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Proletá rios de todo o mundo, uni-vos!

x»URC
II U N l A O RECONITUVçAO COMONIITA
I . Lapidus/ K. Ostrovityanov

Princí pios de
Economia Pol í tica
TOMO I

Edições Nova Cultura


Ia edi ção
2020
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ciativa dos militantes da UNIÃO RECONSTRUÇÃO COMUNISTA,
com o objetivo de promover e divulgar o marxismo- leninismo.

LAPIDUS, /./ OSTROVITYANOV, K ; Princípios de Economia Política (to-


mo I). Ia Edição. 2020.

Conselho Editorial: União Reconstru ção Comunista

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[...] As condições económicas são a infraestrutura, a base, mas vários
outros vetores da superestrutura ( formas políticas da luta de ciasses e
seus resultados, a saber, constituições estabelecidas peia ciasse vitori-
osa após a batalha, etc., formas jurídicas e mesmo os reflexos destas lu-
tas nas cabeças dos participantes, como teorias políticas, jurídicas ou fi-
losó ficas, concepções religiosas e seus posteriores desenvolvimentos
em sistemas de dogmas) também exercitam sua influência no curso das
lutas históricas e, em muitos casos, preponderam na determinação de
sua forma. Há uma interação entre todos estes vetores entre os quais há
um sem número de acidentes (isto é, coisas e eventos de conexão tão
remota, ou mesmo impossível, de provar que podemos tomá-los como
não-existentes ou negligenciá-los em nossa análise), mas que o movi-
mento económico se assenta finalmente como necessário.
FRIEDRICH ENGELS
SUM Á RIO
Apresenta çã o 13

PRINCÍ PIOS DE ECONOMIA POLÍTICA

Introdu çã o 39

LIVRO PRIMEIRO: O VALOR REGULADOR DO REGIME DE PRODU ÇÃO DE


MERCADORIAS

Capítulo I: O trabalho, base do valor 45


1 A divisão do trabalho e a propriedade privada , condi ções évias do
. pr
sistema econ ómico baseado na troca . Necessidade da troca ... 45
2 . O preço, regulador aparente da economia baseada na troca 50
3. Quais as condi ções que determinam o preço? Utilidade, oferta e pro-
cura 52
4 . Os gastos de produ çã o 57
5. Balan ço: o trabalho, base do valor . O valor , expressã o das rela ções
sociais 61
6. Trabalho concreto e trabalho abstrato 63
7. Trabalho individual e trabalho socialmente necessá rio 66
8. Trabalho simples e trabalho complexo 72

Capítulo II: A forma-valor e o dinheiro 76


9. A forma -valor , noçã o geral 76
10 . Desenvolvimento da forma - valor . As três formas- valor 79
11.0 dinheiro, o fetichismo do dinheiro e da mercadoria em geral ... 85
12 . O dinheiro, medida de valor e medida dos preços 89
13. O dinheiro, meio de circula çã o 93
14 . Outras fun ções do dinheiro 97
LIVRO SEGUNDO: A PRODU ÇÃO DE MAIS VALIA

Capítulo III: A mais-valia na economia capitalista 103


15. A impossibilidade de obter mais-valia pela troca 103
16. A força de trabalho como mercadoria . Valor da força de trabalho
106
17. Forma çã o da mais-valia 111
18 . O capital 112
19 . Capital constante e capital variá vel . Regra de explora çã o 114
20 . Mais-valia absoluta e mais-valia relativa 118
21 . Cria çã o da mais-valia relativa 122
22 . Crescimento da explora çã o. O sistema de Taylor 126

Capítulo IV: A mais-valia na URSS 130


23. Característica geral da economia da URSS 130
24 . A questã o da mais-valia na ind ú stria estatal da URSS 133
25. A mais- valia em outras formas da economia sovi é tica 141

LIVRO TERCEIRO: O SALARIO

Capítulo V: O salá rio na economia capitalista 143


26. O sal á rio, preço da força de trabalho; as formas de sal á rio 143
27 . Os fatores do sal á rio 149

Capítulo VI : O salá rio na URSS 157


28. Caracter ísticas gerais. Fatores do sal á rio na URSS 157
29 . O rendimento do trabalho e do sal á rio na URSS . .. 165

LIVRO QUARTO: A TEORIA DO LUCRO E O PRE ÇO DE PRODU ÇÃO

Capítulo VII: O lucro e o preço de produção na economia capita-


lista 175
30. Taxa de lucro e taxa de mais-valia 175
31 . Composi çã o orgâ nica do capital e taxa de lucro 177
32 . Rota çã o do capital e taxa de lucro 179
33. As rela ções entre a taxa de explora çã o e a taxa de lucro . 183
34 . Formaçã o da taxa m é dia de lucro: tend ê ncia para baixar 185
35. Os gastos de produ çã o e o cá lculo destes gastos na economia capi -
talista 191
36. O preço de produ ção e a teoria do valor do trabalho 199
37 . Preço de monopólio e lucro de monopólio 206

Capítulo VIII: O regulador da Economia Sovié tica (O valor , o lucro


e o preço de produção na URSS) 208
38. O valor na URSS 208
39. A natureza do lucro na economia sovi é tica . A taxa m é dia de lucro
na URSS 219
40. A importâ ncia do lucro para a economia sovi é tica . O cá lculo das
despesas de produ çã o e sua import â ncia para a economia da URSS
223
41.0 preço da produ ção na economia sovi é tica 226

LIVRO QUINTO: O CAPITAL COMERCIAL E O LUCRO COMERCIAL

Capítulo IX: O capital comercial e o lucro comercial na economia


capitalista 229
42 . O movimento circulató rio do capital 229
43. A noçã o do capital comercial 232
44 . O trabalho dos empregados no com é rcio 233
45. A origem do lucro comercial 236
46. O papel do capital comercial na igualiza çã o da taxa de lucro. Gran
deza do lucro comercial 239
47 A explica çã
. o dos empregados no com é rcio 242
48. O lucro da cooperativa 243

Capítulo X: Capital comercial e lucro comercial na URSS 247


49 . A inaplicabilidade das categorias do capital comercial e do lucro
comercial ao com é rcio estatal da URSS 247
50. Transforma çã o pelo com é rcio privado do produto suplementar da
ind ú stria estatal em mais-valia e a apropriaçã o, pelo Estado sovi é tico,
gra ças ao com é rcio estatal , de parte da mais-valia do capital privado ....
252
51 . Cará ter n ã o capitalista das trocas entre as empresas estatais e pe -
quenos produtores que n ã o exploram m ã o- de-obra assalariada 253
52 . Natureza do lucro da coopera çã o na URSS 255
LIVRO SEXTO : O CAPITAL EMPRESTADO E O CREDITO . MOEDA E CREDITO E
PAPEL MOEDA

Capítulo XI: Capital emprestado e juros do empréstimo 259


53. Notas preliminares 259
54 . Formaçã o do capital dispon ível 260
55. O empréstimo e os juros 263
56. A taxa de juros 264
57. Separa çã o das fun ções do capital monetá rio e do capital industrial ;
capital usurá rio 266
58. Separa çã o do rendimento patronal e dos juros 268

Capítulo XII : Créditos e Bancos 269


59. Crédito capital e crédito de rota çã o 269
60. Títulos de cré dito comercial 272
61 . Desconto de t í tulos comerciais: taxas de desconto 274
62 . Os bancos: Ideia geral 275
63. Operações passivas dos bancos 277
64. Operações ativas dos bancos 280
65. Os bancos e o lucro do cré dito 282

Capítulo XIII : Moeda de Crédito e Papel - Moeda 283


66. Noção geral do papel - moeda 283
67 . Em qual medida o papel - moeda pode substituir o ouro? 285
68. Diferen ça entre papel - moeda e a moeda de crédito 287
69 . O poder aquisitivo do papel - moeda 288
70. Resumo e conclusões 292
71 . A infla çã o e sua influ ê ncia sobre a economia 295
72 . Restabelecimento da circula çã o monet á ria normal 299
73. Pagamentos internacionais 300

Capítulo XIV: a Taxa de Juros, o Crédito e o Papel Moeda na URSS


303
74 . A taxa de juros na URSS 303
75. O crédito na URSS 305
76. O papel - moeda na URSS 309
Princípios de Economia Política I . Lapidus/ K. Ostrovityanov

Apresentação

A publica ção do presente livro pelas Edi ções Nova Cul -


tura constitui um acontecimento de grande importâ ncia para
a difusã o e defesa dos princ í pios da Economia Pol í tica mar-
xista - leninista em nosso pa ís . Menos um m é rito da iniciativa
dos membros da Uni ã o Reconstru çã o Comunista e mais uma
debilidade daqueles que se reivindicam socialistas ou comu -
nistas nos tempos atuais, trata -se de algo in édito para a situ -
a çã o do Brasil .
Em pa ís como o nosso, no qual falar sobre Economia
Pol í tica é geralmente visto como falar em grego, e todos os
assuntos candentes sobre os vais e vens dos destinos do povo
- "vais e vens" que apenas a Economia Pol í tica revolucion á -
ria - proletá ria é capaz de explicar de forma clara e cient ífica -
permanecem sob o monopólio de alguns poucos intelectuais
pedantes ( mesmo com vernizes de "esquerda ", "socialistas"
ou mesmo "comunistas" ) , sem sombra de d ú vidas o t í tulo
" Princ í pios de Economia Pol í tica " terá seu papel de relevo
para quebrar este monopólio e colocar tais conhecimentos
básicos no cotidiano dos debates das bases do operariado, do
campesinato e da intelectualidade trabalhadora em seus res-
pectivos locais de atua ção pol ítica e econ ó mica .
Por muitas d écadas, difundiu -se em nosso pa ís um
preconceito segundo o qual todos os escritos advindos da
" Uni ã o Sovi é tica stalinista " tenderiam a dogmatizar e enrije -
cer o marxismo, quando n ã o a " justificar " a dita " burocratiza -
çã o" nos pa íses que outrora seguiram o caminho da constru -
çã o do socialismo. Tal preconceito, até hoje vigente, serviu

13
Princ í pios de Economia Pol í tica I. Lapidus/K. Ostrovityanov

muito bem para a difusã o da despolitiza çã o mesmo nos sin -


dicatos e movimentos de massas mais combativos. Contudo,
para favorecer nossa perspectiva , trata -se de um preconceito
j á em crise , pois as concepções pol í ticas prevalentes na cha -
mada esquerda brasileira n ã o lograram dar respostas para os
novos (sequer para os velhos) desenvolvimentos. Numa situ -
a çã o na qual sã o dominantes as incompreensões e confusões,
as pessoas tê m buscado alternativas capazes de dar respostas
para a pr á tica da luta do povo brasileiro.
Longe de enrijecer e dogmatizar o marxismo, os histo-
riadores e economistas sovi é ticos tiveram o m é rito de siste-
matizar e apresentar claramente os conceitos e leis dos mais
básicos aos mais complexos da Economia Pol í tica e seus des-
dobramentos nas lutas de classes, e conseguiram fazê- lo de
forma que as pá ginas deste livro fossem compreens íveis até
mesmo para as pessoas com uma compreensã o ainda fraca
da teoria . Para construir a revolu çã o socialista e a ditadura do
proletariado na imensa Uni ã o Sovi é tica , um pa ís entã o atra -
sado com centenas de milh ões de pessoas, centenas de naci -
onalidades, destru ído por duas guerras seguidas e lutando
militar, econ ó mica e politicamente por sua mera existê ncia ,
necessidade imperativa era aquela de armar as ampl íssimas
massas do povo com os conhecimentos sobre a Economia Po-
l í tica . Só assim a constru ção consciente de uma economia so-
cialista planificada seria possível . Tal dissemina çã o possu ía ,
assim , enorme significado prá tico. Por sinal , os dois autores
desta obra , Iosif Lapidus e Konstantin Ostrovityanov, longe de
serem meros intelectuais de cá tedra , foram grandes homens
na prá tica da luta revolucion á ria . Lapidus, que se alistou
como voluntá rio nas mil ícias populares durante a Segunda
Guerra Mundial , tombou como herói durante a hist ó rica Ba -

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Princípios de Economia Política I . Lapidus/ K. Ostrovityanov

talha de Moscou de 1941 . Ostrovityanov foi um velho bolche-


vique e participou do cotidiano da Grande Revolu çã o de Ou -
tubro de 1917.
Tratando da pr á tica , a Uni ã o Reconstru çã o Comunista
considera que a incompreensã o da Economia Pol í tica , resul -
tando numa incapacidade de traduzir as leis básicas do de-
senvolvimento social na linguagem do cotidiano, constitui
uma das vá rias e graves debilidades de nossa esquerda . No
que se baseia a explora çã o da classe oper á ria pelos capitalis-
tas? De que forma a exploraçã o cada vez maior dos trabalha -
dores pelos patrões resulta na eclosã o das crises econ ó micas
que golpeiam periodicamente as bases do sistema capitalista ,
com seus desdobramentos de desemprego em massa , misé-
ria , fome e convulsões sociais (e , em muitos casos, crises po-
l í ticas e conflitos militares locais e mundiais) ? Por que a per-
sistê ncia das crises resulta no esgotamento das forças produ -
tivas do capitalismo, no exterm í nio de dezenas de milh ões de
pessoas e na necessidade l ógica da revolu çã o socialista e da
ditadura do proletariado ( particularmente no per íodo imperi -
alista do capitalismo ) ? Por que n ã o h á caminho fora do soci -
alismo para que as massas saiam da situa çã o de misé ria na
qual se encontram ? E se falamos que o socialismo é o ú nico
caminho, como se dará a constru çã o desta sociedade no sen -
tido econ ó mico e pol í tico, e que diferen ças ela terá em relaçã o
à sociedade de hoje?
Se nos propomos a derrubar a presente domina çã o do
imperialismo estrangeiro, dos grandes capitalistas e latifun -
di á rios no Brasil , construir um pa ís independente e próspero
e assentar as bases para a futura constru çã o do socialismo e
do comunismo, n ã o conseguiremos mobilizar e organizar
para esta dif ícil tarefa as amplas massas do povo trabalhador

15
Princ í pios de Economia Pol í tica I. Lapidus/K. Ostrovityanov

sem respondermos tais perguntas de forma convincente, e so-


mente os conhecimentos da Economia Pol í tica (aliados, evi -
dentemente, a vá rios outros conhecimentos mais amplos
ainda ) poder ã o nos capacitar para dar tais respostas e mate-
rializá - las na prá tica , no cotidiano da luta de massas e da luta
revolucion á ria . Sem tais respostas e sem sua materializa çã o
no avan ço da luta , n ã o podemos esperar que as massas, por
si pró prias, se mobilizem para a revolu çã o brasileira .
É possível explicarmos a importâ ncia pr á tica do estudo
da Economia Pol í tica baseando- nos no desenvolvimento da
luta pelos objetivos maiores do socialismo e do comunismo.
Mas sua import â ncia persiste até mesmo para quem n ã o pos-
sua tais objetivos maiores e se contente, por exemplo, com as
lutas pelas meras existê ncia e melhoria das condi ções de vida
das massas sob os limites do capitalismo. Vejamos no caso
da luta sindical . De que maneira as condi ções de prosperidade
ou crise do capitalismo determinam as formas diferentes de
condu çã o da luta sindical ( para se polemizar, por exemplo,
com as opiniões que circulam em nossos meios, segundo as
quais n ã o seria poss ível conduzir lutas sindicais do proletari -
ado e outros trabalhadores numa conjuntura de desemprego
em massa e baixa demanda por m ã o de obra ) ? Por que a cres-
cente socializa çã o da produ çã o que o desenvolvimento capi -
talismo promove exige da classe operá ria , mesmo para sua
mera autodefesa contra os ataques patronais (contando com
o apoio do Estado reacion á rio) , uma a çã o sindical cada vez
mais unificada , organizada e complexa , que abranja oper á rios
de setores diferentes da produ çã o social , e , portanto, com rei -
vindica ções diferentes? Por que as concepções e atitudes cor-
porativistas, pequeno- burguesas, de cada categoria da classe
operá ria se fechar em suas pr ó prias reivindica ções represen -

16
Princípios de Economia Política I . Lapidus/ K. Ostrovityanov

tam um grande entrave para o avan ço da luta sindical ? A Eco-


nomia Pol í tica Marxista - Leninista fornece tais respostas. Mas
aquele que se confina aos meros objetivos da existê ncia das
massas sob o capitalismo, se compreender realmente a Eco-
nomia Pol í tica Marxista - Leninista e for honesto, compreen -
derá també m que a luta sindical , por si só, n ã o é capaz de
responder às crescentes demandas das massas, razã o pela
qual , em certos per íodos da luta , principalmente naqueles de
crise aguda do capital , os sindicatos n ã o serã o os instrumen -
tos de luta mais apropriados, e as massas e sua vanguarda se
colocarã o diante da necessidade de desenvolver os instru -
mentos relacionados à etapa da luta pela tomada do poder e
a edifica çã o da ditadura conjunta dos operá rios e campone-
ses em nosso pa ís.
É certo que o presente livro n ã o se propõe a explicar
de forma mais detalhada ( tratam - no somente de forma super -
ficial , por n ã o constituir seu objetivo ) os desdobramentos dos
conhecimentos da Economia Pol í tica na luta popular . Tra -
tando-se fundamentalmente de um estudo das leis do desen -
volvimento social , h á outros que tratam sobre o desenrolar da
luta popular de forma mais apropriada . Mas as pró prias lutas
das massas trabalhadoras possuem suas leis ( que, por sua
vez , se baseiam nas leis do desenvolvimento social ) , e sem
seu conhecimento, n ão h á como se falar em desenvolver de
forma correta as lutas das massas.
Pensamos que o documento " Princí pios de Economia
Pol í tica " sirva até mesmo para aqueles que sequer se interes-
sam pela luta revolucion á ria ou de massas, mas que minima -
mente queiram buscar novos conhecimentos e se interessem
pelos destinos do Brasil e do mundo. Para estas pessoas, afir -
mamos: sem conhecermos a Economia Pol í tica marxista -le-

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Princ í pios de Economia Pol í tica I. Lapidus/K. Ostrovityanov

ninista , ficaremos eternamente refé ns das noções que atri -


buem os graves e complexos problemas brasileiros e mundi -
ais às diferen ças de gest ão entre governos ruins e bons, aos
problemas supostamente inerentes às limita ções humanas, à
"corrupçã o " e à " falta de di á logo entre as diferentes opini -
ões", dentre vá rias outras sandices. As respostas para os pro-
blemas candentes do Brasil e do mundo n ã o se encontram
nos mundanismos, ou manifestações ideol ógicas, mas nas
leis que determinam o desenvolvimento das condi ções mate-
riais das diferentes sociedades, que constituem o objeto de
estudo da Economia Pol í tica . E mais uma vez , dizemos: aque-
les que, honestamente, apenas busquem se limitar ao conhe-
cimento dos problemas do mundo, sem se preocuparem em
como resolver tais problemas pela prá tica revolucion á ria , ve-
rã o que as respostas para os problemas serão apenas parciais
sem a prá tica direta da luta pol í tica revolucion á ria , isto é, sem
se tornarem comunistas.
Para al é m dos m é ritos dos Princípios de Economia Po-
lítica para a prá tica e a teoria , é necessá rio ressaltarmos suas
insufici ê ncias e até mesmo erros. Estes erros e insufici ê ncias
decorrem principalmente, mas n ã o só, de suas limita ções his-
t ó ricas, temporais. Tendo sido escrito em 1929 , este trabalho
n ã o pode abranger uma sé rie de conhecimentos fornecidos
pelos novos desenvolvimentos posteriores do capitalismo, da
situa çã o pol í tica mundial , da luta dos povos e da pró pria
constru ção socialista . Produzido pouco tempo antes da eclo-
sã o da grande crise capitalista mundial de 1929, e alguns anos
antes da ascensã o do fascismo ao poder em diversos pa íses
(at é ent ã o, somente na It á lia vigorava j á um regime fascista ) ,
do in ício da Segunda Guerra Mundial e da entrada de um
terço da humanidade no caminho do socialismo, da ascensão

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Princípios de Economia Política I . Lapidus/ K. Ostrovityanov

dos Estados Unidos como a principal e absolutamente hege-


m ó nica superpotência imperialista , da industrializa çã o e co-
letivizaçã o agr ícola socialistas na Uni ã o Sovi é tica , bem como
da grande luta pol í tica conduzida pelo Partido Comunista
( bolchevique ) da Uni ã o Sovi é tica contra a correntes oportu -
nistas de Trotsky , Kamenev, Zinoviev e Bukharin , as limita -
ções dos Princípios de Economia Política ficam evidentes.
No ano de 1929, a Uni ão Sovi é tica era ainda um pa ís
fundamentalmente agrá rio ( n ão à toa , os " Princí pios de Eco-
nomia Pol í tica " avaliam a constru ção do socialismo nas con -
di ções de um pa ís ainda agrá rio ) . A economia nacional aca -
bara de se recuperar dos anos da Primeira Guerra Mundial de
1914 - 1918 e da Guerra Civil de 1918- 1921 . Suas ind ú strias
eram ainda d é beis e careciam de uma coluna vertebral de pro-
du çã o de meios de produ çã o. No campo, o socialismo se en -
contrava ainda de forma embrion á ria , dado que o grosso da
produ çã o agropecu á ria era ainda encabeçada por pequenos
camponeses, propriet á rios privados, que receberam terras a -
pós a reforma agr á ria que se seguiu à Revolu çã o de Outubro
de 1917, bem como pelos capitalistas agrá rios (os chamados
" kulaks" ) que só seriam expropriados por completo nos anos
seguintes a 1929. Assim sendo, o livro terá insufici ê ncias no
fornecimento de uma explica çã o cabal dos porqu ês da supe-
rioridade do socialismo sobre o capitalismo, bem como na ex-
plica çã o sobre como funciona uma economia planificada so-
cialista , em razã o da industrialização ainda d é bil . Decorrentes
de tais insufici ê ncias, os Princípios de Economia Política re-
gistram també m erros graves ao considerarem que na socie -
dade socialista n ã o h á lutas de classes, e que o Estado socia -
lista , em definhamento progressivo, n ã o possuiria mais fun -
ções repressivas fundamentais em razã o da inexistê ncia de
luta de classes. Detenhamo- nos melhor neste ponto.

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Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

A experiê ncia hist ó rica demonstra que a classe operá -


ria , ao conquistar o poder pol í tico do Estado e iniciar sua di -
tadura sobre burguesia e as classes dominantes, expropri -
ando seus meios de produ çã o e iniciando a constru çã o do so-
cialismo, põe fim à exist ê ncia de classes sociais antagó nicas,
ao menos no sentindo econ ó mico do termo. Dado que os
meios de produ çã o pertencem a todo o povo, n ã o h á mais ex-
plora çã o do homem pelo homem , crises econ ó micas e a pro-
du çã o avan ça segundo as crescentes demandas materiais e
espirituais do povo trabalhador. Poré m , primeiramente , a so-
ciedade socialista herda da sociedade capitalista anterior seus
diferentes tra ços ideol ógicos: persistem na mentalidade dos
indiv íduos comportamentos, visões, supersti ções, etc. , herda -
dos desta sociedade, que por sua vez entravam o avan ço da
constru ção socialista . Ademais, a ideologia burguesa que per -
siste na sociedade socialista é muito mais que resqu ício da
sociedade anterior . Ao contrá rio, persistem na sociedade so-
cialista as pr ó prias bases materiais que engendram a ideolo-
gia burguesa , dentre elas: a desigualdade entre as duas for -
mas de propriedade socialista ( estatal -socialista e coopera -
tiva , sendo que na segunda , a produ çã o n ã o se encontra ainda
completamente socializada , constituindo propriedade privada
dos produtores cooperados associados) ; a desigualdade entre
trabalho manual e intelectual ( que só poderá ser suprimida
pela automa çã o completa da produ çã o social ) ; a desigualdade
entre homens e mulheres ( herdando das sociedades anterio-
res uma posi çã o desigual em relação aos homens, persistem
na sociedade socialista formas ideol ógicas de discrimina çã o
às mulheres que , mesmo sendo completamente suprimida em
termos jur ídicos e , em grande medida , econ ómicos, as formas
ideol ógicas de discrimina ção às mulheres somente serã o

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Princípios de Economia Política I . Lapidus/ K. Ostrovityanov

completamente suprimidas pela socializa çã o completa da pe-


quena economia dom éstica do lar, com sua substitui çã o pela
grande produ ção econ ó mica dom éstica socialista e planifi -
cada ) . Para al é m das bases materiais para a ideologia bur -
guesa que persistem na pró pria sociedade socialista (soma -
das aos resqu ícios das sociedades anteriores) , aquela penetra
nesta pela existê ncia ou cerco dos pa íses capitalistas, dado
que, diante da possibilidade de um ou vá rios pa íses constru í-
rem o socialismo sem que este triunfe mundialmente, os pa í-
ses socialistas se defrontarã o com o perigo da ideologia bur-
guesa que penetra a partir do exterior .
As amea ças burguesas que penetram a partir do cerco
de pa íses capitalistas n ã o se resumem nem de longe ao as-
pecto ideol ógico, mas abrangem també m , de forma escanda -
losa , o aspecto militar . A experi ê ncia demonstrou que, logo
após a vitó ria do regime de ditadura do proletariado na R ús-
sia , em 1917, com a Revolu çã o de Outubro, o pa ís foi palco
de sangrentas lutas de classes que descambaram para guerras
abertas, como nas j á mencionadas Guerra Civil de 1918- 1921
e Segunda Guerra Mundial (entre 1941 e 1945, per íodo no
qual a URSS ingressou na guerra do ponto de vista militar ) .
No caso da China Popular , cuja revolu ção triunfou a n ível na -
cional no ano de 1949, esta teve de enfrentar as duras amea -
ças militares n ã o só pelo cerco de Estados pró-imperialistas
como í ndia , Coreia do Sul , Japã o, etc., como da pró pria Uni ã o
Sovié tica que, durante a d écada de 1960, já se encontrava em
pleno processo de restaura ção capitalista e realizou provoca -
ções militares contra suas fronteiras. O norte da Coreia , que
també m foi palco de uma grande revolu çã o popular que ex-
pulsou de seu territó rio o imperialismo japon ês e seguiu o ca -
minho da constru çã o do socialismo, enfrentaria cinco anos
após a vitó ria da Revolu çã o de 1945 uma brutal de guerra de

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Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

agressã o com a invasã o do imperialismo norte-americano,


que resultaria na destrui çã o da economia nacional e num
saldo de três milh ões de coreanos mortos. No caso do Vietn ã ,
que també m passou por uma heroica luta pela expulsã o de
tr ês pot ê ncias imperialistas - Fran ça , Estados Unidos e Japã o
-, situa çã o semelhante se passou . Até os tempos atuais, o
povo vietnamita sofre com certas chagas dos bombardeios e
napalms jogados pelo imperialismo norte-americano sobre
seu territó rio . Se tratarmos a vida humana pelas frias estat ís-
ticas, chegaremos a saldos de cerca de 30 a 40 milh ões de
pessoas exterminadas nos pa íses socialistas por conta das
respectivas agressões do imperialismo.
Por conseguinte, se é verdade que o Estado prolet á rio
possui uma tend ê ncia ao definhamento progressivo, a menos
a longo prazo, isto n ão necessariamente é verdade em con -
textos de curto e m édio prazo, nos quais o Estado proletá rio
pode até mesmo se fortalecer diante das agressões internas e
externas. Todos os pa íses que seguiram pelo caminho da edi -
fica çã o socialista se depararam com o estorvo de ter que li -
mitar em maior ou menor grau os ritmos de desenvolvimento
e melhoria das condi ções de vida de seus respectivos povos
para a constru ção de fort íssimas estruturas militares, algo es-
tranho à natureza do socialismo, mas que se mostrou neces-
sá rio pelas agressões imperialistas, e como mecanismo de
dissuasã o .
As experiê ncias de edifica çã o socialista em pa íses
como a pró pria Uni ã o Sovi é tica , China , Coreia do Norte, Vi -
etn ã , dentre outras, demonstraram o desenvolvimento de for -
t íssimas estruturas militares como um sintoma da persistê n -
cia e mesmo intensifica çã o das lutas de classes sob o socia -
lismo. Mesmo expulsas das condi ções de detentoras do poder

22
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

pol í tico e da propriedade de seus meios de produ çã o, a bur-


guesia e as classes reacion á rias sempre buscar ã o retomar seu
poder pol í tico e restaurar o sistema capitalista n ão só se apoi -
ando nas bases materiais herdadas do capitalismo, que per -
sistem no pró prio socialismo, mas até mesmo do ponto de
vista militar .
Logo, o Estado da ditadura do proletariado necessi -
tará , concretamente , exercer uma fun çã o repressiva n ã o só
para garantir o princí pio da "distribuiçã o segundo o trabalho"
do socialismo - como defendem os " Princí pios de Economia
Pol í tica " -, mas para combater a contrarrevolu çã o a partir do
interior e do exterior dos respectivos pa íses e garantir as res-
pectivas integridades territoriais .
H á outras limita ções do livro das quais deveremos tra -
tar . Pensamos ser necessá rio nos aprofundarmos em outras
duas: a transi çã o ao comunismo e o perigo da restaura çã o do
capitalismo nas condi ções da sociedade socialista , que tam -
bé m entendemos como quest ões que se colocam como objeto
da Economia Pol í tica revolucion á ria - prolet á ria , marxista - le-
ninista .
Reflitamos. No ano de 1929, quando a pró pria Uni ã o
Sovié tica , ú nico pa ís de ditadura do proletariado no mundo,
ainda n ã o havia sequer consolidado o socialismo e seguia lu -
tando contra a burguesia que ainda persistia até mesmo eco-
nomicamente , n ão se poderia tratar sobre a transi çã o para a
sociedade comunista , sem classes, sen ão de uma forma bas-
tante gen é rica e evocando princ í pios ainda pouco palpá veis.
Até mesmo posteriormente, ao longo dos anos 1930, 1940 e
1950, quando a Uni ã o Sovi é tica logrou consolidar seu sistema
socialista , e o socialismo ( particularmente em meados da d é-
cada de 1940 e na d écada de 1950 ) se espalhou por inumer á -
veis pa íses, havia ainda muit íssimas incompreensões sobre a

23
Princípios de Economia Polí tica I. Lapidus/K. Ostrovityanov

transição ao comunismo, mesmo quando a União Soviética se


encontrava em seu auge, sob a direçã o do generalí ssimo Josef
St álin. Tais incompreensões teóricas se manifestaram em po -
sições segundo as quais, por exemplo, na década de 1930, a
União Sovié tica já se encontrava num período avançado de
transição para a sociedade comunista, sem classes. Tais in -
compreensões teóricas resultariam em erros polí ticos, os
quais, em meio à confusão geral, seriam utilizados pelos re -
visionistas seguintes como Nikita Khrushchev e Leonid Bre -
jnev para justificar a restauração capitalista no primeiro paí s
socialista da Hist ória, a partir de meados dos anos 1950.
Todavia, a despeito da restauração capitalista na União
Soviética durante tal período, a construção socialista na
China, sob a direção do Presidente Mao Tsé-Tung e do Partido
Comunista da China, particularmente em meio ao processo
da Grande Revolução Cultural Proletária de 1966- 1976, traria
uma série de aportes teóricos para melhor compreendermos
os problemas da transição ao comunismo e do combate à res-
tauração capitalista sob a ditadura do proletariado.
Pelo que foi exposto at é então, pensamos que esclare-
cemos o fato segundo o qual a sociedade socialista possui,
ainda, classes e lutas de classes. Trata- se de uma sociedade
de classes, ainda que não mais baseada na exploração do ho-
mem pelo homem. 1 Na sociedade comunista, porém, não ha-
vendo classes, não há mais sequer sentido em se falar de luta

1. Para que não existam confusões quanto a termos mencionado que, em


1929, ainda persistiam relações de produção capitalistas na União Sovié tica,
devemos falar não apenas no processo mais geral de transição do capitalismo
ao comunismo ( sociedade sem classes), em meio ao qual há um Estado de di -
tadura do proletariado ( socialismo) que dirige tal transição, mas de um aporte
teórico e pr á tico desconhecido antes da experiência sovié tica, acerca da pró-
pria transição entre o capitalismo e a ditadura do proletariado (socialismo) .
Em paí ses atrasados como a R ússia antes de 1917, mais ainda se tratando de

24
Princípios de Economia Política I . Lapidus/ K. Ostrovityanov

de classes. Sob o comunismo, ao contr á rio do socialismo ( no


qual vigora o princí pio da distribui çã o segundo o trabalho) ,
vigora o princí pio da distribui çã o segundo as necessidades, o
que pressupõe um n ível t ã o elevado de desenvolvimento das
for ças produtivas que n ã o é poss ível se alcan çar sob o socia -
lismo que , como vimos, herda ainda certas bases materiais da
sociedade capitalista (as desigualdades que mencionamos
anteriormente ) .
A transi çã o à sociedade comunista implica , primeira -
mente, a elimina çã o completa das desigualdades das quais
tratamos.
A desigualdade entre trabalho manual e trabalho inte -
lectual , chaga das velhas sociedades exploradoras, só pode
ser suprimida pela automa çã o completa da produ çã o. Ao con -
tr á rio do que ocorre sob o capitalismo, no qual a automa çã o
resulta quase sempre na redu çã o de postos de trabalho, no
aumento do desemprego, e na superprodu ção, que engendra

um pa ís destru ído por duas guerras seguidas, a direçã o bolchevique n ã o po-


deria levar a cabo a socializaçã o completa dos meios de produ çã o diante de
sobrevivê ncias predominantes da pequena propriedade camponesa após a re-
forma agrá ria . N ã o era possível expropriar os pequenos lavradores e transfor-
mar suas pequenas roças em propriedades socialistas. Nas cidades destru í -
das, o governo bolchevique teve de lançar m ã o de todos os modos de produ -
ção que pudessem , em algum n ível , desenvolver as forças produtivas arrasa -
das pela guerra . A despeito de se considerar , corretamente, que já neste per í -
odo a Uni ã o Sovi é tica fosse um pa ís socialista devido à existê ncia da ditadura
do proletariado, n ã o o era ainda plenamente no sentido econ ó mico do termo,
pois concessões foram feitas aos capitalistas e estes ainda eram muito nume-
rosos principalmente nas regi ões rurais, e havia uma luta entre a ditadura do
proletariado crescente e as velhas classes capitalistas decadentes, embora
persistentes, para a transi ção para a sociedade socialista ( uma transi ção para
a pró pria sociedade socialista que é, em si , transit ó ria ) . J á durante a d écada
de 1930, poré m , a ditadura do proletariado na Uni ã o Sovi é tica logrou derrotar
os elementos capitalistas e consolidou a sociedade socialista , até mesmo no
sentido econ ómico .

25
Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

crises cada vez mais gritantes ( destrui çã o de forças produti -


vas e guerras que acabam por levar ao próprio retorno ao tra -
balho manual , quando n ão um regresso a formas de explora -
çã o anteriores ao pró prio capitalismo, caso isso venha trazer
lucros para os grandes conglomerados) , sob o socialismo, a
automa çã o é utilizada como forma de expandir a produ çã o
sob os pontos de vista quantitativo e qualitativo, e traz, ao
contr á rio do desemprego, um al ívio sobre as condi ções de
vida dos trabalhadores, principalmente em se tratando dos
trabalhos mais insalubres. A planifica ção econ ó mica central
socialista permite desenvolver harmonicamente a economia
nacional de maneira que a automa çã o n ã o elimine, mas, ao
contr á rio, crie postos de trabalho e impulsione o trabalho in -
telectual entre todo o conjunto do proletariado. Caracteristi -
camente, ao contrá rio do que ocorre sob o capitalismo, a pro-
du çã o cresce em completa harmonia com a capacidade de
compra dos novos e melhores bens produzidos. Evidente-
mente, tal feito n ã o é possível sen ã o com uma fort íssima in -
dustrializa çã o (que nem mesmo a URSS, com o maior parque
industrial do mundo de ent ão, conheceu ) , sendo impossível
de ser realizado nas condi ções de atraso econ ó mico que a
grande maioria dos pa íses que enveredaram pelo caminho do
socialismo trouxeram como heran ça .
Mesmo os mais avan çados pa íses capitalistas que en -
veredaram pelo caminho do socialismo (citamos como exem -
plo, para nossa avalia çã o, a Tchecoslová quia e o leste da Ale-
manha ) herdaram do capitalismo e outras sociedades explo-
radoras a opressã o feminina . É verdade que o socialismo, de
uma só vez , varre uma sé rie de desigualdades decorrentes da
opressã o feminina existentes sob o capitalismo. Estabelece a
remunera çã o igual por igual trabalho entre homens e mulhe-

26
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

res, garante a estas direitos pol í ticos equivalentes aos dos ho-
mens. Mas persistem no socialismo os resqu ícios ideol ógicos
das sobrevivê ncias das velhas sociedades que justificavam a
opressão feminina , que ainda constrangem as mulheres, algo
que apenas a luta ideol ógica dará conta de combater . Como
base material persistente sob o pr ó prio socialismo, poré m ,
que manté m a sobrevivê ncia da opressã o feminina , está a per -
sist ê ncia da pequena economia dom éstica do lar (algo que as
velhas ideologias decadentes contribuem para reforçar e dar
sobrevida ) . É fato conhecido aquele segundo a qual as mulhe-
res do mundo capitalista testemunham n ã o só a explora çã o
capitalista , mas també m a explora çã o dom éstica , carregando
como grilh ões os cuidados com as crian ças e com a casa , o
preparo dos alimentos, etc. ( a chamada dupla jornada , ou tri -
pla jornada , no caso de bebés ou crian ças em seus primeiros
anos) . Consiste uma tarefa histórica (econ ómica e ideol ógica )
do socialismo a especializa çã o de todas as tarefas realizadas
pelas mulheres no â mbito do lar , tomadas individualmente,
em grandes unidades especializadas na realizaçã o de cada
tipo destas tarefas. 2 N ão à toa , verificou -se mais ou menos
intensamente, em todos os pa íses socialistas, uma sé rie de
iniciativas de constru ção de imensas creches ( libertando mu -
lheres dos cuidados com as crian ças) , grandes unidades de
lavanderias, restaurantes populares nos pró prios complexos
habitacionais, e demais. Entretanto, nenhum pa ís socialista

2 . Evidentemente , ainda que sob as condi ções do capitalismo, a participa ção


dos homens nas tarefas dom ésticas do lar constitui uma importante etapa
pedagógica para assentar o terreno que permitirá libertar as mulheres da
pequena economia doméstica , mas n ão resolverá o problema , ao contrá rio
das opini ões que frequentemente circulam .

27
Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

chegou a um n ível tal de desenvolvimento das forças produti -


vas que lograra extirpar por completo a pequena economia
dom éstica e transform á- la completamente numa grande eco-
nomia dom éstica socialista , estendendo esta grande econo-
mia dom éstica socialista à totalidade das respectivas popula -
ções. Trata -se de mais uma das tarefas para a transi çã o ao
comunismo: desenvolver forças produtivas a tal ponto de so -
cializar por completo a economia dom éstica do lar .3
A transi çã o para o comunismo exige, també m , a elimi -
naçã o da desigualdade entre cidade e campo, que persiste no
socialismo como mais uma heran ça do capitalismo que que
emperra um desenvolvimento maior das forças produtivas. J á
faz parte do senso comum do mundo capitalista a noçã o se-
gundo a qual , em rela çã o às cidades, os campos constituem
regiões de atraso econ ó mico, cultural e social , de pobreza , de
miséria e êxodos de popula ções inteiras. Sob as condi ções do
capitalismo, a cidade pilha o campo, extraindo deste suas ma -
t é rias- primas e produtos agr ícolas a baix íssimos preços e
vendendo a produ çã o urbana para a popula çã o rural a preços
elevados. Tal com é rcio desigual entre a cidade e o campo, ca -
racter ístico do capitalismo, condiciona o atraso técnico e as
condi ções de miserabilidade que at é os tempos atuais vigo-
ram nas regi ões rurais de todos os pa íses do mundo capita -
lista . É fato conhecido que, dentre as mais de um bilh ão de
pessoas que atualmente vegetam sob a fome e a desnutri çã o
no mundo, a esmagadora maioria sã o camponeses e proletá -
rios rurais. A ú nica forma de se resolver , sob o socialismo, o

3. O leitor encontrará informações detalhadas sobre a luta das mulheres tra -


balhadoras contra a economia dom éstica do lar no livro A Metade do Céu.- O
Movimento de Libertação das Mulheres na China" que tratará em particular
da experi ê ncia chinesa .

28
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

problema da desigualdade entre a cidade e o campo4, encon -


tra -se na industrializa çã o e mecaniza çã o -automa çã o da pro -
du çã o agropecu á ria , na sua integração completa , harm ó nica
(e n ã o desigual , como ocorre sob o capitalismo ) com o desen -
volvimento industrial dos grandes centros urbanos. A auto-
ma çã o e industrializa çã o da produ çã o agropecu á ria sob o so-
cialismo por sua vez , esbarra noutra desigualdade econ ó mica
caracter ística do socialismo, entre as duas formas de propri -
edade socialista , isto é, estatal -socialista de todo o povo e co-
operativa -socialista . Trata -se de duas formas diferentes, mas
n ã o antagó nicas entre si , de propriedade socialista , que dife-
rem entre si apenas pelo n ível de socializa çã o, que se encon -
tra mais completo na primeira forma de propriedade socia -
lista citada . Historicamente , a primeira forma de propriedade
socialista , estatal de todo o povo, foi conformada por meio da
expropria çã o violenta da burguesia e outras classes dominan -
tes, que tornou propriedade de todo o povo as grandes ind ús-
trias, fazendas e agroind ú strias outrora capitalistas, meios de
transporte, depósitos e estabelecimentos, etc. Nesta forma de
propriedade , o n ível de socializa çã o é completo e inteira -
mente submetida à planifica çã o central . A segunda forma de
propriedade socialista , cooperativa , constituiu -se historica -
mente como a maneira pela qual os pequenos produtores pri -
vados foram colocados no caminho do socialismo, particular -
mente o campesinato e os artesã os urbanos. Nas á reas rurais
dos pa íses que conduziram as suas respectivas revolu ções, de

4 . Sob o capitalismo, vigora nã o apenas a desigualdade entre a cidade e o


campo , mas uma oposi ção entre ambos . O socialismo, de uma só vez, elimina
a oposi ção entre a cidade e o campo ao consolidar, como núcleo do poder da
ditadura do proletariado, a aliança entre trabalhadores urbanos e rurais , mas
herda as chagas decorrentes da desigualdade entre a cidade e o campo, cuja
eliminação está relacionada a um desenvolvimento mais amplo das forças
produtivas e à passagem para o comunismo .

29
Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

maneira geral o campesinato recebera terras por meio de re-


formas agr á rias, que liquidaram os velhos latif ú ndios (sobre-
vivê ncias das velhas relações de produ ção pré-capitalistas ) e
os retalharam em pequenas propriedades. O socialismo n ã o
poderia penetrar entre os camponeses por meio da expropri -
a çã o de suas pequenas propriedades, pois isso colocaria o
campesinato em oposi çã o à classe operá ria e no terreno da
contrarrevolu ção, e tratar -se- ia de algo invi ável do ponto de
vista econ ó mico, dado que é praticamente impossível estabe-
lecer uma avan çada produ çã o socializada em pequenos lotes
de terra cultivados de forma familiar . Dessa maneira , o cami -
nho que encontrou de dirigir os pequenos produtores pelo ca -
minho do socialismo foi pelo m étodo de reuni -los em coope-
rativas com graus crescentes de complexidade. Em sua forma
mais amadurecida , as cooperativas se consolidaram como
uma forma de propriedade que, ainda que sejam socialistas
em seu cará ter , n ão se encontram sob um n ível completo de
socializa çã o, n ã o podendo desta forma seguir de forma com -
pleta e cabal a planifica çã o central ( mesmo submetidas a ela ) ,
ingressando nas cooperativas, os camponeses concordam em
integrar suas outrora propriedades privadas nas mesmas,
contando assim com as vantagens do trabalho em conjunto e
do apoio do Estado socialista . Nas cooperativas, as terras, as
Estações de M á quinas e Tratores ( EMTs ) e os meios de pro-
du çã o fundamentais são propriedade de todo o povo . Poré m ,
a produ çã o final permanece propriedade privada dos coope-
rados associados, que é vendida ao Estado a preços fixados e,
descontados os custos de produ çã o, a renda final da produ -
çã o é repartida entre as fam ílias cooperadas associadas con -
forme a quantidade de dias contribu ídos para a produ çã o.
Permite-se ainda que os camponeses possuam pequenos lo-

30
Princípios de Economia Política I . Lapidus/ K. Ostrovityanov

tes individuais para alguns cultivos de subsistê ncia , que, to-


davia , n ã o possuem condi ções de desenvolver ao ponto de le-
var ao aparecimento de capitalistas. Constitui uma tarefa para
a transi çã o ao comunismo a eleva çã o da propriedade coope-
rativa -socialista ao n ível de propriedade estatal de todo o
povo, socializando- a completamente e submetendo-a inteira -
mente à planifica çã o central , algo que só pode ser feito por
meio do incremento de sua produtividade e do consenso dos
camponeses associados nas cooperativas.
Após tratarmos das tarefas para a transiçã o ao comu -
nismo do ponto de vista econ ó mico, devemos tratar de tais
tarefas do ponto de vista pol í tico e ideol ógico .
Se é verdade que a supera çã o das desigualdades ma -
teriais herdadas do sistema capitalista sã o tarefas econ ó mi -
cas da transi çã o ao comunismo, devemos enfatizar sobretudo
que estas próprias desigualdades materiais engendram a ide-
ologia burguesa na sociedade socialista , e tal ideologia bur -
guesa constitui um obstá culo até mesmo para o desenvolvi -
mento das forças produtivas. A experi ê ncia da Revolu ção Cul -
tural na China Popular deixa claro que o combate à ideologia
burguesa , sob as condi ções do socialismo, manifesta -se prin -
cipalmente n ã o apenas no combate aos elementos abertos da
contrarrevolu çã o. Num contexto em que a burguesia foi des-
pojada do poder e a correla ção de forças numa dada socie-
dade se encontra desfavorá vel para ela , sempre tentar á res-
taurar seu poder e seu sistema apoiando-se nos pequenos
comportamentos, concepções, e principalmente pelo revisio -
nismo, manifesta çã o da ideologia burguesa que se apresenta ,
poré m , sob o verniz de socialismo ou revolu çã o . O combate
ao revisionismo e a todas as manifesta ções da ideologia bur -
guesa por meio do debate, do convencimento e da persuasã o

31
Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

é uma tarefa de import â ncia básica para a transi çã o ao comu -


nismo, sem a qual n ã o apenas n ã o se logrará o objetivo final
da sociedade sem classes, como també m a burguesia logrará
a restaura çã o de sua velha ordem (como realmente o fez
numa sé rie de pa íses) .
Por fim , a transi çã o ao comunismo n ã o poderá envol -
ver apenas os povos dos pa íses que j á tiverem iniciado sua
ditadura do proletariado, mas todo o proletariado internacio-
nal . Se é poss ível lograr mais ou menos a supera çã o das de-
sigualdades materiais herdadas do capitalismo sob as condi -
ções da sociedade socialista , mediante o desenvolvimento das
for ças produtivas e o combate constante ao revisionismo,
acabando por suprimir as bases internas de dissemina çã o da
ideologia burguesa , esta ainda penetrará a partir do exterior,
do cerco de pa íses capitalistas. Por essa razão, sem que a di -
tadura do proletariado triunfe em absolutamente todos os pa -
íses, n ã o é possível falar numa supressã o completa da ideo-
logia burguesa , exigê ncia bá sica para a sociedade comunista ,
sem classes. A partir da í, de fato, a restaura çã o capitalista dei -
xará de ser uma possibilidade .
No per íodo em que foi escrito o Princípios de Econo-
mia Política, a experiê ncia de luta dos povos pela edifica çã o
da nova sociedade n ã o havia chegado ainda em tal n ível que
pudesse abarcar semelhantes compreensões. Ao contrá rio, a
luta pela edifica çã o do socialismo ainda se encontrava em
suas etapas tremendamente iniciais. Do alto do ano de 2020,
contudo, já se construiu tal experiê ncia para sermos suficien -
temente capazes de expressar tais compreensões e lutarmos
para internalizá - las em nossa prá tica .
Quanto à teoria do imperialismo, o livro també m apre-
senta insufici ê ncias concernentes a como compreender trans-
forma ções que o capitalismo estrangeiro promove nos pa íses

32
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

atrasados, no que hoje conhecemos como "Terceiro Mundo".


