo de transformação. O processo de consciência se dá em 3
níveis: a) identificação profissional – “membros de um grupo profissional estão conscientes de
sua unidade e homogeneidade e da necessidade de organizá-lo” (p.112) Classe em
si. b) solidariedade – todos de uma mesma classe social ajudam a defender os interesses
econômicos apenas inerentes a ela. “Neste nível de consciência, a classe operária exige
igualdade político-jurídica com os grupos dominantes” (p.112). c) transcendência – “o
indivíduo se torna consciente de que seus próprios interesses corporativos transcendem os
limites corporativos de uma classe econômica e se estendem a todos os grupos subordinados,
que compartilham a cultura da subordinação e podem unir-se para formar uma contra-
ideologia que os liberte da posição subordinada” (p.112).  
04) tradução da tipologia do desenvolvimento ideológico em ação, isto é,
transformar ideia em ação. Dessa forma, Gramsci via o “partido político como instrumento de
elevação de consciência e de educação junto à classe trabalhadora e de desenvolvimento das
instituições de hegemonia proletária” (p.112). Mas, diferentemente de Lenin, Gramsci
acreditava na classe trabalhadora, acreditava que sim, ela era capaz de desenvolver seus
próprios intelectuais, funcionando o partido político como canalizador da atividade desses
intelectuais.  Gramsci escreve que há 3 elementos essenciais de um partido político: a) a massa;
os homens que o compõe. b) a coesão; “a união faz a força”. E c) a articulação.

c) o papel dos intelectuais – intelectual pode ser qualquer pessoa possuidora de uma
capacidade técnica especifica. Portanto, como dito acima, “ele [Gramsci] acreditava nas
qualidades intelectuais das massas e em sua capacidade para criar, elas mesmas, a hegemonia
de sua classe, ao invés de verem isso feito em nome delas por um partido de vanguarda, de elite
ou por uma elite burocrática responsável pelas teorias e táticas revolucionárias” (p.117). 
Dessa forma, eles tinham um importante papel para o processo de transformação, já que “tais
intelectuais orgânicos, oriundos da classe trabalhadora, mantendo seus laços com ela através
da criação de transformações políticas por meio e um partido revolucionário, forneciam a base
para a estratégia política de Gramsci – o estabelecimento da superioridade moral e cultural do
proletariado, independentemente de seu poder político direto” (p.117).

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