Se é verdade que, como sustentam os autores, o capitalismo
estrangeiro promove certo n ível de desenvolvimento (e, con -
sequentemente, de industrializa çã o) nos pa íses coloniais e
semicoloniais, por outro, eles sã o insuficientes em explicar de
que maneira este desenvolvimento capitalista difere daquele
que ocorre nos pa íses centrais do imperialismo, e, ao mesmo
tempo, como o imperialismo se interessa pelo atraso econ ó-
mico de tais pa íses, obstrui e bloqueia o desenvolvimento ca -
pitalista neles. N ã o fornece també m explica ções suficientes
sobre como o capitalismo estrangeiro busca manter artificial -
mente as sobrevivê ncias dos modos de produ çã o pré-capita -
listas nos pa íses do Terceiro Mundo como forma de domin á -
los e estrangular seu desenvolvimento. A experi ê ncia mundial
demonstrou que o imperialismo promoveu e promove setores
das classes dominantes dos pa íses do Terceiro Mundo cuja
domina çã o econ ó mica e pol í tica se assenta em estruturas
pré-capitalistas, feudais ou mesmo escravistas, e mesmo no
que tange ao avan ço capitalista que o imperialismo promove
em tais pa íses, este sempre se d á em setores e das formas que
sejam interessantes para pa íses do chamado Primeiro Mundo,
e que n ão levem ao surgimento de novos concorrentes que
criem ainda mais problemas para seus lucros monopolistas.
Outra das limitações do presente livro, de menor grau
e que decorre n ã o de suas limita ções histó ricas, mas de seu
pró prio objetivo, está em n ão estudar e explicar o funciona -
mento das sociedades pré -capitalistas (com exceção da pe-
quena economia camponesa e artesã , que constitui aqui o
ponto de partida para o surgimento do capitalismo ) . Portanto,
o leitor n ã o conseguir á com este livro uma compreensã o mais
que superficial sobre como o desenvolvimento das sociedades

33
Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

pré-capitalistas levou inevitavelmente ao surgimento do capi -


talismo. Tal conhecimento deverá ser buscado em outras o -
bras mais amplas.
Tais limita ções citadas de forma nenhuma diminuem
seu enorme m é rito principalmente no que diz respeito a ex-
plicar as leis gerais do desenvolvimento do capitalismo e sua
transi çã o para a etapa do capitalismo monopolista , do impe-
rialismo, bem como em explicar as crises de superprodu çã o
capitalistas, o esgotamento cabal do capitalismo e a sua ne-
cessidade de substitui ção pela nova sociedade socialista , etc.
Mais ainda , o presente livro poderá ser sombra de d ú vidas um
ponto de partida para que o leitor se aprofunde em documen -
tos cl ássicos da própria Economia Pol í tica marxista - leninista ,
como O Capital, Contribuição à Cr ítica da Economia Política,
imperialismo, Fase Superior do Capitalismo, dentre outros.
Para concluir , uma informa çã o importante ao leitor:
para resgatar esta obra , utilizamos algumas edi ções antigas,
portuguesa e brasileira , que tiveram sua tradu çã o baseada na
versã o francesa da obra de Lapidus e Ostrovityanov. Justa -
mente por isso, h á bastante adaptações de exemplos com o
uso do franco, moeda do pa ís europeu .
E como uma antiga apresenta çã o da edi çã o portu -
guesa coloca "Apesar de este Manual n ã o constituir um tra -
balho de aprofundamento de O Capital, d á - nos, no entanto,
de forma pedagógica , os principais elementos para uma for -
ma ção teó rica de base".
Feitas devidas ressalvas, Princípios de Economia Polí-
tica deve ser o livro de cabeceira de todo militante comunista
consciente de seu dever histó rico.
E é uma primeira obra , a ser publicada em dois tomos,
de uma longa lista sobre Economia Pol í tica que o selo Edi ções

34
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

Nova Cultura pretende lan çar a partir do ano de 2020 . Preten -


demos assim , contribuir para a forma çã o de uma nova gera -
çã o de comunistas em nosso pa ís que terã o daqui para frente
a dura e honrosa missão de seguir o caminho de valorosos
camaradas.

UNI AO RECONSTRU ÇÃO COMUNISTA

35
PRINCÍPIOS DE
ECONOMIA POLÍTICA
Tomo I
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

Introdu ção
Todos sabem que a economia pol í tica é uma ci ê ncia
social , o que significa que n ão estuda os fen ô menos que se
passam na natureza inanimada , no mundo vegetal ou animal ,
nem a vida do organismo humano, mas sim determinadas
rela ções entre os homens tais como resultam de sua vida em
sociedade.
Sabe-se o qu ã o grande é a importâ ncia das rela ções
que se estabelecem entre os homens baseados na vida social ,
pois é impossível representar o homem , mesmo em seu est á -
gio primitivo do seu desenvolvimento, vivendo completamen -
te fora da sociedade . H á razã o quando se diz que "o homem
é um animal social ".
Mas, se observamos atentamente, as rela ções dos ho-
mens entre si parecem variadas: podem -se estudar rela ções
de fam í lia , rela ções pol í ticas nascidas da luta entre diversas
classes sociais e seus partidos e , enfim , rela ções oriundas de
causas culturais e outras.
A Economia Pol í tica estuda todas essas rela ções? N ã o.
Sua esfera é muito mais estreita , pois estuda apenas um tipo
das rela ções sociais, a saber: as que nascem entre os homens,
baseadas na produ çã o e na reparti ção dos produtos do traba -
lho social , e que se chamam ordinariamente de rela ções de
produ çã o.
Assim como n ã o se pode conceber o homem vivendo
fora de sociedade, tampouco se pode conceber o homem vi -
vendo em sociedade sem entrar em rela ções de produ çã o com
outros homens, pois mesmo que n ã o participe pessoalmente
do processo de produ çã o, n ã o deixará por isto de estar em
rela ções de produ ção com outros homens, tomada esta ex -
pressã o - rela ções de produ çã o - em um sentido amplo. Ele

39
Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

come, bebe , veste -se, satisfaz de algum modo suas necessida -


des e está , portanto, ligado por meio de rela ções de produ çã o
com aqueles cujo trabalho lhe permite satisfazer essas neces-
sidades, sem trabalhar . A possibilidade de viver sem trabalhar
pode dar-se com a posse dos meios de produ çã o - fá bricas,
oficinas, etc. - ou a de fundos em bancos. Mas, de qualquer
modo, sem o trabalho dos outros, sem rela ções com os outros
homens, baseadas na produ ção e reparti çã o dos produtos, o
homem n ã o pode subsistir .
Estuda a Economia Pol í tica todas as rela ções de pro -
du çã o entre os homens? N ã o. Tomemos a t í tulo de experi ê n -
cia , em uma economia natural como a economia camponesa
patriarcal , que satisfaz todas as suas necessidades sem entrar
em rela ções de troca com outras economias. Encontramos a í
rela ções de produ çã o determinadas. Estas rela ções consis-
tem , admitamos, em uma organiza çã o coletiva de trabalho,
baseada em uma determinada divisã o dele entre os homens,
mulheres, crian ças e de uma certa subordina ção de todos ao
chefe de fam í lia , etc. Estas rela ções sã o, em primeiro lugar,
reguladas pela vontade consciente do chefe de fam í lia que se
inspira nos conhecimentos de suas necessidades . Assim es-
tabelece seu plano de produ ção, determina as terras que de -
vem ser consagradas à cultura do centeio, do milho, da aveia ,
do trigo, das lentilhas, etc. Em segundo lugar, estas rela ções
sã o de tal sorte simples e claras que n ã o é necessá ria , a bem
dizer, uma ci ê ncia para seu estudo .
Consideremos també m a sociedade comunista , de que
a Uni ã o Sovi é tica cria presentemente as bases. Todos mem -
bros desta sociedade trabalharão coletivamente para a satis-
fa çã o das suas necessidades, e trabalharã o de acordo com um
plano definido, sob a direção de um ó rgão que expressará a
vontade dessa organizaçã o econ ó mica . Tal ó rgã o estudar á de

40
Princípios de Economia Política I . Lapidus/ K. Ostrovityanov

antem ão, servindo-se de estat ísticas, necessidades dos mem -


bros da sociedade comunista e repartirá , inspirando-se nos
resultados desse estudo, o trabalho entre os diferentes ramos
da economia e as diferentes empresas. Os instrumentos de
trabalho e as maté rias- primas serã o racionalmente repartidos
entre empresas, sem troca , sem compra nem venda . As ma -
té rias já preparadas passarã o às empresas de acabamento, os
produtos acabados entrar ã o em seguida nos armazé ns soci -
ais, que os repartirã o entre os membros da sociedade, de a -
cordo com as necessidades. O ajustamento da produ çã o às
necessidades dos homens resultará , desta forma , na soci -
edade comunista , da organiza ção da sociedade sobre um pla -
no de conjunto, e da direção consciente.
A despeito da enorme diferen ça entre a economia cam -
ponesa natural e a economia comunista , estes dois sistemas
t ê m uma caracter ística comum : são um e outro organizados
e dirigidos por uma vontade humana consciente .
Consideremos, agora , a economia capitalista contem -
por â nea . Constitui um conjunto de empresas privadas, isola -
das, dirigidas por patrões independentes uns dos outros, e
pode-se observar nos pa íses capitalistas, ao lado das grandes
empresas que empregam dezenas de milhares de operá rios,
grande n ú mero de pequenas empresas que revelam ainda o
artesanato, milh ões de fazendas, etc. Todas estas empresas,
grandes e pequenas, n ã o sã o reguladas por uma vontade
consciente ú nica e n ã o possuem um centro diretor que conte
e preveja em tempo ú til as necessidades dos homens, e que
distribua o trabalho entre os diferentes ramos da produ çã o,
conforme aquelas necessidades. Todo patrã o age às cegas na
produ çã o. Ele n ã o sabe exatamente em que medida existe a
necessidade das mercadorias que produz , nem quantos ou -
tros patrões se ocupam també m de as produzir. Ele só preo-
cupa -se com seus interesses individuais, sem se importar com

41
Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

a sociedade em geral . Da í o cará ter desorganizado, an á rquico,


da sociedade capitalista . Como pode tal sociedade an á rquica
subsistir e como se estabelecer á o equil í brio entre as neces-
sidades dos homens e a produ çã o? Evidentemente , existem as
leis que regem as relações desorganizadas da sociedade ca -
pitalista . Mas estas leis atuam espontaneamente, indepen -
dentemente da vontade e aspira ções conscientes dos partici -
pantes no processo da produ çã o.
Eis no que diferem profundamente das leis da econo-
mia natural , quer se trate da fam í lia patriarcal camponesa ou
da futura sociedade comunista . E sã o estas leis elementares
que regulam as relações de produ çã o da sociedade capita -
lista - mercantil que a economia pol í tica estuda .5 Transparece
desde logo que a economia patriarcal natural e a sociedade
comunista de que falamos, sendo dirigidas por uma vontade
humana consciente , a economia pol í tica n ã o encontraria a í
razã o para estudo. Pode ser que as rela ções de produ çã o da
sociedade comunista , que serã o certamente bastante mais
complicadas do que as da economia patriarcal , venham a
necessitar de uma ciê ncia especial . Esta n ã o será , em todo
caso, a economia pol í tica . 6
Estudaremos ao mesmo tempo as leis que regem as
rela ções de produ çã o na economia capitalista e na economia

5. É preciso ainda distinguir as rela ções de produ çã o entre as empresas


( rela ções econ ó micas de produ çã o) e as rela ções técnicas da produ ção entre
os homens da mesma empresa , como a forma de colabora ção entre o
contramestre , o oper á rio e o engenheiro da fá brica . Estas ú ltimas rela ções
n ã o sã o do dom í nio da economia pol í tica .
6. Posteriormente , perceber-se - ia que tal noçã o n ã o era inteiramente correta .
No Manual de Economia Política de 1959 , publicado sob a direçã o de Kons-
tantin Ostrovityanov, d á -se grande aten çã o ao estudo da comunidade primi -
tiva por parte da Economia Pol í tica . ( Nota do Editor)

42
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

sovié tica . A originalidade desta reside em seu cará ter transitó-


rio, entre o capitalismo e o socialismo. 7 O plano a í se combina
com a espontaneidade , os elementos do socialismo com as
mais variadas formas econ ó micas, a começar pelas rela ções
naturais e as simples relações comerciais at é o capitalismo
privado. Assim nos defrontamos com novos problemas, tais
como estes: em que proporçã o as leis da economia capitalista
atuam ainda em nosso regime sovi é tico? Em que proporçã o
tais leis elementares sã o substitu ídas pela direçã o centrali -
zada ? Quais as rela ções de interdepend ência se estabelecem
entre a atividade centralizada e a atividade espont â nea na
economia da URSS? Qual a import â ncia espec í fica de cada um
desses fatores e qual a tend ê ncia do seu desenvolvimento?
Todas essas questões que representam o maior interesse
teó rico ligam -se indissoluvelmente às presentes necessidades
da pol í tica prá tica do Estado dos Sovietes. Seu estudo nos
permitirá n ã o somente orientar - nos entre as leis do per íodo
de transiçã o, mas ainda participar també m conscientemente
na edifica çã o socialista . Por outro lado, a compara çã o das leis
da economia sovi é tica com as da economia capitalista nos
permitirá compreender melhor as categorias fundamentais da
economia pol í tica .
É necessá rio observar , em conclusã o, que a Economia
Pol í tica trata de interesses vitais das diversas classes da so-
ciedade capitalista , e que, portanto, o esp í rito de classe , ponto
de vista social dos autores, influi profundamente nos princí -
pios e nas conclusões teó ricas desta ci ê ncia .
Estudaremos a Economia Pol í tica do ponto de vista
dos interesses da classe trabalhadora . Mas n ã o se conclui da í

7. No ano de 1929, quando o presente documento foi escrito, coexistiam


ainda na economia sovi é tica v á rios modos de produ çã o, n ão apenas o socia -
lismo, como o capitalismo privado nas fá bricas e no campo, a pequena pro-
du ção camponesa privada , capitalismo de Estado, etc. É neste sentido que
devemos compreender o termo "transi çã o" aqui empregado. ( Nota do Editor)

43
Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

que deformamos os fatos de acordo com nossos desejos. O


pró prio desenvolvimento do capitalista leva , conforme verifi -
camos, à vitó ria final da classe operá ria . A vitó ria da classe
operá ria na R ú ssia nos d á disso melhor prova . A classe prole-
t á ria é , por consequ ê ncia , interessada , no mais alto grau , no
estudo objetivo e imparcial do desenvolvimento capitalista . O
estudo deste desenvolvimento lhe permitirá usar de uma pol í-
tica ou de uma tá tica mais justa na luta contra as classes do-
minantes, e abreviará assim as dores do parto da sociedade
sem classes. Os interesses do proletariado sã o radicalmente
opostos aos interesses ego ístas das classes dominantes, mas
coincidem inteiramente com o curso objetivo do desenvolvi-
mento e com os interesses bem compreendidos de toda a
humanidade.

j. LAPIDUS
K . OSTROVITYANOV

44
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

LIVRO PRIMEIRO: O VALOR REGULADOR


DO REGIME DE PRODU ÇÃO DE MERCADORIAS

Capí tulo I : O trabalho, base do valor

1 . A divisão do trabalho e a propriedade privada , con-


dições prévias do sistema económico baseado na troca . Ne -
cessidade da troca .
Ainda hoje, nas aldeias perdidas da Uniã o Sovié tica , é
frequente encontrar camponeses que satisfazem as suas ne-
cessidades rudimentares unicamente com os meios da sua
pró pria economia: fazem o pã o com o trigo ou o centeio que
eles pró prios semearam ; confeccionam o vestu á rio com gros-
sos tecidos que as fam í lias teceram durante longos serões de
Inverno, com o linho que eles mesmos cultivaram . Se h á que
construir uma cabana , o cavalo trará ao campon ês a madeira
que terá cortado e que servirá para fazer paredes; com a palha
fará o teto; apenas recorre ao exterior para que lhe forneçam
os pregos e alguns outros artigos menos importantes.
Nas terras distantes do Norte onde vivem os samoiedas
e outros povos primitivos, a economia é ainda mais rudimen -
tar . As manadas de renas que vagueiam por aquelas terras de-
sé rticas e as focas que os homens vã o ca çar no mar consti -
tuem toda a base da economia: a rena e a foca proporcionam
ao samoieda a carne e a gordura para sua alimenta çã o; a pele
da rena fornece- lhe material para o vestu á rio e a habitação.
Muito diferente é o espet á culo da grande cidade mo-
derna . Nela n ã o se encontra um só homem que satisfa ça por
si mesmo todas as suas necessidades sem ter que recorrer a
ajuda exterior; nem um só homem que construa uma casa
com materiais que ele pró prio haja fabricado, que confeccione
a sua roupa e produza os seus alimentos.

45
Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

Centenas de milhares de homens povoam as grandes


metró poles e cada um deles tem a sua ocupa çã o: milhares de
operá rios metal ú rgicos passam toda a sua vida ao torno ou
na banca do trabalho, junto às m á quinas. Muitos deles nunca
foram ao campo e n ã o sabem sequer como lavrar a terra ou
ceifar . O mesmo acontece com milhares de outros trabalha -
dores: alfaiates, pedreiros, carpinteiros, padeiros, motoristas.
Como é poss ível que cada um , trabalhando na sua es-
pecialidade, n ã o morra de fome ou de frio? O que acontece é
que vivem em uma estreita depend ê ncia ; trabalham uns para
os outros: a tecedeira só pode passar a vida junto ao tear por -
que o padeiro faz o pã o e o pedreiro constrói . É evidente que
o padeiro n ã o faz pã o só para ele, fá -lo també m para a tece-
deira , e o pedreiro constr ói vivendas para milhares de homens
ocupados em outros trabalhos. Se n ã o existisse este laço, a
vida seria impossível na sociedade moderna .
Recordemos o que vimos na R ússia durante a guerra
civil . Quando um grande n ú mero de ind ú strias deixa de tra -
balhar e a superf ície das terras cultivadas diminuiu no campo;
quando os comboios deixaram de funcionar e a rela çã o entre
as diferentes economias enfraqueceu - tornou -se impossível
ao operá rio manter-se constantemente na sua banca de tra -
balho; o ferro que o metal ú rgico trabalhava e o carvã o que o
mineiro extra ía n ão podiam alimentá - los. Quantos operá rios
abandonaram entã o o seu of ício por esta razão e foram para
o campo! Quantos oper á rios começaram a cultivar batatas ou
trigo nos arredores da cidade! E quando chegou o Inverno
quantos operá rios e empregados foram para os bosques cor -
tar lenha para se aquecerem!
Em resumo: a vida obrigava os homens a sair dos limi -
tes estreitos da divisã o do trabalho e a voltar ao estilo de vida

46
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

do campesinato, que, em aldeias long í nquas, satisfaz todas as


suas necessidades pelos seus próprios meios.
Concluindo: a divisão do trabalho só é poss ível na so-
ciedade moderna porque produtores isolados, ocupados em
distintos ramos do trabalho, entram em contato uns com os
outros e oferecem aos trabalhadores das demais especialida -
des os produtos do seu pró prio trabalho.
Quanto mais evolu í da é a sociedade , mais profunda é
a divisã o do trabalho, e quanto mais importante é a rela çã o
entre as economias isoladas, mais estreita é a interdepend ê n -
cia destas .
Na é poca atual 8, a divisã o do trabalho existe n ã o ape -
nas entre a cidade essencialmente industrial e o campo que
fornece os víveres e as maté rias- primas, mas também entre
os pa íses. A R ú ssia é um pa ís essencialmente agr ícola , a Ale-
manha (e ainda mais a Inglaterra ) é um pa ís industrial . Com -
preende-se perfeitamente que a R ú ssia necessitava da Alema -
nha e da Inglaterra , que lhe fornecem m á quinas e outros pro -
dutos industrializados. Compreende-se que a Alemanha ne-
cessita do trigo russo. A interdepend ê ncia destes pa íses ma -
nifestou -se sobretudo durante a guerra , quando a Alemanha
esteve condenada à fome e vá rios produtos industrializados
faltaram na R ú ssia .
Mas como se realiza na sociedade moderna a rela çã o
entre estas diferentes economias?
Vimos que ser á bastante fá cil organizar esta rela çã o
dentro da futura sociedade comunista . Na verdade, n ã o exis-
tirã o empresas isoladas, independentes umas das outras, per -
tencentes a particulares . A sociedade comunista será um todo

8. Os autores referem -se a 1929. ( N . do E .)

47
Princ í pios de Economia Pol í tica I. Lapidus/K. Ostrovityanov

dirigido por um centro ú nico. Este n ú cleo dirigente organi -


zará a produ çã o e a reparti çã o. Por exemplo: destinará parte
do pã o feito pelos padeiros às necessidades dos metal ú rgicos
que fabricam as m á quinas, e vice -versa ; mandará fabricar as
ferramentas e a maquinaria de que necessitam as padarias
mecanizadas.
É possível semelhante rela çã o entre diferentes empre -
sas, dentro do sistema capitalista ? Decerto n ão . Pois, como j á
assinal á mos, as empresas pertencem a diferentes propriet á -
rios privados, e cada um deles ao organizar a sua empresa
pensa nos seus pró prios interesses, e n ã o nos da sociedade.
Dentro dos limites da sua empresa o capitalista é soberano,
dispõe dos seus bens como quer: põe a sua empresa a funci -
onar ou encerra -a , produz uma mercadoria ou outra .
Pensando melhor , e considerando o que dissemos an -
teriormente, ressalta que o poder "ilimitado" do capitalista é,
na realidade, muito limitado . Necessita das outras empresas
e dos outros capitalistas, quanto mais n ão seja para obter os
produtos de consumo para ele e para os seus operá rios e as
maté rias- primas necessá rias à sua fá brica . E os demais capi -
talistas das empresas que fabricam esses produtos sã o pro-
prietá rios que provavelmente precisam do nosso capitalista .
Mas, seja como for , todos consideram , antes de mais
nada , os seus interesses particulares, seus interesses de pro-
prietá rios.
A rela çã o entre estas diferentes economias, que neces-
sitam uma da outra , mas de entre as quais cada uma constitui
um elemento autónomo de propriedade, só pode efetuar-se
de uma maneira : através da troca dos produtos no mercado .

48
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

Na economia em que predomina a troca , cada produ -


tor fabrica bens, n ã o com o propósito de satisfazer suas pró -
prias necessidades, mas sim com o de os lan çar no mercado
e os trocar por outros produtos de que necessita .
Neste caso os produtos chamam -se mercadorias e a
economia baseada na sua produ ção caracteriza - se pela troca .
A economia capitalista é uma das formas de economia
baseada na troca . Aqui , reteremos apenas que a ideia de re-
gime caracterizado pela troca é mais ampla do que a noçã o
do "capitalismo" .
Um regime baseado na troca , mas que n ão seja o capi -
talista , é possível, como veremos mais tarde; em certa me-
dida , pode relacionar-se a economia sovi é tica com esta cate-
goria . A economia mercantil simples, que em caso algum se
deve confundir com a capitalista , embora ambos os sistemas
se baseiem na troca , relaciona -se também com esta categoria .
Na economia mercantil simples, o produtor de merca -
dorias é o seu dono e vendedor; na economia capitalista , o
dono n ã o é o produtor da mercadoria , mas sim o capitalista
que é proprietá rio de fá bricas equipadas e det é m os meios de
produ çã o. Esta a razã o pela qual o capitalista obriga o operá -
rio, privado dos meios de produ çã o e dos meios de consumo,
a trabalhar para ele.
J á vimos que o objetivo principal do nosso trabalho é
o estudo das leis que regem a economia capitalista . Poré m ,
esta tarefa ficar á muito facilitada se começarmos pela econo-
mia mercantil simples, e n ã o pela capitalista .
Só depois de estudar as leis mais elementares da eco-
nomia mercantil simples serem capazes de compreender as
leis mais complexas da economia capitalista .

49
Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

2 . O preço, regulador aparente da economia baseada


na troca
Na economia mercantil simples, assim como em qual -
quer outra baseada na troca , o contato entre os possuidores
de mercadorias estabelece-se no mercado. Todos os produto-
res isolados (ou os possuidores) de mercadorias se apresen -
tam no mercado na qualidade de proprietá rios de mercado-
rias e só se desfazem dos seus produtos se recebem outros
em troca .
Entende-se que cada um dos possuidores de mercado-
rias ao apresentar-se no mercado como proprietá rio indepen -
dente procura satisfazer os seus pró prios interesses, ou seja ,
vender obtendo o maior proveito . Vender bem é receber, em
troca de suas mercadorias, a maior quantidade de outros pro-
dutos.
Na economia desenvolvida baseada na troca , quando
se trocam todas as mercadorias por dinheiro, trata -se (como
veremos mais tarde ) de receber, em troca , a quantidade de
dinheiro. Mas, pergunta - se: poderá o possuidor individual de
mercadorias satisfazer o seu desejo e vender pelo preço mais
vantajoso?
Embora seja aparentemente "dono absoluto'' das suas
mercadorias, o cumprimento da sua vontade n ão depende a -
penas dele . O comprador é també m um propriet á rio que dis-
põe do seu dinheiro como quer e a quem anima o desejo de
comprar barato. Al é m disso, ao lado do comerciante estã o ou -
tros comerciantes que vendem as mesmas mercadorias. Às
vezes chegam poucos compradores e pode acontecer que ca -
da um dos comerciantes n ã o venda todas as suas existências.
Daqui nasce a concorrê ncia , que faz com que os possuidores
de mercadorias lutem entre si , disputem o comprador e ten -
tem vender mais barato que o seu concorrente .

50
Princípios de Economia Política I . Lapidus/ K. Ostrovityanov

O mercado converte -se em teatro de uma luta inces-


sante entre compradores e comerciantes e entre possuidores
individuais de mercadorias. Só então o proprietá rio se con -
vence dos estreitos limites do seu poder e da estreita depen -
d ê ncia da sua empresa frente a todas as outras que també m
sã o propriedades individuais.
Antes de ir ao mercado o propriet á rio atuava comple-
tamente às cegas. Só o mercado pode, pelo preço que fixa ,
ensinar ao produtor individual de mercadorias o lugar que a
sua empresa ocupa no sistema da economia social .
Por exemplo, se o preço das botas sobe muito, significa
que se produziram menos botas do que as necessá rias; se o
preço abaixa , isso significa que se produziram botas a mais e,
por outras palavras, que a n ã o organiza çã o do sistema base-
ado na troca chegou a uma repartiçã o do trabalho entre os
diferentes ramos da ind ú stria que n ã o corresponde às neces-
sidades dos homens. Ent ã o os produtores de mercadorias en -
trarã o em conta com tais indicações do mercado. No primeiro
caso aumentarã o a produ çã o das botas; no segundo caso res-
tringi -la -ã o. Assim , o movimento dos preços dirige e regula a
economia baseada na troca , e este regulador atua espontane-
amente. Os preços que se estabelecem no mercado, embora
resultantes da a çã o recí proca e da luta dos propriet á rios pro -
dutores de mercadorias, n ão são, no entanto, independentes
da vontade de cada um deles com uma força tã o irresist ível
como a das leis da Natureza . Na economia de troca o preço
de certas mercadorias pode ser ruinoso para determinado
produtor, mas enquanto as condi ções que o determinaram
continuarem a atuar , nada nem ningu é m poderá modificá - lo.

51
Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

preço tem um papel tã o importante na economia de


O
troca que ao iniciar o seu estudo temos a obriga çã o de per -
guntar- nos: de que depende o preço? O que o determina ? O
que determina o regulador espont â neo da economia de troca ?
Trataremos de resolver esta quest ã o.

3. Quais as condições que determinam o preço? Uti-


lidade, oferta e procura
Se entro em uma sapataria e peço um par de sapatos,
o empregado, sorrindo, oferece- me n ã o um par , mas vá rios,
de forma e qualidade diferentes . Compreende-se que o preço
nao vai ser sempre o mesmo.
Se o vendedor me pede $120 por um par de sapatos e
apenas $80 por outro, posso, naturalmente, informar- me da
causa desta diferen ça de preços.
Que responder á o empregado?
Que o primeiro é de melhor qualidade ou que est á mais
em moda .
Em uma palavra , explicará a diferen ça de preço pela
qualidade dos sapatos, pelo uso que se pode fazer deles.
É exata tal explicaçã o? À primeira vista pode parecê- lo.
É certo que poderei usar durante uns anos um par de
sapatos de boa qualidade. O outro durará menos. N ã o será
por isto que o primeiro custa mais caro?
Estudemos mais a fundo tal explica çã o. Consideremos,
em vez do preço de dois pares de sapatos, o preço de um par
e de outra mercadoria , por exemplo um prato.
Como se sabe, um prato é muito mais barato que um
par de sapatos. Vamos admitir que é quatro vezes mais ba -
rato. Pode deduzir-se disto que dura menos que o par de sa -

52
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

patos? Certamente que n ã o . Um prato, sobretudo se é met á -


lico, pode durar muitos anos, enquanto um par de sapatos só
pode durar algumas temporadas.
A dura ção de uso de uma mercadoria n ã o é , pois, um
fator decisivo .
Talvez os sapatos sejam mais caros do que o prato por
serem mais ú teis? É possível n ã o utilizar prato e comer a sopa
na panela que serviu para a cozer, como ainda fazem alguns
camponeses . Pode pedir-se ao vizinho um prato emprestado,
mas j á n ã o é tã o fácil pedir um par de sapatos emprestados
ou sair descal ço para a rua quando faz frio.
Contudo tal explica çã o da diferen ça de preço de mer-
cadorias distintas ainda n ã o é satisfató ria . É fato que o pã o é
muito mais barato que o diamante e , no entanto, o homem
precisa muito mais de pã o do que do diamante. Mais ainda ,
todos sabemos que certas coisas que nos sã o muito necessá -
rias sã o muito baratas, sendo algumas gratuitas, como o ar, a
á gua de um rio, etc. Ent ã o, poderemos dizer que os sapatos
custam quatro vezes mais que o prato porque nos é quatro
vezes mais necessá rio? Onde encontrar a medida que nos per-
mita expressar em n ú meros o grau de necessidade que o ho-
mem tem de determinado objeto?
É impossível encontrar tal tipo de medida ; é menos
poss ível medir a utilidade e a necessidade que se sente por
uma coisa . Sã o noções relativas e muito vari á veis.
Suponhamos que duas pessoas entram em uma loja
para comprar cal ças: um estudante pobre que teve que pedir
umas cal ças emprestadas para poder sair e ir à loja e um fun -
cion á rio que j á tem um guarda - roupa completo, mas que quer
comprar um fato novo para estar mais elegante no teatro ou

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Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

quando for fazer uma visita . Admitamos que ambos escolhe-


ram o mesmo par de cal ças. Qual dos dois tem maior neces-
sidade? Todavia o vendedor pedira o mesmo preço a ambos.
Parece, no entanto, que se pode fazer uma objeçã o ao
que se disse anteriormente . É verdade que n ã o se pode deter -
minar com precisã o em que medida um objeto é mais ú til que
outro , mas pode determinar -se quantas pessoas estã o inte-
ressadas em comprar um determinado objeto e quantas que-
rer ã o vend ê - lo.
É verdade que n ã o pode determinar -se quantas vezes
mais o homem precisa de sapatos de borracha que de pão,
mas pode determinar -se quantas pessoas foram hoje ao mer -
cado ou à loja comprar sapatos de borracha e quantos havia
à venda . Se , por exemplo, 200 pessoas pediram o n .° 39, ha -
vendo apenas 100 pares à venda , só se podem satisfazer me-
tade dos compradores. Isto significa que a procura é maior
que a oferta . Se amanh ã h á 200 pares para 100 compradores,
significa que a procura é inferior à oferta .
O preço dos sapatos de borracha e de outras mercado-
rias n ã o se determinará assim no mercado? N ão ser á pela re-
la çã o entre a oferta e a procura ?
A experi ê ncia da vida confirma todas estas reflexões:
quando h á poucas mercadorias no mercado os preços sobem .
Recordemos a inflação do preço do trigo nas prov í n -
cias da URSS em 1929, durante a grande fome. Recordemos
as vendas, a preços mais baixos, dos produtos no fim da tem -
porada , quando as necessidades e a procura diminuem .
Todos sabemos que o preço do trigo sobe durante o
Ver ão, quando as existê ncias se esgotam e h á pouco trigo à
venda , no preciso momento em que aumenta a procura , uma
vez que muitos camponeses pobres tê m de o comprar, e que
depois da colheita o preço do trigo baixa rapidamente.

54
Princípios de Economia Política I . Lapidus/ K. Ostrovityanov

Todo aquele que estuda economia pol í tica sabe que a


lei dos preços da oferta e da procura faz com que os preços
aumentem quando h á maior procura .9
Poderá esta lei satisfazer - nos e fazer - nos declarar que
encontr á mos finalmente o fator determinante do preço de de-
terminado produto em uma sociedade mercantil ?
O problema n ã o é t ã o simples nem acaba aqui . Veja -
mos o que aconteceria se a lei da oferta e da procura propor-
cionasse uma explica çã o totalmente satisfató ria do preço dos
produtos e das proporções das trocas.
O preço de duas mercadorias em que a oferta e a pro-
cura se encontram nas mesmas propor ções teria que ser o
mesmo . Se, por exemplo, h á 1000 kg de a çú car no mercado
quando os compradores só pedem 500 kg e se, por outro lado,
h á no mercado 100 m á quinas de costura para as quais só se
podem apresentar 50 compradores, é evidente que no mer -
cado do a çú car e das m á quinas de costura a oferta alcan ça o
dobro da procura e que, na hipó tese do preço determinado
pela oferta e procura , o quilograma de a çú car e a m á quina de
coser deviam vender-se ao mesmo preço. Poré m , nunca acon -
tece assim . E ainda nestas condi ções a m á quina de costura
custa bastante mais cara que o quilograma de açú car . 10

9. Se a procura cresce para o dobro e a oferta aumenta na mesma proporção


e se as condi ções n ã o se alteram , o preço n ão tem de variar ; o preço apenas
varia quando a procura aumenta em rela çã o à oferta , ou vice -versa .
10. N ão é dif ícil dar -se conta que a hipótese na qual a lei da oferta e da pro-
cura basta para determinar os preços pode levar - nos a concluir que o quilo-
grama de a çú car deve custar tanto como a m á quina de costura em determi -
nadas condi ções . També m poderia afirmar -se que a libra de açú car deve cus-
tar tanto como a m á quina . Na verdade, o nosso raciocí nio continuaria correto
se disséssemos que h á no mercado 2000 libras de a çú car quando apenas se
pedem 1000. A rela çã o entre a oferta e a procura no mercado do a çú car seria
a mesma que no mercado da m á quina de costura . De modo que o preço da li -
bra de a çú car teria que ser o mesmo que o de uma m á quina de costura .

55
Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

A lei da oferta e da procura pode explicar porque a libra


de a çú car custava ontem 32 kopecks e hoje custa 35; porque
as m á quinas custavam 100 rublos e custam hoje 110; mas tal
lei nunca explicará porque o preço das m á quinas de coser se
expressa em centenas de rublos, quando o preço do a çú car se
expressa somente em kopecks. 11
A lei da oferta e da procura pode modificar os preços
das mercadorias, mas n ão determinar em que propor ções se
trocam as mercadorias no mercado, se uma por outra , se por
dinheiro. As variações dos preços, no mercado, sob a influ ê n -
cia da oferta e procura , n ã o ultrapassam , por outro lado, cer-
tos limites.
Se , por exemplo, em consequ ê ncia de uma oferta insu -
ficiente , os preços de determinado produto chegassem a subir
demasiado, poderia acontecer que vá rias pessoas que antes o
pediam deixassem de o fazer . Isto pode acontecer n ã o só du -
rante a alta dos preços dos artigos de luxo, que n ã o são in -
dispensá veis, mas també m quando sobem os preços dos arti -
gos muito necessá rios . Todos sabem que, quando a carne é
cara , os trabalhadores se alimentam essencialmente de pã o;
que quando o pã o é caro, se alimentam de papas, e que desde
h á alguns anos a grande maioria dos trabalhadores alem ães
n ã o come manteiga , mas sim margarina , porque n ã o pode pa -
gar a manteiga .
Uma alta de preços demasiado importante em conse-
qu ê ncia da procura , da diminuiçã o da oferta , ou por qualquer

11. N ão consideramos aqui a desvalorização do dinheiro, que tem outras cau -


sas, que estudaremos mais adiante . Mas entendemos que , se o valor da mo-
eda baixa dez vezes, o a çú car pagar-se-á em escudos ou rublos e as m á qui -
nas de costura em centenas de rublos ou escudos; continuará por explicar as
diferentes proporções destes preços.

56
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

outra razão, provoca por sua vez uma diminuiçã o da procura


até que voltem a baixar os preços.
Do mesmo modo, quando determinadas mercadorias
abundam no mercado e se depreciam , a sua produ ção passa
a ser desvantajosa e para , o que provoca a diminui çã o da
oferta , enquanto as exist ê ncias se vã o vendendo, e, finalmen -
te, os preços voltam a subir.
Em numerosos casos n ão sã o a oferta e a procura que
influenciam os preços, mas sim o preço que influencia a oferta
e a procura .
N ã o podemos, por tudo isto, contentar- nos com a ex -
plica çã o do preço pela lei da oferta e da procura , e temos que
continuar a investigar.

4. Os gastos de produção
Acabamos de dizer que o produtor deixa de produzir
uma mercadoria quando o seu preço de venda se torna des-
vantajosa ou quando, ao vend ê- la , perde.
Como é que se d á conta que a produ ção de mercadoria
é desvantajosa ou deficitá ria ? Evidentemente que é pelo que
lhe custam as mercadorias.
Ou çam o comprador no mercado ou em uma loja pe-
chinchar com o comerciante e oferecer - lhe metade do que lhe
foi pedido; ou çam o comerciante assegurar que a mercadoria
" lhe custa muito mais cara ". O alfaiate explica os seus preços
pela carestia de vida , pela alta das rendas de casa , etc.
Significa isto que o preço das mercadorias se deter -
mina pelos gastos de produçã o?
Aprofundemos este ponto, ainda que tratando apenas
o caso do alfaiate. Recordemos que n ã o se trata de um capi -
talista que emprega trabalhadores para ganhar à custa do tra -
balho deles e que estamos perante um pequeno produtor, de

57
Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

um representante t í pico da economia mercantil simples que


vende a roupa que ele pr ó prio confecciona , para receber em
troca os artigos que precisa para o seu consumo.
Como é que o alfaiate determina os gastos de confec-
çã o de um fato completo?
Em primeiro lugar , tem que considerar o custo das ma -
té rias- primas, preço do pano e do forro, dos botões, das li -
nhas, etc. Terá de somar os gastos de aquecimento, luz e ma -
nuten çã o geral da oficina de trabalho. Evidentemente, estes
gastos n ão vã o entrar totalmente no preço de um fato, mas
apenas uma percentagem pequena ; se o alfaiate dedicou um
dia de trabalho a um fato, o preço deste só incluirá o aqueci -
mento e a luz de um dia . També m tem que incluir o desgaste
da m á quina de costura . Se a m á quina de costura custa $ 1.000
e só d á para costurar 1.000 fatos, é natural que o desgaste da
m á quina entre no preço do fato pelo valor de $ 1.12
Mas o pró prio alfaiate dedicou um dia inteiro de traba -
lho à confecçã o do fato. Tem de se considerar tal fato? Certa -
mente que sim . Caso contr á rio, para que trabalharia ? Ele n ã o
trabalhou para compensar os seus gastos, mas sim para rece-
ber uma remunera çã o pelo seu trabalho . Quando vende o fato
feito, procura , antes de mais nada , receber em troca do pro-
duto do seu trabalho os produtos do trabalho dos demais. As-
sim , o preço de um par de calças pode considerar-se da se-
guinte forma : pano, $ 160 ; forro, botões, fio, etc., $20; aqueci -
mento e luz , $ 10; desgaste da m á quina , $ 10, trabalho do al -
faiate , $60; total de $260.

12. Para maior simplicidade, não entremos em conta com os gastos de repa -
ra çã o da m á quina .

58
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

Será que o alfaiate vai vender as cal ças por $260 , ou


seja , pelo que cobre exatamente os seus gastos? Desde o in í -
cio tentará vend ê- las por mais, mas só poderá fazê- lo se a
procura for maior que a oferta . Suponhamos que assim era .
O alfaiate conseguirá vender as cal ças por $300 em vez de
$260. J á sabemos o que vai resultar daqui : a confecçã o de cal -
ças aumenta no mercado e o preço baixa até $260. Ent ã o a
confecçã o deste artigo será menos proveitosa e diminuirá . Em
consequ ê ncia , haverá novas subidas de preço, etc.
Em resumo: assistimos às variações dos preços em re-
laçã o às altera ções da oferta e da procura . Mas estas varia -
ções n ã o se afastam muito do n ível determinado pelos gastos
de produ çã o e pelo trabalho do alfaiate.
Parece que encontrá mos a causa que determina o n ível
dos preços, pondo de parte variações provocadas pela oferta
e pela procura . A contesta çã o parece evidente . Um par de cal -
ças custa trezentas vezes mais caro, por exemplo, que uma
libra de farinha , porque a sua confecçã o exige gastos (em di -
nheiro e em trabalho ) muito mais consider á veis.
Todavia esta resposta n ã o nos satisfaz . Analisemos a
noçã o de gastos de produ çã o. O preço do pano ($ 160 no nos-
so exemplo) ocupa um lugar muito importante.
Os gastos em bot ões, linhas, combust ível ( para o aque-
cimento e luz ) representam os preços destes produtos . Entã o,
o preço de uma peça de vestu á rio explica -se, na sua maior
parte, pelo preço dos produtos que entram na sua confecçã o.
Mas se os preços de certos produtos se explicam ( na maioria
dos casos) pelos preços dos outros produtos, n ã o estaremos
na mesma ? Comparar um preço com outro n ã o será determi -
nar um termo desconhecido por outro também desconhecido
e falar para n ã o dizer nada ? N ã o teremos voltado ao nosso
ponto de partida ?

59
Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

Observemos, no entanto, que o preço do par de cal ças


só se explica pelo preço das mercadorias compradas pelo al -
faiate , que seria $200 para os materiais, e os outros $60 re-
presentavam o valor do seu dia de trabalho.
Ent ã o, como se forma o preço do pano e dos demais
materiais? Primeiro o pano. Porque é que custa $160 ? Temos
uma resposta rá pida : porque foi necessá rio, para o confecci -
onar, por um lado, comprar mat é rias- primas (a l ã ) e, por ou -
tro, gastos para transformar a l ã em pano, certa quantidade
de trabalho. Admitamos que o preço da maté ria - prima é $100.
De que depende o preço da l ã ? Uma vez mais, do preço das
maté rias (digamos o preço da ovelha menos os ossos, a carne
e a pele ) e do trabalho ( tosquia ) . Mas o preço da ovelha reduz -
se, por sua vez, aos gastos de alimenta çã o e manuten çã o. De
modo que, finalmente , podemos reduzir todos os gastos ne-
cessá rios para a produ çã o de todos os materiais a gastos de
trabalho. Se continuamos o nosso racioc í nio, chegamos, ine-
vitavelmente , a um ú ltimo termo, no qual só vamos descobrir,
para alé m do trabalho de determinadas categorias de traba -
lhadores, materiais que existem na natureza e que , portanto,
n ã o podem ser considerados como participando nos gastos
de produ ção ( na medida em que n ão se reduzem a trabalho) .
E isto é verdade n ã o só para o pano como para todos
os demais elementos necessá rios ao alfaiate.
De maneira que , como os produtores consideram ape-
nas o fabrico de mercadorias e como sã o, por sua vez, os pro-
prietá rios e os comerciantes do que produzem , chegamos à
conclusã o que o n ível do preço de um produto, em torno do
qual se fazem sentir no mercado varia ções limitadas, é final -
mente determinado pelos gastos de trabalho.

60
Princípios de Economia Política I . Lapidus/ K. Ostrovityanov

5 . Balanço: o trabalho, base do valor . O valor , expres-


são das relações sociais.
Se fizermos agora o balan ço do que ficou dito, pode-
mos retirar as seguintes conclusões:
1 . Todos os produtos criados pelo trabalho social , num
regime baseado na troca , tomam a forma de mercadorias, isto
é, de produtos cujo destino não é o pró prio consumo, mas
sim a troca . Para que a mercadoria possa ser trocada no mer-
cado deve satisfazer certas necessidades ou , empregando a
linguagem da economia pol í tica , que tenha um valor de uso.
O produto que n ão tenha valor de uso n ã o será comprado por
ningu é m e n ã o chegará a ser mercadoria .
2. Qualquer mercadoria nas condi ções de um sistema
de troca mais ou menos desenvolvido é trocada no mercado
por uma determinada quantidade de outros produtos através
do dinheiro . Cada mercadoria adquire, portanto, um determi -
nado preço expresso em dinheiro. O preço da mercadoria de-
fine-se espontaneamente no processo de luta entre produto-
res individuais de mercadorias e entre compradores e vende-
dores. O movimento dos preços no mercado determina a ati -
vidade das empresas isoladas e estabelece um certo equil í brio
entre tal atividade e a necessidade dos homens.
3. O valor de uso de uma mercadoria , a sua utilidade,
depende de suas propriedades naturais, físicas, qu í micas, me -
câ nicas, e constitui condi çã o indispensá vel da venda , mas n ã o
pode , como vimos, explicar a essê ncia do preço, porque o pre -
ço estabelece-se no mercado em consequ ê ncia das relações
entre os membros da sociedade baseada na troca ; temos de
investigar os fatores que o determinam , n ã o nas propriedades
naturais da mercadoria , mas nas relações entre os homens.
4. Ao considerar as relações entre os homens, vemos
que o preço da mercadoria pode variar segundo a oferta e a

61
Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

procura . Mas a oferta e a procura n ã o explicam o n ível em


torno do qual oscilam os preços. Desde logo, este n ível ape-
nas pode explicar-se pelos gastos de trabalho necessá rios
para a cria ção de uma mercadoria . Chama -se valor trabalho
ou valor intr í nseco e é a razã o porque dizemos que o valor
trabalho é a base do preço de qualquer mercadoria .
O nosso raciocí nio levou - nos das propriedades natu -
rais da mercadoria , do mercado e da troca até ao trabalho dos
homens.
Todos devem entender que este trabalho humano é a
base de toda a vida social . Fazem falta objetos materiais para
satisfazer todas as necessidades dos homens, das mais subli -
mes às mais elementares. Estes objetos n ã o aparecem ca ídos
do cé u , é o homem que os produz à custa de um trabalho es-
forçado.
Mas o homem n ã o trabalha nem vive somente no mun -
do; vive e trabalha em sociedade. No processo de trabalho os
homens sã o dependentes uns dos outros; estabelecem -se en -
tre eles rela ções de produ çã o ( de trabalho) .
O trabalho de um indiv íduo ( ou de uma empresa ) a -
caba por ser deste modo uma parcela do trabalho social . E
estas relações tê m que assegurar uma tal reparti çã o das par -
tes do trabalho social que a sociedade inteira possa , em con -
junto, satisfazer suas necessidades. A economia baseada na
troca caracteriza -se precisamente , como vimos, por uma re-
partiçã o dos gastos de trabalho, que resulta da troca das mer -
cadorias entre as empresas individuais no mercado, em pro-
por ções definidas. A troca das mercadorias n ã o é mais que o
processo regulador das rela ções de trabalho entre os homens,
e, como vimos, de uma regulaçã o espontâ nea , que se efetua
pelo movimento dos preços abaixo do seu valor . Durante esta

62
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

regula ção espontâ nea n ão é habitual que o preço de um pro -


duto corresponda exatamente ao seu valor.
O equil í brio das relações de produ çã o neste tipo de
economia , realizado pela tal regula ção espont â nea , n ã o é de
modo nenhum est á vel nem definitivo, mas sim extraordinari -
amente instá vel e m óvel . A lei do valor n ão deixa , pois, de
cumprir a sua fun çã o reguladora .
A economia baseada na troca só precisa do valor regu -
lador espont â neo, porque é an á rquica e desorganizada .
Portanto, a raiz do valor afunda -se nas relações sociais
específicas, tais como as que se criam na economia que ana -
lisamos. Ao desaparecerem estas rela ções, as relações de pro-
du çã o dos homens entre si sã o submetidas a uma regula çã o
consciente, e a necessidade do valor desaparece .
Nesta perspectiva , o valor intr í nseco é bastante dife-
rente do valor de uso. A altera çã o das rela ções sociais n ã o
modifica o valor de uso . O a çú car fabricado em um regime
capitalista n ão perde nenhuma das suas propriedades em
consequ ê ncia da revolu çã o e do estabelecimento de um re-
gime socialista .

6. Trabalho concreto e trabalho abstrato


Na economia baseada na troca , as mercadorias tro -
cam -se , em geral e na maior parte, segundo o valor trabalho,
quer dizer , segundo a quantidade de trabalho necessá rio para
sua produ çã o.
Mas as mercadorias trocadas, longe de serem unifor-
mes, sã o muito diferentes: ningu é m troca sapatos iguais. Pois
bem , se se trocam sapatos por pano, deve comparar -se o va -
lor de trabalhos diferentes: o trabalho do sapateiro com o do
tecel ã o. Estes dois trabalhos sã o totalmente diferentes. O sa -

63
Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

pateiro usou tesouras, martelo, agulhas, etc.; o tecelã o traba -


lhou com o seu tear . As maté rias - primas, os movimentos,
tudo é diferente .
O trabalho de um e de outro revestiu formas diferentes,
porque estiveram ocupados a produzir artigos de valor de uso
diferente. Mas os sapatos e o pano, uma vez no mercado, tor -
nam -se equivalentes; o trabalho do sapateiro compara -se, is-
to é, assimila -se ao do tecel ã o. Compreende-se , pois, que as
diversas particularidades concretas das vá rias formas de tra -
balho tenham de ser eliminadas.
Os trabalhos dos diferentes of ícios, isto é, os trabalhos
dos produtores de diferentes valores de uso, só se podem
comparar entre si porque t ê m , do ponto de vista da economia
de troca , algo em comum ; todas as variedades de trabalho po-
dem reduzir-se a um trabalho geral , a um gasto de energia
humana , independentemente da forma que este gasto de e-
nergia tome em cada caso.
Tal regra é fá cil de compreender, se recordarmos o que
dissemos anteriormente acerca do grau mais ou menos van -
tajoso de tal ou tal ramo de trabalho.
Se doze horas de trabalho de um sapateiro valessem
menos, no mercado, do que doze horas de trabalho de um
padeiro, uma parte dos sapateiros deixaria o seu of ício. Os
jovens que se preparam para iniciar a aprendizagem de sapa -
teiros prefeririam entrar para as padarias. Torna -se evidente
que o sapateiro e o aprendiz n ã o se interessam pelo trabalho
concreto, nem pela produ çã o dos sapatos em particular, mas
sim pelo trabalho em geral , isto é , pelo trabalho produtor de
valor que lhes permite trocar com outros produtores de mer-
cadorias e receber destes as mercadorias de que necessitam
em condi ções vantajosas.

64
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

Tal igualdade das diferentes formas de trabalho só po-


de resultar da troca . Na sociedade pr é -capitalista , quando as
trocas estavam pouco desenvolvidas, as diversas ocupa ções
(formas de trabalho ) eram consideradas vergonhosas e incon -
ceb íveis. Mas hoje, o capitalista e o pequeno capitalista con -
sideram qualquer trabalho digno de respeito, se permite ao
homem "ganhar seu pã o honradamente". Tal aprecia çã o con -
sidera o trabalho sob a forma geral , independentemente dos
seus aspectos particulares, isto é, como criador de valor.
O trabalho considerado na economia de troca , sob o
ponto de vista do gasto de energia humana , chama -se abs-
trato, o trabalho considerado sob o ponto de vista da forma
como se gasta a energia chama -se concreto. O trabalho abs-
trato cria o valor, o trabalho concreto cria valor de uso.
É necessá rio observar que qualquer trabalho pode ser
considerado sob estes dois aspectos. Assim , o trabalho do al -
faiate é concreto e abstrato . Se n ã o fosse concreto, n ão pode-
ria produzir mercadorias com um determinado valor de uso.
Ora , o valor de uso é necessá rio para fazer do produto do tra -
balho uma mercadoria . Al é m disso, para a troca é necessá rio
que existam na sociedade vá rias formas concretas de traba -
lho, pois a troca só é possível entre valores de uso diferentes.
Mas logo que o fato feito pelo alfaiate é trocado por sapatos,
torna -se inevit á vel a comparaçã o dos seus respectivos valores
e o trabalho do alfaiate aparece ent ão como trabalho geral ,
sob a forma abstrata . Pode dizer -se o mesmo do trabalho do
escritor ou do pedagogo; tais formas de trabalho també m po-
dem ser tomadas sob o ponto de vista de trabalho abstrato,
criador de valor intr í nseco, ou , sob o ponto de vista de traba -
lho concreto, criador de valor de uso.
É necessá rio que nos compenetremos desta ideia , pois
é frequente que os que iniciam o estudo da economia pol í tica

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Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

pensem que só o trabalho que produz objetos materiais pode


ser considerado concreto, enquanto que o trabalho intelec-
tual seria trabalho abstrato.

7. Trabalho individual e trabalho socialmente necessá -


rio
Portanto, determina -se o valor de uma mercadoria pe-
lo trabalho abstrato. Mas se comparamos as diferentes for-
mas de trabalho, pondo de lado as particularidades concretas,
precisamos de uma unidade de medida que nos permita ava -
liar a quantidade de trabalho empregado na produ çã o de uma
determinada mercadoria . Esta unidade de medida é- nos for -
necida pelo tempo.
O produto de doze horas de trabalho do sapateiro tem
o mesmo valor que o produto de doze horas de trabalho do
padeiro.
Segundo parece , quanto mais tempo é necessá rio para
produzir uma mercadoria , mais valor adquire . Contudo, esta
conclusã o pode parecer extraordin á ria .
Se de fato se admite que o valor de uma mercadoria é
determinado pelo tempo dedicado à sua produ çã o, resulta en -
tã o que quanto mais pregui çoso e desajeitado é um oper á rio,
mais tempo leva a produzir a ( tal ) mercadoria e mais valor
cria .
Vejamos o que vale tal argumento. Uma tecedeira con -
fecciona um par de meias em seis horas, enquanto outra con -
fecciona o mesmo par em quatro horas, e uma terceira em
duas horas. Depende, por um lado, da m á quina e dos materi -
ais da trabalhadora e, por outro lado, da sua habilidade e da
intensidade do seu trabalho.
Com as meias prontas, as tecedeiras vã o vend ê-las no
mercado. Calculando a hora de trabalho a $4 , conseguirá uma

66
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

tecedeira vender as suas meias por $24 , enquanto a outra as


venderá por $ 16 e a terceira por $8? Pode ser que a primeira
tente obter pelas suas meias preço correspondente ao gasto
de tempo, ou seja , $24 . Mas se o conseguir, as outras que
produzem mais barato n ã o deixariam de pedir um preço tã o
vantajoso. Ent ã o a maior parte das tecedeiras venderiam suas
mercadorias por valor superior ao valor intr í nseco. A produ -
çã o de meias aumentaria , o equil í brio perdia -se e o preço das
meias acabaria por cair . Em consequ ê ncia disto, é evidente
que, nas condições de equil í brio social , a procura correspon -
de à oferta (e só neste caso é que a nossa hipó tese da venda
das meias pelo seu valor intr í nseco é correta ) , e o valor de um
par de meias no mercado tem de se estabelecer abaixo de $24.
Quererá isto dizer que as meias vã o ser vendidas pelo preço
correspondente ao menor gasto de trabalho, quer dizer, duas
horas ($8) ? N ã o, porque a procura corresponde à oferta , e n ã o
é poss ível satisfazer o mercado com as meias produzidas em
duas horas. O preço das meias será entã o superior a $8. Por -
tanto, o valor das meias n ã o se estabelecerá nem pelo traba -
lho da melhor tecedeira nem pelo trabalho da pior . De um
modo geral , o valor da mercadoria n ã o pode determinar-se
pelo trabalho individual , ou pelo de certas empresas, mas sim
pelo trabalho m édio, sob ponto de vista da sociedade em ge-
ral , necessá rio à produ ção de meias, trabalho m édio social -
mente necessá rio.
Este trabalho socialmente necessá rio para a produ çã o
das meias depende da quantidade das tecedeiras existentes
na sociedade, do rendimento do seu trabalho e da quantidade
de mercadorias que lan çam no mercado.
Admitamos que atualmente h á cento e dez tecedeiras
que vendem meias. Vinte delas vendem vinte pares cada uma ,
gastando duas horas para produzir um par . Trinta vendem dez

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Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

pares, nos quais gastaram quatro horas por par . As outras


sessenta vendem cinco pares cada uma , aos quais dedicaram
seis horas de trabalho por par . Como se determina , neste ca -
so, o tempo de trabalho socialmente necessá rio à produ çã o
de um par de meias? Para que todas as meias se vendam de -
vemos supor que a sociedade está em equil í brio, ou seja , a
oferta corresponde à procura : 20 tecedeiras oferecem 20 pa -
res de meias, em um total de 400 pares, 30 tecedeiras ofere-
cem 10 pares de meias, em um total de 300 pares, 60 tecedei -
ras oferecem 5 pares de meias, em um total de 300 pares; total
1.000 pares.
H á mil pares de meias no mercado. Descontemos o
tempo de trabalho que a sua produ çã o custou ao conjunto
das tecedeiras: 400 pares a 2 horas o par , isto é: 800 horas;
300 pares a 4 horas o par , isto é: 1.200 horas; 300 pares a 6
horas o par, isto é: 1.800 horas; total de 3.800 horas.
Portanto, a produ ção dos mil pares de meias necessá -
rias à sociedade exigiu três mil e oitocentas horas de trabalho,
o que d á , como termo m édio, por cada par 3.800: 1.000 = 3, 8
horas. Este tempo 3, 8 horas ( ou 3 horas e 48 minutos) , ser á o
tempo socialmente necessá rio para produzir um par de meias,
e o valor de um par de meias será $ 7, 60 escudos, se se paga
$2 por hora , e $ 15, 20 , se, como supusemos anteriormente,
cada hora de trabalho for paga a $4.
Determinar o tempo de trabalho socialmente necessá -
rio pelo termo m é dio aritm é tico entre o trabalho individual da
empresa que tem o maior rendimento e o da empresa que tem
o rendimento menor seria um erro: se tivéssemos somado
seis horas e duas horas e depois divid íssemos por dois, o
termo m édio dava - nos quatro horas. O valor social de um par
de meias determina -se pela m édia dos valores individuais ( de

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Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

gastos individuais de trabalho) de todos aqueles que produ -


zem meias na sociedade . Se as meias produzidas em seis ho-
ras fossem duas vezes mais numerosas, o tempo de trabalho
socialmente necessá rio teria sido maior . Neste caso é fá cil fa -
zer o cá lculo: t í nhamos no mercado mil e trezentos pares de
meias produzidas em cinco mil e seiscentas horas, e o traba -
lho socialmente necessá rio à produ çã o de um par tinha sido
5.600: 1.300, isto é, 4, 3 horas.
Portanto, o trabalho socialmente necessá rio determi -
na -se pela t écnica m édia na sociedade, pelos costumes m é-
dios e qualidades do trabalhador , e també m pelas condi ções
m édias de trabalho . 13
Mas a t écnica na sociedade, os h á bitos do trabalhador
e as condi ções do trabalho n ã o sã o normas fixas, invari á veis,
determinadas de uma vez por todas . A técnica , sabemos, evo-
lui , e as condi ções de trabalho do trabalhador , seus conheci -
mentos profissionais, seu grau de cultura , modificam -se . O
tempo de trabalho socialmente necessá rio para a produ çã o de
determinada mercadoria modifica -se com estes fatores.
A introdu ção de uma m á quina nova e o aumento do
rendimento do trabalho que provoca só pode influir no tempo
de trabalho socialmente necessá rio se tal inovaçã o é mais ou
menos divulgada . Se um produtor de mercadorias, seja uma
tecedeira , introduz na produ ção uma m á quina nova que au -
menta o rendimento do trabalho e diminui outro tanto o tra -
balho individual necessá rio à produ çã o de uma unidade de
mercadoria , ou se a tecedeira que utiliza a nova m á quina faz

13. A palavra " m édia " deve ser entendida no sentido em que a empregamos
at é agora , quer dizer, considerando a quantidade de mercadorias ian çadas no
mercado, em condi ções de equil í brio, por empresas que dispõem de diferen -
tes técnicas.

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Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

um par de meias em uma hora , enquanto for a ú nica a traba -


lhar com a nova m á quina , o tempo de trabalho socialmente
necessá rio quase n ã o sofrerá altera çã o, pois somente produ -
zirá uma pequena quantidade de meias em comparaçã o com
o conjunto da produ çã o desta ind ú stria , e o tempo que eco-
nomiza acaba por se perder na massa do tempo das demais
tecedeiras .
Como seu tempo individual é inferior ao tempo de tra -
balho socialmente necessá rio pelo qual vender á as meias, é
evidente que a introdu ção da nova m á quina lhe trar á grande
vantagem . Toda a diferen ça entre o tempo de trabalho social -
mente necessá rio e o tempo de trabalho individual irá para o
seu bolso . Esta é uma das razões por que em toda a economia
de troca ( a economia capitalista , inclusive ) os proprietá rios
individuais tentam introduzir na produ çã o novas m á quinas e
manter em segredo os progressos técnicos, para que seu em -
prego n ão se generalize. 14
Quando uma nova m á quina é utilizada por um n ú mero
bastante grande de produtores de mercadorias, o rendimento
do trabalho social ressente-se; o valor individual da mercado-
ria n ã o é o ú nico a baixar , o tempo socialmente necessá rio
diminui e o preço cai em consequ ê ncia da baixa do valor .
Compreende-se que qualquer produtor de mercado-
rias tente introduzir novas técnicas. Durante algum tempo re-
tirará disso algum lucro até ao momento em que o emprego

14. O melhor conhecimento das empresas que possuem a técnica mais evolu -
ída aplica -se de novo, pelo fato de o produtor das mercadorias gastando me-
nos trabalho que os seus competidores poder vender os produtos mais bara -
tos e triunfar na competi ção, ao mesmo tempo que consegue maiores lucros.
Mais adiante voltaremos a mencionar os progressos t écnicos.

70
Princípios de Economia Política I . Lapidus/ K. Ostrovityanov

destes progressos se generalize; ent ã o o produtor de merca -


dorias procurará outros progressos, que também se generali -
zarã o, e a mesma hist ó ria voltará a começar .
Na economia mercantil simples o desenvolvimento da
técnica n ã o é possível , já que qualquer inova çã o exige gastos
considerá veis, e o artesã o ( ou campon ês) n ã o dispõe dos re-
cursos naturais. Só depois da passagem ao modo de produ -
çã o capitalista é que o aumento de rendimento do trabalho
pode desenvolver-se e trazer a baixa dos preços .
No século XVI11 a fabrica çã o do aço a partir do mineral
de ferro15 com o processo do fogão demorava três semanas.
A introdu ção de um processo novo em fins do século XVIII
diminui este tempo para metade e, finalmente , o processo
Bessemer empregado a partir da metade do século XIX neces-
sita de quinze a vinte minutos para transformar o mineral em
a ço.
A produ çã o do alum í nio oferece- nos um exemplo ain -
da mais surpreendente . Como a sua extra ção era muito dif ícil ,
o alum í nio custou muito mais caro até meados do século XIX .
Custava oito a dez vezes mais caro que a prata . Atual -
mente é um dos metais mais correntes e mais baratos. A ele-
tricidade, ao permitir extra í- la , em grandes quantidades, da
argila onde se encontra , facilitou muito a sua produ çã o .

15. Chama -se mineral ao ferro que conté m certa quantidade de carbono que é
necessá rio destruir para que o mineral se transforme em a ço. No fogã o, o mi -
neral em fusão decantava -se vá rias vezes pelo contato com o oxigé nio do ar ,
até que a quantidade de carbono descia ao ponto desejado . Na oxigena ção, o
mineral é desfeito em um forno especial , o carbono queima -se na superf ície
da massa incandescente . No forno de Bessemer, o mineral incandescente en -
tra em contato com o ar n ã o apenas na superf ície , mas em toda a massa ,
atravessada por correntes de ar. O processo de combustã o do carbono ace -
lera -se e realiza uma economia de combust ível .

71
Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

É fá cil compreender que se o segredo do processo elé-


trico na extra çã o do alum í nio pertencesse a um capitalista ,
cuja produ çã o representasse uma pequena parte da produ çã o
total de alum í nio, o tempo socialmente necessá rio para esta
ind ústria quase n ã o variaria e o preço do metal n ã o teria di -
minu ído tanto .
Este exemplo demonstra bem a impossibilidade de ex -
plicar o preço pelo mecanismo da oferta e da procura . Se o
consumo do alum í nio aumentou oito mil vezes nos ú ltimos
30 anos, a causa da diminui ção do preço deste metal n ã o se
encontrará nas rela ções entre a oferta e a procura . Pelo con -
tr á rio, o aumento da procura é o resultado da diminui çã o do
preço, cuja causa primeira é a baixa de valor (diminui çã o do
tempo de trabalho socialmente necessá rio à produ çã o ) .

8. Trabalho simples e trabalho complexo


Ao tentar estabelecer o valor de mercadorias compa -
rando o tempo de trabalho gasto pelos homens que exercem
diferentes profissões, e reduzindo este tempo de trabalho ao
tempo socialmente necessá rio, deparamos com uma dificul -
dade: teremos direito a igualar a hora de trabalho do operá rio
n ã o especializado à do torneiro ou do escritor?
Se assim fosse , o n ú mero de torneiros iria diminuindo
e todas prefeririam o trabalho n ã o especializado. N ã o é dif ícil
perceber porqu ê. O oper á rio qualificado deve dedicar muito
tempo à aprendizagem do of ício de torneiro.
O aprendiz n ã o é o ú nico a gastar o seu tempo, o mes-
tre que o ensina gasta tempo també m . Valeria a pena gastar
tanto trabalho para depois ser remunerado como um oper á rio
n ã o especializado, que n ã o dedicou qualquer energia , qual -
quer recurso, a uma aprendizagem prévia ?

72
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

É evidente que se trabalhos tão diferentes fossem esti -


mados pelo mesmo valor , o equil í brio social romper -se -ia . Só
um n ú mero pequeno de trabalhadores estaria interessado em
aprender o of ício de torneiro . O n ú mero de torneiros diminui -
ria , o desenvolvimento do trabalho em metais pararia , o que
acarretava a suspensã o do desenvolvimento da ind ú stria me-
tal ú rgica . Al é m disso, outras ind ú strias ressentir -se -iam tam -
bé m , pois alfaiates n ão poderiam comprar mais m á quinas de
costura , camponeses n ã o teriam arados, debulhadoras, etc.
Portanto, o equil í brio só poderia ser restabelecido se o
valor do produto do trabalho n ã o qualificado se estabelecesse
abaixo do valor do produto do trabalho qualificado.
Daqui em diante é fá cil compreender como se compa -
ram estas duas formas de trabalho: trabalho simples e traba -
lho complexo . Tomemos como unidade uma hora de trabalho
simples, isto é , que n ã o exige prepara çã o. Suponhamos, ao
avaliar o trabalho do torneiro, que trabalhou como operá rio
qualificado dos 20 aos 45 anos, ou seja , durante 25 anos. Su -
ponhamos que tenha tido um per íodo de quatro anos de a -
prendizagem : durante estes quatro anos um velho oper á rio
dedicou um quarto do seu tempo à forma çã o e instru çã o do
aprendiz.
No total foram dedicados à aprendizagem cinco anos,
quatro do aluno e um do mestre. Logo, vinte e cinco anos de
trabalho do torneiro exigem cinco anos de prepara çã o, e a
cada ano de labor corresponde um quinto de um ano de a -
prendizagem . Compreende-se que o trabalho do torneiro cri -
ará um valor um quinto mais elevado que o valor do produto
do trabalho de um operá rio n ã o qualificado: a uma hora do

73
Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

seu trabalho complexo corresponde uma hora e doze minutos


de trabalho simples.16
Pois bem , se consideramos o trabalho mais qualifica -
do, que exige uma prepara çã o especial - o dos engenheiros,
por exemplo -, a compara çã o com o trabalho simples será
ainda mais complicada: haverá que ter em conta a necessi -
dade de incluir na avalia çã o do trabalho do engenheiro n ã o
só o trabalho empregado para a sua instru çã o, mas també m
o trabalho dedicado aos estudantes que n ã o puderam termi -
nar os seus estudos.
Se assim n ã o fosse , o equil í brio social romper-se -ia de
novo: como é impossível prever, no momento de admissã o às
escolas superiores, quais estudantes que vã o terminar os es-
tudos e chegar a ser bons engenheiros, "os alunos dedicar-
se-ão a uma profissã o na qual apenas a terça parte deles al -
can çará a meta , só se o aumento de valor dos produtos da
profissã o de que se trata compensa as perdas de trabalho ine-
vit á veis, em certa medida " .17

16. Recordemos que, por agora , estamos a tratar de uma economia mercantil
simples, na qual o operá rio sem qualificação e o torneiro oferecem no mer -
cado, eles próprios, o produto do seu trabalho. O valor do produto do traba -
lho do operá rio n ã o especializado e do torneiro n ão deve confundir -se com o
sal á rio que estas duas classes de trabalhadores recebem em um regime capi -
talista quando vendem , n ã o o produto do seu trabalho, mas sim a sua força
de trabalho . J á indicamos, e voltaremos a ele mais adiante , que o trabalho do
operá rio é uma coisa e o valor da sua força de trabalho (e o seu preço, o sal á -
rio ) é outra . O sal á rio do torneiro determina -se pela quantidade de produtos
necessá rios à manuten ção da sua força de trabalho, pelo n ú mero de torneiros
sem trabalho, pela procura de m ã o -de-obra , etc. O mesmo acontece com o
sal á rio do oper á rio sem qualificaçã o. As relações entre um e outro podem ser
muito diferentes das rela ções entre os valores dos produtos do seu trabalho .
17. ROUBINE, Ensaio sobre a teoria de Marx-, LIOUBIMOV, Curso de Econo-
mia Política (em russo) .

74
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

Seria um erro deduzir daqui que as obras de um pintor


cé lebre se pagam caro porque o seu valor compreende o tra -
balho de muitos pintores que n ã o chegaram a nada .
També m aconteceu que cada uma destas obras é ú nica
no seu estilo e n ã o pode ser repetida . Ora bem , o valor de uma
mercadoria ( produzida hoje ou h á um ano, n ão importa ) de-
termina -se pelo trabalho necessá rio para a criar, ou mais exa -
tamente, para a criar de novo nas condições atuais. O preço
das mercadorias que n ã o podem voltar a ser criadas, e cuja
produ ção n ã o se pode regular pela troca , n ão depende imedi -
atamente do valor .
Portanto, o trabalho do engenheiro é ainda mais com -
plexo do que o do torneiro; mas pode, de qualquer modo, ser
expresso em unidades de trabalho simples, tal como o traba -
lho do torneiro.
Esta redu çã o do trabalho complexo ao trabalho sim -
ples n ã o se faz antecipadamente nas oficinas das empresas
ou em outra parte qualquer. Isto aconteceria em um regime
socialista , mas na sociedade capitalista , e em geral na econo-
mia baseada na troca , a redu çã o de trabalho complexo a tra -
balho simples só se produz espontaneamente através da tro-
ca , por meio do valor.
É ao acaso e com rupturas constantes de equil í brio que
o valor do produto do trabalho qualificado se estabelece nes-
tas sociedades, e só assim se efetua a redu çã o do trabalho
complexo em trabalho simples.

75
Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

Capítulo II : A forma -valor e o dinheiro

9. A forma-valor, noção geral


Sabemos que o valor de cada mercadoria se determina
pela quantidade de trabalho simples socialmente indispensá -
vel à sua produ ção. Mas sabemos també m que n ã o basta ter -
lhe dedicado trabalho para que um produto tenha valor . Tam -
bé m é preciso que se encontre no mercado frente a outro pro-
duto e que este se transforme pela troca na encarna çã o ma -
terial das rela ções de trabalho dos homens entre si , sem o que
o produto do trabalho teria apenas um valor de uso e nenhum
valor intr í nseco. Se o campon ês vai ao mercado com o seu
centeio, este centeio só expressa o seu valor quando o cam -
pon ês o troca por determinada quantidade de outras merca -
dorias, por exemplo, fósforos. Al é m disso, se a outra merca -
doria pela qual se expressa o valor do centeio n ã o existisse , o
problema do valor do centeio n ã o se poria . Assim como o ho-
mem n ã o conheceria o seu pró prio aspecto se n ã o se encon -
trasse com outros homens, seus semelhantes, ou se n ã o se
visse ao espelho, do mesmo modo nenhuma mercadoria pode
determinar o seu valor se n ã o se encontra com outras merca -
dorias .
A economia de troca é feita de tal modo que o valor de
uma mercadoria que depende da quantidade de trabalho que
esta materializa n ã o pode expressar -se clara e diretamente
através da quantidade de horas e minutos que foram neces-
sá rios para a produzir .
O valor de uma mercadoria só pode expressar -se atra -
vés de uma determinada quantidade de outras mercadorias.
O campon ês que vai vender o seu centeio ao mercado
n ão pode saber antecipadamente quantos agricultores mais
ir ã o vender centeio e quanto trabalho individual gastaram na

76
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

sua produ çã o. Pois bem , a medida do trabalho socialmente


necessá rio depende da quantidade de mercadorias produzi -
das e destinadas à troca , e do trabalho individual de todos os
produtores.
Torna -se ainda mais dif ícil estabelecer o trabalho so-
cialmente necessá rio quando se trata de uma mercadoria que
é o produto do trabalho de vá rios trabalhadores e na qual ca -
da um participou na formaçã o do valor do produto. Recorde -
mos o exemplo do fato, cujo preço n ã o foi somente determi -
nado pelo trabalho do alfaiate, mas també m pelo do tecel ã o
que fez o pano, pelo do campon ês que criou as ovelhas, pelo
do metal ú rgico que fez a m á quina de costura e pelo de muitos
outros trabalhadores.
Finalmente, como j á referimos, a economia baseada na
troca é uma economia desorganizada que n ão tem nenhum
regulador das rela ções sociais de produ çã o e que n ã o se pre-
ocupa , portanto, em anotar os gastos de trabalho.
Somente depois do encontro do centeio com os fósfo-
ros, no mercado; somente depois de a concorrê ncia ter esta -
belecido, por exemplo, que uma libra de centeio pode trocar-
se por duas caixas de fósforos se pode dizer que o centeio
conheceu , por meio dos fósforos, como em um espelho, o seu
pró prio valor e que o trabalho socialmente necessá rio mate-
rializado em duas caixas de fósforos e em uma libra de centeio
é equivalente .
Esta expressã o do valor de uma mercadoria com a a -
juda de outra mercadoria chama -se forma -valor . A mercado-
ria que tentar expressar-se em outra mercadoria , a libra de
centeio do nosso exemplo, aparece sob a forma -valor relativa ,
a mercadoria que a reflete de algum modo, que lhe serve de
medida , constitui a chamada forma de equivalente . Esta for -

77
Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

ma de equivalente encontra -se, no nosso exemplo, represen -


tada pelas duas caixas de fósforos que equivalem a uma libra
de centeio. A expressã o do valor de uma mercadoria através
de outra pode representar-se por uma equa çã o: libra de cen -
teio = 2 caixas de fósforos.
As mercadorias que constituem os dois membros desta
equa çã o sã o dois valores de uso distintos, provindos de pro-
priedades f ísico- qu í micas totalmente diferentes, e que satis-
fazem diferentes necessidades. É a condi çã o necessá ria para
que o valor encontre realmente a sua expressão, a sua forma .
Se , de fato, pensássemos em determinar o valor do centeio
com a ajuda de outro centeio semelhante, o que obter íamos?
Uma libra de centeio vale uma libra de centeio. Esta expressã o
n ã o faria sentido e n ã o poderia , de modo algum , expressar o
valor do centeio.
Portanto, as formas relativa e de equivalente do valor
tê m de ser constitu ídas por valores de uso diferentes. Com -
preende-se que o trabalho concreto gasto para as produzir
deve ser diferente també m .
Mas se assim é , se o centeio e os fósforos sã o valores
de uso diferentes, para a produ çã o das quais se gastaram di -
ferentes formas de trabalho, entã o porque é que podemos co-
locar um sinal de equivalente entre eles? Porque , apesar das
maiores diferen ças, estas duas mercadorias t ê m em comum
uma certa quantidade de trabalho abstrato socialmente ne-
cessá rio. As duas mercadorias que d ã o origem à forma "valor "
sã o simultaneamente distintas e parecidas. Se n ã o fossem di -
ferentes, a cria ção da forma -valor també m seria impossível .
Mas sem uma semelhan ça entre elas, a cria çã o da forma -valor
també m n ã o seria possível , pois n ã o se podem comparar duas
coisas que nada tê m em comum . Podemos representar por li -

78
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

bras e quilos todas as farinhas, porque as farinhas e as medi -


das que expressam o seu peso físico tê m precisamente esta
propriedade em comum : o peso. Do mesmo modo, o valor da
farinha pode medir-se em caixas de fósforos, porque estas, tal
como a farinha , tê m um valor.
Existe, certamente, uma diferen ça fundamentalmente
entre o peso e valor: o peso é uma propriedade natural ine-
rente à farinha e aos fósforos, enquanto o que h á de comum
entre o centeio e os fósforos considerados como mercadorias
e que nos permite comparar os seus valores, j á o dissemos,
n ã o está neles mesmo, mas sim nas relações dos homens que
os produziram e os trocam . Se estas rela ções n ã o existissem ,
o pr ó prio valor desapareceria , com todas as formas que o ex -
pressam .
Notemos també m ( o que est á subentendido no que já
dissemos) que a rela çã o de quantidade pela qual uma merca -
doria se considera equivalente a outra n ã o é constante. Se,
por exemplo, o rendimento do trabalho social das fá bricas de
fósforos duplica , o valor de uma libra de centeio já n ã o será
de duas caixas, como anteriormente, mas sim de quatro. Se,
pelo contr á rio, a produ çã o do centeio exige menos de metade
do trabalho que exigia , o valor da libra de centeio seria equi-
valente a uma caixa de fósforos. Naturalmente, pode ocorrer
que ambas as mercadorias sofram a mesma modificaçã o de
valor; neste caso a forma -valor que exprime de alguma ma -
neira a rela çã o entre os valores manter -se-á sem altera çã o.

10. Desenvolvimento da forma-valor. As três formas-


valor
N ã o consider á mos até agora mais que uma forma -va -
lor , na qual cada mercadoria só pode exprimir o seu valor em
outra mercadoria : o centeio só encontrava valor equivalente

79
Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

em fósforos. Consideramos, é certo, uma libra de centeio co-


rn o a forma -valor relativa e as duas caixas de fósforos como
forma de equivalente, o que era bastante convencional e uni -
lateral . Se o possuidor de centeio só vê nos fósforos a forma
de equivalente , o “ espelho" em que o centeio deve reconhecer
o seu valor, o possuidor dos fósforos considera duas caixas
de fósforos como um valor relativo do qual a libra de centeio
será a forma de equivalente , isto é, a medida com que os fós-
foros definirã o o seu próprio valor . É naturalmente justo. Mas
n ão deixa de ser verdade que, neste caso, cada mercadoria se
opõe a uma ú nica mercadoria pela qual expressa o seu valor.
Karl Marx denomina esta forma -valor a forma -valor simples
ou acidental . Mas, na realidade , a expressã o do valor n ã o ter -
mina com ela .
O desenvolvimento das trocas faz com que uma mer-
cadoria se encontre n ã o apenas com uma , mas com grande
n ú mero delas . A libra de centeio que hoje se troca por duas
caixas de fósforos trocar -se-á amanh ã por 2/3 de libra de pe -
tr óleo ou por 1 / 10 de uma vara de tecidos. Quando uma mer -
cadoria se encontra com um grande n ú mero de outras, reco-
nhece o seu valor em diferentes "espelhos" e obtém -se toda
uma sé rie de formas-valor simples: a ) 1 libra de centeio = 1 /2
libra de papas; b ) 1 libra de centeio = 2/3 de libra de petr óleo;
c ) 1 libra de centeio = 1 /10 de vara de tecidos.
À medida que vai crescendo o n ú mero de mercadorias
com que se encontra a libra de centeio, e que lhe servem para
exprimir o seu valor , vai crescendo o n ú mero das formas-va -
lor simples. Mas uma vez que uma mercadoria expressa o seu
valor em muitas outras, pode-se expressá - lo assim :

= 1 /2 libra de batatas;
1 libra de centeio = 2/3 de libra de petróleo;

80
Princípios de Economia Política I . Lapidus/ K. Ostrovityanov

= 1 / 10 de libra de vara de tecidos.

Diferentes formas-valor simples levam - nos desta for-


ma a uma nova forma -valor chamada forma -valor total ou
desdobrada .
N ã o é dif ícil compreender que, apesar desta forma -va -
lor ser mais complexa que a primeira , isto é, apesar de uma
forma - valor relativa se expressar aqui em vá rias formas de e-
quivalentes, a sua essência é a mesma que na forma - valor
simples da qual nasceu ao desenvolver -se; també m aqui a
forma de equivalente tem de representar outro valor de uso;
do mesmo modo, aqui a equa çã o só é possível porque todas
as mercadorias que entram nela representam trabalho hu -
mano abstrato, trabalho socialmente necessá rio; aqui , final -
mente, o mais importante é que a expressão do valor de uma
mercadoria noutra n ã o é mais que a expressã o material de
certas rela ções de trabalho existentes entre os homens.
A diferen ça entre as formas-valor simples e total do va -
lor consiste em que a forma -valor total exprime de maneira
muito mais clara que a forma -valor simples a transforma çã o
de qualquer trabalho concreto em um trabalho abstrato, de
algum modo indiferente, criador de valor, o trabalho caracte-
r ístico da economia baseada na troca : o trabalho do campo-
n ês que semeou o centeio n ã o só se compara com o trabalho
do fabricante de fósforos ( ou do qu í mico ) , mas també m com
o trabalho de um n ú mero infinito de homens (o trabalho do
agricultor , do qu í mico, do jardineiro, do mineiro e de muitos
outros) que aparece no mercado como em um crisol ú nico.
Pode ver-se como o mercado associa e re ú ne todas as formas
particulares de trabalho em um trabalho social ú nico .
Mas a expressão do valor n ã o se limita a estas formas-
valor simples e totais. A forma -valor total ao desenvolver-se

81
Princ í pios de Economia Pol í tica I. Lapidus/K. Ostrovityanov

transforma -se em uma forma -valor mais elevada , a forma -va -


lor geral .
J á na forma -valor total ou desdobrada manifesta forte-
mente a tend ê ncia para reduzir todos os aspectos particulares
do trabalho social a uma unidade determinada . Mas ainda
n ão h á uma unidade completa . Cada mercadoria expressa o
seu valor em outras mercadorias distintas. Uma libra de cen -
teio corresponde a quantidades determinadas de fósforos, pa -
pas, petróleo, etc., mas o valor de qualquer outra mercadoria ,
por exemplo, o do leite, pode expressar-se por meio de outras
mercadorias diferentes. Assim , obté m -se uma sé rie de equa -
ções que expressam a forma -valor desdobrada .

= 1 /2 libra de papas;
1 libra de centeio = 3/4 de libras de petróleo;
= 2/4 de caixas de fósforos.

= 10 OVOS;
1 quarto de leite 18 = 2 libras de carne;
= 20 caixas de fósforos.

N ã o é dif ícil perceber porque é que estas equa ções n ã o


estã o completas: toda a mercadoria (o centeio por exemplo)
pode encontrar um n ú mero infinito de expressões do seu va -
lor, e as expressões do valor do centeio serã o diferentes das
do leite e das de outras mercadorias.
Se, por exemplo, o campon ês decidir trocar direta -
mente hoje o centeio por tecidos e amanh ã por fósforos, co-
mo poderia saber com a ajuda da forma -valor desdobrada

18. Trata -se aqui do quarto de vedro , medida russa que equivale a treze litros.

82
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

qual destas duas trocas lhe é mais vantajosa ? O valor estabe -


lece-se espontaneamente de maneira que a produ çã o diminui
quando as trocas sã o menos vantajosas e aumenta quando
sã o mais vantajosas. Como é que um campon ês poderia saber
se é mais vantajoso criar vacas e vender o leite ou semear
centeio, se ele expressasse o valor do leite em petróleo e o
valor do centeio em tecidos?
É evidente que o processo de " nivelaçã o" de todos os
aspectos do trabalho e da sua redu çã o a um ú nico trabalho
social abstrato, processo que vimos realizar-se na forma -va -
lor simples, e , mais ainda , na forma -valor desdobrada , deve
continuar, deve terminar na terceira forma -valor que nasce da
forma - valor desdobrada , que é a forma -valor geral .
Nesta terceira forma -valor todas as mercadorias en -
contram uma só expressã o do seu valor . O leite, o centeio e
muitas outras mercadorias expressarã o, por exemplo, o seu
valor em fósforos:

10 libras de centeio =
5 libras de papas =
2 liros de petróleo =
20 caixas de fósforos
1 d ú zia de ovos =
2 libras de carne =
3 litros de leite , etc. =

Esta nova forma -valor nasce da forma -valor desdo-


brada e inclusivamente pode crer -se , ao considerar esta equa -
çã o, que só difere na inversã o dos dois membros: escrevendo
"vintecaixas de fósforos" à esquerda do sinal de equival ê ncia
e tudo o resto à direita , obter -se-ia a forma -valor desdobrada .

83
Princ í pios de Economia Pol í tica I. Lapidus/K. Ostrovityanov

Mas n ã o se trata apenas disto. Na forma -valor desdo-


brada , uma mercadoria tinha um n ú mero infinito de "espe-
lhos", nos quais podia reconhecer o seu valor . A forma -valor
relativa era ú nica , as formas de equivalentes eram numerosas.
Cada equivalente determinava à sua maneira o valor de uma
mercadoria . Em troca , na forma - valor geral , o equivalente ge-
ral , o "espelho" de certo modo ú nico, no qual todas as mer -
cadorias se contemplam , é uma ú nica mercadoria , no novo
exemplo, fósforos. Na primeira forma ( forma - valor desdobra -
da ) cada mercadoria pode tomar infinitos aspectos, na se-
gunda forma ( forma -valor geral ) todas as mercadorias apare-
cem sob um ú nico aspecto, todas expressam o seu valor em
fósforos . A unidade de todas as partes divididas da economia
baseada na troca aparece aqui com mais força . Seja o que for
aquilo que produzes, seja nobre ou indigno o teu trabalho, a
partir do momento em que é socialmente necessá rio, o pro-
duto deste trabalho quando chega ao mercado exprime o seu
valor, como as demais mercadorias, em um ú nico equivalente
geral : deste modo perde a sua fisionomia própria , transforma -
se em um valor entre muitos outros e acaba por ser uma par -
cela do trabalho social ú nico .
A mercadoria que começa por servir de equivalente ge-
ral , de " medida comum de valor ", começa , parece, a desem -
penhar um papel muito particular . Vou ao mercado, quero sa -
ber quanto custa uma libra de centeio e informei - me de quan -
to valem duas caixas de fósforos; pergunto quanto custa o li -
tro de petróleo e respondem - me: quatro caixas de fósforos.
Os fósforos deixaram de me interessar como fósforos; servem
apenas para expressar o valor das demais mercadorias.

84
Princípios de Economia Política I . Lapidus/ K. Ostrovityanov

Mas devemos ter claro, depois do anterior , que os fós-


foros só podem ter o papel de equivalente geral porque cons-
tituem um valor que materializa certa quantidade de trabalho
socialmente necessá rio.
Portanto, apesar da diferen ça que existe entre as for -
mas-valor , o conte ú do essencial da forma -valor simples pode
comparar -se com as demais formas-valor , n ã o sendo a for -
ma -valor desdobrada e a forma -valor geral mais do que o de -
senvolvimento da forma - valor simples, como hav íamos dito.

11.0 dinheiro, o fetichismo do dinheiro e da mercado-


ria em geral
Ao falar de equivalente geral através do qual todas as
mercadorias determinam o seu valor, escolhemos como e-
xemplo os fósforos. Procedemos assim para demonstrar que
qualquer mercadoria que tem valor poderia servir de equiva -
lente geral .
Na realidade , na sociedade moderna , o papel de equi -
valente geral é desempenhado por uma mercadoria particular
que se chama dinheiro. A forma -valor geral da troca chama -
se, por esta razão, monetá ria . 19

19. Ao aludir à classificação de Karl Marx, alguns autores pensam ser neces-
sá rio distinguir quatro formas-valor: forma -valor simples, forma -valor desdo-
brada , forma - valor geral e forma - dinheiro. Mas, escreve Marx: " Na transi çã o
da forma I para a forma 11 , da forma II para a forma 111 , t ê m lugar transforma -
ções essenciais. Em contrapartida , a forma IV em nada se diferencia da forma
III , a n ã o ser pelo facto de agora , em vez do tecido de linho, ser o ouro a pos-
suir a forma de equivalente geral . Na forma IV, o ouro continua a ser o que o
tecido de linho era na forma 111 - equivalente geral . O progresso consiste ape -
nas no facto de a forma de trocabilidade geral imediata ou a forma de equiva -
lente geral se fundir agora , defmitivamente, por h á bito social , com a forma
natural espec ífica da mercadoria ouro" ( K. Marx, O Capital, Livro Primeiro, t .
I , p. 85, ed . "Avante!"- Edi ções Progresso, Lisboa - Moscou , 1990) . Evidente-
mente , n ã o temos razões para considerar a forma IV ( forma -dinheiro ) como
uma forma especificamente diferente da forma III ( forma -valor geral ) .

85
Princípios de Economia Polí tica I. Lapidus/K. Ostrovityanov

Atualmente20 o ouro é a principal mercadoria monetá-


ria. Mas nem sempre foi assim.
Na Antiguidade, como as trocas não estavam t ão de -
senvolvidas como hoje em dia e como tinham um car ácter lo-
cal, o papel do dinheiro era desempenhado por outras merca -
dorias de uso corrente. Em uma determinada região nos paí -
ses onde a caç a era uma atividade importante, a pele dos ani -
mais era um meio de troca; nos povos pastores era o gado
que servia para a troca, etc.
Entre certos indí genas de Á frica, conta-nos R. Andr é
(que citamos segundo Trachtenberg: O Papel Moeda, edição
russa) , os prisioneiros roubados às tribos inimigas serviam de
medida de valor. " Um adolescente ou uma jovem bonita cons-
tituem a moeda mais valiosa."21
Pouco a pouco metais preciosos destacam-se das res-
tantes mercadorias correntes e o ouro passa a ocupar o pri -
meiro lugar. Estes metais começ am a desempenhar um papel
de equivalente geral, primeiro sob a forma de lingotes de di-
versas formas e depois sob a forma de bocados de metal de
forma e peso determinados.22 As verdadeiras moedas apare-
cem muito mais tarde.
Não é difícil perceber o que permite ao ouro e aos ou-
tros metais preciosos eliminar as outras mercadorias que ser -
viam de moeda.
Em primeiro lugar, estes metais preciosos t êm a van -
tagem de não se oxidar com o tempo, e além disso gastam - se

20. Refere -se à época do "padrão - ouro ". (N. do E.)


21. Recordemos que na época do comunismo de guerra, na URSS., a pertur -
bação da circulação monetária conduziu a que certas mercadorias, tais como
o tabaco, o sal, a farinha, desempenhassem papel de equivalente geral.
22. A etimologia da palavra russa rublo é, neste aspecto, muita curiosa: rublo
vem de ob. roubok, que literalmente significa pedaço cortado.

86
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

lentamente, enquanto que uma moeda - mercadoria , como o


gado, por exemplo, n ã o só pode perder -se (o gado pode ado-
ecer e morrer ) , mas també m exige cuidados especiais. Em se-
gundo lugar , o ouro pode ser facilmente dividido: se tem ouro,
podem comprar-se mercadorias cujos valores sejam diferen -
tes; enquanto que , se tem uma pele valiosa ou uma vaca , só
podem comprar -se mercadorias cujo valor seja ao menos i -
gual à unidade de mercadoria que serve de moeda ou vá rias
vezes maior, j á que uma pele cortada aos bocados perdia o
seu valor , bem como n ão faz sentido dividir a vaca .
Al é m disso, as moedas de ouro são cô modas, dada a
sua pequena dimensã o ( quer dizer, uma pequena moeda ma -
terializa uma quantidade grande de trabalho socialmente ne-
cessá rio) . Podem ser transportadas facilmente, ser guardadas,
etc . Enfim , tê m a vantagem de ser facilmente reconhecidas, o
que juntamente com as restantes propriedades contribuiu pa -
ra fazer do ouro a maté ria principal da moeda .
O fato de o ouro ter propriedades f ísico- qu í micas, de-
finidas, e, particularmente , a da n ã o oxida çã o em condi ções
ordin á rias, ou o facto de ser fá cil de dividir , n ã o pode, no en -
tanto, explicar porque é que o ouro chegou a equivalente ge-
ral de todas as mercadorias. As propriedades f ísico- qu í micas
de uma mercadoria só definem , já sabemos, o seu valor de
uso, caracter ística que deve possuir qualquer produto trans-
formado em mercadoria .
A moeda de ouro só pode servir de medida de valor de
outras mercadorias porque ela mesma é , como os fósforos de
que fal á mos, uma mercadoria com um valor determinado e
que materializa certa quantidade de trabalho socialmente ne-
cessá rio. O ouro só pode desempenhar seu papel na socieda -
de moderna porque toda a organiza çã o desta sociedade nos

87
Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

leva a uma domina çã o espontâ nea das leis do valor e porque


a moeda n ã o é mais do que a expressã o geral do valor.
Algumas almas sens íveis queixam -se, por vezes, da im -
portâ ncia dominante que o ouro ocupa na sociedade moderna
e d á - lhes prazer declarar o seu ódio ao "vil metal "; começam
a ver o v ício fundamental da sociedade capitalista no ouro.
Um "sá bio" legislador grego tentou , em outra é poca , proibir a
moeda de ouro, com o propósito de pô r fim às lutas e aos
ódios que nascem do espí rito de lucro.
Mas é evidente que a culpa n ã o cabe aos pequenos ci -
lindros de metal amarelo e brilhante . A moeda n ão faz mais
que traduzir as rela ções que imperam na sociedade capitalista
e, de modo geral , na , economia desorganizada baseada na
troca . O dinheiro n ã o tem em si mesmo qualquer poder m á -
gico e secreto . A forma -dinheiro do valor n ã o difere muito das
demais formas-valor donde nasce ao desenvolver -se . O poder
do dinheiro n ã o é mais que a manifestaçã o geral do poder das
coisas sobre os homens, poder que caracteriza a economia
desorganizada baseada na troca .
Este poder das coisas sobre os homens na economia
desorganizada descobriu -o Karl Marx e chamou -o de feti -
chismo da mercadoria . Da mesma maneira que o primitivo a -
dorava um feiti ço, um objeto que constru í ra com suas m ã os,
o homem que vive em uma economia desorganizada depende
das coisas que fez .
Certamente, basta instruir um selvagem , transform á -
lo em um homem culto, para que o fetichismo desapareça ,
como se uma venda ca ísse dos olhos do fetichista . O fetichis-
mo da mercadoria é muito diferente; compreender que as coi -
sas exprimem rela ções sociais, que todo o mal está nas rela -
ções entre homens que as engendraram , é um grande passo.
Mas n ão termina aqui o problema . Para acabar para sempre

88
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

com o fetichismo da mercadoria , h á que destruir as coisas


com que nasceu . É in ú til proibir o dinheiro como fizeram os
sá bios da Grécia Antiga . Voltará sempre a aparecer , apesar de
todas as proibi ções, desde que subsistam as empresas priva -
das ( que constituem propriedades privadas ) , que tê m a obri -
gaçã o de pô r-se em contato umas com as outras através do
mercado. Mas quando a sociedade estiver reorganizada sobre
bases que excluam a propriedade privada e a necessidade do
mercado, o poder que exercem sobre os homens estes peque-
nos discos de metal amarelo e brilhante desaparecerá . Ent ã o,
os homens n ã o serão governados pelas coisas; mas antes se-
rã o os homens que governarã o as coisas racionalmente, se -
gundo um plano de conjunto.
O "fetichismo do dinheiro" é uma das piores formas de
fetichismo da mercadoria . Os usurá rios descritos por vá rios
escritores n ã o sã o os ú nicos que param estupefatos diante do
dinheiro e sua omnipotê ncia e que procuram a causa do fe-
n ô meno onde ela n ã o se encontra . Eminentes economistas
atuam do mesmo modo. Por isso podemos dizer que é grande
ê xito compreender como as coisas traduzem , em uma socie-
dade desorganizada , as rela ções sociais. Mas um passo maior
ainda é compreender tais relações e transform á -las para che-
gar a arrancar a raiz do fetichismo da mercadoria .

12. O dinheiro, medida de valor e medida dos preços


Vimos que a forma - dinheiro do valor, uma variedade
da forma -valor geral , n ã o é mais que a forma - valor mais de-
senvolvida e mais complexa ; vimos que expressa com mais
for ça as propriedades que a forma - valor simples tem desde o
estado embrion á rio .
Cada mercadoria pode expressar seu valor em dinheiro
apenas porque o pró prio dinheiro tem um valor. A quantidade

89
Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

de dinheiro que receberei ao vender a minha mercadoria , isto


é, o preço que me pagarã o depende, simultaneamente, do tra -
balho materializado na minha mercadoria e do trabalho ma -
terializado no dinheiro. Se uma libra de centeio representa o
produto de vinte minutos de trabalho socialmente necessá rio
e se cada centavo de ouro representa dois minutos do mesmo
tempo, o preço da libra de centeio será dez centavos. Se, em
consequ ê ncia do aperfei çoamento da maquinaria agr ícola , se
pode obter uma libra de centeio em dez minutos, o seu preço
alterar-se-á e será apenas cinco centavos. De outro lado, tam -
bé m o preço do centeio pode alterar -se sem que o trabalho
socialmente necessá rio para sua produ çã o se tenha alterado;
isto acontecerá se o trabalho necessá rio para a extra çã o do
ouro se modificar . Mas n ã o é dif ícil compreender que se a ex -
tração do ouro se tornar mais fá cil , o preço do centeio subirá
em vez de diminuir, pois que cada centavo de ouro materiali -
zará uma parte menor de trabalho socialmente necessá rio.
O progresso da técnica de extra ção do ouro deveria ,
portanto, provocar uma alta relativa dos preços. Mas na rea -
lidade falta muito para que esta alta seja importante, pois a
produ çã o anual de ouro n ã o se compara com as existê ncias.
O trabalho socialmente necessá rio determina -se pela soma
de trabalho indispensá vel à reprodu çã o de todas as mercado-
rias determinadas que existem no mercado; de qualquer mo-
do, a maquinaria das minas de ouro só muito lentamente pro-
gride . No entanto, n ã o pode dizer-se que a influ ê ncia do valor
(e do preço ) do ouro sobre os preços é totalmente nula : a " re-
volu çã o dos preços ” do século XVI teve por causa principal o
aumento da produ çã o de ouro depois da descoberta da Am é-
rica . Daqui em diante a produ çã o de ouro exigiu menos gastos
de trabalho, o que ocasionou uma baixa do valor do valioso

90
Princípios de Economia Política I . Lapidus/ K. Ostrovityanov

metal . E a diminui çã o do seu valor teve por consequ ê ncia uma


alta de preços.
Naturalmente , també m pode acontecer que o preço de
uma mercadoria seja alterado por estas duas causas ao mes-
mo tempo: pela modificaçã o do valor do dinheiro e pela mo -
difica çã o do valor da pró pria mercadoria , cujo preço aumen -
tará ou baixar á , conforme o caso, em virtude da rela çã o des-
tas duas causas. Qualquer que seja a quantidade definida de
determinada mercadoria , encontra sempre, em um dado mo-
mento e a um n ível preciso da t écnica social , a sua expressã o
de valor numa determinada quantidade de dinheiro. Esta ex -
pressã o monetá ria do valor chama -se preço da mercadoria . A
quantidade de unidades monetá rias que expressam este preço
depende naturalmente da unidade de medida . O preço de uma
mesma mercadoria variará aparentemente conforme for ex-
presso em on ças de ouro ou em gramas, em escudos-ouro,
em rublos-ouro ou em d ólares-ouro . Mas é evidente que a
massa de ouro que corresponde à mercadoria ser á a mesma ,
quer se conte em on ças, escudos ou rublos; somente mudará
a quantidade de unidades que expressam o preço .
As unidades monet á rias que expressam os preços das
mercadorias variam nos diferentes pa íses. Antes da introdu -
çã o das moedas, os preços representavam -se por unidades de
peso. Depois da introduçã o do sistema monet á rio, diferentes
moedas, diferentes unidades monetá rias, se estabeleceram
nos diversos pa íses, em rela ção com um sem n ú mero de cir -
cunstâ ncias histó ricas. Em Inglaterra , a libra esterlina é a uni -
dade monet á ria porque se representava o valor de uma libra
de prata . Desde a Revolu ção Francesa , o franco cont é m 0, 9g
de prata pura e é a unidade monetá ria de Fran ça . O rublo-
ouro, que conté m aproximadamente 0, 775g de ouro, é a uni -
dade monetá ria da URSS.

91
Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

O dinheiro, equivalente geral e medida do valor de to-


das as mercadorias, representado por unidades de uma di -
mensã o ou de um peso definido, cumpre, segundo a expres-
sã o de Marx, o papel de padrã o dos preços.
A modifica çã o do valor do ouro, como vimos no nosso
exemplo, n ã o impede que cumpra , como no passado, o papel
de padrã o dos preços. Se o valor do ouro contido em um rublo
baixa para metade , o rublo continua a valer dez vezes menos
que o tchervonetz ouro.23
É evidente que o ouro pode mudar de valor , sem que a
sua fun çã o como padrão dos preços em nada se altere . Quais-
quer que sejam as altera ções de valor do ouro, as quantidades
determinadas de ouro manterã o sempre entre si a mesma re-
la çã o de valor . O valor do ouro poderá baixar 1000%, mas
doze on ças de ouro continuarã o a valer doze vezes mais que
uma on ça . Pois bem , nos preços apenas se trata da rela çã o
rec í proca de diferentes quantidades de ouro . Por outro lado,
qualquer que seja a alta ou a baixa do seu valor , uma on ça de
ouro conserva o mesmo peso; logo, o peso das suas partes
proporcionais n ã o se altera e o ouro, como medida fixa dos
preços, continua a prestar o mesmo servi ço, qualquer que se -
ja a altera çã o de valor sofrida ( K. Marx , O Capital) .
Apesar de os vá rios pa íses terem unidades monetá rias
diferentes, n ão é dif ícil traduzir os preços em moeda de um
pa ís para a moeda de outro . Basta considerar a quantidade de
ouro contido em cada moeda . Isto é o que constitui o curso
da moeda de ouro . Na opera çã o de troca da moeda de um pa ís
pela de outro, é necessá rio ter-se em conta , para al é m do peso
das moedas, as despesas de envio das moedas de um pa ís a

23. O rublo é a unidade monetária da URSS e o tchervonetz é uma unidade


superior equivalente a dez rublos .

92
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

outro, ou os gastos de refundi çã o do metal (se a refundiçã o é


menos dispendiosa que o transporte das moedas at é ao seu
pais de origem ) .

13. O dinheiro, meio de circulação


Até agora conhecemos apenas uma fun çã o essencial
do dinheiro, que é a de servir de equivalente geral , de medida
comum para a expressão dos valores das mercadorias .24
Na sociedade moderna n ã o se expressa o valor de uma
mercadoria em unidades de tempo socialmente necessá rio,
em horas e minutos, mas sim em dinheiro. Esta determina çã o
do valor ocorre antes que a mercadoria tenha sido trocada
por dinheiro real ; posso dizer que dez quilos de centeio valem
um tanto dinheiro. Certamente que se estas moedas e os seus
valores n ã o existissem , esta medida do valor das mercadorias
com a ajuda do dinheiro, por " ideal ” que fosse, seria impos-
sível e inclusivamente seria t ã o absurdo pensar nela como pe-
dir a um homem que represente em metros o comprimento de
uma peça , sem existirem na realidade metros de um compri-
mento determinado.
Mas o dinheiro serve apenas de medida de valor (e de
padr ã o de preços) ?
N ã o. Na economia mercantil o dinheiro serve n ã o so-
mente para expressar o valor das mercadorias, mas també m ,
na qualidade de intermedi á rio, para realizar as trocas.
Em uma sociedade em que a troca atinge um alto grau
de desenvolvimento, é pouco corrente que o possuidor de
mercadorias troque diretamente a mercadoria que produziu
(ou de modo geral , que vende ) pela mercadoria que precisa

24. Dinheiro, padrão do preço, só desempenha uma função particular na qua -


lidade de medida do valor .

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Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

para seu pró prio consumo. Se n ão existisse o dinheiro, o cam -


pon ês produtor e vendedor do centeio ou do leite e que quer
obter petr óleo teria de enfrentar grandes dificuldades. Poderia
acontecer que o comerciante de petróleo n ão precisasse nem
de pã o nem de leite, mas queria antes pano. Seria , pois, ne-
cessá rio que o campon ês que precisa de petróleo encontrasse
no mercado um comerciante de pano que precisasse e com -
prasse o leite , podendo depois receber do comerciante de pe-
tr óleo, em troca do que adquirisse , o petróleo de que preci -
sava . Se o comerciante de pano n ão precisasse nem de pã o
nem de leite e quisesse outra mercadoria qualquer , a troca
seria ainda mais complicada . Antes de obter o petróleo o cam -
pon ês precisava de uma sé rie de intermediá rios .
Hoje em dia ainda se encontra este sistema nos povos
primitivos, entre os quais as trocas estã o muito pouco desen -
volvidas. Um viajante relata , nestes termos, como teve de pro-
ceder em África para alugar uma canoa : Era divertido ver- me
pagar o aluguel da canoa . .. O agente de Sand queria que lhe
pagasse em marfim , que eu n ã o tinha . Soube que Mohamed -
Ibn -Salib tinha um dente de elefante e estava disposto a tro-
cá - lo por pano, o que n ã o simplificou a questã o, uma vez que
eu n ã o tinha pano . Finalmente, soube que Mohamed - lbn - Ma -
rib tinha pano e estava disposta a trocá - lo por arame . Por sor -
te eu tinha arame . Dei a Mahamed - Ibn - Marib a quantidade
desejada , que, por sua vez, entregou a Mohamed - lbn -Salib
uma quantidade correspondente de pano; Ibn -Salib, por sua
vez, entregou ao agente de Sand o dente de marfim . Só depois
desta opera çã o pude dispor da canoa . 25

25 . TRACHTENBERG , O Papel Moeda ( <zm russo ) , Livraria do Estado, Moscou,


1925 .

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Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

Chamemos Ml à mercadoria que o nosso viajante pos-


su ía (o arame ) e M2 à de que necessitava (a canoa ) . O viajante
queria efectuar a seguinte troca : Ml —
M2.
N ã o conseguiu realizá - la diretamente e só chegou ao
seu objectivo por diversos intermediá rios, ou seja : Ml ( arame )
— M3 ( pano ) — M 4 ( marfim ) — M2 ( canoa ) .
Os valores de uso do pano e do marfim interessavam ,
em si mesmos, ao nosso viajante? De modo algum . Entã o por-
que os adquiriu ? Para finalmente obter através deles a merca -
doria que precisava para seu uso pessoal , ou seja , a canoa .
Em uma economia de troca desenvolvida h á só um in -
termedi á rio, o dinheiro, em vez de numerosas mercadorias
intermedi á rias que mudam segundo as circunstâ ncias e cujo
n ú mero em certos casos pode ser muito elevado.
O campon ês que vende trigo j á n ã o precisa de procurar
um comerciante de petróleo que queira o trigo. Pode vender
o seu trigo a qualquer comprador que tenha dinheiro. Logo,
com o seu dinheiro poderá comprar petróleo; e o comerciante
de petróleo poder á , por sua vez, comprar com o dinheiro ob -
tido aquilo de que necessita .
A circula çã o das mercadorias em que o campon ês par-
ticipou apresenta -se sob a forma seguinte: Ml ( trigo ) — ( di -
nheiro) — M2 ( petróleo ) .
^
Aqui o dinheiro serve de intermedi á rio entre duas mer-
cadorias. Uma vez mais o dinheiro revela o seu papel relacio -
nador, aproxima uma mercadoria de outra , que , sem ele, n ã o
poderiam encontrar -se ou só muito dificilmente .
Esta é a segunda fun çã o do dinheiro, intermedi á rio ge-
ral na troca de mercadorias ou , seguindo os termos de Marx,
meio de circula çã o das mercadorias.

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Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

Ao desempenhar tal fun çã o, o dinheiro manifesta par-


ticularidades not á veis sobre as quais só nos deteremos bre-
vemente , mas voltaremos a elas ao referirmos o papel - moeda .
Primeiro, parece que o dinheiro dura mais tempo que
as demais mercadorias no processo de circula çã o . Qualquer
mercadoria , uma vez comprada , serve para satisfazer as nos-
sas necessidades. Comemos o pã o. Usamos a roupa . Mas su -
ponhamos que "vendi " pão e que "comprei " dinheiro, o que
acontece depois a este dinheiro? Parece que també m se "gas-
ta ". Mas que significa "gastar " dinheiro (enquanto dinheiro e
n ão enquanto metal ) ? Quer dizer: usá - lo para comprar diga -
mos petróleo . Que acontece ao dinheiro nesta opera çã o? N ã o
se come nem se perde, só passa a outras m ã os, às m ã os do
comerciante de petróleo. E este comerciante , por sua vez,
" gast á - lo-á " a comprar, suponhamos, pano. O mesmo di -
nheiro servirá de intermedi á rio em uma nova troca de merca -
dorias: M2 ( petróleo) —
D ( dinheiro ) — M3 ( pano) .
O dinheiro passará às m ã os do possuidor de pano para
figurar em um novo ciclo de trocas. Assim , o dinheiro, meio
de circulaçã o, passa de m ão em m ã o e pode inclusivamente,
no mesmo dia , servir para vá rias trocas, ou seja , participar
vá rias vezes no processo M D— M. —
N ã o é dif ícil calcular qual deve ser a quantidade de di -
nheiro necessá ria para assegurar , em um dado momento, a
circulação das mercadorias.
Suponhamos que h á no mercado mercadorias por dois
mil escudos. Significará isto que para assegurar a sua circu -
la çã o normal sã o precisos dois mil escudos em dinheiro? N ã o.
Pois cada escudo poderá servir vá rias vezes em um dia e con -
tribuir para trocas de mercadorias que custam mais de um es-
cudo. O campon ês que vendeu o trigo por um escudo, por e-
xemplo, comprará imediatamente um escudo de petróleo. O

96
Princípios de Economia Política I. Lapidus/K. Ostrovityanov

comerciante de petr óleo poderá ent ão comprar pano e o co-


merciante de pano, lã. Suponhamos que a circulação deste
escudo, neste dia, para por aqui. Onde chegamos? O mesmo
escudo, no mesmo dia, serviu para a troca destas diferentes
mercadorias:

Pão por 1 escudo


Petróleo por 1 escudo
Pano por 1 escudo
Lã por 1 escudo
Em resumo, mercadorias por 4 escudos

O escudo passou quatro vezes de uma mã o a outra.


Quanto mais r ápida é a circulação do dinheiro, mais merca-
dorias põe em circulação. Mas nem todos os escudos circu-
lam no mercado com a mesma rapidez. No entanto, pode- se
calcular a velocidade média de circulação dos escudos (ou de
outra qualquer unidade monetária) no mercado, e ent ão é fá -
cil concluir que a soma de dinheiro necessária para a circula -
ção deve ser igual à soma de todas as mercadorias em circu-
lação dividida pela velocidade média da circulação da unidade
monet ária. Se cada escudo serve, em média, para cinco ope-
rações diárias, não ser ão necessários, no nosso exemplo, dois
mil escudos de dinheiro para dois mil escudos de mercado-
rias, mas sim 2.000:5, ou seja, quatrocentos escudos.
Mais tarde teremos que completar esta exposição, que
por agora nos basta.

14. Outras funções do dinheiro


Mas ser á que o dinheiro est á sempre em circulação ?
Ter á somente o papel de eterno viajante? Não é exatamente
desta forma.

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Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

Vimos que a quantidade de dinheiro necessá ria para a


circula çã o se determina pelo valor das mercadorias e pela ve-
locidade da circula çã o monet á ria . Mas a quantidade de mer-
cadorias que existe no mercado n ã o é uma quantidade cons-
tante . Se tal quantidade diminui , as trocas aceleram -se , e uma
parte do dinheiro chegará a ser supé rflua . Que acontecer á a
este dinheiro? Certa quantidade de moedas pode fundir-se e
servir de metal para a confecçã o de joias, abotoaduras de ou -
ro, etc. , mas uma parte das moedas pode esconder -se nas cai -
xas fortes, nos ba ús, debaixo do colch ã o, etc. Enquanto o di -
nheiro permanece escondido, deixa de ser meio de circulaçã o
e transforma -se em tesouro . Aquele que esconde o dinheiro e
o transforma em tesouro interrompe o processo MI D— M2, —

na fase MI D. O valor do tesouro, o trabalho que materia -
liza , parece adormecido, pronto a despertar em qualquer mo-
mento e voltar a desempenhar o seu papel na regula çã o das
rela ções sociais do sistema baseado na troca . També m pode
produzir-se a transformaçã o do dinheiro em tesouro sem que
este seja supé rfluo na circula çã o. O cará cter de uma merca -
doria ou as condi ções do mercado podem requerer uma in -
terrupçã o momentâ nea do processo M D M .
O campon ês que quer comprar uma debulhadora jun -
— —
ta , pouco a pouco, o dinheiro que obté m da venda dos produ -
tos agr ícolas para reunir a soma necessá ria . Às vezes torna -
se vantajoso n ã o comprar uma mercadoria imediatamente a
seguir a ter vendido a sua , mas sim esperar algum tempo.
Finalmente , as condi ções da circula çã o das mercado-
rias podem apresentar-se de tal modo que o comprador re-
ceba a mercadoria antes de a pagar com dinheiro. Sã o os ca -
sos da venda a crédito, nos quais n ã o podemos deter - nos lon -
gamente por agora , j á que voltaremos a tratá - los mais tarde.
Limitemo- nos a indicar que pode haver crédito, por exemplo,

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Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

quando o campon ês compra mercadorias a um comerciante,


no Ver ã o, com a inten çã o de as pagar depois da venda da co-
lheita . O processo da circula çã o da mercadoria apresenta -se
ent ão com a seguinte "deforma çã o": 1 ) M { o campon ês com -

pra no Verã o tecidos a crédito ); 2 ) M I D (o campon ês vende
o seu trigo no Outono) ; 3) D (o campon ês paga a sua d ívida
ao comerciante) .
O processo habitual tem apenas duas fases: 1 ) M D, —
2 ) D— M2.
Quando, no Outono, o campon ês paga ao comerci -
ante, é evidente que o dinheiro j á n ã o é um meio de circula -
çã o, posto que mercadorias circularam antes do pagamento.
O pagamento parece fechar a brecha formada no processo
——
MI D M2 pela compra a crédito. Neste caso diz -se que o
dinheiro n ão cumpre já a fun çã o de meio de circula çã o, mas
sim de meio de pagamento.
Portanto, constatamos que o dinheiro desempenha na
economia de troca as fun ções: medida do valor , meio de cir -
cula çã o, meio de acumulação de tesouro e, finalmente, meio
de pagamento. Sem dinheiro a existê ncia da economia de
troca e a sua regula çã o espontâ nea pela lei do valor tornar-
se- ia muito dif ícil . Começamos por estudar o preço e, ao ten -
tar explicá - lo, chegamos à lei do valor , base do preço. Agora
damo- nos conta que o preço de uma mercadoria n ã o é mais
que o seu valor expresso em dinheiro. Neste ponto referimo-
nos ao preço, e sempre supusemos que o preço correspondia
ao valor. Esta suposi çã o só corresponde à realidade quando
a procura de mercadorias é igual à oferta . Uma vez mais re-
cordamos que na economia desorganizada e baseada na troca
este equil í brio só pode existir durante um instante, como ex -
ceçã o. Regra geral , a repartiçã o do trabalho entre ramos da
produ çã o em forma proporcional às necessidades obt é m -se

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Princ í pios de Economia Pol í tica I. Lapidus/K. Ostrovityanov

através das varia ções constantes entre preço e valor . Mas esta
circunstâ ncia n ã o diminui a import â ncia do valor , centro para
o qual os preços se orientam irresistivelmente em todas as
suas varia ções e em torno do qual oscilam .
Um autor russo, L. l . Lioubimov, faz no seu curso de
economia pol í tica uma compara çã o interessante entre o valor
e o toque da campainha que chama os alunos para a aula . É
pouco frequente que o aluno entre na aula no momento exato
em que toca a campainha . A maioria dos alunos chega um
pouco antes ou um pouco depois. Mas isto n ã o quer dizer que
o toque da campainha n ã o tenha rela çã o nenhuma com a che-
gada dos alunos e o começo das aulas . O toque da campainha
indica o ponto de equil í brio que regula a chegada dos alunos.
Esta é apenas uma boa compara çã o , j á que h á entre o valor e
o toque da campainha uma diferen ça enorme, pois que uma
vontade consciente rege o toque da campainha enquanto que
o valor regulador dos preços se estabelece por si só, esponta -
neamente, como vimos. As comparações n ã o se baseiam nun -
ca em analogias perfeitas.
Precisemos que em tudo o que ficou dito considerá -
mos apenas o dinheiro, que tem um valor integral represen -
tado no nosso tempo pela moeda de ouro.
Todos sabemos que figuram na sociedade moderna , e
ao lado do ouro, moedas que t ê m um valor incompleto: moe-
das de prata , cobre, n íquel , bronze e outras. Estas moedas
materializam menos trabalho que seu preço nominal e a pro-
por çã o em que se trocam por ouro é disso indicativo (quando
ocorre esta troca ) .
O papel - moeda, que pode ( apenas em determinadas
condi ções) substituir a moeda de ouro, ocupa um lugar mais
importante na sociedade moderna , apesar de o trabalho em -
pregado para o produzir ser praticamente insignificante.

100
Princípios de Economia Política I . Lapidus/ K. Ostrovityanov

À primeira vista este fato parece contradizer os nossos


raciocí nios; sugere a ideia de que o dinheiro n ã o deve ter ne-
cessariamente um valor intr í nseco. A realidade é diferente .
A moeda de valor completo só pode substituir -se por
uma moeda de valor incompleto ou por papel - moeda quando
desempenha o papel de meio de circula çã o, o que se explica
pelo papel momentâ neo que desempenha em determinadas
circunstâ ncias.
Quando um campon ês vende o seu trigo por um es-
cudo e compra imediatamente petr óleo por um escudo, o di -
nheiro só permanece um momento nas suas m ã os e escapa -
lhe em seguida . A partir do momento em que se desfez dele e
que em troca recebeu mercadorias cujo valor equivale a um
escudo, pouco importa que este escudo tenha sido de ouro
ou substitu ído por papel . O comerciante de petróleo pensará
o mesmo se voltar a pôr este escudo em circula çã o e comprar
pano. Mas, devemos repeti -lo, o papel- moeda só pode subs-
tituir a moeda de valor intr í nseco no processo de circulaçã o.
Se a moeda de valor intr í nseco n ã o existisse , a moeda que a
substitui també m n ã o poderia existir.
Estudaremos este problema mais a fundo, no capí tulo
do papel - moeda e do cré dito. Ent ã o chegaremos a conclusões
sobre as fun ções do dinheiro.

101
Princípios de Economia Política I . Lapidus/ K. Ostrovityanov

LIVRO SEGUNDO: A PRODU ÇÃO DE MAIS VALIA

Cap ítulo III : A mais-valia na economia capitalista

15. A impossibilidade de obter mais-valia pela troca


Estudamos a lei do valor da economia mercantil sim -
ples, formada pelos pequenos produtores, proprietá rios dos
meios de produ çã o, que vivem da venda do produto do seu
trabalho. O objetivo da troca de uma mercadoria por outra ,
nesta economia , era satisfazer necessidades do interessado.
Passamos agora ao estudo das leis que regem a socie-
dade capitalista . Se considerarmos atentamente as trocas e-
xistentes na sociedade capitalista , deparamos com um quadro
muito diferente do que tra çamos para a economia mercantil
simples. Uma pessoa que adentre a um estabelecimento em
uma cidade capitalista e tente pechinchar preços com o ven -
dedor. O primeiro argumento que este invocará n ã o é já o do
alfaiate , por exemplo: "os tecidos est ã o caros"; " h á que viver ",
etc . O vendedor dirá algo parecido com "a venda deste artigo
n ã o me d á grande lucro" e, finalmente, dar - lhe -á o argumento
supremo: " N ão posso vend ê-lo ao preço de custo, tenho que
ganhar alguma coisa " . Vemos que até o objetivo da troca de
mercadorias se modificou em relaçã o à é poca anterior . Se na
economia mercantil simples a fó rmula era " mercadoria -di -

nheiro- mercadoria " ( M D— M ) , esta fó rmula já n ã o é vá lida
para a economia mercantil capitalista de hoje . Para o capita -
lista atual o processo de troca começa no dinheiro e acaba no
dinheiro: D— M — D. Mas se a troca de mercadorias acabasse
com o mesmo dinheiro com que tinha começado, entã o n ã o
teria sentido algum para o capitalista . Para ele, a troca só tem
sentido, só se justifica , se lhe traz n ã o a soma de dinheiro
empregada , mas sim uma soma maior . Portanto, a fó rmula

103
Princ í pios de Economia Pol í tica I. Lapidus/K. Ostrovityanov

caracter ística de circula ção capitalista de mercadorias ser á:


— —
D M D+d.
De onde prové m o excedente "</'?
Resposta imediata : este excedente em dinheiro, ou , co -
mo lhe chama o capitalista , este lucro, obteve-se pelo aumen -
to do preço das mercadorias.
Vejamos em que medida podemos considerar certa
esta resposta .
A an á lise da lei do valor ensinou - nos que os preços das
mercadorias tendem a aproximar-se do n ível do valor, isto é,
do tempo socialmente necessá rio gasto na produ çã o. A partir
do momento que o preço de uma mercadoria se eleva acima
do seu valor , os produtores de mercadorias, atra ídos por um
preço mais alto, começam a produzi - la em maior quantidade,
até que o aumento de produ çã o faz cair o preço abaixo do seu
valor . Produz -se ent ã o um movimento em sentido contrá rio,
e os produtores passam a produzir outro produto . Estas vari -
a ções dos preços, acompanhadas do fluxo e refluxo do capi -
tal , manter -se-ã o enquanto n ão se estabelecer um preço cor -
respondente ao valor . Podemos compreender que um possui -
dor de mercadorias durante estas varia ções possa ganhar di -
nheiro em detrimento de um competidor. Mas tal lucro será
momentâ neo e deixar á de existir logo que terminem as varia -
ções dos preços. Portanto, oscila ções da oferta e da procura
n ão podem explicar os lucros da classe capitalista , podendo
apenas explicar modifica ções fortuitas da reparti çã o dos lu -
cros entre os capitalistas.
É evidente que a reparti çã o dos valores em circula ção
n ã o vai modificar o seu total , do mesmo modo que um anti -
qu á rio n ã o vai aumentar a massa dos metais preciosos em um
pa ís quando vende por uns d ólares uma moeda do século da
rainha Ana .

104
Princípios de Economia Política I . Lapidus/ K. Ostrovityanov

A totalidade da classe dos capitalistas de um pa ís n ã o


pode prejudicar -se a si mesma ( K . Marx, O Capitai' Livro Pri -
meiro, t . I , p. 189, ed . "Avante!"- Edi ções Progresso, Lisboa -
Moscou , 1990 ) .
Mas ent ã o talvez os lucros sejam o resultado do inex-
plicá vel privil égio que os comerciantes tê m que vender suas
mercadorias a um preço superior ao seu valor? N ã o, j á que
n ão existem capitalistas que se limitem a vender sem com -
prar . Consideremos, por exemplo, um capitalista industrial ,
ou seja , proprietá rio de uma empresa . Uma vez que vendeu a
mercadoria que produziu , tem de comprar com o dinheiro ob -
tido artigos de consumo e diversas mercadorias necessá rias à
continua çã o da sua produ çã o. Do mesmo modo, o capitalista
comercial , que n ã o tem produ çã o própria e se dedica ao co-
m é rcio das mercadorias que recebe acabadas, tem que com -
prar outras quando se esgotam . De modo que os capitalistas
mudam constantemente de lugar ; os que ontem eram vende-
dores sã o hoje compradores e vice -versa . Assim , se ganharam
como vendedores, perderiam como compradores .
Qualquer tentativa para explicar os lucros através do
processo de circula çã o é perder tempo sem chegar a nenhuma
conclusã o . A circula çã o das mercadorias n ão pode ser a ori-
gem dos lucros dos capitalistas.
A explica ção do lucro por um aumento nominal do
preço das mercadorias, que, ao princ í pio, nos parecia tã o na -
tural e tã o convincente, aparece, através da an á lise, como in -
capaz de suportar a menor cr í tica . Todavia n ã o encontramos
o segredo dos lucros da classe capitalista . Encontramo- nos
diante do seguinte problema : nosso possuidor de dinheiro...
tem que comprar as mercadorias pelo seu preço e voltar a

105
Princ í pios de Economia Pol í tica I. Lapidus/K. Ostrovityanov

vend ê- las, e, ao concluir a opera çã o, tirar mais valor do que


aquele que pôs em circula çã o.26

16. A força de trabalho como mercadoria. Valor da


força de trabalho
Este problema só poderá resolver-se se encontrarmos
no mercado uma mercadoria que tenha a capacidade de criar
valor . O trabalho cria valor . De todas as mercadorias que se
encontram no mercado capitalista a força de trabalho é a
ú nica que pode trabalhar . Portanto, tal mercadoria é a ú nica
que pode estar na origem do valor.
Sabemos que a força de trabalho n ã o é uma mercado-
ria em todas as relações sociais. Recordemos a escravid ão, o
feudalismo e, finalmente, a economia mercantil simples que
acabamos de examinar; em todos estes casos, a força de tra -
balho n ã o é uma mercadoria .
Sã o necessá rias duas condi ções para chegar a sê- lo:
primeiro, o operá rio deve ser livre, ou seja , ter direito a dispor
livremente da sua força de trabalho; nem o escravo, tampouco
o servo tem este direito, dependem pessoalmente do proprie-
t á rio e do senhor . A segunda condi çã o é que o operá rio seja
livre frente aos meios de produ çã o e aos meios de subsistê n -
cia , que esteja desprovido deles, e ent ão ver-se-á obrigado a
vender a sua força de trabalho . Difere dos artesã os e dos cam -
poneses, e em geral dos pequenos produtores de mercadorias
que possuem meios de produ çã o: banca de trabalho, ferra -
mentas, habitação, e que, em consequ ê ncia , n ão vendem sua
for ça de trabalho, mas sim os produtos do seu trabalho.

26. Marx , O Capital, Livro Primeiro, 1.1, p . 193 e seguintes, ed . Avante!- Edi -
ções Progresso, Lisboa - Moscou , 1990.

106
Princípios de Economia Política I . Lapidus/ K. Ostrovityanov

Assim , encontramos no mercado a mercadoria cujo


uso pode produzir valor . Esta mercadoria é a força de traba -
lho. O enunciado do problema obriga - nos a explicar a apari -
çã o do lucro capitalista em conformidade com a teoria do va -
lor . Ao comprar a mercadoria - força de trabalho, o capitalista
deve pagá - la pelo seu valor integral .
O que determina o valor da for ça de trabalho?
Vimos que o valor de qualquer mercadoria se deter-
mina pelo tempo de trabalho socialmente necessá rio à sua
produ ção. Quando afirmamos isto acerca de todas as outras
mercadorias, vestu á rio, sapatos, betume , era compreensível ,
n ã o causava surpresa . Mas como aplicar tal defini çã o à força
de trabalho? A força de trabalho n ã o se produz nas fá bricas,
nasce da vida por uma multiplica çã o natural . Parece haver ra -
zões para admitir que a força de trabalho era uma exceçã o à
regra geral da economia baseada na troca . No entanto, se exa -
minarmos com mais cuidado a explora çã o do oper á rio pelo
capital , tal como existe na fá brica capitalista , damo- nos conta
de que a mercadoria - for ça de trabalho n ã o necessita , em caso
algum , de ser diferenciada das outras mercadorias .
Em que consiste o uso que o capital faz na mercadoria
for ça de trabalho? No fato de o operá rio vender o seu trabalho
ao capitalista , durante um tempo determinado por contrato.
O trabalho é a atividade do homem que persegue uma
meta definida , a a çã o do homem sobre a maté ria que lhe ofe-
rece a natureza , para dar a tal maté ria uma forma que a torne
apta para a satisfa çã o das necessidades do homem .27
Quando trabalha , quando atua sobre a natureza exte-
rior, o operá rio gasta certa quantidade de força muscular ner-
vosa ( incluindo a força cerebral ) , certa quantidade de energia ,

27. KAUTSKY, A Doutrina Económica de K. Marx.

107
Princ í pios de Economia Pol í tica I. Lapidus/K. Ostrovityanov

etc. Para conservar a sua força de trabalho tem de reconsti -


tuir , cada dia , a energia despendida . Para isso precisa de con -
sumir certa quantidade de meios de subsist ê ncia , precisa de
uma habita çã o com alguns m óveis, precisa de vestu á rio, ali -
mentos, etc.
Al é m disso, é necessá rio que a for ça de trabalho aflua
constantemente . Este fluxo está mais ou menos assegurado
pela multiplicaçã o natural dos oper á rios. Portanto, o operá rio
deve ter os recursos necessá rios para manter a sua fam í lia . Se
o m í nimo de meios de subsist ê ncia que recebe n ão lhe asse-
gura a manuten ção da fam ília , pode acontecer n ã o só que o
capital se veja privado do fluxo de for ça de trabalho comple-
mentar, mas, ainda mais, que o operá rio n ã o possa reconsti -
tuir a energia despendida na medida suficiente para continuar
a trabalhar para o capitalista . Se o operá rio tem mulher e fi-
lhos e se meios de subsistência que recebe só d ã o para re-
constituir sua força de trabalho pessoal , é evidente que com -
partilhar á seus meios de subsistê ncia com toda a sua fam ília ,
e n ã o poderá , portanto, recuperar a energia despendida . Por
isso é obrigató rio incluir no valor da força de trabalho o sus-
tento m édio duma fam í lia .
Al é m disso, todo operá rio tem um certo n ú mero de ne-
cessidades que correspondem ao seu grau de cultura .
Por pobre que seja o seu vestu á rio, n ã o pode deixar de
se vestir para ir trabalhar . Se o seu sal á rio n ão lhe assegura a
possibilidade de comprar roupa , alimentar-se-á pior , inclusi-
vamente a pã o e á gua , para comprar roupa , em detrimento da
reconstitui çã o das suas for ças físicas. Portanto, deve assegu -
rar-se ao oper á rio certo n ível de cultura .
É evidente que tal n ível varia segundo os pa íses. Por
exemplo, o oper á rio norte-americano culto precisa de um fato
em bom estado, precisa de ler o jornal todos os dias, de ir ao

108
Princípios de Economia Política I . Lapidus/ K. Ostrovityanov

teatro, assistir a conferê ncias, etc. Seriam estas coisas artigos


de " primeira necessidade" para o operá rio russo antes da re-
volu ção? Certamente que n ã o . Este operá rio n ã o podia pre-
tender ir ao teatro, e só elementos mais conscientes do pro-
letariado sentiam a necessidade de ler o jornal . As condi ções
de existê ncia em que se encontravam milhares de oper á rios
russos que viviam em verdadeiros acampamentos aparecem -
nos hoje intoleráveis para o operá rio europeu , e com maior
razã o para o norte-americano.
Mas se comparamos a vida do operá rio russo com a do
operá rio chin ês, o que vemos?28 A maioria dos operá rios chi -
neses n ã o pensa sequer na roupa interior . Mesmo o vestu á rio
nem sempre é uma " necessidade"; um trapo sujo faz , muitas
vezes, de roupa . Com frequ ê ncia , sua alimenta çã o n ã o é mais
que uns biscoitos mal cozidos; muitas vezes dormem na fá -
brica e o acampamento onde se aloja certo n ú mero de ho-
mens é considerado um luxo .
Aparentemente o operá rio m é dio russo n ã o poderia
conformar-se com semelhantes condições de vida .
Tudo isto se explica , naturalmente, por razões histó ri -
cas, por circunstâ ncias na qual nasce e se desenvolve a classe
operá ria e pelos h á bitos que às vezes demoraram séculos a
implantar -se .
Pode compreender -se que, quanto mais qualificado é
o operá rio, mais h á bitos e necessidades elevados tem e que
quase lhe é impossível n ã o os satisfazer, o que aumenta ainda
mais o valor da força de trabalho qualificado.
Mas o valor superior da força de trabalho qualificado
n ã o se explica apenas pelo maior n ível cultural do operá rio
qualificado . H á també m que ter em conta o tempo de trabalho

28. Recordemos que esta obra foi escrita em 1929 .

109
Princ í pios de Economia Pol í tica I. Lapidus/K. Ostrovityanov

socialmente necessá rio dedicado à aprendizagem . Alé m dis-


so, a conserva çã o e o posterior aperfei çoamento profissional
també m exigem para tal operá rio um n ível de cultura mais e-
levado que o oper á rio n ão qualificado. Todos artigos de con -
sumo necessá rios ao operá rio para a recupera çã o da energia
gasta no processo de trabalho, para a manuten çã o de uma
fam í lia m édia e de certo n ível cultural , tê m determinado valor ,
que, como o de qualquer mercadoria , se calcula pelo tempo
socialmente necessá rio à sua produ çã o. O valor de todos es-
tes meios de exist ê ncia constitui o valor da força de trabalho.
À primeira vista parece estranho que o capitalista , que habi -
tualmente representamos como explorador que sonha com os
meios de tirar o m á ximo do oper á rio, nos apareça de repente
como um benfeitor que se preocupa em fornecer ao oper á rio
os meios necessá rios para recuperar suas forças, mantê-las e
conservar um certo n ível de civiliza çã o. Toda a realidade ca -
pitalista parece contradizer - nos. Alguma vez vimos um capi -
talista perguntar, ao contratar um operá rio, se tem fam í lia e
preocupar-se em pagar mais a um pai de fam í lia do que a um
solteiro? Mas na realidade, ainda que o capitalista nunca pen -
se em assegurar ao oper á rio o m í nimo de meios de existência
suficiente para a manuten çã o da sua fam í lia e se esforce, pelo
contr á rio, em diminuir por todos os meios tal m í nimo, as leis
elementares do mercado, que conduzem o preço das merca -
dorias ao seu valor , obrigam - no a pagar ao operá rio, em m é-
dia , uma soma que corresponde precisamente a este m í nimo.
Se o capitalista baixa o sal á rio do operá rio abaixo deste m í-
nimo, o rendimento e a qualidade do trabalho diminuem logo,
porque um operá rio subalimentado, esfomeado, n ão trabalha
tanto como o que chega à fá brica descansado depois de recu -
peradas as suas forças. N ã o falaremos aqui das varia ções da

110
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

oferta e procura da força de trabalho, nem da ação dos ope-


rá rios, fatores suscet íveis de determinar uma diferen ça entre
o preço da força de trabalho e seu valor. Falaremos disso no
cap ítulo do salá rio.
Conclu í mos por agora que a for ça de trabalho, como
as demais mercadorias, tem um valor que está determinado
pelos meios de subsistê ncia necessá rios à sua reprodu çã o, à
instru çã o profissional , à manuten çã o m édia de uma fam í lia e
à manuten çã o de um certo n ível cultural .

17. Formação da mais-valia


Se partirmos da hipó tese de que o capitalista paga a
for ça de trabalho pelo valor integral , perguntamos de onde
retira ele o lucro. Abordamos aqui as propriedades particula -
res da mercadoria -for ça de trabalho, as propriedades que a
distinguem de qualquer outra mercadoria . O operá rio e o ca -
pitalista encontram -se no mercado na qualidade de proprie-
tá rios de mercadorias. O operá rio tem a mercadoria -força de
trabalho e o capitalista uma certa soma de dinheiro. O capi -
talista compra a força de trabalho por uma determinada soma
de dinheiro, correspondente ao seu valor, suponhamos vinte
escudos por dia . Uma vez comprada a mercadoria -for ça de
trabalho, o capitalista pode dispor do seu valor de uso. O va -
lor de uso da força de trabalho é o trabalho criador de valor.
Desde que dispõe deste valor de uso, o capitalista começa a
utilizá - lo, fazendo com que o operá rio trabalhe. Se, como na
nossa hipótese , comprou a força de trabalho por vinte escu -
dos diá rios, e se estes vinte escudos representam em dinheiro
cinco horas de trabalho, em cinco horas de trabalho o operá -
rio terá devolvido a soma dedicada à compra da mercadoria -
for ça de trabalho. Mas a for ça de trabalho tem esta proprie-
dade particular: pode dar mais trabalho do que o necessá rio

111
Princ í pios de Economia Pol í tica I. Lapidus/K. Ostrovityanov

para a manter, por outras palavras, pode criar um valor maior


do que seu pr ó prio valor. Como conhece tal propriedade ma -
ravilhosa da mercadoria -força de trabalho, o capitalista n ã o
se contenta com as cinco horas de trabalho durante as quais
a força de trabalho cria um valor igual ao seu , e faz trabalhar
o operá rio muito mais tempo, suponhamos dez horas. O valor
criado pelo operá rio na segunda metade do seu dia de traba -
lho é para o capitalista um lucro l íquido. Este excedente de
valor que o operá rio cria para al é m do valor da sua for ça de
trabalho chama -se mais-valia . Marx chama tempo de trabalho
necessá rio ao tempo durante o qual um operá rio reproduz o
valor da sua força de trabalho, e tempo de sobretrabalho ao
tempo durante o qual cria a mais-valia para o capitalista . A
mais-valia é um tra ço particular da explora çã o capitalista . Na
realidade a exploraçã o j á existia no tempo da escravatura e
do feudalismo. Mas a força de trabalho nunca foi uma merca -
doria e, portanto, nunca o sobreproduto se transformou em
mais-valia . Tal mais-valia criada pelo operá rio durante o tem -
po de sobretrabalho é a origem do lucro capitalista .

18. O capital
Sabemos que a força de trabalho n ã o atua sozinha no
processo de produ çã o capitalista . Instrumentos de produ çã o
como as m á quinas, os edif ícios, as maté rias- primas auxiliares
sã o també m necessá rios. Se o capitalista n ã o fosse proprietá -
rio de todos estes instrumentos e meios de produ çã o, o ope-
rá rio n ã o teria que lhe vender a sua for ça de trabalho. O pro-
cesso de produ ção e, por conseguinte, a criação de mais-valia
só sã o possíveis se se une a força de trabalho com os instru -
mentos e meios de produ çã o. Todas estas coisas, que tê m um
valor e são necessá rias para a cria çã o de mais-valia , consti -
tuem o capital . Portanto, o capital inclui , antes de mais nada ,

I 12
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

edif ícios, m á quinas e mat é rias- primas que pertencem ao ca -


pitalista juntamente com a força de trabalho que compra . O
ar que se respira na fá brica , e sem o qual o operá rio n ã o podia
criar mais-valia , n ã o se inclui no capital , porque n ã o tem valor
por si mesmo, ainda que participe na cria çã o de mais-valia .
Em contrapartida , as m á quinas, os edif ícios e as mat é-
rias primas n ã o constituem um capital , porque a natureza
lhes atribuiu tal propriedade . Se a m á quina que passa pelas
m ã os do operá rio deixasse de contribuir para cria çã o de mais-
valia , deixaria de ser um capital . O martelo n ão é capital nas
m ã os de um artesã o, mas transforma -se em capital nas m ãos
do capitalista que o compra . A m á quina inativa e o dinheiro
guardado em uma carteira també m n ã o sã o capital .
As coisas transformam -se em capital , n ã o pelas suas
propriedades naturais, mas sim devido a rela ções determina -
das, mais precisamente quando servem para a explora çã o da
for ça de trabalho assalariada pelo capitalista . Portanto, o ca -
pital é uma caracter ística " histó rica " transitó ria , pró pria da
sociedade capitalista . Sob tal ponto de vista , qualquer tenta -
tiva que pretenda aplicar a todos os modos de produ çã o a no-
çã o de capital é inconsistente e injustificada do ponto de vista
do estudo cient ífico das rela ções sociais. Tentativas desta or-
dem sã o, no entanto, correntes entre economistas burgueses,
que ao dar à noção de capital um cará ter eterno fazem - no
perder seu cará ter social , seu cará ter de classe, e contribuem
assim para obscurecer a consci ê ncia da classe operá ria .
Kautsky disse muito bem a este propósito: " Uns defi -
nem o capital como um instrumento de trabalho, e neste caso
encontramos capitalistas ainda na idade da pedra; e o macaco
que se serve de uma pedra para partir uma noz é também ca -
pitalista . Do mesmo modo, o pau que o vagabundo usa para
fazer cair fruta de uma á rvore transforma -se em capital e seu

1 13
Princ í pios de Economia Pol í tica I. Lapidus/K. Ostrovityanov

proprietá rio em capitalista . Outros definem o capital como


uma quantidade de trabalho acumulado por poupan ça , o que
transforma hamsters e formigas em colegas dos Rothschild ,
dos Bleichschroeder e dos Krupp . Certos economistas in -
cluem no capital tudo, absolutamente tudo, o que facilita o
trabalho ou o torna mais produtivo, como o Estado, conheci -
mentos do homem e sua capacidade mental . É evidente que
tais definições t ã o gerais levam a lugares-comuns que se po-
dem ler com proveito nos silabá rios da primeira idade, mas
que n ão nos facilitam em nada o conhecimento das formas,
das leis e das forças motrizes da sociedade humana " . 29
Deste modo, os meios de produ çã o, o trabalho acumu -
lado, etc. , só se traduzem em capitais quando se transfor -
mam , nas m ã os do capitalista , em meios para obter e apro-
priar-se da mais-valia .

19. Capital constante e capital vari ável. Regra de ex-


ploração
Estabelecemos atrás que qualquer valor que pertence
ao capitalista e que se transforme em um instrumento de cri -
a ção e de apropria çã o de mais-valia é um capital .
Primeiro: consideremos os instrumentos de produ çã o,
uma m á quina , por exemplo . Sabe-se que uma m á quina pode
servir bastante tempo e participar em diversos processos de
trabalho. Por tal razã o gasta -se pouco a pouco, mas, durante
toda a sua existê ncia , a sua forma original n ã o se modifica
muito. Suponhamos que a dura ção m édia da existê ncia desta
m á quina seja de dez anos. Cada ano a m á quina gastará a d é -
cima parte do seu valor ; esta parte do seu valor passará à mer -
cadoria produzida durante o ano com a ajuda da m á quina . Se

29. K . KAUTSKY, A Doutrina Económica de K . Marx.

114
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

a m á quina materializa dez mil jornadas de trabalho e se pro-


duz durante o ano quinhentas unidades de mercadorias, é evi -
dente que o seu valor passará a cada unidade na proporçã o
de 10.000/500x 10 = 2 jornadas de trabalho. Ainda que vá per -
dendo pouco a pouco o seu valor, a m á quina inteira continua
a participar no processo de trabalho at é que, depois de dez
anos, se encontra totalmente fora de uso. O mesmo raciocí nio
pode aplicar-se às bancas de trabalho, motores, aparelhos de
transmissã o, edif ícios, etc.
Uma parte do capital , a saber , os instrumentos de pro-
du çã o e na medida em que se gastam , passa o seu valor à
nova mercadoria .
N ã o acontece o mesmo com as mat é rias- primas e ma -
té rias auxiliares, tais como o combust ível , etc. Só podem par -
ticipar na produ ção uma vez e mudando de forma material . A
matéria - prima transforma -se, o combust ível proporciona a
for ça motriz ; o valor desta mat é ria - prima passa à nova mer-
cadoria . No entanto, apesar de todas as diferen ças existentes
entre eles, os instrumentos e os meios de produ çã o tê m um
ponto comum e de extrema import â ncia : nem uns nem outros
podem criar um novo valor, limitando-se a transferir para a
nova mercadoria o valor criado pelo trabalho socialmente ne-
cessá rio implicado na sua produ çã o. Só em um caso é que o
capitalista podia tirar proveito deles: se os tivesse comprado
por menos que o seu valor, para logo considerar seu valor in -
tegral nas mercadorias feitas com a sua ajuda . Mas entã o es-
tamos perante o caso, examinado anteriormente, no qual o
capitalista enriquece em detrimento de outro, caso que nada
nos explica sobre a origem do lucro.
De que maneira se faz a transferê ncia do valor das m á -
quinas, das maté rias- primas, etc ., para o valor da nova mer -
cadoria ? Esta transferê ncia faz -se , uma vez mais, por meio do

1 15
Princ í pios de Economia Pol í tica I. Lapidus/K. Ostrovityanov

trabalho. Expliquemo- lo com um exemplo. Suponhamos que


estamos de posse de duas fá bricas: uma em atividade, outra
inativa . Em uma e em outra encontram -se instrumentos de
trabalho: bancas de trabalha , m á quinas, etc. Os instrumentos
de trabalho da fá brica em atividade gastam -se com o tempo e
o trabalho; os instrumentos da fá brica inativa gastam -se me-
nos, é certo, mas no entanto gastam -se com o tempo, sob a
influ ê ncia da atmosfera , etc. Para os manter intactos é neces-
sá rio cuid á - los, ocupar -se deles, etc. No primeiro caso o des-
gaste produzido pelo tempo e pelo trabalho inclui -se no valor
das mercadorias obtidas e o capitalista ao vend ê- las recupera
este desgaste; no segundo caso, o desgaste n ã o se pode in -
cluir no valor das mercadorias . Portanto, o capitalista n ã o o
recupera , o que constitui uma perda completa . Este exemplo
põe em evid ê ncia as seguintes propriedades do trabalho: n ã o
só tem a faculdade de criar novos valores, mas també m a de
transferir o valor dos instrumentos e dos meios de produ çã o
para o valor da mercadoria obtida . Tal faculdade do trabalho,
igual à das forças da natureza , é grá tis e n ã o exige do oper á rio
nenhum esforço complementar .
A parte do capital que se transforma em meios de pro-
du çã o, isto é, em maté rias- primas, em mat é rias auxiliares e
em meios de trabalho, n ã o altera o seu valor no processo de
trabalho. Portanto, chamou -se parte constante do capital ou ,
mais simplesmente, capital constante.
Em contrapartida , a parte do capital transformada em
for ça de trabalho varia de valor no processo de produ çã o . Re-
produz o seu equivalente e um excedente , uma mais-valia que
pode variar e ser maior ou menor . Esta parte do capital , cons-
tante de in ício, transforma -se incessantemente. Portanto,

116
Princípios de Economia Política I . Lapidus/ K. Ostrovityanov

chamou -se parte variável do capital ou , mais simplesmente,


capital vari á vel .30
Sem capital constante a cria ção da mais-valia é impos-
sível , porque a for ça de trabalho só pode pô r - se em atividade
conjuntamente com os meios de produ çã o. Mas ainda que o
capital constante seja condi ção necessá ria para a cria ção de
mais-valia , n ã o pode cri á - la por si só. Só o trabalho pode criar
mais-valia . Assim , um volume de capital constante , seja qual
for, n ã o pode alterar em nada a soma da mais-valia , n ã o pode
nem aument á -la , nem diminu í- la . De modo que , se queremos
determinar o grau de explora çã o do operá rio pelo capitalista ,
podemos deixar de lado os gastos do capitalista na criaçã o do
capital constante, e precisamos apenas conhecer o valor da
for ça de trabalho ou , o que é o mesmo, o valor do capital va -
ri ável , e o valor da mais-valia .
O grau de explora çã o do operá rio pode expressar -se
pela rela ção entre estes dois n ú meros, mais-valia e capital va -
ri á vel ( ou , em outros termos, pela rela çã o entre o tempo de
sobretrabalho e o tempo de trabalho necessá rio ) .
Tal rela çã o, expressa em porcentagem , chama -se taxa
de mais-valia ou taxa de explora çã o.
Vejamos com um exemplo que aproveitaremos para
memorizar algumas fó rmulas admitidas na economia pol í tica
marxista .
Suponhamos que o valor das m á quinas e dos edif ícios
de uma empresa capitalista é $ 100 mil; as maté rias- primas e
as mat é rias auxiliares custam $ 20 mil . Seja o valor da força
de trabalho $40 mil e a mais-valia $20 mil . Convenciona -se
que o capital se designa pela letra c, o capital vari á vel pela
letra v e a mais-valia pela letra m .

30 . K . MARX , O Capital, tradução Molitov , t . II , p . 69 .

117
Princ í pios de Economia Pol í tica I. Lapidus/K. Ostrovityanov

Assim , podemos escrever:

c = $100 mil + $ 20 mil = $120 mil


v = $ 40 mil
m = $20 mil

A taxa de explora çã o equivale, já sabemos, a m/ v. No


caso presente, a 20 mil /40 mil ou , se se expressa esta rela çã o
por uma porcentagem , 20 mil x 10096/ 40 mil = 50%.
Isto significa que a cada hora que o operá rio dedica a
reproduzir o valor da sua for ça de trabalho corresponde meia
hora durante a qual cria mais-valia para o capitalista .
É evidente que, se m e Kn ã o se alteram , entã o a taxa
de explora çã o també m n ã o se altera , podendo meios de pro-
du çã o sair mais ou menos caros ao capitalista .

20. Mais-valia absoluta e mais-valia relativa


Descobrimos a origem do lucro capitalista e determi -
namos a noção de capital . Agora devemos examinar diversas
maneiras de aumentar a mais- valia . Como a cria çã o da mais-
valia é a finalidade do modo de produ çã o capitalista , n ão é
necessá rio dizer que o sonho de todo capitalista é obter maior
mais-valia poss ível . Quais processos que permitem aumentar
a mais-valia ? Sabemos que a jornada de trabalho do operá rio
pode dividir-se em duas partes; a primeira é o tempo de tra -
balho necessá rio durante o qual um operá rio reproduz a sua
for ça de trabalho, e a segunda o tempo de sobretrabalho du -
rante o qual o operá rio cria a mais-valia para o capitalista .
Representemos esta reparti çã o do tempo:

A 3 c
Tempo necessário Tempo suplementar
5 horas 5 horas

118
Princípios de Economia Política I. Lapidus/K. Ostrovityanov

A taxa de mais - valia equivale a 5/5 ou 100 % .


Como se pode aumentar a taxa de mais-valia? Primei-
ro, ampliando o tempo de sobretrabalho, isto é, a jornada de
trabalho, para além das dez horas, por exemplo, duas horas.

Tempo necessário Tempo suplementar


5 horas 5 horas + 2 horas
7 horas

O tempo de sobretrabalho subiu para sete horas, e a


taxa de mais -valia é 7/5 ou 140 %. Esta maneira de aumentar
a mais-valia prolongando a jornada de trabalho é uma tenta -
ção para o capitalista, pois não exige nenhum gasto de ferra-
mentas, de aquisição de novas máquinas, de bancas de traba -
lho, etc. Em O Capital, diz Marx, " é trabalho morto, que, assim
como o vampiro, só se reanima depois de absorver trabalho
vivo, e vive tanto mais tempo quanto mais trabalho vivo ab -
sorve ''. Sempre que o capital pode prolongar a jornada de tra-
balho trata de o fazer .
O prolongamento da jornada de trabalho é o procedi -
mento preferido do capitalista na primeira etapa do desenvol -
vimento capitalista, e ainda assim é nos paí ses mais atrasa-
dos. Mas seja qual for a paixão que o move ou a sua sede de
mais-valia, que aumenta com o desenvolvimento da explora -
ção da força de trabalho, o capital não pode prolongar indefi-
nidamente a jornada de trabalho: limites naturais opõem - se a
isso. Quais? Há os fí sicos e os morais. Por muito que o capi-
talista queira prolongar a jornada de trabalho, o dia só tem 24
horas, e ele e o capital, que "podem tudo", não encontram
maneira de lhe acrescentar uma hora. Mas decepção ainda

119
Princ í pios de Economia Pol í tica I. Lapidus/K. Ostrovityanov

maior espera o capitalista : para manter a sua ú nica mercado-


ria - a força de trabalho - capaz de funcionar , o operá rio pre-
cisa de certo n ú mero de horas de sono e descanso e de ali -
mentação, para que recupere, pelo menos em parte , a energia
que gasta . Este m í nimo de tempo necessá rio para a recupera -
çã o das for ças físicas, este m í nimo fisiol ógico, fixa um pri -
meiro limite à jornada de trabalho.
O limite moral depende de um determinado n ível de
cultura , que por sua vez depende das condi ções histó ricas do
desenvolvimento capitalista em cada pa ís. A dura ção do tra -
balho pode variar dentro de tais limites, que se fixam consi -
derando, por um lado, um m í nimo fisiol ógico absolutamente
necessá rio para o restabelecimento das for ças f ísicas e, por
outro, o n ível de cultura .
O capitalista també m pode aumentar a mais-valia ab-
soluta intensificando o trabalho.
O capitalista tenta intensificar o trabalho com as me-
didas mais variadas: faz com que os capatazes vigiem o ope -
rá rio, multam por cada pausa de trabalho; quando as amea ças
n ã o produzem efeito, imagina novos modos de retribui çã o, de
que falaremos adiante ao tratarmos do sal á rio.
Finalmente, tenta organizar a produ çã o de tal maneira
que um operá rio tenha que fazer, independentemente da sua
vontade, o m á ximo de esforço. As m á quinas modernas que
trabalham rapidamente e sem interrupção n ã o permitem ao
operá rio distrair-se, porque o menor descuido provoca graves
complicações e causam , em certos casos, acidentes fatais .
No entanto, raciocinando bem , h á que constatar que o
crescimento da intensidade do trabalho aumenta ao mesmo
tempo o valor da força de trabalho. Qualquer trabalho é um
gasto de energia .

120
Princípios de Economia Política I . Lapidus/ K. Ostrovityanov

Quanto mais intenso é o trabalho, tanto mais energia


se gasta . Um maior gasto de energia exige melhor alimenta -
çã o para recupera çã o das forças, quer dizer , um aumento dos
meios de exist ê ncia necessá rios para a produ ção da força de
trabalho do operá rio .
Daqui n ã o deduzimos que o aumento da intensidade
do trabalho do operá rio n ã o seja vantajoso para o capitalista .
Primeiro, a intensidade do trabalho pode, dentro de certos li -
mites, aumentar mais rapidamente que o valor da força de
trabalho. E mesmo que a intensidade de trabalho aumente tã o
rapidamente como o valor da força de trabalho, o capitalista
encontra vantagens nisso.
Suponhamos que anteriormente o operá rio produzia
dois escudos di á rios de produtos necessá rios e dois escudos
di á rios de mais-valia ; se a intensidade de trabalho duplica , o
valor da for ça de trabalho duplica també m . Em uma jornada
o operá rio criará quatro escudos de produtos necessá rios e
quatro escudos de produtos suplementares. Ainda que a taxa
de mais-valia n ã o se tenha alterado ( 100% ) , o capitalista re -
ceberá , de cada operá rio, o dobro da mais-valia .
Se considerarmos que gastos em m á quinas e em ins-
trumentos provavelmente n ã o terã o subido, o lucro do capi -
talista é ainda mais evidente.
Mas o prolongamento da jornada de trabalho e o au -
mento da intensidade de trabalho opõem -se cada vez mais, à
medida que vai crescendo a resistê ncia organizada dos ope-
rá rios contra o capitalismo. Os operá rios exigem a limitaçã o
legal da jornada de trabalho. Esta circunstâ ncia obriga os ca -
pitalistas a recorrer a outras medidas suscept íveis de aumen -
tar a mais-valia produzida pelo operá rio. H á outras medidas
possíveis? Voltemos ao nosso grá fico:

121
Princ í pios de Economia Pol í tica I. Lapidus/K. Ostrovityanov

Tempo necessário Tempo suplementar


5 horas 5 horas
v m

A taxa de mais-valia é de /77/v, ou seja 5/5 = 100% .


O aumento de m/ vsó é poss ível aumentando o tempo
de sobretrabalho para al é m de Ce també m diminuindo o se-
tor AB, quer dizer , o tempo de trabalho necessá rio. Suponha -
mos que o capitalista conseguiu reduzir AB & quatro horas:

Tempo necessário Tempo suplementar


4 horas 6 horas
m

É evidente que m/ vaumenta e equivale a 150%, ainda


que a extensã o de AC n ã o se tenha alterado. Deste modo, a
diminui çã o do tempo necessá rio aumentou mecanicamente o
tempo complementar e a taxa de mais-valia; a taxa de explo-
ra çã o subiu para 6/4 = 150%. Perspectiva tã o atraente para o
capitalista como o prolongamento da jornada de trabalho .
Marx chama de mais-valia absoluta à mais-valia pro -
duzida pelo prolongamento da jornada de trabalho . Quanto à
mais-valia resultante da redu çã o do tempo de trabalho neces-
sá rio e da modifica çã o correspondente na rela ção de dura çã o
das duas partes constitutivas da jornada de trabalho, Marx
denomina mais-valia relativa .

21 . Criação da mais-valia relativa


Como e de que maneira concreta pode o capitalista ob -
ter o aumento da mais-valia relativa e a diminui ção do tempo
de trabalho necessá rio? Recordemos que at é agora supuse-
mos que a força de trabalho era paga pelo seu valor integral ,

122
Princípios de Economia Política I . Lapidus/ K. Ostrovityanov

quer dizer , segundo o valor dos artigos de consumo necessá -


rios para a sua reprodu çã o . Portanto, n ã o consideramos, por
enquanto, a possibilidade de diminuiçã o do tempo de traba -
lho necessá rio baixando o preço da força de trabalho abaixo
do seu valor .
Nestas condi ções, a diminui çã o do tempo de trabalho
necessá rio só é possível baixando o próprio valor da força de
trabalho. Esta diminui çã o pode conseguir-se baixando o valor
dos artigos de consumo do oper á rio: alimentos, roupas, cal -
çado, etc . Mas o valor dos artigos de consumo só pode dimi -
nuir se se emprega menos trabalho para os obter, o que é
possível desde que o rendimento do trabalho aumente . O au -
mento do rendimento do trabalho, ao contrá rio da intensifi -
ca çã o do trabalho, n ã o se alcan ça através de maior esfor ço da
parte do operá rio, mas sim de uma melhoria das condi ções
de trabalho: introdu çã o de m á quinas novas, melhor organi -
za çã o das m á quinas, elimina ção dos movimentos supé rfluos,
melhor ilumina çã o, ventila çã o, etc. Todas estas medidas co-
locam o operá rio em posiçã o de produzir mais com o mesmo
desgaste de energia . Mas, para que o valor da força de traba -
lho diminua , é necessá rio que o aumento do rendimento do
trabalho se produza nos ramos da ind ústria que produzem os
meios de produ çã o dos primeiros . A diminui çã o de valor dos
produtos de luxo, pianos, brilhantes e outros an á logos n ã o
terá , é evidente , nenhuma influ ê ncia sobre o valor da força de
trabalho.
Do mesmo modo que a diminui çã o do valor da força
de trabalho, o aumento de rendimento de trabalho, em uma
fá brica isolada , é vantajoso para um capitalista , que pode, ao
vender as suas mercadorias, receber a diferen ça entre o seu
valor social e o seu valor individual . Esta diferen ça fornece ao
capitalista um excedente de mais-valia .

123
Princ í pios de Economia Pol í tica I. Lapidus/K. Ostrovityanov

Mas nestecaso també m o aumento de mais-valia re-


sulta da diminui çã o do tempo de trabalho necessá rio e de um
aumento correspondente do tempo de sobretrabalho. Consi -
deremos a empresa A e suponhamos que a jornada de traba -
lho está dividida da seguinte maneira :

Tempo necessário Tempo suplementar


5 horas 5 horas

Suponhamos també m que o rendimento do trabalho


corresponde nesta empresa às condi ções m édias da ind ú stria
dada . O tempo m édio socialmente necessá rio para a produ -
çã o de uma unidade de mercadoria , um metro de tecido, por
exemplo, é meia hora (30 minutos) . Portanto, em dez horas
de trabalho produzir-se-ão 20 metros. Suponhamos que o va -
lor monetá rio de uma hora de trabalho é $2 ; um metro de te-
cido custará $ 1 e os vinte metros $20; $ 10 servirã o para pagar
o valor da força de trabalho e $ 10 constituirã o a mais-valia do
capitalista .
Suponhamos agora que o rendimento do trabalho nes-
ta empresa duplicou em consequ ê ncia de determinadas me-
lhorias técnicas. Em dez horas de trabalho os operá rios pro-
duzem , com o mesmo esforço, o dobro do tecido, ou seja , 40
metros em vez de 20 . Portanto n ã o sã o j á trinta minutos que
se gastam nesta empresa para produzir um metro de tecido,
mas sim quinze minutos. Por conseguinte, o preço do tecido
deveria baixar para $50 o metro . Mas como o aumento de ren -
dimento do trabalho só ocorreu na empresa A, o tempo de
trabalho socialmente necessá rio para produ ção do tecido n ão
se alterou . J á sabemos que as mercadorias se vendem no mer -
cado sem considerar o tempo de trabalho individual empre-

124
Princípios de Economia Política I . Lapidus/ K. Ostrovityanov

gado na produ çã o, mas sim o trabalho socialmente necessá -


rio. Por consequ ê ncia , o capitalista proprietá rio da empresa
n ão venderá seus tecidos pelo valor individual de $0 , 50 o me -
tro; vend ê- los-á por $ 1 , e os 40 metros vender-se -ã o por $40.
Portanto, através da explora çã o do trabalho, o capitalista ga -
nhará $40 por dez horas de trabalho de cada oper á rio, quando
antes dos progressos técnicos apenas ganhava $20. No en -
tanto, continuará a pagar ao operá rio $ 10 , assim como antes,
porque o valor da for ça de trabalho n ã o se ter á alterado. Quer
dizer, o oper á rio já n ã o empregar á metade da sua jornada de
trabalho para produzir o equivalente do valor da sua força de
trabalho: bastará a quarta parte da jornada ($40: 10 = $4 ) , ou
seja , duas horas e meia das dez horas de trabalho . Obtemos
o seguinte grá fico:

A B
Tempo necessário Tempo suplementar
2 , 5 horas 7 , 5 horas

A taxa de mais-valia /77/ Kserá igual a 7, 5/2 , 5, ou seja ,


300%. É evidente que o capitalista receberá , só para ele, este
enorme excedente de mais-valia , enquanto as demais firmas
n ã o conseguem nas suas empresas o mesmo rendimento de
trabalho.
Sabemos que a mais- valia absoluta é o resultado do
prolongamento da jornada de trabalho e do aumento da in -
tensidade de trabalho. Por esta razão, a mais-valia absoluta é
um obstá culo ao desenvolvimento das forças produtivas da
sociedade capitalista ; o capitalista que retira lucros importan -
tes da excessiva explora çã o da m ã o-de-obra n ã o tem inte-
resse em mudar a t écnica da empresa .

125
Princ í pios de Economia Pol í tica I. Lapidus/K. Ostrovityanov

O caso da mais-valia relativa é diferente . Resulta do


aumento do rendimento do trabalho e significa um progresso
t écnico. Mas n ã o é , de modo nenhum , o amor ao progresso
que faz com que o capitalista melhore a técnica da produ çã o,
é sim uma sede insaci á vel de mais-valia .
Portanto, o enorme progresso técnico, a constante re-
volu çã o dos m é todos de produ çã o que acompanha o desen -
volvimento do capitalismo, n ão sã o mais que fins subjetivos
que o capitalista persegue . Sã o resultados objetivos da com -
peti çã o entre os capitalistas na corrida à mais-valia .

22. Crescimento da exploração. O sistema de Taylor


Até agora fal á mos da explora çã o do operá rio supondo
que lhe pagavam a sua força de trabalho pelo seu valor inte-
gral . Vamos ver que nem sempre é assim e que a abund â ncia
da m ã o- de -obra permite aos capitalistas n ã o se preocuparem
com a recupera çã o das forças do oper á rio; substitui -se o ope-
rá rio enfraquecido pelo seu irm ã o sem trabalho.
Portanto, frequentemente, a explora çã o do operá rio é
muito mais grave do que dissemos. O desenvolvimento do ca -
pitalismo agrava esta situação, ainda que o preço da força de
trabalho suba por vezes. Se o capitalista paga mais ao operá -
rio, obriga -o a trabalhar mais ainda .
A introdu çã o de novas m á quinas, que deveria , segundo
parece, melhorar condições de trabalho do homem , vem na
realidade agravá -las. Primeiro, acontece que a nova m á quina
é para muitos operá rios causa de demissã o; depois, à medida
que a técnica se desenvolve, o operá rio transforma -se cada
vez mais em auxiliar da m á quina . O ritmo ( velocidade e ten -
sã o ) do seu trabalho deve adaptar -se ao ritmo da m á quina ; o

126
Princípios de Economia Política I . Lapidus/ K. Ostrovityanov

operá rio est á muito mais tenso e o menor descuido no es-


for ço mantido pode ter consequ ê ncias desastrosas, uma vez
que a a çã o de todas as m á quinas est á coordenada .
O sistema chamado de trabalho em cadeia é muito uti -
lizado nas fá bricas Ford : uma "cadeia " sem fim passa de uma
oficina a outra , trazendo aos operá rios os materiais ( ferro, por
exemplo) ; a maté ria desbastada ( peça cil í ndrica , por exemplo)
é colocada na cadeia que a leva à oficina seguinte , onde o tra -
balho segue ( na oficina , por exemplo, ajusta -se a roda , etc. ) .
A cadeia em movimento traz , sem parar , materiais que
carecem de um tempo determinado para uma sé rie específica
de movimentos, e isto torna -se mais imperioso que qualquer
ordem verbal .
Aqui o homem transforma -se realmente em um autó-
mato, em um auxiliar sem alma da m á quina .
O sistema de Taylor intensifica o trabalho. Sob o nome
de organização cient í fica do trabalho ou de racionalizaçã o da
produ çã o, espalha -se cada vez mais n ã o apenas no seu pa ís
de origem , os Estados Unidos, mas també m na Europa .
É necessá rio dizer que este sistema compreende vá rios
m é todos que permitem aumentar a intensidade do trabalho e
també m o seu rendimento .
Ao evitar vá rios defeitos das m á quinas e das ferramen -
tas, ao tentar colocar as ferramentas de modo que o operá rio
n ão tenha que se afastar do seu posto para as ir buscar ou
inclinar-se para alcan çar os materiais, ao assegurar uma boa
ilumina çã o e boa ventilaçã o, tal sistema permite aumentar o
rendimento do trabalho sem aumentar a sua intensidade .
Mas um capitalista quer gastar o menos possível para
aumentar o rendimento do trabalho. N ã o lhe basta o rendi -
mento do trabalho, e esta é a razã o pela qual recorre a diver -

127
Princ í pios de Economia Pol í tica I. Lapidus/K. Ostrovityanov

sos estratagemas para estimular o operá rio e aumentar a in -


tensidade do seu trabalho . Voltaremos a referir estas medidas
no cap í tulo do sal á rio.
Os dados recolhidos sobre a dura çã o da vida e sobre a
capacidade de trabalho do operá rio confirmam o agravamen -
to das condi ções de exist ê ncia da classe operá ria como con -
sequ ê ncia do progresso técnico e do aumento da intensidade
do trabalho . Estes dados revelam o desgaste excepcional que
o organismo do oper á rio contempor â neo experimenta .
A excessiva tensão nervosa do oper á rio provoca com
frequ ê ncia doen ças psicol ógicas. Para manter as suas for ças,
os operá rios, sobretudo nos pa íses capitalistas avan çados, re-
correm a estimulantes: queimam o seu organismo ao servi ço
do capitalismo .31 A capacidade de trabalho da maioria dos o-
perá rios da sociedade capitalista começa a baixar pelos 35- 40
anos; o operá rio com cabelos brancos n ã o encontra trabalho
facilmente nos Estados Unidos, pois sabe-se que n ã o está em
condi ções de cumprir a sua tarefa . 32 Em contrapartida , nas
classes sociais acomodadas um homem de 35- 40 anos quase
começa a sua carreira , sendo por esta idade que a maioria dos
sá bios e homens pol í ticos burgueses d ã o os primeiros passos
significativos.
Apesar de todas as conquistas da classe operá ria nos
pa íses capitalistas avan çados, a vida dos operá rios é t ã o pou -
co invejá vel que um escritor alem ã o escreveu : " Para a sua fe-
licidade o operá rio norte- americano morre jovem . Para sua

31 . Hollitscher , citado por O . Ermansky em A Organização Científica do Tra -


balho do Sistema Taylor ( ed . russa ) , conta que um grande n ú mero de operá -
rios norte - americanos gasta dez dólares por m ês em estimulantes à base de
arsé nico . Valia bem a pena conquistar estes dez d ó lares de sal á rio para se en -
venenarem!
32 . Os operá rios norte - americanos pintam o cabelo para dissimular a idade .
Os que n ão t ê m dinheiro para a tinta usam betume ( ob . cit . )
,

128
Princípios de Economia Política I . Lapidus/ K. Ostrovityanov

felicidade, dizemos, porque o destino que o espera é de men -


digo, suicida ou criminoso de direito comum por necessidade.
Os que querem ver o espet á culo desesperante da morte lenta
dos homens deem uma olhadela aos h ó teis populares de Kan -
sas City ou da Rua Clark no Sul de Chicago, que vejam as filas
de miserá veis que esperam pela sua raçã o nas portas dos re-
feitó rios do Exé rcito de Salva çã o e de outras missões que dis-
tribuem um pouco de pã o e açú car, que vejam estas filas in -
termin á veis nas quais, às vezes, dois ou tr ês mil homens es-
peram pacientemente e em sil ê ncio a sua vez".
Estas linhas datam do ano de 1919, antes da guerra .
Mas as recorda ções de antes da guerra n ã o sã o nada em com -
para çã o com a situa çã o da classe operá ria depois da guerra .
A racionaliza çã o da produ çã o, que foi proclamada e a -
plicada , primeiro na Argentina , depois em Itá lia , Fran ça e In -
glaterra , significa a transplanta çã o para a Europa de todas as
vantagens do taylorismo e do fordismo.
Um aumento extraordin á rio da intensidade do traba -
lho é o primeiro resultado . Mas isto n ã o basta para definir a
racionaliza çã o capitalista .
Pareceria natural que se encurte a jornada de trabalho
e se aumentem os salá rios depois de se produzir um forte au -
mento da intensidade do trabalho. Mas, pelo contr á rio, vemos
que a jornada se prolonga o má ximo.
Em diversos pa íses, It á lia , Inglaterra , Alemanha e ou -
tros, vemos a burguesia sustentar uma vigorosa ofensiva con -
tra a jornada de 8 horas. Tal ofensiva tem por resultado a li -
quida çã o quase completa , em certos pa íses, da mais valiosa
conquista do movimento operá rio europeu , conquista que lhe
custou uma longa e dif ícil luta e muitos sacrif ícios. Em vá rios
pa íses a jornada de trabalho atinge 10, 12 e até 15 horas.

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Princ í pios de Economia Pol í tica I. Lapidus/K. Ostrovityanov

Veremos mais adiante, no cap í tulo do salá rio, que a


racionaliza çã o capitalista ocorre juntamente com uma dimi -
nui ção repentina dos sal á rios. Tais fatos demonstram de
forma cada vez mais dura que a ú nica sa ída para a classe ope-
rá ria se encontra na aboli çã o do modo de produ çã o capita -
lista e, por conseguinte, de qualquer tipo de explora çã o.

Capítulo IV: A mais-valia na URSS

23. Característica geral da economia da URSS


Agora , que conhecemos em linhas gerais a natureza da
mais-valia , forma específica da explora çã o capitalista , impõe-
nos a questã o seguinte: Em que medida a categoria da mais-
valia será aplicá vel à economia da URSS?
Devemos, para responder , definir , ainda que breve-
mente, a economia da URSS. J á em 1918, Lenin , discutindo
com os comunistas da esquerda , definiu essa economia como
formando a transiçã o do capitalismo ao socialismo. Escrevia :
" Ningu é m negou ainda o car á ter transit ó rio dessa economia .
Mas, que significa a palavra transiçã o? N ã o significa , aplicada
à economia , que dada sociedade encerra elementos, parcelas,
part ículas de capitalismo e socialismo? Todos o reconhecem .
Mas todo mundo, em o reconhecendo, n ão reflete na natureza
precisa destes elementos de diversas rela ções econ ó mico-so-
ciais existentes na R ú ssia . No entanto, tudo está a í . Enumere-
mos esses elementos: I ) economia camponesa patriarcal , isto
é, natural , em larga escala ; 2 ) pequena produ çã o de mercado-
rias (a esta categoria pertence a maior parte dos camponeses
que vendem trigo) ; 3) capitalismo privado; 4 ) capitalismo de
Estado; 5) socialismo. A R ú ssia é tã o grande e diferenciada ,
que os diversos tipos econ ómicos e sociais se misturam . É o
que a situaçã o tem de original " .

130
Princípios de Economia Política I . Lapidus/ K. Ostrovityanov

O conte ú do das três primeiras formas econ ó mico-so-


ciais n ã o suscita d ú vidas e n ã o precisa , portanto, ser expli -
cado. Ao contrá rio, a significa ção, que Lenin dava à s noções
de capitalismo de Estado e de socialismo, gera vivas discus-
sões . Alguns afirmam que a noçã o de capitalismo de Estado
abrange a economia sovi é tica por inteiro e que a ind ú stria es-
tatal deve ser considerada parte do capitalismo de Estado.
O que pensava Lenin ? No texto, que acabamos de citar ,
capitalismo de Estado é mencionado só em quarto lugar , no
mesmo plano que as outras formas, o que parece permitir in -
terpretar a noçã o de capitalismo de Estado em sentido restrito
mais do que em um sentido lato.
Mas Lenin deixou outras indica ções sobre o que en -
tendia por capitalismo de Estado, indica ções estas que n ã o
permitem nenhum equ ívoco. Para começar, ele deu a defini -
çã o geral seguinte : "O capitalismo de Estado é o capitalismo
que saberemos limitar ao qual estabeleceremos limites. Este
capitalismo de Estado est á ligado ao Estado e o Estado sã o os
operá rios, são os operá rios avan çados, e a vanguarda operá -
ria , somos n ós".
Lenin compreendia , portanto, por capitalismo de Es-
tado, em nossas condi ções, o capitalismo colocado sob con -
trole do Estado prolet á rio . Mas, n ã o se limitando a essa defi -
ni ção geral , ele enumerava , em 1921 , na sua brochura O im-
posto em espécie, as formas concretas do capitalismo de Es-
tado existentes naquela é poca .
Ele a í fazia entrar, antes de tudo, as concessões: "Que
é uma concessã o no sistema sovi é tico, do ponto de vista das
formas econ ô mico-sociais e suas rela ções? É um contrato,
um cartel , a alian ça do poder proletá rio, do Estado proletá rio
com o capitalismo de Estado, contra a pequena propriedade

131
Princ í pios de Economia Pol í tica I. Lapidus/K. Ostrovityanov

( patriarcal e pequeno- burguesa ) . O concession á rio é um ca -


pitalista . Ele conduz os negócios como capitalista para reco-
lher lucros. Ele consente em contratar com o poder prolet á rio
a fim de obter um lucro excepcional , superior ao normal , ou ,
ent ã o, maté rias primas que n ã o poderia obter ou obteria difi -
cilmente de outro modo. O poder dos Sovietes lucro com o
desenvolvimento das for ças produtoras e o aumento da quan -
tidade dos produtos".
Assim , Lenin considerava como capitalismo de Estado
o emprego do comerciante na qualidade de intermediá rio que
ganha uma comissã o, na organizaçã o da venda ou compra de
produtos e, enfim , a loca çã o, pelo capital privado, de empre -
sas pertencentes ao Estado. "Consideremos uma terceira for -
ma 33 de capitalismo de Estado . O Estado faz intervir o capita -
lista na qualidade de comerciante, paga - lhe uma comissã o
determinada pela venda dos seus produtos ou compra dos
produtos do pequeno produtor. Quarta forma : o Estado cede
em locaçã o ao patr ã o capitalista um estabelecimento, uma in -
d ústria , uma floresta , ou terras".
Lenin n ã o se limita a definir e concretizar a noçã o de
capitalismo de Estado; coloca , també m , claramente e sem e-
qu ívoco, nossa ind ú stria de Estado nas formas socialistas da
economia .
Observemos, desde j á , que, nos cinco regimes econ ó-
micos que ele menciona , figura a forma socialista da econo-
mia . Se nossa ind ústria estatal fosse capitalismo de Estado,
n ã o se compreenderia o que Lenin haveria de chamar a forma

33. Na sua brochura O imposto em espécie, d écada de 1921 , Lenin considera


a coopera ção como uma segunda forma de capitalismo do Estado. Examina -
remos, mais adiante , a natureza da coopera çã o e sua jun çã o na constru çã o
socialista . Ver os cap í tulos “ O capitai comerciai e o lucro comerciai na URSS"
e “Da acumulação socialista".

132
Princípios de Economia Política I . Lapidus/ K. Ostrovityanov

socialista . Se fosse impossível fazer entrar nossa ind ú stria es-


tatal na concepçã o de socialismo, que se poderia a í colocar?
E , se as formas socialistas n ão existem na economia da URSS,
por que as mencionaria Lenin ?
H á mais, contudo: no seu artigo sobre "a coopera çã o",
Lenin chama as empresas estatais "empresas do tipo socia -
lista consequente " e explica entre parê nteses o que as carac-
teriza: é que os meios de produ çã o, o solo em que est á a em -
presa e a pró pria empresa , tudo pertence ao Estado".
Lenin n ã o colocava , pois, entre os elementos de capi -
talismo de Estado sen ão as concessões, as empresas arren -
dadas aos particulares e todas as formas de utiliza çã o do ca -
pital privado em condi ções determina das por contrato sob o
controle do Estado . Quanto à ind ú stria do Estado, ele a rela -
cionava aos elementos socialistas da economia . E conside-
rava a economia sovi é tica , em seu conjunto, como uma eco-
nomia de transiçã o do capitalismo ao socialismo .
N ã o se pode, pois, dar uma resposta geral à quest ã o
da mais-valia na economia da URSS. Teremos que dar dife-
rentes respostas, correspondentes às rela ções de produ çã o
que caracterizam as diversas formas econ ómicas existentes.

24. A questão da mais-valia na ind ústria estatal da


URSS
A categoria da mais-valia aplica -se à ind ú stria de Es-
tado? At é que ponto tinha Lenin razã o de relacionar esta in -
d ústria com os elementos socialistas da economia sovi é tica ?
Estas quest ões interessam - nos acima de tudo. Devemos, para
as responder, reportar- nos às rela ções de produ çã o, que se
descobrem por detrás da mais-valia , a fim de as comparar às
rela ções de produ çã o existentes na ind ú stria estatal da URSS.

133
Princ í pios de Economia Pol í tica I. Lapidus/K. Ostrovityanov

Que relações de produ ção se dissimulam por detrás da mais-


valia ? A mais-valia supõe: 1 ) exist ê ncia do valor em geral , isto
é, a troca de mercadorias; 2 ) a concentração, nas m ã os dos
capitalistas, dos meios de produ ção, o monopólio capitalista ;
3) o trabalho assalariado.
Esse conjunto de fatores condiciona a cria çã o da mais-
valia , de que se apropria o capitalista . Este e o mecanismo da
exploraçã o capitalista . Sem esta razão espec í fica , n ã o h á nem
pode haver capitalismo.
Vejamos, agora , rela ções existentes nas nossas ind ú s-
trias estatais e comparemo- las às relações capitalistas. Come-
cemos pela primeira condi çã o da mais-valia , pelas relações
comerciais regidas pela lei do valor . Parece - me que tal fan -
tasma n ã o tem influ ência decisiva , por menor que seja , sobre
uma resposta a dar à quest ã o da exist ê ncia da mais-valia na
URSS. É verdade que é absurdo falar de mais-valia quando
falta o com é rcio, quando n ã o h á valor em geral; mas, por ou -
tro lado, o com é rcio n ão supõe necessariamente as rela ções
capitalistas e a existê ncia da mais-valia . Limitemo- nos a men -
cionar a simples produ çã o de mercadorias, que estudamos no
capitulo do valor e, um pouco, no capí tulo da mais-valia . Ve-
mos a í rela ções comerciais regidas pela lei do valor, mas n ã o
vemos mais-valia . Tudo isto pode ser aplicado sem restri ções
à ind ústria estatal da URSS A existê ncia de relações comerci -
ais na ind ú stria da URSS e tudo o que da í decorre - circula çã o
monetá ria , sistema bancá rio, etc. - n ã o demonstra o cará ter
capitalista desta ind ú stria . Podemos, pois, cortar a quest ã o da
aplica çã o ou n ã o aplica çã o da categoria da mais-valia à in -
d ústria estatal da URSS independente da medida em que as
rela ções comerciais dominam , e em que a lei do valor atua na

134
Princípios de Economia Política I . Lapidus/ K. Ostrovityanov

economia da URSS em geral, e da indústria de Estado em par


ticular.34
Não teremos razão de considerar a nossa indústria es -
tatal como um elemento do capitalismo ou do capitalismo de
Estado, se não descobrirmos nela, além das relações comer -
ciais, os dois outros índices caracterí sticos da mais-valia: a
existência de uma classe capitalista e do trabalho assalariado.
Detenhamo-nos no segundo, a existência de uma clas-
se capitalista, possuidores dos meios de produção. Tal classe
falta na nossa indústria estatal, que pertence à classe oper ária
organizada em Estado. Assim, o índice determinante das re-
lações sociais especificamente capitalistas - a existência de
classe capitalista - não se aplica à nossa indústria estatal.
Que dizer do terceiro índice, da exploração capitalista
do trabalho assalariado? Desde que não há entre nós capita-
listas e que os meios de produção pertencem à classe oper á -
ria, não se pode falar de trabalho assalariado. Esta conclusão
pode parecer estranha a muitos, mesmo depois do que j á le-
mos dito. Como negar a existência de trabalho assalariado
nas nossas empresas estatais, quando todos sabem por expe-
riência pr ópria que nossos oper ários assinam contratos, re-
cebem salários, etc., como no regime capitalista? Mas sabe-
mos que formas exteriores idênticas dissimulam muitas vezes
relações sociais profundamente diferentes. As relações exis-
tentes nas nossas empresas estatais poder ão ser considera-
das como pertencentes ao assalariamento no sentido em que
o compreendemos, tratando- se do capitalismo? A noção do
assalariamento implica a transformação da força de trabalho
em mercadoria. A mercadoria supõe a troca entre dois pos-
suidores de mercadorias, isto é, no caso, entre o capitalista

34. Esta questão será examinada em detalhe no §38 " O valor na URSS".

135
Princ í pios de Economia Pol í tica I. Lapidus/K. Ostrovityanov

possuidor dos meios de produ ção e o operá rio, possuidor da


for ça de trabalho. Na nossa ind ú stria estatal , a classe operá ria
organizada em Estado é o possuidor dos meios de produ çã o
e de subsistê ncia . Nossos diretores vermelhos n ã o são, como
os dirigentes e administradores dos ó rgã os econ ó micos das
nossas empresas estatais, mais do que funcion á rios ou co-
missá rios da classe operá ria . Cada operá rio representa uma
parcela da classe operá ria . A quem vende ele a sua força de
trabalho? Na verdade , vende-a à classe operá ria , de que ele
pró prio é uma parcela e que é a propriet á ria de todas as em -
presas estatais. Para melhor elucidar tal ideia , comparemos o
operá rio na nossa ind ústria estatal ao artesã o . Por analogia
com o modo capitalista de produ çã o, podemos dividir o tra -
balho do artesã o do mesmo modo que o do operá rio da fá -
brica capitalista . Podemos considerar a parte do trabalho que
o artesã o despende para produzir os artigos que consome,
como representando o valor da sua força de trabalho; o que
al é m disso ele cria e despende , por hipó tese, no melhora -
mento e desenvolvimento do seu of ício, n ós podemos com -
parar à mais-valia . Mas estas rela ções do artesanato ter ã o al -
guma coisa em comum com as do modo capitalista de produ -
çã o? Só terã o em comum a aparê ncia . Pode-se dizer outro
tanto da nossa ind ú stria estatal , com tal diferen ça ainda : que
a empresa do artesã o é individual enquanto a do proletariado
é coletiva . Na ind ú stria sovié tica estatal do proletariado, os
operá rios sã o coletivamente possuidores dos meios de pro-
du çã o e de subsistê ncia e, assim , como o artesã o, n ã o podem
explorar -se a si mesmos e n ã o se podem vender a si mesmos
a sua força de trabalho coletiva . Se, pois, empregamos em re-
la çã o à nossa ind ú stria estatal , expressões capitalistas como
o termo "sal á rio", isto n ã o caracteriza mais que a forma exte-

136
Princípios de Economia Política I . Lapidus/ K. Ostrovityanov

rior dos fen ô menos, sob os quais se dissimulam já novas re-


la ções sociais socialistas. N ã o importa o fato de que a parte
da produ çã o social que entra no consumo pessoal do operá -
rio dependa , em larga escala , do valor dos meios de consumo,
que se determina sobre a base habitual das rela ções comerci -
ais, isto é, do mesmo modo que o valor da força de trabalho
em regime capitalista . A parte da produ çã o consumida pelo
artesã o depende també m do mercado . Nem por isto conside -
ramos o artesã o como oper á rio assalariado .
O quarto í ndice do capitalismo consiste na apropria -
çã o do trabalho suplementar do operá rio, sob forma de mais-
valia , pelo capitalista possuidor dos meios de produ çã o. O ca -
pitalista emprega esta mais-valia em satisfazer as suas pró-
prias necessidades, a conservar uma popula ção de n ã o pro-
dutores que o ser vem , e diversas instituições burguesas cujo
objetivo é manter a sua domina çã o e, enfim , a desenvolver a
sua pró pria produ çã o. Ao contrá rio, para que serve o trabalho
suplementar do operá rio em nossa ind ú stria sovi é tica estatal ?
Serve para melhorar as condi ções dos oper á rios, para fundar
escolas, jardins de infâ ncia , cursos para adultos, faculdades,
estabelecimentos de ensino superior , hospitais, habita ções o -
perá rias, cria çã o de institutos culturais para satisfazer às ne-
cessidades da classe oper á ria . Grande parte do produto su -
plementar é consagrada ao desenvolvimento da ind ú stria so-
cialista estatal , mas é ainda a classe operá ria que ter á , com
isto, os benef ícios. O produto suplementar assim colocado lhe
será restitu ído com o tempo . Uma parte deste produto é ainda
absorvida pelas necessidades do Estado operá rio: administra -
çã o, defesa do Estado prolet á rio, etc.
No Estado capitalista , os capitalistas exercem o poder.
A manuten çã o do Estado e suas instituições servem aos inte-
resses da burguesia . Na URSS, os operá rios estã o no poder e

137
Princ í pios de Economia Pol í tica I. Lapidus/K. Ostrovityanov

é, por consequ ê ncia , servir aos interesses da classe oper á ria


e prover as necessidades do Estado.35
Assim , as rela ções de produ çã o das nossas empresas
nada t ê m de comum , sen ã o a forma , com as relações capita -
listas e n ã o podemos falar , no que concerne às nossas indus-
trias estatais, nem de explora çã o, nem de mais-valia . Como
chamar entã o o produto do trabalho suplementar dado pelo
operá rio ao Estado? Uns propõem o nome de " produto suple-
mentar"; outros propõem a manuten çã o do antigo termo ca -
pitalista de " mais-valia "; outros, enfim , propõem a denomi -
naçã o nova de " mais-valia socialista ". Nenhuma dessas ex -
pressões corresponde à natureza das rela ções de produ çã o
existentes em nossa ind ú stria estatal . A expressã o " produto
suplementar " é inadequada , porque supõe rela ções naturais,
enquanto que a troca permanece entre n ós. A mais-valia su -
põe, como já expusemos, a explora çã o capitalista , que n ã o
existe em nossas empresas . A expressã o " mais-valia socialis-
ta " encerra uma contradi çã o intr í nseca , porque o socialismo
n ã o conhecerá nem valor , nem , com mais forte razã o, mais-
valia . Forçoso é resignarmo- nos, por enquanto, à inexistê ncia
de uma expressã o correspondente às rela ções de produ çã o
que se estabelecem em nossa ind ú stria estatal . Assim , é pre-
ciso, usando de alguns desses termos, ter sempre em mente
o que eles t ê m de convencional e inadequado às relações es-
tabelecidas em nossa ind ústria de Estado.
Convenhamos em usar em nossa exposi çã o, a expres-
sã o " produto suplementar", embora considerando seu cará ter

35 . É necessá rio notar que parte do produto suplementar do trabalho dos


operá rios da ind ú stria estatal ainda volta ao capital passado . Examinaremos
esta questão ao tratarmos do capital e do lucro comerciais .

138
Princípios de Economia Política I . Lapidus/ K. Ostrovityanov

convencional . Tal expressã o tem ao menos a vantagem de in -


dicar com justeza a tend ê ncia do desenvolvimento de nossa
economia para as rela ções naturais da economia socialista .
É de notar que a contradi çã o entre a forma e o conte-
ú do existe també m em regime capitalista e se manifesta do
mesmo modo na transi çã o da feudalidade para o capitalismo.
Marx escreve: "A decomposi çã o do valor , materializan -
do o trabalho novamente ajustado em proventos sob a forma
de sal á rio, lucro e renda territorial , parece t ã o natural , por si
mesma , originada à base do modo capitalista de produ çã o,
que este m é todo é mesmo aplicado onde as condi ções prim á -
rias destas formas de proventos faltam completamente . Vale
dizer que se lhes assimila , por analogia , tudo o que se quer .
Demais, estas espécies de assimila çã o caracterizavam igual -
mente os modos anteriores de produ ção, por exemplo o modo
feudal . Fazia -se entrar nesse modo rela ções de produ çã o que
a ele n ã o correspondiam de forma alguma e lhe eram com -
pletamente estranhos". ( O Capital, Livro 111, 2 . a parte ) .
Devemos, para concluir , determo- nos em um erro bas-
tante vulgarizado, que consiste em tentar separar as noções
de explora çã o e mais-valia : com efeito, diz -se, o mercado e a
troca existem , portanto, o valor existe també m ; logo, pode-se
falar de mais - valia sem explora çã o. Examinaremos, mais tar -
de, em detalhe , esta quest ão de saber em que medida a mais-
valia existe entre n ós.
Limitemo- nos por ora a considerar que o valor é uma
categoria presente em toda economia fundada na troca , ao
passo que a mais-valia é especificamente capitalista .
A noção de explora çã o n ã o pode de modo algum ser
separada da de mais- valia , visto n ã o ser a mais-valia sen ã o a
forma especificamente capitalista da explora çã o . Os que ten -
tam , negando a exploração nas empresas sovi é ticas estatais,

139
Princ í pios de Economia Pol í tica I. Lapidus/K. Ostrovityanov

encontrar nelas a produ ção de mais-valia , caem em uma con -


tradi çã o insol ú vel e transformam a mais-valia , categoria his-
t ó rica pró pria somente do capitalismo, em uma categoria ge-
ral pró pria de toda economia fundada na troca .
Mencionemos, por fim , o argumento, que se atira às
vezes contra o cará ter socialista das rela ções de produ çã o que
se estabelecem nas nossas empresas estatais, tirado do fato
de viverem nossos operá rios mais pobremente do que os ou -
tros dos pa íses capitalistas mais adiantados, em vez de terem
uma cultura mais alta , e do fato de viverem estes operá rios às
vezes piores do que os das empresas capitalistas privadas. Os
que formulam estas objeções confundem , mais uma vez, duas
coisas diferentes. Uma coisa é o n ível do bem -estar material
e outra a estrutura das rela ções sociais.
É verdade que tivemos, por diversos motivos - e em
seguida a duas guerras: guerra imperialista e guerra civil -
uma diminui çã o t ão grande do bem -estar material , que só a -
gora começamos a nos aproximar do n ível de pré-guerra .
Mas o fato de sermos pobres n ã o torna capitalistas as
rela ções estabelecidas em nossa ind ú stria estatal , do mesmo
modo que o sal á rio elevado pago em uma empresa capitalista
n ão suprime rela ções capitalistas da produ ção. " Do mesmo
modo - diz Marx - que melhores roupas, alimenta çã o melhor,
um melhor tratamento e certa reserva de dinheiro n ã o supri-
mem para o escravo rela ções de depend ê ncia e explora çã o,
n ã o as suprimem també m para o operá rio assalariado".
A desigualdade na remunera çã o do trabalho qualifi -
cado e do trabalho simples, do trabalho intelectual e do tra -
balho f ísico, que existe na nossa ind ú stria estatal , n ã o confere
també m um cará ter capitalista às nossas empresas, pois n ã o
se encontram aqui duas classes sociais de que uma n ã o viva
do seu trabalho, mas da explora çã o do trabalho da outra . N ã o

140
Princípios de Economia Política I . Lapidus/ K. Ostrovityanov

institu í mos ainda o socialismo integral , mas o socialismo in -


tegral també m n ã o é ainda comunismo: é apenas a sua pri -
meira fase e , por isto tudo, será preciso necessariamente ad -
mitir , até certo ponto, mesmo em regime socialista , a desi -
gualdade material .
"Somente na fase superior da sociedade comunista -
escreve Marx - somente quando a hierarquia servil dos indi -
v íduos na divisã o do trabalho tiver desaparecido e com ela a
contradi çã o entre o trabalho intelectual e trabalho f ísico; so-
mente quando o trabalho se tornar a primeira necessidade vi -
tal em vez de ser só um meio de exist ência ; quando as forças
produtoras aumentarem o desenvolvimento harmonioso da
individualidade; quando todas fontes de riqueza social se pu -
serem a jorrar com abund â ncia ; somente entã o a estrita men -
talidade jur ídica burguesa cairá completamente em desuso e
a sociedade escreverá em sua bandeira : ' De cada um , segundo
suas forças, a cada um , segundo suas necessidades'".

25. A mais-valia em outras formas da economia soviética


Uma vez resolvida a quest ã o essencial da mais-valia
nas empresas sovié ticas, estatais, n ão nos é dif ícil resolvê- la
cm rela çã o às outras formas econ ó micas existentes na URSS.
Consideremos empresas relacionadas ao capitalismo
de Estado. Concebe -se que tenhamos aqui , em conjunto, re-
lações que lembram as do capitalismo. H á um capitalista que
possui os meios de produ çã o, ao qual se opõe o operá rio que
vende a sua for ça de trabalho e cria a mais-valia .
Mas o capitalismo de Estado, sendo ligado por con -
trato ao Estado proletá rio, que lhe cede o solo e às vezes parte
dos instrumentos por um tempo determinado, o fato de ser
tal capitalismo colocado, de modo geral , sob controle do Es-
tado sovi é tico, confere - lhe tra ços específicos e determina - lhe

141
Princ í pios de Economia Pol í tica I. Lapidus/K. Ostrovityanov

modificações particulares em sua natureza social . "... o capi -


talismo de Estado em uma sociedade onde o capital deté m o
poder e o capitalismo de Estado em um Estado prolet á rio, sã o
duas noções diferentes. No Estado prolet á rio, a mesma coisa
se observa em proveito da classe operá ria ".
Procuremos mostrar o proveito que a classe operá ria
retira do capitalismo de Estado. O capitalismo de Estado con -
tribui , antes de mais, para desenvolver as forças produtivas.
Al é m disto, o proletariado, no poder, recupera , gra ças ao ca -
pitalismo de Estado, parte da mais-valia capitalista em favor
do Estado proletá rio . Esta operação efetua -se por meio de im -
postos, alugu é is, pagamento de concessões, etc. Compre-
ende-se que a parte de mais-valia criada pelos operá rios das
empresas relacionadas ao capitalismo de Estado e que volta
ao Estado, isto é, à classe oper á ria , deixa na realidade de ser
mais-valia e tem os mesmos caracteres que o produto suple-
mentar do trabalho dos operá rios das ind ústrias estatais.
Pode-se dizer a mesma coisa , embora em grau menor ,
do capitalismo privado. Primeiramente, seu desenvolvimento
é limitado por disposi ções legais. Depois, o Estado prolet á rio
recupera , sob a pressã o fiscal pelo fornecimento de maté rias
primas e instrumentos de trabalho, ou pelo com é rcio estatal ,
parte da mais -valia .
Mas, de modo geral , estamos aqui em presen ça de re-
lações tipicamente capitalistas e a maior parte do produto su -
plementar torna -se uma mais-valia autê ntica . Parecerá , ago-
ra , que temos ainda que examinar a questã o da mais-valia nas
duas outras formas da economia sovi é tica , a saber: na econo-
mia natural e na simples produ çã o de mercadorias, mas, na
verdade, já o fizemos nos capí tulos precedentes.

142
Princípios de Economia Política I . Lapidus/ K. Ostrovityanov

LIVRO TERCEIRO: O SALÁ RIO

Cap ítulo V: O salá rio na economia capitalista

26. O salá rio, preço da força de trabalho; as formas de


salá rio
O lucro é a meta de todo o capitalista . Ora , como sa -
bemos, a mais-valia criada por oper á rios no processo de pro-
du çã o é a ú nica fonte de lucro. O capitalista só pode apro-
priar-se desta mais-valia porque é o propriet á rio das m á qui -
nas e meios de produ ção, sem os quais o operá rio n ã o pode
empregar a sua força de trabalho.
O segredo da produ çã o de mais-valia est á no fato de
quando o capitalista compra a força de trabalho só paga ao
operá rio o valor desta força , e n ã o o valor que o trabalho cria .
Deste modo, a força de trabalho transforma -se, no regime ca -
pitalista , em uma mercadoria que tem um determinado valor.
Mas tal valor - como o de qualquer mercadoria - tem de en -
contrar a sua expressã o em um equivalente determinado, e o
faz frequentemente em uma soma de dinheiro que é o preço
da força de trabalho e se chama sal á rio .
Pode parecer , a julgar pelas aparê ncias, que o sal á rio
n ão só paga a força de trabalho, mas també m o trabalho rea -
lizado pelo operá rio durante a sua jornada . É o que pensam
os capitalistas que tê m muito interesse em manter tal concep-
çã o erró nea do sal á rio; é o que pensa por vezes o operá rio. A
explicaçã o é esta : 1 ) o operá rio d á ao capitalista , em troca do
pagamento, todo o seu trabalho de uma jornada ; 2 ) o operá rio
recebe o pagamento depois de o processo de trabalho ter ter -
minado, e n ão antes.
Deste modo, a forma sal á rio dissimula e obscurece as
rela ções entre oper á rios e capitalistas. Mas j á explicá mos o

143
Princ í pios de Economia Pol í tica I. Lapidus/K. Ostrovityanov

suficiente a essê ncia do sal á rio preço da força de trabalho, ao


estudar a mais-valia .
Como j á dissemos, é frequente expressar o preço da
for ça de trabalho ou sal á rio em uma soma de dinheiro . Fala -
mos neste caso na forma dinheiro do trabalho.
Nos primeiros tempos do desenvolvimento da socieda -
de capitalista era bastante frequente outra forma de sal á rio, o
sal á rio em espécie . Neste caso, o oper á rio n ã o recebia dinhei -
ro, mas sim uma quantidade determinada de produtos que ele
pró prio produzia na fá brica ou de produtos necessá rios para
a sua subsist ê ncia e para a da fam ília ( pã o, roupa , etc. ) que o
patrã o tinha comprado no mercado.
Pouco a pouco, o desenvolvimento do capitalismo eli -
mina estas formas de retribui çã o em espécie .
Mas se o sal á rio representa certa soma de dinheiro,
compreende-se que é necessá rio considerar na aprecia çã o da
sua quantidade, n ã o o dinheiro em si , mas sim a quantidade
real de meios de existê ncia que este dinheiro representa . Se,
por exemplo, dois operá rios, um de Moscou e o outro de Sa -
mara , recebem dois rublos di á rios cada um , podemos dizer
que o sal á rio é o mesmo? Aparentemente podemos, se julgar-
mos a soma de dinheiro que recebem (sal á rio nominal ) . Mas
se examinarmos o problema mais de perto, se nos perguntar -
mos o que cada operá rio pode comprar com dois rublos, tudo
se modifica . Primeiro, o operá rio precisa de alimentos para
manter a sua for ça de trabalho . O operá rio russo gasta quase
metade do seu orçamento com a alimentaçã o. 36 Quase um
quarto gasta -o em renda de casa .37 Ora , os alimentos e a ha -

36. Segundo o censo de 1908, 47 , 96%.


37. Segundo o mesmo censo, 23, 01 % .

144
Princípios de Economia Política I . Lapidus/ K. Ostrovityanov

bitaçã o sã o mais baratos em Samara que em Moscou . Por-


tanto, o sal á rio real do oper á rio de Samara , ao contrá rio do
sal á rio nominal , será superior ao sal á rio real do operá rio de
Moscou .
A forma de pagamento da força de trabalho (em dinhei -
ro ou em espécies) e o modo de calcular o sal á rio sã o tã o im -
portantes para o oper á rio como para o capitalista .
Na sociedade capitalista conhecem -se duas formas es-
senciais de sal á rio: sal á rio por tempo e sal á rio à peça .
O operá rio pago por tempo recebe um determinado sa -
l á rio por hora , dia , semana ou m ês.
O operá rio pago à peça recebe conforme a quantidade
de mercadorias que produz, independentemente - na aparê n -
cia - do tempo de trabalho . Qual é o resultado desta forma de
sal á rio?
O operá rio remunerado por tempo n ã o tem particular
interesse em trabalhar intensivamente, pois, trabalhe mais ou
menos, o salá rio da jornada n ã o se altera . O operá rio pago à
peça tem sempre presente que quanto menos faz , menos re-
cebe. No caso do sal á rio di á rio, o capitalista tem que manter
um corpo de capatazes para vigiar os operá rios durante o tra -
balho. No trabalho à peça tal vigil â ncia é in ú til , pois o pró prio
sistema disciplina o operá rio e obriga -o a trabalhar mais in -
tensamente. E quanto mais intensamente trabalha maior é a
mais-valia para o capitalista .
Mas como se determina o salá rio que o operá rio pago
à peça recebe por cada uma ? N ã o é dif ícil adivinhar que , como
o sal á rio deve proporcionar ao oper á rio o valor dos meios so-
cialmente necessá rio à sua subsistê ncia , o sal á rio à peça deve
calcular-se de modo que o oper á rio m é dio possa ganhar na
sua jornada o que necessita para recuperar as forças. Supo-

145
Princ í pios de Economia Pol í tica I. Lapidus/K. Ostrovityanov

nhamos que cada operá ria de uma oficina de confecçã o cos-


ture, em m é dia , cinco camisas por dia . Suponhamos que pre -
cisa para viver de $4 por dia . É evidente que o equil í brio da
for ça de trabalho só pode ser mantido se a oper á ria recebe
$0, 80 por camisa .38 Consideremos que o capitalista lhe ofe -
rece precisamente este preço. Será que as operá rias se limi -
tam a costurar cinco camisas por dia ? A operá ria que vive em
uma pobreza tentará produzir mais para ganhar mais e fará ,
por exemplo, seis camisas por dia , o que proporcionará um
sal á rio de $4, 80. Uma operá ria habilidosa será imitada por
outras; produzir-se-á uma certa emula çã o, porque cada ope -
rá ria quer produzir mais do que as outras. Pode ser que acon -
teça muitas oper á rias produzirem mais de seis camisas por
dia . Que se passará ent ã o? Como uma oper á ria m é dia costura
agora seis camisas por dia , basta -lhe para viver que receba
por cada camisa $4 divididos por seis, ou seja $0 , 66.39 Se, ao
preço de um novo esfor ço, as operá rias conseguem produzir
como termo m édio sete camisas por dia , o preço que recebe
por camisa baixará de novo, desta vez, para $0, 56.
Deste modo, a vantagem que os oper á rios tiram do tra -
balho à peça recorda o pássaro azul que os meninos do drama
de Maeterlinck procuravam . Cada vez que pensavam t ê-lo en -
contrado, mal o tinham nas m ã os, o pá ssaro azul tornava -se
cinzento.
A tensã o extrema do trabalho, consequ ê ncia do traba -
lho à peça , é nefasta para a classe oper á ria . Conduz ao can -

38 . Supomos naturalmente a procura igual à oferta .


39 . També m n ão consideramos o aumento de consumo dos meios de existên -
cia provocado por uma maior intensidade de trabalho . Vimos anteriormente
( livro II ) que , no mesmo caso, o capitalista não perde nada com a intensidade
do trabalho que se obté m com o trabalho à peça .

146
Princípios de Economia Política I . Lapidus/ K. Ostrovityanov

saço cró nico, ao nervosismo, à deterioraçã o prematura do or-


ganismo do trabalhador; al é m da baixa do sal á rio, o trabalho
à peça provoca competi ção, inveja e desacordo entre oper á -
rios . Al é m disso, també m pode acontecer que a recompensa
do esforço dos operá rios seja a demissã o, pois a produ çã o
mais forte de cada trabalhador permite empregar menos tra -
balhadores para determinada tarefa . Finalmente , o trabalho à
peça pode dar uma ideia equivocada do sal á rio. Parece que
cada peça feita pelo operá rio lhe é paga , enquanto que na re-
alidade o capitalista só lhe paga uma parte do valor do pro-
duto do seu trabalho . Esconde-se, deste modo, a explora çã o.
Esta a razã o por que nos pa íses capitalistas os operá rios or -
ganizados lutam desde h á tempo contra o trabalho à peça e
pedem o sal á rio por hora , por jornada ou por semana .
Al é m destes dois modos fundamentais de calcular o
sal á rio, existem na sociedade capitalista vá rios outros modos
secund á rios.
Tais modos caracterizam -se em todas as suas varieda -
des pela inten çã o de dissimular o car á ter de classe da socie-
dade capitalista , pela inten çã o de ocultar a pró pria exploraçã o
e de obrigar o oper á rio, oferecendo- lhe falsas vantagens, a
trabalhar mais intensamente sem necessidade de empregar a
viol ê ncia exterior .
Em primeiro lugar deve mencionar -se o sistema de bo-
nificações.
Consiste em estabelecer uma determinada norma para
a produ çã o di á ria do oper á rio ( digamos, cinco camisas, como
no nosso exemplo ) . O oper á rio recebe um sal á rio di á rio de-
terminado (suponhamos $4 ) . Mas se a produ ção da jornada é
mais alta que a norma estabelecida , paga -se uma bonifica çã o
por cada peça suplementar .

147
Princ í pios de Economia Pol í tica I. Lapidus/K. Ostrovityanov

Falta - nos dizer que este sistema n ão é mais que uma


variedade do trabalho à peça e, muitas vezes, pior ainda , pois,
como o capitalista considera o pagamento das peças suple-
mentares como uma bonifica çã o, e n ã o como sal á rio normal
da força de trabalho, só paga o trabalho suplementar numa
proporçã o insignificante : se a operá ria coseu duas camisas a
mais, recompensa -a dando-lhe uma bonifica çã o de $ 1 , pa -
gando- lhe, portanto, $0 , 50 por cada camisa confeccionada
para al é m do estabelecido, quando, na realidade, o preço por
cada camisa , segundo a norma , seria de $0 , 80. Ainda que,
quando o capitalista paga à peça a produ ção suplementar,
n ã o a paga , em geral , ao mesmo preço que a produ çã o normal
da jornada .
Assinalemos, em segundo lugar , o sistema da partici -
paçã o operá ria nos lucros.
Neste sistema , o operá rio recebe no fim do ano, al é m
do seu sal á rio, uma soma complementar de dinheiro que , a -
parentemente , representa a parte dos lucros que o capitalista
entrega aos seus operá rios.
N ã o é dif ícil compreender o mecanismo desta partici -
pa çã o nos lucros: o capitalista quer obter dos seus operá rios
um trabalho mais intenso e, com tal fim , interessa -os no ren -
dimento da empresa ; deste modo tenta suscitar neles o senti -
mento de que seus interesses coincidem com os do patrão .
Entende-se que esta participa çã o nos lucros n ã o é
mais que um logro e só prejudica os oper á rios: a percentagem
que o capitalista d á ao operá rio é insignificante , já que toma
a precau çã o de reduzir, previamente, na mesma proporçã o, o
sal á rio principal . 40

40 . Os próprios capitalistas admitem por vezes que a participação operá ria


nos lucras é ficção: "O diretor da Sociedade de Gases de Londres , gabava - se

148
Princípios de Economia Política I . Lapidus/ K. Ostrovityanov

Muitas vezes o oper á rio encontra -se ligado à empresa por um


per íodo de tempo bastante longo, porque o capitalista só pa -
ga “ lucros" ao fim de determinado tempo de casa , um ano,
por exemplo.
N ã o obstante , os operá rios deram -se conta do preju ízo
que lhes causava este sistema , e por isso n ã o se espalhou .
Para concluir , temos de mencionar outra forma de sa -
l á rio: o sistema da escala vari ável . Neste sistema o sal á rio al -
tera -se segundo o preço da mercadoria produzida pelos ope-
rá rios. Sem falar das falsificações e fraudes que podem pro-
duzir -se, recordemos que deste modo o sal á rio depende das
varia ções do mercado. O capitalista que tem que enfrentar os
seus concorrentes diminui o preço de venda das suas merca -
dorias e, com a ajuda da escala vari á vel dos sal á rios, faz recair
nos operá rios parte dos riscos da baixa de preços.

27. Os fatores do salá rio


O sal á rio n ã o é mais que o preço de uma determinada
mercadoria , a força de trabalho. Finalmente, o n ível do sal á rio
determina -se , como todos os preços, pelo valor.
Ao capitalista isolado interessa comprar no mercado
de trabalho e pagá - la pelo preço mais baixo ( quanto menos
pagar pela força de trabalho, maior mais-valia obté m ) , mas
do ponto de vista da sociedade capitalista em seu todo, do
ponto de vista do equil í brio social , n ã o somente interessa que
a força de trabalho se pague hoje ao preço mais baixo, mas
també m que o fluxo de força de trabalho seja constante, isto
é, que esta força n ão deixe de se reproduzir .

na Câ mara do Com ércio, de que a participação operá ria nos lucros não cus-
tava nada aos acionistas ” . ( O . ERMANSKY , A Organização Científica do Traba-
lho). Em russo .

149
Princ í pios de Economia Pol í tica I. Lapidus/K. Ostrovityanov

E isto só é poss ível se o conjunto da classe operá ria


receber pela sua força de trabalho um equivalente que per -
mita , no futuro, reconstituir esta força de trabalho e voltar a
pô- la à disposi çã o do capitalista .
Se houvesse tantos operá rios como os que o capita -
lista precisa , cada operá rio receberia , exatamente, o valor da
sua força de trabalho. Mas n ã o é assim ; a oferta e a procura
da força de trabalho n ã o est ã o equilibradas, ou melhor di -
zendo, quase nunca o est ã o. Esta a razã o por que o preço da
for ça de trabalho, o sal á rio, afasta -se sempre do seu valor,
sendo este, como em qualquer mercadoria , o ponto em torno
do qual oscilam os preços.
Portanto, para conhecer as circunst â ncias de que de-
pende o sal á rio do operá rio na sociedade capitalista devemos
ter claro: 1 ) de que depende o valor da força de trabalho; 2 )
como se produzem modifica ções da oferta e procura da força
de trabalho, que provocam varia ções incessantes dos sal á rios
em torno do valor.
J á sabemos de que depende o valor da força de traba -
lho. Vimos que pode ser maior ou menor conforme o sexo e a
idade do trabalhador , conforme seu grau de cultura e de ins-
tru çã o profissional e, em certa medida , segundo a intensidade
do trabalho.
A situa çã o da força de trabalho no mercado, a procura
do capitalista e a oferta dos operá rios dependem de grande
n ú mero de circunstâ ncias e, antes de mais nada, naturalmen -
te, do estado geral da ind ú stria e da economia .
Nas etapas de desenvolvimento, quando as velhas em -
presas se ampliam ou quando se criam novas, a procura de
m ã o-de-obra pode crescer. Mas como qualquer amplia çã o da
produ çã o é, geralmente, consequ ê ncia de um progresso téc-

150
Princípios de Economia Política I . Lapidus/ K. Ostrovityanov

nico, a procura de m ã o -de-obra aumenta muito mais lenta -


mente que a produ çã o. O capitalista introduz uma m á quina
mais perfeita porque lhe assegura um rendimento de trabalho
superior ao da m á quina precedente , e també m uma maior in -
tensidade de trabalho .
De modo que, se o capitalista duplica a produ çã o da
sua empresa , n ã o precisará , com melhores m á quinas, de du -
plicar o n ú mero dos operá rios. Por exemplo, será suficiente
que aumente a quantidade de operá rios em 50% o que acon -
tece nas etapas de desenvolvimento industrial . Mas, nas con -
di ções de anarquia capitalista , crises e depressões sucedem ,
inevitavelmente, a é pocas de prosperidade . Entã o compreen -
de-se porque a m ã o- de-obra diminui de repente, em n ú meros
absolutos. Inclusivamente , o capitalista despede parte do seu
pessoal .
O numeroso ex é rcito dos que deixaram de trabalhar e
que vai bater às portas dos capitalistas cria , como se percebe,
uma situa çã o tal que o trabalhador que teve a sorte de conti -
nuar a trabalhar na fá brica n ã o pode, para n ã o ser despedido,
sequer sonhar com receber o valor integral da sua força de
trabalho.
O operá rio já n ã o pode agora reproduzir a sua força de
trabalho. Mas qual o resultado desta situa çã o?
Ao capitalista pouco interessa que um operá rio vá em -
bora por n ão estar em condi ções de trabalhar ; existe a reserva
dos desempregados que está à espera de o substituir; os de-
sempregados esperam a chamada dos capitalistas para traba -
lhar, isto é, ser explorados.
A situa çã o do operá rio, quanto a n ível de salá rio, a -
grava -se ainda mais pelo fato de o exé rcito de reserva for -
mado pelos desempregados, que est á à disposi çã o do capita -
lista , aumentar continuamente as suas fileiras com elementos

151
Princ í pios de Economia Pol í tica I. Lapidus/K. Ostrovityanov

que procedem das classes m édias da sociedade, sobretudo do


campo e da pequena burguesia . O desenvolvimento do capi -
talismo, como mais tarde veremos, arruina estes estratos so-
ciais e empurra - os para o proletariado . Como sã o pouco cul -
tos, como tê m exig ê ncias relativamente elementares e sã o d é -
beis na luta contra o capitalista , transformam -se em v í timas
e, ao mesmo tempo, contribuem para a diminui çã o dos sal á -
rios dos demais operá rios.
Isto é que explica ( juntamente com a substitui çã o re-
lativa e constante dos operá rios por m á quinas) que o desem -
prego exista n ã o só em é pocas de decad ê ncia , mas també m
em per íodos de desenvolvimento normal do capitalismo .
Massas enormes de desempregados n ã o se limitam a
procurar trabalho próximo das suas casas. O desenvolvimen -
to das comunicações permite- lhes ir a qualquer parte onde
tê m a esperan ça de encontrar trabalho. Em todos os pa íses,
operá rios das regi ões agr ícolas deslocam -se para as regi ões
industriais. Deste modo, na R ú ssia , grande n ú mero de cam -
poneses muda -se dos campos para Moscou - e para Lenin -
grado e de maneira mais geral para os sub ú rbios industriais
destas cidades. Os camponeses emigraram em massa das re-
giões do Volga para Baku , quando nesta cidade se desenvol -
veu a ind ú stria petrol ífera .
A m ã o- de-obra n ã o se desloca unicamente dentro das
fronteiras de um estado: massas de desempregados deixam
os pa íses atrasados, onde existe uma numerosa classe cam -
ponesa miserá vel e uma pequena burguesia arruinada , para ir
para pa íses industriais onde a m ã o-de -obra é insuficiente e
melhor paga . O Impé rio Russo, Pol ó nia e Itá lia , h á tempo,
proporcionavam m ã o-de-obra à nascente ind ú stria dos Esta -
dos Unidos. Nos ú ltimos 20 anos uma nova reserva de força

152
Princípios de Economia Política I . Lapidus/ K. Ostrovityanov

de trabalho se ofereceu ao capitalismo mundial : é o oceano


humano do Oriente, da China e, sobretudo, do Japã o. 41
Esta é, em geral , a situa ção da for ça de trabalho no
mercado.
Ainda que o operá rio e o capitalista se apresentem no
mercado ambos como propriet á rios de mercadorias, um co-
mo propriet á rio da força de trabalho e o outro como proprie -
t á rio do dinheiro que transformará em sal á rio, sabemos que
nesta luta o oper á rio está condenado a perder. Vimos que o
capitalista tem o monopólio dos meios de produ ção, mono-
pólio esse que obriga o operá rio a vender a sua força de tra -
balho; falamos do imenso exé rcito de reserva que sã o os de -
sempregados, que está à disposi çã o dos capitalistas e dispos-
tos a facilitar - lhes a diminui çã o dos sal á rios. Através das mais
variadas medidas para intensificar o trabalho, através do pro-
gresso da técnica , do trabalho à peça , do trabalho das mulhe-
res e crian ças, do prolongamento da jornada de trabalho, o
capitalista tenta diminuir o salá rio ou , pelo menos, a partici -
pa çã o do operá rio na massa dos valores criados e aumentar,
portanto, a mais-valia absoluta ou relativa .
Às aspira ções do capitalista opõe-se a resistência dos
que vendem a sua força de trabalho, quer dizer, da classe ope-
rá ria . Da força de tal resistê ncia podem depender , em certa
medida , a participa ção do operá rio no produto do trabalho e
o sal á rio. Quanto mais d é bil é a classe operá ria , menos orga -
nizada e menos possibilidades de êxito tem . O capitalista pre-
fere tratar com operá rios que n ã o est ã o unidos e que se apre-
sentam cada um por seu lado . Em contrapartida , os interesses

41 . Do mesmo modo que hoje em dia a Espanha , Portugal , Pol ó nia , Itá lia e
Hungria proporcionam à Fran ça moderna uma parte importante da sua m ã o-
de -obra . Calcula -se em dois milh ões o n ú mero de operá rios estrangeiros que
trabalham em Fran ça . ( N . do T./ l 976)

153
Princ í pios de Economia Pol í tica I. Lapidus/K. Ostrovityanov

vitais dos operá rios levam - nos a organizar-se para lutar jun -
tos contra o capitalista . A moderna empresa capitalista , onde
centenas, e às vezes milhares, de proletá rios trabalham jun -
tos, contribui para os unir . O sindicato é, na hist ó ria , a pri -
meira forma de associaçã o de operá rios. Os sindicatos apare-
ceram h á duzentos anos no pa ís onde o capitalismo industrial
conheceu seu primeiro desenvolvimento, a Inglaterra , e hoje
em dia organizam em quase todos os pa íses do mundo a for -
mid á vel massa de quase 50 milh ões de prolet á rios.
É imenso o papel dos sindicatos na luta pelo aumento
de sal á rios e pela melhoria das condi ções de trabalho.
Dos meios de a çã o que os sindicatos conhecem , a gre-
ve e o primeiro .
Os sindicatos, reconhecidos pelo capitalista , se esfor -
çam por lhe impor o contrato coletivo que fixa as condi ções
de sal á rios, contrata çã o, demissã o de operá rios, jornadas de
trabalho, etc.
Os sindicatos, ajudados pela a ção pol í tica da classe o-
perá ria , atuam diretamente contra o capitalista ou grupos de
capitalistas. No regime capitalista esta a çã o combinada tem ,
por vezes, como resultado limita ções da jornada de trabalho,
do trabalho das mulheres e crian ças, etc .
Mas seja qual for a import â ncia dos êxitos da classe
operá ria na luta pela melhoria das condições de trabalho e
aumento de sal á rios, estes êxitos são, h á que confessá -lo, de
pouco alcance dentro do regime capitalista .
A luta dos oper á rios pela melhoria de vida depara , em
primeiro lugar , com grande obstá culo: os capitalistas detê m ,
alé m do poder econ ó mico, o poder pol í tico, o que n ã o permite
aos operá rios ultrapassar certos limites. À greve os capitalis-
tas opõem o lockout, isto é, o encerramento das empresas, o
que condena os operá rios à misé ria .

154
Princípios de Economia Política I . Lapidus/ K. Ostrovityanov

O exemplo mais not á vel neste sentido foi a greve dos


mineiros ingleses, que defenderam por vá rios meses, com um
heroísmo incompará vel , o seu direito à jornada de sete horas
e às tarifas em vigor. A burguesia empregou todos os meios
possíveis para os vencer . O Governo, o Parlamento, a Igreja ,
a imprensa , a pol ícia , a tropa , os emigrados russos brancos e
até as organiza ções sindicais inglesas e seus dirigentes refor -
mistas foram mobilizados pela burguesia nesta luta contra os
mineiros. Finalmente, os operá rios capitularam sob a pressã o
da fome, da misé ria e da trai çã o dos seus pró prios chefes. A
derrota dos mineiros ingleses deu o sinal para uma nova ofen -
siva contra a classe operá ria na Inglaterra e em outros pa íses.
E n ã o é preciso ser profeta para prever que a situa çã o da clas-
se operá ria piorar á depois desta luta .
Veremos mais adiante, no cap í tulo da acumula çã o ca -
pitalista , que existe uma tend ê ncia geral para a diminui çã o da
participa çã o dos operá rios no rendimento social . Com o seu
trabalho, os operá rios criam quantidades sempre maiores de
mais-valia ; mas a parte dos bens que corresponde aos pr ó-
prios produtores n ã o deixa de diminuir . O facto de o oper á rio
europeu e norte-americano receber hoje um sal á rio superior
ao de h á 50 ou 100 anos atrás n ã o est á em contradiçã o com
a diminui çã o da participa çã o do oper á rio no total do rendi -
mento, porque a intensidade e o rendimento do trabalho cres-
ceram muito mais e a receita do capitalista cresceu infinita -
mente mais que a dos assalariados. Um pa ís tã o rico como os
Estados Unidos d á - nos o exemplo mais surpreendente desta
tend ência : "O pa ís do capitalismo pr óspero n ão escapou a tal
tend ê ncia para a diminuiçã o da participa çã o da classe operá -
ria no rendimento nacional . O prodigioso aumento do rendi -
mento do trabalho do operá rio obtido na ind ústria n ã o cor -

155
Princ í pios de Economia Pol í tica I. Lapidus/K. Ostrovityanov

responde ao aumento de sal á rios. Entre 1916 e 1919 o rendi -


mento m édio do trabalho do oper á rio norte-americano au -
mentou cerca de 30%, enquanto o salá rio nominal apenas au -
mentou 11 %.42
J á falamos, a propósito da mais-valia , das consequ ê n -
cias desastrosas que tem para a classe operá ria o desenvolvi -
mento da técnica no regime capitalista ; e dissemos que, por
isso, todas as vantagens de aumento salarial acabam muitas
vezes por se reduzir a nada .
Quanto à Europa capitalista do pós-guerra , n ão só se
observa uma diminui ção relativa da participa ção do oper á rio
no total do rendimento, mas també m uma diminui çã o abso-
luta dos sal á rios.
Zinoviev indicava na sexta sessã o do comité executivo
alargado da Internacional Comunista 43 que o sal á rio real dos
operá rios europeus, comparado com o seu sal á rio de antes da
guerra , era , no fim de 1925: Inglaterra , 99%; Fran ça , 90%; A-
lemanha , 75%; It á lia , 90%; Balcãs, 50% . Havia na Europa 5
milh ões de desempregados.
Nos dois anos seguintes, a situa çã o da classe operá ria
n ã o melhorou . J á mencionamos a ofensiva dos capitalistas in -
gleses contra a classe operá ria ( imitada por outros capitalis-
tas) depois da derrota dos mineiros. També m analisamos o
que a racionaliza çã o mais recente traz aos oper á rios.
Temos alguns dados sobre o custo m í nimo de subsis-
tê ncia de uma fam í lia oper á ria e o sal á rio real em It á lia e na
Pol ó nia .

42. N . BUKHARIN , Estabilidade Capitalista e Revolução Proletária.


43. Em 20 de fevereiro de 1926.

156
Princípios de Economia Política I . Lapidus/ K. Ostrovityanov

Polónia Itália

Custo mínimo de vida (mensai) 350 a 500 zloty 900 a 1000 liras

Salário (mensai) 200 a 300 200 a 700

A mesma diferença observa-se em outros paí ses.


Estes fatos demonstram claramente que os oper ários
não obter ão melhoria radical da sua situação em nenhum paí s
capitalista.
Só com a destruiçã o do regime capitalista e com a pas -
sagem a uma nova sociedade, que j á não estará baseada na
exploração, é que a situação da classe oper ária pode mudar
radicalmente.
Seria um erro concluir do que ficou dito que a luta eco -
nómica não tem significado no quadro do regime capitalista
e que, portanto, sindicatos são supérfluos. Além do êxito re-
lativo que mencionamos na luta pela jornada de trabalho, por
salários, etc ., há que assinalar que a pr ópria ação dos sindi-
catos habitua a massa oper ária a organizar -se e a lutar, e des -
te modo prepara- a para a ação decisiva pelo socialismo.
A queda do capitalismo, única solução para abrir novas
perspectivas à classe operária, aparecerá com clareza quando
examinarmos o problema do salário e do trabalho na URSS.

Capítulo VI: O salário na URSS

28. Características gerais. Fatores do salário na URSS


Pertencendo, na URSS, a maioria das empresas ao Es -
tado, isto é, à classe oper ária em seu conjunto, os oper ários
que trabalham nestas empresas estatais não podem ser cha-

157
Princ í pios de Economia Pol í tica I. Lapidus/K. Ostrovityanov

mados de assalariados no antigo sentido da palavra , no sen -


tido capitalista . Quando falamos de loca çã o de m ã o de obra ,
supomos que o possuidor de meios de produ ção aluga a força
de trabalho de um n ão- possuidor. Pode-se opor, na empresa
sovi é tica estatal , em termos an á logos, o operá rio ao Estado
que representa a organiza çã o da classe operá ria em seu con -
junto? A solu çã o de continuidade entre a m ã o -de-obra e m á -
quinas, que observamos na sociedade capitalista , é evidente -
mente desnecessá ria aqui , porque as m á quinas pertencem ao
Estado, isto é, à classe oper á ria . N ã o se pode falar de trans-
forma çã o da força de trabalho em mercadoria , no sentido que
fal á vamos ao nos referir ao capitalismo.
Se assim é , o sal á rio do operá rio que trabalha nas em -
presas sovi é ticas estatais deve ter um conte ú do social com -
pletamente diverso .
É verdade que sua forma exterior lembra por numero-
sos tra ços o sal á rio capitalista : també m na URSS o operá rio é
pago em dinheiro pelo tempo de trabalho ou produto elabo-
rado; parece, també m , que ele n ã o recebe o produto integral
de seu trabalho e sim apenas uma parte deste produto.
A semelhan ça limita -se a esta forma exterior .
J á sabemos que, ao contrá rio do regime capitalista , a
parte n ã o paga do trabalho do operá rio n ã o é ( na sua maior
parte ) 44 posta à disposi ção de uma outra classe, mas empre-
gada pelo Estado sovi é tico para desenvolver a ind ú stria , criar
escolas, sustentar os cultivadores, satisfazer às necessidades
da constru çã o socialista , ou , em outras palavras, satisfazer as
necessidades do conjunto da classe operá ria ( tratando n ã o a -

44. Parte do produto suplementar dos operá rios da ind ústria estatal pode
cair , por vias do com é rcio privado , no bolso dos capitalistas.

158
Princípios de Economia Política I . Lapidus/ K. Ostrovityanov

penas dos interesses moment â neos, como també m das pers-


pectivas de desenvolvimento nos anos seguintes) . Assim , a
parte " n ão paga " do trabalho satisfaz às necessidades da clas-
se operá ria em seu conjunto e volta , no final de contas, a esta
classe .
Que vem a ser , ent ã o, nestas condi ções, o salá rio do
operá rio sovi é tico? N ã o é sen ão parte do produto do seu tra -
balho recebida em dinheiro para a satisfa çã o de suas neces-
sidades individuais - menos o produto suplementar consa -
grado às necessidades sociais do conjunto da classe operá ria .
Compreende -se que, se n ós tivéssemos um regime socialista
desenvolvido, que n ã o conhecesse nem dinheiro, nem mer -
cado, a necessidade de um sal á rio, forma particular da repar -
ti çã o dos produtos do trabalho, n ã o se faria sentir ; todo tra -
balhador receberia ( talvez com a apresenta ção de um certifi-
cado de trabalho) nos depósitos sociais, os produtos que ne-
cessitasse .
Isto é impossível na é poca de transiçã o devido à exis-
tê ncia do mercado . A classe operá ria só pode, habitualmente,
obter os produtos que necessita pela compra em troca de di -
nheiro. Explica -se assim o fato de que parte dos produtos do
trabalho recebida pelo operá rio, afim de satisfazer as suas ne-
cessidades individuais, tome a forma de "sal á rio", apesar das
profundas diferen ças qualitativas que existem entre este "sa -
l á rio" e aquilo que chamamos de sal á rio, no seio do regime
capitalista .
Concebe-se que as leis que determinam a grandeza do
sal á rio na sociedade capitalista n ã o se possam aplicar inte -
gralmente ao sal á rio espec ífico que observamos na URSS.
No regime capitalista , o n ível do sal á rio é condiciona -
do pelo valor: quando muito, o capitalista d á ao operá rio so-
ma necessá ria para assegurar o funcionamento ininterrupto

159
Princ í pios de Economia Pol í tica I. Lapidus/K. Ostrovityanov

da força de trabalho e da criaçã o da mais-valia . O objetivo


essencial do capitalista é obter, no m á ximo possível , a mais-
valia , també m n ã o cuida , quando existe um exé rcito de re-
serva de trabalho de satisfazer o m í nimo das necessidades do
operá rio.
Na URSS é completamente diferente: a classe operá ria ,
construindo a sociedade socialista , n ã o se pode limitar a as-
segurar a reprodu çã o de sua força de trabalho; vemos tam -
bé m no Estado sovi é tico tend ê ncias a uma alta cont í nua dos
sal á rios, para satisfazer às necessidades crescentes da classe
operá ria e garantir seu desenvolvimento e sua cultura .
Se designarmos por 100 o sal á rio m édio real dos ope-
rá rios da URSS ocupados nas empresas do Estado em outubro
de 1922 , será preciso design á -lo em janeiro de 1923 por 150,
em janeiro de 1924, por 210, em janeiro de 1925 por 240.45
Se designarmos por 100 o sal á rio de 1913, obtê m -se
os seguintes n ú meros:46

Io trim. 4 o trim.
INDÚSTRIA 1922-23 1923-24 1924-25 1924-25
Metal ú rgica 39, 6 51 , 7 54, 5 83, 1
Têxtil 56, 4 86, 3 96, 0 123, 1
Qu í mica 66, 6 82 , 0 99, 4 122, 9
Alimenta çã o 89, 8 114 , 7 157, 6
Minas 57,5 46, 5 55, 8 72 , 9

Em fevereiro de 1926, em toda a ind ústria estatal , o


sal á rio real atingia a 103% do de antes da guerra .

45. F. DZERJ 1 NSKY: A indústria da URSS, seus êxitos e objetivos. Moscou , 1925.
46. F . DZERJINSKY: Relat ório ao Conselho Central Panrrusso dos Sindicatos,
fevereiro de 1926. H á a acrescentar que , se levarmos em conta os seguros so-
ciais, etc. , o sal á rio é realmente mais elevado ainda .

160
Princípios de Economia Política I . Lapidus/ K. Ostrovityanov

Tal crescimento do sal á rio n ã o resulta da luta da classe


operá ria contra outras classes de interesses antagó nicos, pela
partilha do valor criado pelo trabalho. Na ind ú stria estatal n ã o
existe classe oposta à classe operaria . Tal crescimento do sa -
l á rio é obtido, portanto, pela regulamentação consciente dos
sal á rios pelas organiza ções oper á rias, governamentais e sin -
dicais, que se inspiram , antes de mais nada , nas necessidades
da edificação socialista .
Tal regulamenta çã o, em uma medida apreci á vel , é li -
mitada pela influ ê ncia de fatores espont â neos sobre o sal á rio
e pela existê ncia do mercado. Mais adiante veremos que estas
influ ê ncias n ã o poderão ser suprimidas enquanto existir um
mercado.
Recordemos os fatores que, na sociedade capitalista ,
influenciam a grandeza do sal á rio. Lembremo- nos, antes do
mais, da import â ncia , na sociedade capitalista , do sexo do o-
perá rio, de seu grau de cultura, de sua instru ção profissional .
Levam -se em conta estes fatores na URSS?
No que se refere à diferen ç a de sal á rios decorrente da
diferen ça de sexo, nada disto existe entre n ós: ao oper á rio e
operá ria , igual sal á rio para igual trabalho.
No que se refere ao trabalho infantil , esta quest ã o nem
se apresenta , j á que o Código do Trabalho proí be admitir jo -
vens menores de 16 anos. Os aprendizes menores de 18 anos
n ão recebem um sal á rio inferior ao do operá rio sen ã o quando
sua instru çã o profissional é igualmente inferior, pois, quando
tem instru çã o profissional igual , sã o mais bem pagos que
operá rios adultos , j á que recebem por seis horas de trabalho
o mesmo que os demais por oito.
A depend ê ncia do sal á rio em rela çã o à instru çã o pro -
fissional existe na URSS, ainda que a diferen ça entre a retri -

161
Princ í pios de Economia Pol í tica I. Lapidus/K. Ostrovityanov

bui ção dos operá rios diversamente qualificados (e principal -


mente entre o sal á rio dos operá rios, dos chefes de oficina , dos
t écnicos, dos engenheiros e da administra ção) n ão seja t ã o
grande quanto nos pa íses capitalistas.
Como se explica que na URSS existam estas diferen ças
de retribui ção do trabalho?
N ã o se pode naturalmente abolir de um só golpe, na
economia sovi é tica , a heran ça da velha sociedade, na qual o
n ú mero de operá rios qualificados e cultos era relativamente
restrito. Ora , a economia sovi é tica n ã o pode passar sem ope-
rá rios qualificados. Tanto mais se desenvolve nossa econo-
mia , mais se faz sentir a falta de m ã o de obra qualificada (su -
perabundando a m ã o de obra n ã o qualificada ) . Nestas condi -
ções, é evidente que deve ser consagrada a maior aten çã o aos
operá rios qualificados e que é conveniente assegurar a cria -
çã o de uma nova m ã o de obra qualificada . N ã o se pode chegar
a isto sen ã o pagando melhor aos operá rios qualificados .
Depois da diferen ça de retribui çã o determinada pela
instru çã o profissional , indiquemos diferen ças territoriais de
sal á rio .
O territó rio da URSS está dividido em cinco setores: o
sal á rio é mais elevado no primeiro setor ( Moscou , Leningra -
do) e é mais baixo no quinto setor ( na Sibé ria , especialmente) .
Esta diferen ça explica -se desde logo pela diferen ça dos preços
dos artigos consumidos pelos operá rios. Com tal pol í tica , o
poder dos Sovietes esforça -se por assegurar aos oper á rios um
sal á rio real de um certo n ível . 47

47. O n ível real dos sal á rios deponde do preço dos artigos necessá rios à exis-
tê ncia dos operá rios. Como estes preços dependem , antes do tudo, do estado
da economia rural , camponesa , a influ ê ncia elementar , espontâ nea do mer-

162
Princípios de Economia Política I . Lapidus/ K. Ostrovityanov

Detenhamo- nos um instante na relação de depend ê n -


cia entre os sal á rios e os diversos graus de cultura dos oper á -
rios . Que papel desempenha tal fator na URSS? O sal á rio mais
elevado do operá rio qualificado explica -se , até determinado
ponto, pelo seu desenvolvimento e por suas necessidades cul -
turais mais elevadas també m ; sob tal aspecto, diferen ças de
cultura podem , també m entre n ós, exercer certa influ ê ncia na
grandeza do sal á rio. 48
A diferen ça de cultura dos operá rios de diversas naci -
onalidades, que desempenha no regime capitalista papel im -
portante, n ã o tem significa çã o entre n ós: todos os operá rios,
quaisquer que sejam suas nacionalidades, recebem , para tra -
balho igual , igual sal á rio.
Sabe-se, por exemplo, que nos poços de petr óleo de
Baku os capitalistas pagavam sal á rios diferentes aos operá -
rios russos e turcomanos. N ã o se precisa dizer que nada disso
se passa atualmente .
O Estado consegue, assim , por uma a çã o consciente,
elevar o n ível cultural dos operá rios dos povos atrasados.
O crescimento dos sal á rios independentemente do n ú -
mero de sem trabalho49, - fato que está em plena contradi çã o

cado sobre os sal á rios parece manifestar-se aqui como força . Mas a regula -
mentação consciente anula em certa medida e esforça -se por manter o sal á -
rio real em um determinado n ível .
48. A diferen ça dos sal á rios nos setores da URSS explica -se també m , em certa
medida , pelas velhas tradi ções e pelos diferentes n íveis de cultura dos operá -
rios das diversas regi ões. Esta circunstâ ncia é , entretanto, de importâ ncia se-
cund á ria .
49. O n ú mero de desempregados, que vinha reduzindo-se progressivamente
com a reorganização da ind ú stria , com o começo da realiza çã o do Plano
Quinquenal , ficou quase extinto; em 1930; a URSS anunciou ao mundo que o
flagelo, que ataca as classes trabalhadoras no mundo capitalista , estava defi -
nitivamente banido para sempre dos ponteiros da URSS.

163
Princ í pios de Economia Pol í tica I. Lapidus/K. Ostrovityanov

com o que vimos acontecer no regime capitalista - atesta ,


també m , a agonia das leis que regem o sal á rio capitalista .
Em pouco mais de um ano, a partir do in ício de 1923
até meados de 1924 , o sal á rio dos operá rios na URSS aumen -
tou , em m é dia , de 50 % ( passando de 16, 85 rublos orçamen -
t á rios a 24 , 04 ) . O pa ís atravessava , entretanto, uma crise . Em
consequ ê ncia da concentra çã o da produ çã o, das diminui ções
do pessoal e de outros motivos, o n ú mero dos sem - trabalho
passou do dobro, no mesmo lapso de tempo, subindo nas 70
cidades provinciais de 361 mil a 825 mil .
É verdade , ali ás, que desemprego exerce certa influ ê n -
cia indireta nos salá rios: o Estado sovié tico e sindicatos, con -
cedendo subs ídios aos desempregados, diminuem , por isto
mesmo, as reservas materiais que sã o as fontes do sal á rio; em
determinados casos, os sindicatos e o Estado diminuem o tra -
balho (e , em propor çã o, os sal á rios) dos operá rios ocupados,
afim de oferecer parte deste trabalho aos desempregados. Po-
ré m , de qualquer maneira , a influ ê ncia espontâ nea da lei da
oferta e da procura de força de trabalho, tal como a conhece -
mos na sociedade capitalista , aqui n ã o se manifesta .
Tudo o que precede se refere ao sal á rio na ind ú stria
estatal . Na ind ústria privada da URSS, a força de trabalho é
vendida como aos pa íses capitalistas; estamos, portanto, na
presen ça de um salá rio caracterizado ao mesmo tempo por
sua forma e por seu conte ú do. Mas a grandeza do sal á rio e as
condi ções de sua regulamenta çã o espontâ nea n ã o sã o igual -
mente as mesmas que nos pa íses capitalistas. A existê ncia de
empresas do Estado ao lado das empresas privadas tem uma
importâ ncia inestim á vel: o capitalista n ã o pode impor um sa -
l á rio muito baixo aos operá rios, n ã o somente porque se en -

164
Princípios de Economia Política I . Lapidus/ K. Ostrovityanov

contra sob a pressã o de poderosas organiza ções sindicais so-


vi é ticas, mas també m porque os oper á rios o deixariam e iriam
contratar -se nas empresas estatais.50
De agora em diante, n ã o teremos em vista sen ã o a in -
d ústria estatal , pois o crescimento desta ind ú stria é precisa -
mente a base do desenvolvimento do socialismo no nosso
pais. Consequentemente , voltaremos a este ponto.

29. O rendimento do trabalho e do salá rio na URSS


N ós indicamos vá rias vezes que, nas condi ções da eco-
nomia sovié tica dirigida pela classe operá ria , que marcha pa -
ra o socialismo51, o sal á rio deve elevar -se para assegurar o
desenvolvimento geral e cultural desta classe.
També m já indicamos que convé m ter em vista , no au -
mento dos sal á rios na URSS, n ã o apenas interesses do operá -
rio isolado, n ã o somente interesses imediatos, mas ainda e,
sobretudo, as perspectivas da edifica çã o socialista encarada
para longos anos.
O que é que exige a edifica ção socialista ? N ão se pode
concebê-la sem o crescimento da ind ú stria sovi é tica , sem a
industrializa ção do pa ís. Só por tal preço é que a vitó ria da
organiza çã o baseada em um plano pode ser definitiva na nos-
sa economia ; só por tal preço é que necessidades crescentes
do campesinato (e, de in ício, a necessidade de m á quinas agr í-
colas indispensá veis à extensã o da coopera çã o rural e à mar -
cha do campo para o socialismo) podem ser satisfeitas.
A edifica çã o do socialismo exige que mercadorias cri -
adas pela ind ú stria estatal sejam produzidas em quantidades

50. Acrescentemos que pode ser ao contrá rio, se a ind ú stria estatal n ã o se
acha em condi ções de dar trabalho a todos os que pedem .
51. E que naturalmente arrasta consigo o campesinato .

165
Princ í pios de Economia Pol í tica I. Lapidus/K. Ostrovityanov

t ão grandes e a preços tã o baixos quanto possíveis, porque só


assim é que elas serã o acess íveis à s grandes massas .
O aumento do sal á rio n ã o é poss ível , nestas condições,
sen ã o quando o rendimento, ou mais exatamente, a efici ê ncia
do trabalho do operá rio aumenta simultaneamente.
Aonde se chegaria com efeito, se o sal á rio aumentasse
sem um aumento do rendimento do trabalho?
Quanto mais fosse a parte do produto de trabalho do
operá rio tirada antecipadamente para seu consumo, sob for -
ma de salá rio, menos produtos suplementares ficariam para
o Estado sovié tico, menos teria meios de ampliar a ind ú stria
estatal e satisfazer às necessidades da edifica çã o socialista .
Quanto mais elevado é o sal á rio - continuando invari -
á vel o rendimento do trabalho - maior é despesa em dinheiro
para cada unidade de mercadoria produzida pelo operá rio, e
mais caro custará esta mercadoria ao próprio operá rio que a
comprar (o que pode mesmo reduzir a nada o aumento do
sal á rio ) ; de um lado, a alta dos preços das mercadorias ina -
cess íveis ao campon ês pode tornar dif ícil e precá rio o apoio
dado pelos cultivadores à edifica çã o do socialismo .
Um quadro inverso, entretanto, apresentar -se-á aos
nossos olhos se o rendimento do trabalho aumentar: o ope-
rá rio pode retirar antecipadamente sobre a quantidade acres-
cida de produtos de seu trabalho, uma maior parte para a sa -
tisfa çã o das suas necessidades imediatas; o produto suple-
mentar deixado à disposi çã o do Estado sovi é tico cresceu , en -
tretanto; e o mesmo aumento do rendimento do trabalho, ao
diminuir o preço do produto, assegura seu escoamento nos
campos e, de golpe, a solidez do bloco de operá rios e campo-
neses, sem o qual seria impossível , na Uni ã o Sovi é tica , edifi -
car o socialismo.

166
Princípios de Economia Política I . Lapidus/ K. Ostrovityanov

Mas, é preciso dizê- lo, no que concerne ao rendimento


do trabalho, a situa çã o est á longe de ser brilhante . Se o ope-
rá rio sovié tico produz atualmente muito mais do que antes da
guerra civil e da fome, o rendimento de seu trabalho n ã o atin -
giu ainda plenamente o rendimento do n ível anterior da guer -
ra na R ú ssia dos czares. Ora , o rendimento do operá rio russo
era naquela é poca sensivelmente inferior (cerca de 4 vezes)
ao rendimento do trabalho na Europa ocidental e na Am é rica .
De que modo pode, na URSS, aumentar o rendimento
do trabalho do operá rio? Sabemos que o rendimento do tra -
balho compreendido no sentido comum da palavra (o produto
do trabalho de um operá rio em um dia ) deve ser, para mais
justeza , dividido em duas partes: 1 ) o rendimento do trabalho
propriamente dito, ou , em outras palavras, a produtividade do
trabalho determinada pelas condi ções do trabalho ( instru -
mentos, maté rias primas, etc. ) ; 2 ) a intensidade do trabalho,
que depende da tensão de forças do operá rio.
O aumento da efici ê ncia 52 do trabalho na sociedade
sovi é tica depende, naturalmente, antes de tudo, do aumento
do rendimento do trabalho, no sentido pr ó prio da palavra .
Como se pode obtê- lo?
J á sabemos que o desenvolvimento da técnica é causa
essencial do aumento do rendimento de trabalho na socie-
dade capitalista : introdu çã o de novas m á quinas, busca de no-
vas fontes de energia e de maté rias primas. No regime sovié-
tico este fator tem considerá vel importâ ncia .
A depend ê ncia em que se encontra o rendimento do
trabalho, da técnica , faz-se sentir a cada passo: se o operá rio

52 . Tal expressão nos parece mais adequada que "rendimento do trabalho",


que engloba o rendimento propriamente dito e a intensidade do trabalho .

167
Princ í pios de Economia Pol í tica I. Lapidus/K. Ostrovityanov

sovié tico produz, como já vimos, muito menos do que o ope -


rá rio ocidental ou americano, e se chega mesmo a produzir
muito menos do que ele pró prio produziu antes da guerra , é
o atraso de nossa t écnica uma das causas fundamentais.
A maior parte de nossas m á quinas, longe de terem sido
melhoradas no curso dos 10 ou 12 ú ltimos anos, tê m -se de-
teriorado, porque n ós ainda trabalhamos quase sempre com
m á quinas usadas antes da guerra e mal começamos ( na atu -
alidade parcialmente ) a renova çã o das m á quinas das nossas
antigas fá bricas e a organizaçã o de novas fá bricas mais aper -
feiçoadas.
Mas o fraco rendimento do trabalho n ã o depende ex -
clusivamente da qualidade das m á quinas, depende em geral
das condi ções de trabalho do operá rio: sabe-se, por exemplo,
quanto mais uma empresa for iluminada , as m áquinas melhor
dispostas, melhor a ventila çã o, maior será o rendimento do
trabalho para dado maquin á rio, etc., e n ã o h á necessidade de
falar da qualidade dos instrumentos, óleos lubrificantes, etc.
Ora , a situa çã o da URSS, sob todos estes aspectos, está
longe de ser excelente.
Qual é a causa ?
Naturalmente, a causa está , - é preciso repeti -lo, - na
instala çã o técnica das empresas: o capitalismo nos deixou fá -
bricas - maquin á rio, ilumina ção, ventilaçã o, oficinas - tudo
pronto. Sem uma transforma çã o radical dessas empresas, as
condi ções de trabalho n ã o podem ser profundamente modifi -
cadas . A qualidade ruim das maté rias- primas explica -se, até
certo ponto, pelo mau aparelhamento técnico das ind ú strias
que as produziam .

168
Princípios de Economia Política I . Lapidus/ K. Ostrovityanov

Mas da í n ão decorre de maneira nenhuma que as con -


di ções e a organiza çã o do trabalho n ã o possam ser modifica -
das, mesmo com o velho aparelhamento, no sentido do au -
mento do rendimento do trabalho.
A organiza ção cient ífica do trabalho, da qual j á fala -
mos, a propósito do sistema Taylor, pode desempenhar aqui
um papel imenso: aplicado racionalmente, desembara çado do
que tem de negativo, de explorador , de especificamente capi -
talista , pode dar, desde já , resultados apreci á veis.
Em cada empresa , em cada ind ú stria , defeitos de orga -
nizaçã o ou de coordena çã o complicam o trabalho. Toda en -
trega de maté rias - primas e de materiais, fora do tempo exi -
gido, toda discord â ncia entre o funcionamento das diversas
partes de uma empresa pode provocar grandes dificuldades
para a produ çã o. Mesmo os m é todos de trabalho dos oper á -
rios em muitos casos já envelheceram ; o trabalhador faz mo-
vimentos supé rfluos, irracionais, que de nada servem sen ã o
para fatigá - lo e constituem gasto improdutivo do trabalho.
Acontece , també m , que os materiais, instrumentos de traba -
lho que se usam , n ã o tenham sido fornecidos a tempo ou es-
tejam dispostos de tal maneira que , para utilizá - los, tenha de
se perder tempo, ou , entã o, que materiais e instrumentos se-
jam insuficientemente adaptá veis aos trabalhos, etc. Uma di -
visã o das fun ções insuficientemente precisa provoca entre os
operá rios perda de tempo com explica ções, etc. O rendimento
do trabalho ressente-se de que cada trabalhador cumpra vá -
rias modalidades de trabalho, com grande perda de tempo em
trocar as ferramentas e materiais e adaptar as m á quinas a ta -
refas modificadas.
Tais defeitos podem ser eliminados por uma organiza -
çã o racional : a economia sovié tica está colocada , neste ponto,

169
Princ í pios de Economia Pol í tica I. Lapidus/K. Ostrovityanov

em condi ções muito mais vantajosas que a economia capita -


lista , cujo desmembramento se opõe à elimina çã o de nume-
rosos defeitos da produ ção; os capitalistas são obrigados,
para coordenar a a çã o de vá rias empresas - o que é de grande
importâ ncia na organiza çã o cientifica do trabalho - a se reu -
nirem em conferê ncias, congressos, que nem sempre levam
aos resultados desejados, porque cada capitalista tem em vis-
ta , antes de tudo, seus interesses pessoais, este obstá culo n ã o
existe entre n ós. Os servi ços de organiza çã o cient ífica do tra -
balho, criados pelo Estado e pelos sindicatos, em vez de ser-
virem a capitalistas isolados, servem a toda a economia sovi -
é tica . As empresas sovié ticas t ê m à sua disposiçã o os institu -
tos t écnico-cient íficos, tais como o Instituto Central do Tra -
balho de Moscou , que estudam as qualidades das maté rias-
primas, d ã o as indica ções sobre as mat é rias mais apropriadas
para tal ou qual trabalho, etc.
A unidade da economia sovi é tica estatal cria condições
particularmente favor á veis à normaliza çã o e à " padroniza -
çã o" da produ ção. As diferentes peças das m á quinas fabrica -
das por diversas empresas devem combinar entre si , ao ponto
de poderem ser trocadas . Todas as empresas fabricam merca -
dorias determinadas, moldadas sobre um tipo definido, for -
necendo, assim , sob um n ú mero ou sob uma denomina çã o
dada , uma mercadoria id ê ntica .53
A aplica ção de tais medidas pode ainda aumentar o
rendimento do trabalho pela supressã o das despesas ocasio-
nadas pelos desenhos de diferentes projetos, pela fabrica çã o
de modelos, pela adapta çã o das peças n ã o padronizadas, etc. ,
e també m porque torna fá cil , quando uma peça de m á quina

53. Não importa que as variedades não sejam numerosas. O trabalho é facili -
tado bastante e as despesas da produção diminuem .

170
Princípios de Economia Política I . Lapidus/ K. Ostrovityanov

se quebra , substitu í -la por uma padroniza ção que diminua a


perda de tempo das repara ções e a dura çã o da interrupçã o do
trabalho da m á quina .
É in ú til dizer que todas estas medidas de organizaçã o
racional da produ çã o sã o aplicadas na URSS, com a partici -
paçã o ativa dos pró prios operá rios54, ao contrá rio do que a -
contece no regime capitalista . O ê xito das medidas est á mais
garantido porque os operá rios, participando diretamente da
produ çã o, sã o os melhores conhecedores dos defeitos.65
Na luta pelo aumento da produ çã o da ind ú stria sovié-
tica estatal , n ã o podemos nos contentar com a organiza çã o
cientifica do trabalho, qualquer que seja a sua import â ncia .
A organiza çã o cient ífica do trabalho com uma técnica
invari á vel tem limites que n ã o podem ser ultrapassados.
O aperfeiçoamento da t écnica da produ çã o continua
sendo, portanto, o nosso objetivo essencial .
N ã o se concebe a edifica çã o do socialismo sem isso. O
regime capitalista deve precisamente ceder passo ao socia -
lismo, porque se tornou , como veremos em seguida , incapaz
de fazer progredir a técnica . Quanto mais rapidamente se de-
senvolver nossa técnica , tanto mais rapidamente chegaremos
ao socialismo.
Ora , o desenvolvimento da técnica depende da base
material de que se dispõe, isto é , antes de tudo, da quantidade

54 . As "conferências da produção" têm grande importâ ncia . Nelas os operários


informam sobre as falhas da produção . Essas conferências contribuem para au -
mentar no operá rio a convicção de que ele é o senhor da ind ú stria sovi é tica .
55 . O grau de cultura da população desempenha relevante papel na luta pela
organização racional da produ ção . Quanto mais culto o operário, já o disse -
mos, mais o rendimento do seu trabalho é elevado . Compreende - se , desde
então, a imensa import â ncia económica da luta pela cultura , começada pela
revolução proletá ria . Mas o n í vel de cultura depende , por sua vez , da condi -
ção material .

171
Princ í pios de Economia Pol í tica I. Lapidus/K. Ostrovityanov

de produtos suplementares criados pelo operá rio sovi é tico


para tal fim . També m os interesses da edifica çã o socialista e-
xigem , no presente, o aumento da nossa produ ção, n ão so-
mente pelo aumento do rendimento do trabalho, mas ainda
pelo aumento da intensidade do trabalho.
O oper á rio sovi é tico, em rela çã o à intensidade do tra -
balho, est á muito atrá s dos seus camaradas da Europa oci -
dental e da Am é rica . Em dada medida , isto explica -se pelas
inferioridades de sal á rio que recebe: quanto melhor vive o o-
perá rio, mais consome e mais pode produzir . O melhoramen -
to das condi ções materiais do oper á rio sovi é tico deve, por -
tanto, conduzir a um aumento da intensidade do seu trabalho
(evidentemente nos limites determinados, al é m dos quais o
desgaste do organismo tornar-se-ia muito rá pido ) .
Mas unicamente o aumento do salá rio, na nossa eco-
nomia , n ã o pode levar em linha reta a um aumento da inten -
sidade do trabalho. É que, n ã o obstante a brusca mudan ça do
papel do oper á rio na produ çã o sovi é tica (comparado ao seu
papel na produ çã o capitalista ) certos oper á rios ainda n ã o to-
maram consci ê ncia da transforma çã o realizada . Em conse-
qu ê ncia do baixo grau de cultura das massas, que herdarmos
do regime capitalista , e da exist ê ncia do mercado e da seme-
lhan ça exterior do sal á rio sovi é tico ao sal á rio capitalista , é di -
f ícil eliminar noções e h á bitos adquiridos no curso de séculos
de regime capitalista : també m acontece que o oper á rio sovi é -
tico se esforça para obter sal á rio mais elevado, sem refletir
que ele pró prio está interessado, na qualidade de membro da
classe operá ria , de oferecer o m á ximo possível ao Estado so-
vi é tico. Eis a í porque a disciplina nas nossas empresas esta -
tais é muitas vezes insuficiente . Observam -se numerosas au -
sê ncias, faltas sem justificativa , etc.

172
Princípios de Economia Política I . Lapidus/ K. Ostrovityanov

Os ó rgã os sovié ticos ( de acordo com os sindicatos ) ti-


veram que pensar em dar, nas formas mesmas de sal á rio, um
estimulante ao operá rio .
Explica -se, assim , a existê ncia na URSS de normas de
produ çã o e de trabalho por peças.
Ao contrá rio do regime capitalista , estas medidas n ã o
tê m sen ã o um car á ter provisó rio; as normas de produ çã o e o
trabalho por peças tornar -se-ã o supé rfluos à proporçã o que
a educa çã o socialista do operá rio tenha eliminado seus anti -
gos h á bitos individualistas.56
Desde j á , contudo, a sua significa ção é completamente
outra que a do regime capitalista . Seu objetivo é aumentar a
produ çã o da ind ú stria estatal , tornando por isso mesmo pos-
sível a aboli çã o de toda desigualdade .
Diversos aspectos destas pesadas formas de sal á rio do
regime capitalista aqui n ã o existem : produto do trabalho que
excede a norma n ã o é pago jamais a uma taxa inferior ao do
produto constituinte da norma , e chega mesmo a ser pago
demais. As fé rias pagas, a jornada de 8 horas, as leis de pro-
teçã o do trabalho, tendem a proteger o operá rio contra con -
sequ ê ncias do trabalho intenso .
O aumento da intensidade do trabalho desempenhou
papel relativamente grande em 1923/24, quando as empresas
n ão trabalhavam ainda a pleno rendimento . Tendo sido obti -
dos sucessos apreci á veis na luta pela boa utilização do tempo
do operá rio e, de maneira geral , pela disciplina do trabalho,
observa -se , desde 1926, um novo desvio entre o aumento dos
sal á rios e o rendimento do trabalho. Tal desvio explica -se em

56 . E preciso, sobretudo, eliminar a mentalidade individualista dos novos


operá rios industriais vindos do campo .

173
Princ í pios de Economia Pol í tica I. Lapidus/K. Ostrovityanov

grande parte pela entrada na produ ção, em via de desenvolvi -


mento, de oper á rios cuja instru çã o profissional e disciplina
deixam muito a desejar . A questã o do aumento da intensidade
do trabalho, ao mesmo tempo que o do seu rendimento, está
de novo na ordem do dia . É preciso, contudo, reconhecer que
a tensã o do esforço da maioria dos velhos oper á rios atinge
aproximadamente o limite do possível ( nas presentes condi -
ções) . A intensidade do trabalho destes oper á rios n ã o poderá
aumentar sen ã o paralelamente ao desenvolvimento da cul -
tura e da instru çã o do oper á rio; a renova çã o do maquin á rio
das empresas e a organiza ção cient ífica do trabalho continu -
arã o, portanto, como tarefas essenciais.

174
Princípios de Economia Política I . Lapidus/ K. Ostrovityanov

LIVRO QUARTO: A TEORIA DO LUCRO


E O PREÇO DE PRODU ÇÃO

Capítulo VIL O lucro e o preço de produção na econo-


mia capitalista

30. Taxa de lucro e taxa de mais-valia


Estudamos a parte do produto do trabalho que o ope-
rá rio recebe no regime capitalista sob a forma de sal á rio. Vol -
temos agora à parte do produto do trabalho do operá rio de
que o capitalista se apropria , ou em outros termos, voltemos
à mais-valia .
J á sabemos quais os papeis que desempenham na cri -
a çã o da mais-valia as distintas partes do capital : sabemos que
as m á quinas, edif ícios, matérias- primas, em uma palavra , o
capital constante, constituem apenas as condi ções da cria çã o
da mais-valia e que só o capital variá vel , ou seja , a força de
trabalho, pode criar mais- valia .
Partindo daqui chegamos à conclusã o de que n ã o de-
v íamos considerar , na participação da taxa de exploração, o
capital constante que n ã o cria valor algum . Devemos consi -
derar apenas dois elementos: 1 ) o capital vari ável ( r) ou valor
da força de trabalho ( tempo de trabalho necessá rio ) ; 2 ) a
mais-valia ( /77) ou tempo de sobretrabalho.
À rela çã o entre estes dois elementos m/ v chamamos
taxa de mais-valia ou taxa de explora çã o.
Estaremos de acordo, a n ã o ser que os preconceitos da
classe burguesa nos ceguem , que o grau de explora çã o do o-
perá rio só se pode determinar deste modo. Com efeito, se o
operá rio trabalha 12 horas e recebe pela sua força de trabalho
um sal á rio igual a 6 horas, estaremos de acordo que d á ao
capitalista o dobro do valor que recebe, qualquer que seja o

175
Princ í pios de Economia Pol í tica I. Lapidus/K. Ostrovityanov

valor das m á quinas, edif ícios, maté rias- primas, etc., com aju -
da das quais se efetua o trabalho.
Mas n ão é assim que o capitalista raciocina . O seu ra -
ciocí nio pode resumir-se nestes termos: " Pouco importa que
n ã o tomem em considera çã o as m á quinas, maté rias- primas e
auxiliares; o meu dinheiro pertence- me independentemente
do uso que fa ça , pode servir - me para comprar for ça de traba -
lho ou m á quinas. Uma vez que recebo como o resultado das
minhas opera ções certo excedente da receita em compara çã o
com estes meus gastos, preciso de saber qual a percentagem
deste excedente e qual o meu lucro em rela ção à totalidade
do meu capital ".
Portanto o que interessa aos trabalhadores é a rela çã o
-
entre a mais-valia e o capital vari á vel m/ v , o que interessa ao
capitalista é a rela ção da mais- valia com o capital total inves-
tido /77/ ( c+ V) . Esta rela çã o expressa em percentagem chama -
se taxa de lucro.
Todo o capitalista tenta obter a maior taxa de lucro.
Quanto maior for o lucro que recebe por cada escudo do seu
capital (e isto é a taxa de lucro) mais lucrativa é a sua empresa .
Leva -se também em conta que o capitalista considera sempre
o lucro recebido em um determinado per íodo de tempo, ge-
ralmente um ano .
Suponhamos que estamos em presen ça de duas em -
presas, uma fá brica de tecidos e uma fá brica de fósforos. Su -
ponhamos que ambas as fá bricas empregam um mesmo n ú -
mero de operá rios, que os exploram da mesma maneira e que
ao receber $ 60 mil de sal á rio por ano criam também $ 60 mil
de mais-valia . Suponhamos que a fá brica de tecidos repre-
senta um capital de $ 600 mil e a fá brica de fósforos um capi -
tal de $ 300 mil .

176
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

Do ponto de vista dos operá rios ambas as fá bricas des-


contam , sobre o trabalho, a mesma mais-valia m/ v { exx\ ambos
casos é igual a 100% ) . Do ponto de vista do capitalista , a fá -
brica de tecidos d á - lhe $60 mil por um capital investido de
$600 mil , ou seja 10 %. A fá brica de fósforos d á $ 60 mil de
lucro por $300 mil investidos, ou seja 20 % . No caso da fá brica
de fósforos, cada $ 1 de capital produz $20 por ano em vez de
$ 10. Pouco importa ao capitalista onde colocar o seu capital ,
seja em uma fá brica de pregos ou em uma agê ncia funerá ria ,
desde que consiga obter o lucro m á ximo.

31. Composição orgâ nica do capital e taxa de lucro


De que depende a taxa de lucro que o capitalista pode
obter da sua empresa ?
Continuemos com o exemplo das duas empresas - de
tecidos e de fósforos. É evidente que a diferen ça da taxa de
lucro n ã o depende da explora çã o e da taxa de mais-valia , já
que estes dois fatores são iguais em ambos os casos. O capital
vari á vel de ambas as empresas tem de ser igual . A diferen ça
das taxas de lucro depende da proporçã o do capital cons-
tante . O capital recebe menos lucro na fá brica de tecidos por-
que teve de investir mais em m á quinas, edif ícios e mat é rias-
primas do que investiu na fá brica de fósforos, mantendo-se a
mesma soma de capital vari á vel em ambas as empresas. Se
em vez de compararmos a fá brica de fósforos com a de teci -
dos, a comparássemos com qualquer outra fá brica cujo capi -
tal constante fosse duas vezes menor e, igualmente, o capital
vari ável fosse duas vezes menor, a taxa de lucro seria , no en -
tanto, a mesma na fá brica de fósforos.
A taxa de lucro depende també m da rela çã o entre ca -
pital constante e capital vari á vel . Esta rela çã o chama -se com -
posi çã o orgâ nica do capital .

177
Princ í pios de Economia Pol í tica I. Lapidus/K. Ostrovityanov

Na nossa fá brica de tecidos o capital constante é de


$540 mil ($600 mil - $60 mil = $ 540 mil ) , isto é, nove vezes
maior que o capital vari á vel ; na fá brica de fósforos o capital
constante ($300 mil - $60 mil = $240 mil ) é apenas quatro
vezes maior que o capital vari á vel .57 Portanto, a composi çã o
orgâ nica do capital na fá brica de fósforos será igual a $240
mil :$60 mil , ou seja , 4:1 , e na fá brica de tecidos seria $540
mil :$60 mil, ou seja , 9:1 .
Quanto mais o capitalista gasta na constru çã o de edi -
f ícios, aquisi çã o de m á quinas e mat é rias- primas, em rela çã o
com o que gasta em força de trabalho, mais alta é a composi -
çã o orgâ nica do capital e menor será , para a totalidade do ca -
pital , a taxa de lucro .
N ã o é dif ícil verificar que a alta composi çã o orgâ nica
do capital 58 depende , antes de mais nada , da tecnologia da
empresa . De modo geral , com o desenvolvimento tecnol ógi -
co, o n ú mero de m á quinas cresce mais rapidamente que o de
operá rios. A porcentagem dos gastos de m ão-de-obra diminui
constantemente no total dos gastos do capitalista .
Portanto, a composi çã o orgâ nica pode crescer mesmo
no caso de o n ú mero de operá rios (e do capital vari á vel ) tam -
bé m aumentar . Basta que o capital constante aumente mais
rapidamente. Se o n ú mero de operá rios duplicou e no mesmo
per íodo de tempo se gastou na aquisiçã o de m á quinas quatro
vezes mais que anteriormente, a composi çã o orgâ nica do ca -
pital subiu .59

57 . Para simplificar, admitamos que o capital efetua sua rotação em um ano .


58 . Empregaremos as expressões "alta composi ção orgâ nica do capital , com -
posi ção orgâ nica m édia e composi ção orgâ nica inferior" , conforme a percen -
tagem de capital constante é grande , média ou inferior .
59 . No entanto, n ão se pode afirmar que a composi ção orgâ nica do capital
corresponda exatamente à tecnologia da empresa .

178
Princípios de Economia Política I . Lapidus/ K. Ostrovityanov

A composição orgâ nica do capital cresce com o desen -


volvimento da técnica , e a taxa de lucro deve baixar ao mesmo
tempo.
A composi çã o orgâ nica do capital pode ser diferente
em duas oficinas onde trabalha o mesmo n ú mero de operá -
rios, com as mesmas ferramentas e onde a técnica é, por con -
seguinte, semelhante . Em uma destas oficinas trabalha -se o
ferro e a composiçã o orgâ nica do capital ser á inferior à da
outra oficina onde se trabalha o cobre, metal mais caro. A di -
feren ça de composi ção orgâ nica do capital depende do valor
das maté rias- primas (ver K . Marx, O Capital, t . 1 e 111 ) .

32. Rotação do capital e taxa de lucro


Para al é m da dimensã o do capital constante, para alé m
da composi çã o orgâ nica do capital todo, outra circunst â ncia
contribui fortemente para determinar a taxa de lucro . O capi -
talista n ã o apenas se interessa pelo lucro que retira do capital
completo, mas também pelo tempo em que obté m este lucro.
Vimos que estabelece a taxa de lucro ao dividir o lucro anual
pelo capital total investido na empresa .
Mas este capital n ão permanece invariável todo o ano;
uma parte transforma -se, ao longo do processo de produ çã o,
em mercadorias acabadas. Sabemos que o valor e o preço das
mercadorias compreendem o valor do desgaste das m á qui -
nas, valor das maté rias- primas, da força de trabalho, etc.
As mercadorias acabadas realizam -se no mercado, isto
é, vendem -se, e o dinheiro serve para novas compras de força
de trabalho, m á quinas, maté rias- primas.
Deste modo, o capital reconstitu ído volta a transfor -
mar-se em capital dinheiro, e este dinheiro transforma -se de
novo em capital produtivo . Chamemos a este processo o mo-
vimento circulató rio ou rota çã o de capital .

179
Princ í pios de Economia Pol í tica I. Lapidus/K. Ostrovityanov

N ã o é dif ícil dar -se conta que o tempo durante o qual


as diferentes partes do capital levam a efeito sua rota çã o n ã o
é o mesmo. As m á quinas e os edif ícios são constru ídos para
durar anos e dezenas de anos; portanto devolvem o seu valor
ao capitalista pouco a pouco, por pequenas partes, e depois
de muito tempo novas m á quinas substituem as antigas.
N ã o acontece assim com as maté rias- primas e a força
de trabalho . Ao longo do ciclo de produ çã o o seu valor passa
integralmente às mercadorias. Vendida a mercadoria , novas
maté rias- primas e força de trabalho se adquirem 60 com o di -
nheiro retirado da opera ção comercial , e o movimento circu -
latório recomeça .
A parte de capital investido em m á quinas e edif ícios
cujo valor só se restitui por partes chama -se capital fixo .
As partes do capital colocadas em maté rias- primas e
for ça de trabalho cujo valor entra na sua totalidade na mer -
cadoria acabada ao longo de um ciclo de produ çã o chama -se
capital circulante .
Compreende-se que a velocidade do movimento de cir -
cula çã o das diferentes partes do seu capital n ã o deixa o capi -
talista indiferente; a import â ncia da parte do capital que deve
ser gasta previamente també m n ão lhe é indiferente . Quanto
maior o capital fixo, mais lento é o movimento de circula çã o;
quanto maior for a parte im óvel do capital , menor ser á a taxa
de lucro do capitalista , calculada em rela çã o ao capital global
em um ano. Ao contrá rio, quanto mais rá pida é a rota çã o do
capital circulante, mais rota ções efetua durante o ano e mais
lucros acumula o capital global em um ano.
Como se passam as coisas na realidade ? A composiçã o
orgâ nica do capital cresce com o desenvolvimento técnico. O

60. Prescindimos dos diversos fatores que complicam estas opera ções.

180
Princípios de Economia Política I . Lapidus/ K. Ostrovityanov

crescimento do capital constante é, em outros termos, mais


rá pido que o capital vari á vel .
Mas o crescimento do capital constante, antes de mais
nada , significa o crescimento dos gastos em m á quinas, edif í-
cios e , em menor medida , em maté rias- primas; portanto o ca -
pital fixo cresce em primeiro lugar; ao mesmo tempo, a rota -
çã o do capital constante diminui de velocidade . As grandes
m á quinas modernas custam muito mais caro do que as m á -
quinas anteriores, menos complicadas e trabalhavam com um
processo de laboração muito mais lento.
Naturalmente é importante n ã o esquecer a existê ncia ,
em cada grau de desenvolvimento técnico, de empresas ande
a rota çã o do capital tem velocidades diferentes; deste modo,
nas empresas que produzem meios de produ çã o (constru çã o
de m á quinas) a rotação do capital é mais lenta que naquelas
que produzem bens de consumo.61
O tempo de rota ção do capital de uma empresa pode
calcular-se a partir da import â ncia dos capitais investidos e a
soma do capital que efetuou a sua rota çã o durante o ano .
Suponhamos uma empresa com capital fixo de $ 160
mil e um capital circulante de $40 mil; suponhamos que a ro-
tação do capital fixo se efetua em oito anos e a do capital cir-
culante num m ês; a soma do capital que efetua a rota çã o num
ano é, portanto:

Capital fixo - $160 mil :8 = $20 mil


Capital circulante - $40 mil xl 2 = $480 mil
Total do capital que efetuou sua rotaçã o em um ano = $500 mil

61. N ão consideramos aqui as diferenças que existem entre as empresas que


produzem as mesmas mercadorias. J á tratamos este ponto .

181
Princ í pios de Economia Pol í tica I. Lapidus/K. Ostrovityanov

O total do capital investido é de $ 160 mil + $40 mil ,


isto é , $200 mil . O capital que efetuou a rota çã o é uma vez e
meia maior ($500 mil ) . Podemos dizer, em outros termos, que
o capital total da empresa efetuou a sua rota ção duas vezes e
meia em um ano .
Se calculamos assim o tempo de rota çã o do capital das
empresas de um mesmo n ível t écnico, resultados confirmam
plenamente nossa conclusã o acerca da lentid ão da rota çã o
nas empresas mais desenvolvidas do ponto de vista técnico.
M .S. Stroumiline construiu o seguinte quadro do tem -
po de rotaçã o do capital em diferentes empresas de socieda -
des por a ções que funcionavam na R ú ssia em 1911 :62

Importância das empresas N úmero de movimentos


segundo a rotação do capital circulatórios durante o ano
5.000 .000 rublos 1 , 51
3.000 .000 rublos 1 , 55
1.000 .000 rublos 1 , 90
500.000 rublos 2 , 30
101.000 rublos 3, 18
10.000 rublos 3, 10

Este quadro n ã o indica o n ível técnico das empresas,


mas pode dizer-se, sem grandes possibilidades de erro, que a
técnica é mais elevada nas maiores ( tendo em considera çã o a
rota çã o do capital ) .
Pode-se, no entanto, fazer uma correçã o a tais consi -
dera ções acerca do aumento do tempo de rotaçã o do capital
devido ao desenvolvimento da t écnica : este desenvolvimento
melhora as comunica ções ( vias férreas, correios, tel égrafos) ,
e disso resulta , por vezes, a acelera çã o da rotação do capital .

62. STROU MI LI N E , O Problema do Capita! Industrial na URSS, 1925.

182
Princípios de Economia Política I . Lapidus/ K. Ostrovityanov

Para poder , efetivamente , realizar as mercadorias e começar


um novo processo é necessá rio que as mercadorias cheguem
ao consumidor . Outros avan ços técnicos podem també m ace-
lerar a rota çã o do capital . Assim , por exemplo, o curtume do
couro era muito demorado quando se aplicavam m é todos
muito primitivos, o que tornava mais lenta a rota çã o do capi -
tal investido na ind ú stria do couro; desde que se aplica a ele-
tricidade para curtir o couro o processo ficou abreviado.
Al é m disso h á que admitir que a a çã o destes diferentes
fatores n ã o tem grande importâ ncia , em comparaçã o com a
a çã o das causas da diminui çã o da rotaçã o do capital ( intro-
du çã o de m á quinas pesadas, mais modernas, etc. ) . Portanto,
a nossa conclusã o acerca da diminui çã o da rota çã o do capi -
tal , devida ao progresso técnico, permanece em geral vá lida .

33. As relações entre a taxa de exploração e a taxa de


lucro
Considerá mos até agora o papel da composição orgâ -
nica do capital e a influ ê ncia do tempo de rota çã o sobre a taxa
de lucro. Supusemos, em vá rios exemplos, que a taxa de ex -
plora çã o era invariável , e por esta razã o a mais-valia pareceu
estar em segundo plano.
Mas devemos ter presente que a mais-valia , a sua di -
mensã o, e, por conseguinte, a taxa de explora çã o, desempe-
nham um papel important íssimo na forma çã o da taxa de lu -
cro. O pró prio lucro n ã o é mais que a mais-valia realizada
pelo capitalista .
J á n ão precisamos de o provar . Quanto maior for a
mais-valia retirada do trabalho do oper á rio, maior é a explo -
ra çã o, e tanto maior é a taxa de lucro.

183
Princ í pios de Economia Pol í tica I. Lapidus/K. Ostrovityanov

No entanto, é evidente que a taxa de lucro n ã o cresce,


em porcentagem , na mesma proporçã o do que a taxa de ex -
plora çã o.
Voltemos ao nosso exemplo da fá brica de tecidos. O
capital total alcan ça os $600 mil e a mais-valia os $60 mil; a
taxa de explora çã o é de 100% e a taxa de lucro 10%.
Se a taxa de explora çã o aumenta em 100%, a mais- va -
lia aumentará de novo e alcan çar á $ 120 mil ; a taxa de lucro
será igual a ($ 120 mil /$600 mil ) x 100% = 20% e, portanto, a
taxa de lucro só terá aumentado 10%.
Entretanto, se , ao invés de considerarmos em porcen -
tagem o aumento das taxas de explora çã o e de lucro, nos per -
guntarmos quantas vezes cresceram , verificamos que ambas
duplicaram .
No regime capitalista a explora ção da classe operá ria
cresce com o progresso técnico, e este crescimento da explo-
ra çã o deve aumentar a taxa de lucro. É possível que n ã o nos
d ê mos conta deste fato, pois ainda que o crescimento da ex -
plora çã o aumente a taxa de lucro, o crescimento simultâ neo
da composi çã o orgâ nica do capital e a diminui çã o da sua ro-
ta çã o podem diminuir, e diminuem , esta taxa com uma força
ainda maior .
A rela çã o entre a taxa de lucro, a composi çã o org â nica
do capital e a taxa de exploraçã o pode expressar-se em uma
fó rmula . J á conhecemos duas fó rmulas que expressam a taxa
de lucro e a taxa de explora çã o:

Ia equa çã o
/' ( taxa lucro ) = m ( mais-valia ) / c + v (capital global , ou seja , capital
constante + capital vari ável )

2a equa ção
/?7 ' ( taxa de mais-valia ) = m ( mais valia ) / v ( capital vari ável )

184
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

Com o fim de reunir estas duas fó rmulas em uma só,


achemos na segunda o valor de m e vamos substitui - lo na pri -
meira equa çao.
A segunda equa çã o d á - nos: m = mV; introduzindo este
valor na primeira : / ' = ml ( c+ V ) = m' v / ( c+ v ) , ou seja /' = mV
/ ( c+ r)
Esta fó rmula faz ressaltar que a taxa de lucro é propor -
cional à taxa de explora ção. Olhando-a mais de perto, tam -
bé m pode notar -se que expressa a interdepend ê ncia entre a
taxa de lucro e a composi çã o orgâ nica do capital .

34. Formação da taxa m édia de lucro: tendê ncia para


baixar
progresso técnico, o desenvolvimento da
Portanto, o
composi çã o orgâ nica e a diminui çã o da rota çã o do capital de-
vem provocar uma baixa da taxa de lucro.
Se tal tend ê ncia da taxa de lucro é exata quanto à so-
ciedade capitalista em geral , sê- lo-á també m nos diversos ca -
sos particulares?
Examinemos melhor este ponto.
Suponhamos que dois capitalistas est ão a " trabalhar "
um ao lado do outro, com capitais de igual valor . Um tem uma
fá brica de constru ção de m á quinas e o outro de curtumes. Na
fá brica do construtor de m á quinas a composi ção org â nica do
capital é muito elevada ; na de curtumes é de um n ível muito
inferior . Que se passa ? Sendo a propor çã o de capital vari á vel
inferior em rela çã o ao capital constante na fá brica do cons-
trutor de m á quinas do que na fá brica de curtidos, o primeiro
deverá , com uma explora çã o dos operá rios igual em ambas as
empresas, obter menos lucro que o segundo . Dois capitalistas
t ê m capitais iguais e obt ê m lucros diferentes. Agora , se um

185
Princ í pios de Economia Pol í tica I. Lapidus/K. Ostrovityanov

capitalista pensa investir capital em uma nova empresa , pre-


ferirá criar uma empresa de curtumes. Como esta d á uma taxa
de lucro mais alta , os capitais livres preferem ir para a ind ús-
tria do couro ao invés de ir para a constru çã o de m á quinas.
Inclusivamente , pode-se dizer que, na primeira oportunidade
que se apresente, o nosso "construtor de m á quinas" tentará
liquidar a sua fá brica e colocar o seu capital na ind ú stria do
couro. Qual será o resultado disto? O n ú mero de fá bricas de
constru çã o de m á quinas diminuirá . O n ú mero de fá bricas de
couro aumentará e, em consequ ê ncia , artigos de couro baixa -
rã o de preço. A taxa de lucro das empresas que trabalham o
couro baixará també m .
Um fen ô meno inverso ocorrer á na ind ú stria de cons-
tru çã o de m á quinas. Aqui a produ çã o baixará , a procura de
m á quinas, em vez de baixar, aumenta (capitalistas que mon -
tam curtumes vã o precisar de maquinaria ) . O preço das m á -
quinas vai , portanto, subir . A taxa de lucro nas empresas pro-
dutoras de maquinaria vai subir paralelamente .
Até quando subir ã o os preços das m á quinas e baixarã o
os preços dos artigos de couro? Até que a taxa de lucro dos
curtidores atinja um n ível n ã o inferior à taxa de lucro (aumen -
tada ) dos construtores de maquinaria .
Nesta altura começará um movimento de capital em
sentido inverso . Os capitais afluir ã o à constru ção de m á qui -
nas até que a amplia çã o deste ramo provoque uma baixa dos
preços das m á quinas e uma diminuiçã o das taxas de lucro.
Isto é o que acontece na sociedade capitalista na corrida pelos
lucros: os capitais passam continuamente de um ramo para
outro. As empresas onde a taxa de lucro é mais alta perdem
parte dos seus lucros, as empresas onde a taxa de lucro é mais
baixa ( fá bricas de m á quinas ) , e que os capitais abandonaram ,

186
Princípios de Economia Política I . Lapidus/ K. Ostrovityanov

veem as suas taxas de lucro subir em consequ ê ncia da deser-


çã o dos capitais.
Portanto, a taxa de lucro dos diferentes ramos da pro-
du çã o em que a composiçã o orgâ nica do capital varia tende
para uma nivela çã o próxima duma taxa m édia para toda a so-
ciedade.
Na verdade, tal nivela çã o da taxa de lucro n ã o ocorre
com total liberdade, porque as transferê ncias de capitais que
acabamos de referir n ã o sã o fá ceis: o capitalista n ã o pode li -
quidar de imediato a empresa n ã o lucrativa , porque o capital
nela investido leva anos a efetuar a sua rota çã o . Mas esta cir-
cunstâ ncia n ã o faz mais que atrasar um pouco a a ção da lei
que tende a nivelar a taxa de lucro.
É evidente que esta transfusã o do capital de um ramo
da ind ú stria para outro n ã o só se determina pelo crescimento
do capital orgâ nico, mas també m por outras causas que po-
dem ter por resultado diferen ças da taxa de lucro em certas
empresas.
Em primeiro lugar , h á que mencionar as diferen ças de
tempo de rotaçã o do capital e as da taxa de explora çã o. Vimos
que todas tais causas estã o estritamente unidas e que o cres-
cimento da composição orgâ nica do capital está geralmente
ligado a uma diminui çã o da rota çã o do capital e a um au -
mento da taxa de explora ção.
Entã o qual é a taxa m édia de lucro resultante , em uma
determinada sociedade, da transfusã o de capitais? Depende
da composi çã o orgâ nica m é dia do capital na sociedade , tem -
po m édio de rota çã o do capital e taxa m édia de explora çã o.
Sabemos que coexistem empresas que t ê m um n ú mero
diferente de m á quinas e que empregam um n ú mero diferente
de operá rios; em outros termos, empresas que tê m capitais

187
Princ í pios de Economia Pol í tica I. Lapidus/K. Ostrovityanov

de diferente composi ção orgâ nica , empresas em que o tempo


de rota çã o do capital e o grau de explora çã o sã o diferentes.
Mas, se procurarmos a dimensã o do capital constante
e do capital vari á vel do conjunto das empresas em uma de-
terminada sociedade em um dado momento e se considerar -
mos a sua rela çã o, se atuarmos da mesma maneira em rela -
çã o à rota çã o do capital e à taxa de explora çã o, obtemos a
composi çã o orgâ nica m é dia do capital em um dado momento
e outras dimensões m édias que determinam a taxa de lucro .
Provemo- lo com a ajuda de um exemplo. Limitemo-
nos, para simplificar , a considerar a composi çã o orgâ nica do
capital . Suponhamos que todas as empresas de uma socie-
dade se podem classificar em três categorias: 1 ) as empresas
de alta composi çã o orgâ nica do capital , entre as quais domi -
nam , por exemplo, as fá bricas de m á quinas; 2 ) as empresas
cuja composi çã o orgâ nica do capital é inferior ( padarias, res-
taurantes, etc. ) ; 3) as restantes empresas, como as da ind ús-
tria têxtil , t í picas desta categoria .
Suponhamos que em cada uma das três categorias de
empresas trabalha o mesmo n ú mero de oper á rios; o capital
vari á vel de cada categoria é de $ 200 milh ões e a taxa de ex -
plora ção é a mesma para todas ( digamos 100% ) . No ramo da
ind ú stria de capital com composi çã o orgâ nica inferior o capi -
tal constante é $ 200 milh ões; nas empresas cujo capital tem
uma alta composi ção orgâ nica investem -se , em capital cons-
tante, $ 1 bilh ã o e nas empresas da terceira categoria inves-
tem -se $ 600 milh ões. Suponhamos, també m , para simplifi -
car , que o tempo de rota çã o do capital é igual em todas e que
a taxa de exploraçã o també m é igual .
Como se determina a composi çã o orgâ nica m édia do
capital e a taxa m édia de lucro?

188
Princípios de Economia Política I . Lapidus/ K. Ostrovityanov

Fa çamos o balan ço dos capitais constantes e vari áveis


de todas as empresas e também da mais-valia criada pelos
operá rios ( recordemos que a taxa de explora ção é 100% em
todas) . Obté m -se o seguinte quadro:

Em milhões de escudos
Capital Capital Mais-
constante variável valia
Ramos da indústria de aita
composição orgânica de capital 1000 200 200
(construção de máquinas, etc. )
Ramos da indústria de
composição orgânica de capital 200 200 200
inferior ( padarias, etc. )
Outros (indústria têxtil, etc. ) 600 200 200
Totais 1800 600 600

Portanto o capital constante atinge $ 1 , 8 bilh ã o e o ca -


pital vari á vel $600 milh ões. A composiçã o orgâ nica do capital
total expressa -se com a seguinte rela ção: $ 1 ,8 bilh ã o: $600
milh ões = 3: 1 .
Sendo o capital global da sociedade ( c+ v ) igual a $2 , 4
bilh ões atingindo a mais-valia { m) $6 milh ões, a taxa m édia
de lucro 600/2.400 será igual a m/ ( c+ v ) x 100% = 25%. A taxa
de lucro de todas as empresas da sociedade tenderá para este
n ível m édio .
Significará isto que todos os capitalistas, o construtor
de m á quinas, o fabricante de tecidos, o padeiro, cobrarão pre-
cisamente tal taxa m édia de lucro? De modo algum ; cada ca -
pitalista tentar á alcan çar o lucro mais elevado. Às vezes, be-
neficiando de certas condi ções favorá veis no mercado, pode
ser que o consiga , desde que os progressos técnicos que te -
nha introduzido e a consequente diminui çã o dos gastos n ã o

189
Princ í pios de Economia Pol í tica I. Lapidus/K. Ostrovityanov

se tenha ainda generalizado; e desde que seja pequeno o n ú -


mero de capitalistas que atuem no seu ramo de produ çã o, po-
derá receber certo excedente superior ao lucro m é dio . Este
excedente chama -se lucro diferencial .
Mas quando tais progressos se tenham generalizado e
outros capitalistas os introduzam no mesmo ramo de produ -
çã o, desaparecer á , inevitavelmente, este lucro diferencial , e o
preço das mercadorias poderá baixar at é um ponto tal que o
capitalista já n ã o consiga obter sequer a taxa m édia de lucro.
Estes fen ô menos provocarã o por sua vez o refluxo do capital
para outros ramos da ind ú stria , e, portanto, a taxa de lucro
voltará a subir.
Tais oscila ções do lucro no regime capitalista acima e
abaixo da taxa m édia são exatamente an á logas à varia çã o dos
preços acima e abaixo do valor em uma sociedade mercantil .
A taxa m édia de lucro é o ponto de equil í brio dos dife-
rentes lucros em uma sociedade onde impera a corrida ao
mais alto lucro.
Este cará ter elementarmente espont â neo da sociedade
capitalista n ã o se manifesta só nisso. Capitalistas progressis-
tas que querem diminuir o preço de custo de uma mercadoria ,
ganhar aos seus concorrentes e obter mais lucro introduzem
melhoramentos técnicos. Mas, à medida que estes melhora -
mentos se vão generalizando entre os concorrentes, o lucro
diferencial desaparece e produz- se um resultado totalmente
inesperado para os capitalistas; os progressos técnicos gene-
ralizam -se, a composi çã o orgâ nica do capital da sociedade
inteira alterou -se , o que provoca inevitavelmente uma baixa
da taxa de lucro m édia .
Portanto, a baixa da taxa de lucro condicionada pelo
crescimento da composiçã o orgâ nica do capital n ã o se mani -
festa diretamente na empresa capitalista que melhorou a sua

190
Princípios de Economia Política I . Lapidus/ K. Ostrovityanov

t écnica . Atua sobre a taxa m édia de lucro, quer dizer, sobre o


regulador espontâ neo do lucro capitalista .
É verdade que a baixa da taxa de lucro ( quer dizer , o
rendimento por cada escudo do capital ) é geralmente com -
pensada na altura dos progressos técnicos pelo aumento da
produ çã o ( o n ú mero de escudos que d á rendimento ao capi -
talista aumenta ) . No entanto, existe , entre as inten ções do ca -
pitalista (obter taxa de lucro mais alta ) e resultados alcan ça -
dos ( baixa da taxa de lucro m édia ) , uma contradi çã o absoluta .
Esta contradiçã o é outra prova do cará ter elementar -
mente espontâ neo do capitalismo .

35. Os gastos de produção e o cá lculo destes gastos na


economia capitalista
O lucro é o motor da economia capitalista . O capita -
lista n ã o tem nada em comum com o artesã o, que procura
apenas satisfazer as suas necessidades. Do ponto de vista do
capitalista , uma empresa que n ã o gera bastante rendimento
n ã o tem razã o de existir . Aquilo a que aspira n ã o é um lucro
qualquer, mas sim o lucro m á ximo . Al é m da sua disposição
para o lucro, a competi ção també m a empurra . Se , contra a
sua natureza , um capitalista se abstivesse de procurar o lucro
m á ximo, contentando-se durante algum tempo com um lucro
med íocre, os restantes, seus concorrentes, ao receberem lu -
cros mais altos, teriam possibilidades de ampliar as suas em -
presas, aperfei çoar a sua maquinaria , e n ã o deixariam de es-
magar desapiedadamente o seu colega mais modesto.
Como pode o capitalista obter mais lucro?
Como existe concorrê ncia , n ã o será através de uma su -
bida do preço de venda , mas sim diminuindo o preço de custo.
A diminui çã o do custo permite ao capitalista diminuir o preço
de venda , bater os seus concorrentes e obter mais lucros.

191
Princ í pios de Economia Pol í tica I. Lapidus/K. Ostrovityanov

Maspara o conseguir e, de maneira geral , para avaliar


do n ível dos seus negócios, o capitalista deve ter uma ideia
exata dos seus gastos de produ çã o, sua natureza e dimensã o
por unidade de mercadoria dada .
Portanto, o cá lculo destes gastos tem um papel funda -
mental no bom funcionamento dos negócios ( do ponto de vis-
ta do capitalista ) e na luta do capitalista no mercado.
Vejamos mais de perto os gastos de produ çã o.
Tomemos como exemplo os gastos de produ çã o dos
tecidos de algod ã o antes de 1913 ( na R ú ssia antes da guerra ) .

Gastos Gastos
Lista dos gastos
(em rublos-ouro) (porcentagem do total)
Matérias-primas 15 r . 40 k 41 , 0
Matérias auxiliares 3 r . 84 k 10, 5
Combustí veis 1 r. 75 k 7, 5
Salários 6 r . 87 k 18 , 5
Amortizações 4 r . 20 k 1 1 ,0
Despesas gerais 4 r . 30 k 11 , 5
Total 36 r . 36 k 100 , 0

Este quadro mostra - nos que as principais despesas de


produ çã o dos tecidos de algod ã o63 se reduzem às maté rias-
primas ( 41 % do custo de produ çã o ) , combust íveis, maté rias
auxiliares, sal á rios.
Consideremos estas despesas separadamente.
1 . Os gastos em maté rias- primas, ou seja , em algod ã o,
representam a maior despesa . É evidente que as despesas em

63. l .G . Borissov, Os Preços e a Política Comerciai Moscou , 1925. Edi ções do


Comissariado das Finan ças. Para simplificaçã o, arredondamos estas porcen -
tagens.

192
Princípios de Economia Política I . Lapidus/ K. Ostrovityanov

maté rias- primas ser ão totalmente diferentes - e às vezes in -


significantes - nas ind ú strias produtoras de maté rias- primas,
que, em vez de as comprar, as encontram na natureza (carvã o,
petr óleo, min é rio de ferro) . Em certos ramos da produ ção, o
valor da maté ria - prima ocupa um lugar mais importante que
no nosso exemplo; a mat é ria - prima do diamante que o joa -
lheiro vende representa de certeza mais de 41 % do preço.
Em qualquer ind ústria manufatureira as despesas em
maté rias- primas constituem uma das principais rubricas das
despesas de produ çã o. Portanto, a diminui çã o do preço das
maté rias- primas tem papel incalcul ável na concorrê ncia entre
os capitalistas e na corrida ao lucro. Como alguns fabricantes
desejam sobretudo a diminui çã o dos preços das maté rias- pri -
mas, surgem lutas encarni çadas entre os capitalistas que as
compram e os capitalistas que as vendem .
Muitos capitalistas, entre os mais ricos, tentam abrir
ou adquirir empresas que produzem mat é rias- primas de que
necessitam , para assim evitarem os caprichos dos vendedores
de maté rias- primas (e combust íveis ) . Os proprietá rios de fá -
bricas de maquinaria procuram adquirir minas de ferro, hu -
lheiras, etc.
Uma luta semelhante se desenrola na sociedade mo-
derna entre os estados; cada um tenta conquistar para os seus
capitalistas os ricos mercados de mat é rias- primas dos pa íses
atrasados da Ásia , África e Am é rica Latina .
Finalmente, a utiliza çã o mais ou menos completa das
maté rias- primas desempenha um papel muito importante na
luta pela diminui çã o dos preços destas matérias. O trabalho
produz sempre desperd ícios. Quanto menos desperd ício hou -
ver, menor ser á o custo da mercadoria .
Neste campo, resultado depende, em grande parte , dos
progressos cient íficos e tecnol ógicos; quanto mais preciso for

193
Princ í pios de Economia Pol í tica I. Lapidus/K. Ostrovityanov

o funcionamento de uma m á quina que trabalha maté rias- pri -


mas, mais se aproveita destas maté rias.
Marx , citando um economista francês ( O Capital, livro
III , 1 . a parte, t . IX, p . 174 ) , relata que a substituiçã o das velhas
m ós de um moinho por outras novas permitiu obter com a
mesma quantidade de trigo um sexto mais de farinha .
També m se pode diminuir sensivelmente o custo de
produ ção utilizando os desperd ícios. A sucata volta a fundir -
se; os desperd ícios da agricultura , detritos e esterco servem
para melhorar o solo ( e às vezes servem de combust íveis ) , os
restos dos talhos e das fá bricas de conservas sã o utilizados
no fabrico de adubos e sabões, etc.
Os progressos da ci ê ncia moderna , da qu í mica , espe-
cialmente, abrem continuamente novas possibilidades de uti -
liza çã o dos desperd ícios e oferecem novas maté rias- primas
baratas, que assim obtidas vã o servir para a fabrica çã o de ou -
tros produtos necessá rios. Mencionemos a utilização do ni -
trogé nio atmosf é rico no fabrico de adubos (e de outros pro-
dutos nitrogenados) ; recordemos també m o fabrico de vá rias
subst â ncias orgâ nicas complexas através de procedimentos
sintéticos.
2 . As despesas de combust ível e o consumo de energia
em geral ocupam o segundo lugar nas despesas de produ çã o
logo a seguir às despesas em maté rias- primas e mat é rias au -
xiliares ( n ão nos deteremos sobre estas ú ltimas ) .
A inven çã o de novos motores e a utiliza çã o de novas
fontes de energia contam -se, juntamente com o desenvolvi -
mento dos combust íveis, entre os maiores m é ritos da técnica
do século XIX . A substituiçã o da força motriz animal pela m á -
quina a vapor, pela turbina , pelo motor el é trico e pelo de com -
bust ã o interna ; a substitui çã o do carvã o de madeira pela hu -
lha e petróleo, a utiliza çã o, enfim , das quedas de á gua , todas

194
Princípios de Economia Política I . Lapidus/ K. Ostrovityanov

altera ções diminu í ram a despesa de combust íveis, que , no en -


tanto, continua a ser uma das mais importantes da produ çã o.
3. A força de trabalho ou m ã o- de-obra é um elemento
do qual nenhuma ind ústria pode prescindir . Quanto menor a
composiçã o orgâ nica do capital da empresa , mais baixa é a
rela çã o do capital constante com o capital vari á vel , e maior a
porcentagem da for ça de trabalho nas despesas ou custos de
produ ção.
A diminui çã o do preço da força , naturalmente , é uma
das principais preocupações do capitalista .
Sabemos como atua para atingir tal objetivo . Aumenta
a intensidade do trabalho, diminui o salá rio, aumenta o ren -
dimento do trabalho com a introdu çã o de novas m á quinas.
Todas despesas - maté rias- primas, combust íveis e for -
ça de trabalho - constituem o principal dos gastos de produ -
çã o e sã o chamados gastos de produ çã o propriamente ditos.
H á també m que mencionar a amortiza çã o e as despe-
sas gerais, que tê m grande importâ ncia , apesar de absorve-
rem somente uma parte sensivelmente mais pequena que os
gastos de produ ção .
4. Detenhamo- nos um pouco na amortiza çã o.
A amortiza ção n ã o é mais que a transferê ncia do preço
das m á quinas e dos edif ícios para o preço da mercadoria .
J á dissemos, quando falamos da mais-valia , que o va -
lor do capital constante se incorpora parcialmente no valor da
mercadoria . O cá lculo exato da amortiza çã o, isto é, a parte do
desgaste das m á quinas e dos edif ícios que entra em cada uni -
dade de mercadoria , é por vezes bastante dif ícil . Se, por exem -
plo, se endireita uma peça em um torno mecâ nico, como sa -
ber em que medida se gastou o torno no trabalho? Como co-
nhecer antecipadamente a dura çã o de trabalho que o torno
me dará no total e gastos de reparaçã o que serão necessá rios?

195
Princ í pios de Economia Pol í tica I. Lapidus/K. Ostrovityanov

Cá lculos aproximados baseados na experi ê ncia ante-


rior sã o possíveis e, ainda mais, necessá rios. O capitalista de-
ve reservar parte do capital fixo recuperado pela venda das
mercadorias para constituir o que se chama o fundo de amor -
tiza çã o, que lhe permitirá mais tarde reconstituir o capital fi -
xo. Se se engana nos seus cá lculos, pode ser que as conse-
qu ê ncias deste erro n ã o apareçam enquanto as m á quinas e
os edif ícios continuarem a funcionar . A catástrofe produzir-
se -á quando for necessá rio substituir as m á quinas antigas e
os fundos de amortizaçã o n ão sejam suficientes para comprar
m á quinas novas .64
Como pode um capitalista assegurar a diminuiçã o dos
gastos de amortiza çã o por cada unidade de mercadoria (quer
dizer, por cada metro de tecido, por cada quilograma de a çú -
car , etc. ) ? O desenvolvimento da t écnica e o aumento de ren -
dimento de trabalho, que j á referimos, cumprem aqui um pa -
pel muito importante.
A concentra çã o da produ ção ou das grandes empresas
contribui para isso, como veremos mais adiante . A racionali -
za çã o da produ çã o - de que falamos ao tratar o sistema de
Taylor - tem certa importâ ncia : diminui çã o da inatividade das
m á quinas, elimina çã o da sua paragem parcial , etc. O capita -
lista ao diminuir as suas despesas de amortiza çã o - e as de-
mais despesas - n ão pensa nos interesses dos operá rios; ao
procurar as m á quinas mais baratas, piora as condi ções de tra -
balho do operá rio ( descuidando, por exemplo, as disposi ções
sobre a seguran ça no trabalho, etc. ) .

64 . É um erro acreditar que o capitalista deve possuir sempre os seus fundos


de amortiza ção em dinheiro efetivo . Veremos, ao tratar do cré dito, que o ca -
pitalista pode utilizar temporariamente estes fundos, enquanto o antigo capi -
tal fixo n ão está totalmente consumido .

196
Princípios de Economia Política I . Lapidus/ K. Ostrovityanov

Notemos que o desenvolvimento da técnica e da com -


posi çã o orgâ nica do capital deu aos gastos de amortiza çã o65
um lugar crescente nos custos de produ çã o e que as econo-
mias realizadas pelo capitalista neste campo adquirem uma
importâ ncia cada vez maior.
5. As restantes despesas do capitalista que n ã o entram
diretamente na produ çã o da mercadoria chamam -se despe-
sas gerais.
A manuten çã o do pessoal administrativo e da adminis-
tração em geral , dos empregados e agentes (especialmente
dos encarregados da compra de maté rias- primas) , do pessoal
auxiliar, paquetes e guardas, os impostos, as contribuições,
as despesas de seguro, a manuten çã o de escolas e de enfer -
marias entram nestas despesas.
Serão necessá rias tais despesas gerais? Poderá o capi -
talista elimin á - las totalmente ? N ã o, n ã o poderá renunciar a
manter um administrador; arriscaria muito se n ã o fizesse se-
guro; o Estado obriga -o ao pagamento de impostos e contri
bui ções.
No entanto, é evidente que todo o capitalista tenta re-
duzir ao m í nimo estas despesas. A organiza ção cient ífica do
trabalho e o sistema de Taylor n ã o lhe permitem apenas au -
mentar a intensidade e rendimento do trabalho dos seus ope-
rá rios. Permitem - lhe també m organizar o trabalho da empre-
sa e dos operá rios de maneira que diminuam sensivelmente
as despesas gerais. Assim , o trabalho à peça diminui as des-
pesas de vigil â ncia da m ã o- de-obra ; as falsas vantagens do
sistema de Taylor obrigam operá rios a preocuparem -se com
a conservaçã o dos bens do capitalista e a esforçar -se o m á -
ximo . Finalmente, a organiza çã o cient ífica do trabalho, ao pôr

65 . Numerosos autores colocam a amortização nos gastos gerais .

197
Princ í pios de Economia Pol í tica I. Lapidus/K. Ostrovityanov

à disposi çã o do capitalista m é todos cient íficos de fatura çã o e


contabilidade, diminui as despesas de administra çã o.66
Esta é a import â ncia geral de certos gastos no preço
da mercadoria acabada . O pormenor destes diferentes gastos
constitui precisamente um cá lculo que permite ao capitalista
tomar medidas para a diminui çã o de certas categorias de gas-
tos, com o fim de resistir à concorrê ncia e n ã o sucumbir numa
luta desigual .
O cá lculo n ã o lhe pode dar vantagem . O invent á rio da
sua economia pessoal n ã o lhe permite remediar a desorgani -

66. A propor ção dos operá rios ocupados na produ ção, em rela ção com o total
de operá rios e empregados nas empresas capitalistas, diminui à medida que
se vã o desenvolvendo o capitalismo e a técnica . ( Ver em O Monitor da Acade-
mia Socialista, XX, 3o fascículo, Moscou , 1923. O. ERMANSKY, "Os objetivos
da organiza çã o cient í fica do trabalho") Este fato n ã o nos contradiz, porque
temos em vista a diminui çã o das despesas gerais a um n í vel determinado e
invariá vel da técnica . A concentra çã o da produ çã o desempenha um papel de -
cisivo na diminuição dos gastos de produ çã o e tem també m grande import â n -
cia na diminui çã o dos gastos gerais. Quanto maior é a fá brica , menor é a
parte das despesas de vigil â ncia , aquecimento, etc., que entram em cada uni -
dade de mercadoria . Quanto aos impostos, o capitalista tenta por todos os
meios subtrair-se -lhes. H á os que dissimulam por todos os meios l ícitos e il í-
citos os seus rendimentos e tentam obter uma estimativa t ão modesta quanto
possível dos seus bens. Mas como o Estado capitalista , que só defende os in -
teresses da burguesia , precisa de dinheiro, os pol í ticos burgueses tentam
transpor as cargas fiscais para as massas trabalhadoras. O capitalista obté m ,
portanto, uma diminui çã o das despesas gerais. As despesas na manuten çã o
de escolas, enfermarias, etc., constituem apenas uma parte insignificante das
despesas do capitalista . Estas despesas sã o recuperadas pelo capitalista mul -
tiplicadas por cem . Estas obras satisfazem o operá rio e aumentam . No en -
tanto, o capitalista nem sempre faz estas obras de livre vontade . O operá rio
obriga -o pela sua a çã o sindical , com a luta econ ó mica ( greve , etc . ) ou pol í tica
( legisla çã o do trabalho ) . Outras despesas gerais sã o originadas n ão pela pro-
du çã o das mercadorias, mas pela necessidade de as vender: manuten çã o de
um aparato comercial , publicidade , etc. N ã o sã o despesas de produ ção e,
como n ã o tratamos atualmente de com é rcio, deixamos este ponto de lado.

198
Princípios de Economia Política I . Lapidus/ K. Ostrovityanov

za çã o, a inexistê ncia de um inventá rio geral de toda a econo-


mia capitalista . Qualquer que seja a precisã o com que o capi -
talista calcule o custo da produ çã o de uma mercadoria , n ã o
pode saber quantas mercadorias suas concorrentes serã o lan -
çadas no mercado e a que preço . O capitalista só faz cá lculos
para utilizar mais racionalmente seu capital e obter o m á ximo
lucro. Mas outros capitalistas fazem o mesmo esfor ço. A luta
continua e a anarquia da sociedade capitalista segue a existir .

36. O preço de produ ção e a teoria do valor do trabalho


Ao fazer o balan ço do que dissemos até agora , chega -
mos à s seguintes conclusões: 1 ) qualquer capitalista ao ven -
der a sua mercadoria tenta recuperar as despesas de produ -
çã o e, al é m disso, obter o maior lucro pass ível ; 2 ) no processo
de concorrê ncia e transferê ncia de capitais o lucro dos capi -
talistas tende para uma taxa média que depende da composi -
çã o orgâ nica e do tempo de rota çã o do capital da sociedade
inteira ; 3) portanto, o ponto de equil í brio em torno do qual
oscilam os preços na sociedade capitalista determina -se pelas
despesas de produ çã o mais o lucro m édio.
Tal regulador da sociedade capitalista chama -se preço
de produ çã o.
Mas uma pergunta se impõe. Esta conclusã o n ã o es-
tará em contradi ção com o que dissemos acerca do valor ? Es-
tabelecemos que o preço de uma mercadoria se determina ,
em ú ltima an á lise, pelo trabalho socialmente necessá rio para
a sua produ çã o. Ao calcular o preço das mercadorias consi -
derá mos continuamente as horas de trabalho, e agora n ã o fa -
lamos mais do que dos gastos do capitalista , gastos de pro-
du çã o e gastos gerais, e de lucro.

199
Princípios de Economia Polí tica I. Lapidus/K. Ostrovityanov

É verdade que não se tratava no capí tulo do valor da


sociedade capitalista com seu sistema de exploração do tra -
balho, mas sim de um regime simples de produção de merca-
dorias. Mas quais são as relações entre os preços de produção
de que falamos agora e os valores das mercadorias de que
falamos antes ? É muito importante responder a esta pergunta,
porque todos os nossos raciocínios se apoiavam na teoria do
valor.
Voltemos por um instante à sociedade de que falámos
atr ás. Esta sociedade possui um capital de $2,4 bilhões e to -
das as suas empresas se podem dividir, considerando a com -
posição orgânica do capital, em tr ês categorias:

Em milhões de escudos
Capital Capital
Mais- valia
constante Variável
( m)
(c) (v)
Ramos da indústria de
alta composição orgânica 1000 200 200
de capitaI
Ramos da indústria de
composição orgânica de 200 200 200
capitaí inferior
Outras 600 200 200
Totais 1800 600 600

Consideremos por um momento os ramos da produ -


ção inscritas sob o tí tulo " Outras". Têm um capital constante
de $600 milhões, um capital variá vel de $200 milhões, uma
composição orgânica do capital igual a 600:200 = 3: 1 . Tal é
precisamente a composição orgânica do capital da sociedade
inteira ( 1800/600 = 3/ 1); as empresas inscritas sob esta ru-

200
Princípios de Economia Política I . Lapidus/ K. Ostrovityanov

brica t ê m , portanto, uma composi çã o org â nica de capital m é -


dia . Admitamos que $2 representam uma hora de trabalho so-
cialmente necessá rio . Calculemos quantas horas deste traba -
lho estão materializadas nas mercadorias de todas as empre-
sas, ou em outros termos, qual o valor das mercadorias pro-
duzidas por este capital . ( Para isso vamos supor que o capital
constante est á gasto e que seu valor se transferiu totalmente
para as mercadorias num só movimento de rotação efetuado
exatamente em um ano) .

Valor do capi - Valor do capi -


Mais-valia
tal constante tal variá vel
materializada
transferido transferido
em mercado- Total
para as mer - para as mer-
rias
cadorias cadorias
Ramos da ind ústria
de alta composi çã o 1000 200 200 1400
orgâ nica de capital
Ramos da ind ústria
de composi çã o or- 200 200 200 600
gâ nica inferior
Outras 600 200 200 1000
Totais 1800 600 600 3000

Portanto, as mercadorias das empresas de alta compo -


siçã o orgâ nica do capital materializam 700 milh ões de horas
de trabalho; o valor destas mercadorias é de $ 1 , 4 bilh ã o, o
valor das mercadorias dos ramos da ind ú stria de composiçã o
orgâ nica do capital m édia é de $ 1 bilh ã o, e o das mercadorias
das empresas de capital de composiçã o orgâ nica inferior é de
$600 bilh ões.
Qual será , portanto, o preço de produ çã o das merca -
dorias destas fá bricas?
A taxa m édia de lucro é, na sociedade que estudamos,
25%, e as fá bricas de maquinaria , como os estabelecimentos

201
Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

de ind ú strias an á logas, gastaram um capital igual a 1000 c +


200 v, quer dizer , $ 1 , 2 bilh ã o, logo, o preço de produ çã o das
m á quinas constru ídas tem de ser igual às despesas de produ -
çã o ( 1 , 2 milh ã o) mais o lucro m é dio de 25%. Quer dizer: 1200
x 25/ 100 = $300 milh ões, ou seja , $ 1 , 2 bilh ã o + $300 milh ões
= $ 1 ,5 bilh ã o.
Da mesma maneira se pode calcular o preço de produ -
çã o das empresas t êxteis e outras de composi çã o orgâ nica do
capital m é dia :

Despesas de produ ção Lucro m édio Pre ço de produ çã o


(em milhões de escudos) (em milhões de escudos) (em milhões de escudos)
600 capital constante + 25 % sobre 800 = 800 x
200 capital vari á vel 25 / 100
800 + 200 = 1000

Fa çamos o mesmo cá lculo para as empresas de com -


posi çã o orgâ nica inferior:

Lucro m édio Preço de produ çã o


Gastos de produ çã o
(em milhões de escudos) (em milhões de escudos)
200 c + 200 v 25 % sobre 400 = 100 400 + 100 = 500

Comparemos agora os preços de produ çã o das merca -


dorias dos diferentes ramos com o seu valor:

Medida em que
Preço de produ -
Valor trabalho o preço é supe
ção das merca
das mercadorias rior ou inferior
dorias
ao valor
Ramos da ind ústria de alta compo -
si ção orgâ nica de capital ( constru - 1400 1500 + 100
ção de m áquinas, etc . )
Ramos da ind ú stria de composi ção
orgânica de capital inferior 1000 1000
( padarias , etc . )
Outras ( ind ústria têxtil , etc . ) 600 500 - 100
Totais 3000 3000 igualdade

202
Princípios de Economia Política I . Lapidus/ K. Ostrovityanov

Que nos ensinam estes cá lculos?


Os propriet á rios das fá bricas de m á quinas, empresas
de capital de alta composi çã o orgâ nica , ao vender as m á qui -
nas ao preço de produ çã o recebem mais do que o valor destas
m á quinas; ao contrá rio, os proprietá rios das padarias rece-
bem menos. Porqu ê? Porque os " padeiros", de fato, deviam
receber , em consequ ê ncia de a composi çã o orgâ nica do capi -
tal da sua empresa ser inferior, uma taxa de lucro superior à
taxa m é dia , mas tiveram de renunciar a este excedente de lu -
cro. Fizeram no contra vontade, para que os proprietá rios das
-

empresas que constroem m á quinas n ã o vã o preferir colocar


os seus capitais na padaria , mais lucrativa , o que inevitavel -
mente provocaria uma baixa dos preços.
Portanto, neste processo de nivela çã o da taxa de lucro
os capitalistas padeiros e seus semelhantes perderam $ 100
milh ões; empresas construtoras de m á quinas ganham , preci -
samente , em excedentes, essa soma .
Nos ramos de produ çã o de capital de composiçã o or-
gâ nica m édia , nossos cá lculos ensinam - nos que o preço de
produ çã o das mercadorias é igual ao valor .
Do mesmo modo, se compararmos a soma dos preços
de produ çã o de todas as mercadorias da sociedade com o va -
lor , vemos que estas duas dimensões sã o iguais; e isto com -
preende -se: construtores de maquinaria ganharam tanto co-
mo os padeiros perderam . Do ponto de vista puramente quan -
titativo, ou em outros termos, do ponto de vista das dimen -
sões do valor e do preço de produ çã o, existe certa rela çã o en -
tre ambos os fatos, e é ent ã o evidente que se o valor n ã o de-
saparece na sociedade capitalista , só se manifesta com eficá -
cia sob a sua forma anterior na sociedade considerada no seu
conjunto. O preço de produ çã o cresce sobre a base do valor,

203
Princ í pios de Economia Pol í tica I. Lapidus/K. Ostrovityanov

nasce do valor: porque finalmente a taxa de lucro m é dia n ã o


é mais que a rela çã o da mais-valia de todas as empresas da
sociedade com o valor do capital desta sociedade .
Mas a conexã o entre o preço de produ ção e o valor n ã o
termina por aqui : conexã o quantitativa entre a dimensã o das
mercadorias e o seu preço de produ çã o explica -se alternati -
vamente por conexões mais profundas que continuam a exis-
tir no trabalho dos homens na produ ção, rela ções expressas
pelo valor do preço de produ çã o .
Quais as relações de produ ção que encontram sua ex -
pressã o no valor? As dos propriet á rios individuais das merca -
dorias, as que o mercado rege espontaneamente por meio das
coisas. O valor, ao reger as rela ções entre os homens, ensina
aonde tem de ir o trabalho do produtor individual de merca -
dorias, ou em outros termos, o valor regula a reparti çã o do
trabalho social em uma sociedade onde o trabalho social , na
realidade, toma formas individuais baseadas na propriedade
individual .
Mas se no regime de produ çã o simples de mercadorias
a reparti çã o do trabalho social se faz através do valor, se o
trabalho se dirige em linha reta , nesta sociedade , para o ramo
da produ çã o que tem o preço superior ao valor, na economia
capitalista as coisas n ã o sã o exatamente iguais: aqui é o preço
de produ ção que tem o papel de regulador: a diferen ça entre
o preço individual e o preço de produ ção determina em qual
medida uma empresa é mais ou menos lucrativa , a quanti -
dade de lucros que pode dar ao capitalista pelo seu capital e
decide, por isso mesmo, para onde tem que ir o capital .
Deste modo, o preço de produ çã o conduz a uma re-
parti çã o determinada dos capitais entre os ramos da econo-
mia e as diferentes empresas. Mas compreende-se que ao re-
gular a reparti çã o dos capitais o preço de produ çã o també m

204
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

regula a repartiçã o do trabalho social : porque uma determi -


nada reparti çã o dos capitais provoca uma determinada repar -
ti ção do trabalho na sociedade . Na economia mercantil sim -
ples a reparti çã o do trabalho social é feita diretamente por
meio do valor, na sociedade capitalista faz -se indiretamente
por meio dos preços de produ çã o e da reparti ção dos capitais.
Isto porque existem na economia capitalista , para al é m da re-
laçã o entre propriet á rios de mercadorias, outras relações so-
ciais: primeiro as que existem entre os capitalistas e os ope-
rá rios, e em segundo lugar as que existem entre os diferentes
grupos de capitalistas industriais.67
As rela ções sociais da economia mercantil simples ( is-
to é, as rela ções entre diferentes propriet á rios de mercadorias
que regulam espontaneamente as suas rela ções por meio das
mercadorias no mercado) n ã o desaparecem no regime capi -
talista , mas tornam -se mais complexas e tomam outra forma ,
porque outras rela ções se acrescentam a elas.
E, se é assim , compreende-se que o valor , expressã o
das rela ções da economia mercantil simples, n ã o desaparece
na economia capitalista , e só toma nela uma forma mais com -
plicada , precisamente a do preço da produ çã o. Ainda que es-
tas duas formas n ã o coincidam exatamente, um profundo la -
ço existe entre elas.

67. A teoria do valor trabalho só estuda um tipo de relações de produ ção en-
tre os homens (considerados como propriet á rios de mercadorias ) ; a teoria
dos preços de produ ção supõe , em troca , a existê ncia de três tipos de rela -
ções de produ ção da saciedade capitalista ( rela ções entre os propriet á rios de
mercadorias, rela ções entre os capitalistas e os operá rios, rela ções entre os
diferentes grupos de capitalistas industriais) . I . ROUBINE, Ensaios sobre a Te -
oria do Vaior de Kari Marx, Moscou , 1924 .

205
Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

37. Preço de monopólio e lucro de monopólio


Até agora , na determinaçã o das leis que regem as rela -
ções de produ ção da economia capitalista , partimos da hipó-
tese de um regime de concorrê ncia livre e ilimitada . Precisá -
vamos desta hipótese para estudar as leis da economia capi -
talista na sua forma mais pura . No entanto, encontramos na
sociedade capitalista real diversos fatores que limitam fre-
quentemente a lei da livre concorrê ncia . Nestes fatores entra
a pol í tica do Estado, que intervé m por meio de um sistema de
medidas na concorrê ncia livre e espont â nea , e , portanto, li -
mita -a em determinada medida; també m entra nestes fatores
o monopólio natural de certos produtos, e principalmente a
pol í tica das associa ções patronais, os trustes, sindicatos, etc. ,
que constituem os monopólios. É evidente que os capitalistas
utilizam qualquer monopólio para subir os preços das merca -
dorias acima do seu valor e do preço de produ ção. De tal mo-
do estabelece-se no mercado o preço de monopólio . De que
depende este preço, que leis o determinam ? Depende exclusi -
vamente do capricho e do arb í trio do capitalista , ou depende,
até certo ponto, das leis que determinam os preços de produ -
çã o no regime de livre concorrê ncia ?
Sabemos que o preço de produ çã o é determinado, no
regime de livre concorrê ncia , pelos gastos de produ çã o ( preço
de custo) mais um lucro m édio. Este lucro m é dio resulta da
transferê ncia dos capitais dos ramos de produ çã o de elevada
composiçã o orgâ nica do capital para os ramos de composi ção
orgâ nica inferior . Que influ ê ncia exerce a nivela çã o do lucro
ou a taxa de monopólio sobre todo este processo?
O monopó lio n ã o aspira a facilitar a transfer ê ncia do
capital , e deste modo a nivelar o lucro, mas a parar a a çã o da
lei da concorrê ncia e, portanto, a subir o lucro. O monopólio
limita a lei do preço de produ çã o. O preço está estabelecido

206
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

pelo monopólio e j á n ão corresponderá exatamente ao preço


de produ çã o.
Significa isto que o preço do monopólio depende ex-
clusivamente do capricho do capitalista e perde toda a rela çã o
com a lei do valor ?
Antes de responder à pergunta vejamos quem paga es-
tes preços aumentados pelos donos do monopólio, vejamos
de qual bolso sai o lucro aumentado do monopólio . Por um
lado, este lucro pode obter -se em detrimento de outros capi -
talistas concorrentes, em primeiro lugar dos que n ã o perten -
cem às associa ções patronais monopolistas; neste caso des-
conta -se o lucro da mais-valia dos concorrentes. Finalmente,
esta redu ção poderá provocar a ru í na dos capitalistas n ã o or -
ganizados nos monopólios: obrigá - los-á a entrar nas associ -
a ções que constituem o monopólio.
A segunda fonte possível do lucro de monopó lio é o
consumidor . Quando se trata do operá rio, o lucro do mono-
pólio equivale a uma redu ção do sal á rio; quando se trata do
campon ês, o lucro do monopólio desconta -se da parte do va -
lor criado pelo trabalho.
O consumidor tem só um meio de defesa contra preço
do monopólio : quando este preço chega a ser demasiado alto,
o consumidor n ã o compra mais.
No segundo caso, como no primeiro, a alta dos preços
e dos lucros tem determinados limites. No primeiro caso cho-
ca com a resistê ncia dos demais capitalistas; no segundo com
a capacidade de compra do consumidor. Para al é m de dado
limite os preços elevados diminuem a procura até que uma
baixa dos preços se torna vantajosa . Só dentro destes limites
é que o monopólio pode subir o preço até ao que previu .

207
Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

É fá cil dar-se conta de que, caso o preço de monopólio


n ã o corresponda inteiramente ao preço de produ çã o, os limi -
tes dentro dos quais oscila determinam -se pelas leis do valor.

Capítulo VIII: O regulador da Economia Soviética (O


valor, o lucro e o preço de produção na URSS)

38. O valor na URSS


Conhecemos em conjunto as leis que regem as rela -
ções de produ çã o na sociedade mercantil capitalista . É natu -
ral , pois, que interroguemos se todas estas leis atuam na eco-
nomia da URSS pela lei do valor.
Vigora tal lei na URSS? Devemos, para responder a esta
pergunta , recordar, pelo menos ligeiramente, o papel da lei do
valor na economia mercantil capitalista . Qualquer que seja a
forma de suas rela ções de produ çã o, uma sociedade n ã o pode
existir sem que se realize certo equil í brio entre as necessida -
des dos homens e os meios de satisfazer estas necessidades,
ou , em outras palavras, sem que se realize um equil í brio entre
a produ çã o e o consumo. Como as necessidades dos homens
se satisfazem pelo trabalho, todo equil í brio entre a produ çã o
e o consumo pressupõe uma divisã o do trabalho correspon -
dente às necessidades da sociedade , entre os diversos ramos
da produ ção. Como se obté m esta repartiçã o proporcional do
trabalho entre vá rios ramos de produ çã o na sociedade mer -
cantil capitalista ? Ela se faz espontaneamente pela lei do va -
lor , reguladora das rela ções de produ çã o da sociedade mer -
cantil capitalista . A lei do valor desempenha este papel de re-
gulador, como diz Marx, com a ajuda das "oscila ções baro-
m é tricas dos preços".
Vejamos, agora , a sociedade comunista . Tal sociedade
terá , como qualquer outra , necessidades determinadas, cuja

208
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

satisfaçã o exigir á també m a observaçã o de certas proporções


na reparti çã o do trabalho entre diversos ramos de produ çã o.
O trabalho deverá ser repartido proporcionalmente às neces-
sidades. Será preciso que as diversas partes da economia pos-
sam receber, em troca do produto do seu trabalho ( que porã o
à disposi çã o da sociedade inteira ) , uma quantidade do pro-
duto do trabalho dos outros ramos, suficiente para assegurar
a exist ê ncia da sociedade inteira em cada uma de suas partes.
Será preciso contar , portanto, com despesas do trabalho acar -
retadas pela produ çã o de n ã o importa qual produto. Mas a
regula ção desta balan ça do trabalho n ã o se far á sob forma do
valor, n ã o se realizará espontaneamente pelo entrela çamento
das coisas trocadas no mercado pelos produtores indepen -
dentes de mercadorias, mas ser á o resultado da vontade cons-
ciente da sociedade inteira . As despesas do trabalho, rejeitan -
do sua antiga roupagem fetichista , aparecerã o sob uma forma
direta e pura .
Como, poder ã o perguntar , se d á o equil í brio na econo-
mia sovi é tica ? É espontaneamente pela lei do valor ou pela
direção planificada ( consciente ) do processo econ ó mico? Sa -
bemos que a economia sovi é tica se caracteriza por seu feitio
transit ó rio; sabemos que, considerada em conjunto, ela n ã o é
capitalista e nem é totalmente socialista . Se nos perguntarem
o que ela é - capitalista ou socialista ? - diremos que n ã o se
pode qualificá - la nem de capitalista nem de socialista , porque
sua originalidade prové m justamente de seu cará ter transitó-
rio entre o capitalismo e o socialismo.68 Do mesmo modo, n ós

68 . Hegel e depois dele Plekhanov , o fundador do marxismo russo, utilizare -


mos de uma comparação que pode contribuir para esclarecer a questão:
pode - se dizer, quando um bu ço aparece face de um adolescente , que o
mesmo tem ou não tem barba ? Nenhuma das duas respostas são justas, pois
a barba está precisamente despontando . . . Tudo está nisto .

209
Princ í pios de Economia Pol í tica I. Lapidus/K. Ostrovityanov

dev íamos responder a quem nos perguntasse se a lei do valor


continua a exercer seus efeitos na URSS, ou se ela foi comple-
tamente eliminada pela regulação consciente . Um ou outro?
É impossível dizer " um ou outro", porque n ã o seria justo nem
um nem outro. A verdade é que n ós realizamos um processo
de transiçã o de um para outro. A lei do valor n ã o caiu ainda
em desuso, continua a vigorar na URSS, mas vigora de outra
maneira que no regime capitalista , porque sofreu processo de
definhamento que deve transform á - la em uma lei de despesa
do trabalho da sociedade socialista .
Mas n ã o é suficiente dizer: a lei do valor definha , a lei
do valor se transforma em uma lei de despesa do trabalho. É
preciso demonstrar como ela definha , mostrar o que sua atu -
a çã o tem de particular nas condi ções da URSS
Para dar uma resposta concreta a tal quest ã o, recorde-
mos diversas formas da economia sovi é tica e que, em suma ,
determinam seu cará ter. Tais formas, n ós sabemos, n ã o exis-
tem uma ao lado da outra como dom í nios independentes: ca -
da uma dessas formas influi sobre todas as outras e todas se
combinam no sistema econ ó mico do per íodo de transi çã o.
També m devemos examinar de mais perto os caracte-
res fundamentais dessas formas, os processos de regulaçã o
pró prios a cada uma delas consideradas em seu estado puro,
a influ ê ncia que uma forma (ou um setor de nossa economia )
pode exercer sobre os outros, para passar em seguida ao re-
gulador que determina o equil í brio da economia sovi é tica em
conjunto.
Dirijamos em primeiro lugar nossa aten çã o para a eco-
nomia estatal da URSS Ela j á n ã o representa um conjunto de
empresas privadas que se ligam umas às outras pelo mercado,
nem buscam com sua atividade um lucro mais elevado, como
no regime capitalista . Todas empresas estatais da URSS e suas

210
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

uni ões, trustes e sindicatos, tê m como centro ú nico o Conse-


lho Superior de Economia . O Estado dirige e administra atra -
vés deste centro toda a ind ústria estatal . Por sua vez , ele pos-
sui as estradas de ferro, os bancos, uma importante parte das
empresas comerciais do pa ís, etc. Todos estes ramos da eco-
nomia sovi é tica tê m també m seu centro dirigente nos comis-
sariados, o Comissariado do Com é rcio, etc. A liga çã o entre
estes diversos ramos da economia sovi é tica est á assegurada
por ó rgã os encarregados de coordenar , em um plano de con -
junto, a atividade da URSS O Conselho do Trabalho e da De-
fesa e a Comissã o do Plano do Estado ( Gosplan ) funcionam
junto deste Conselho . Decorre da í que, se só houvesse na
URSS a economia estatal , n ã o se apresentaria o problema de
sua regula çã o pelo valor. Mas, ao lado desta economia esta -
tal , existem empresas econ ó micas de tipo diferente: empresas
capitalistas dos nepmans69 e dos concession á rios, empresas
dos artesãos e de profissionais, e por fim , 22 milh ões de ex-
plora ções rurais que, em sua grande maioria , se prendem à
economia natural e à simples produ çã o de mercadorias.
Quanto às economias naturais, entende-se que cons-
tituam , enquanto n ã o se transformem em mercantis, unida -
des fechadas que n ã o tê m necessidade de uma regula ção de
suas rela ções entre si ( també m com outras formas econ ó mi -
cas) . Entregues a si mesmas, as economias privadas do sim -
ples tipo mercantil e as economias capitalistas n ã o conhece-

69. Nepman é uma palavra russa consagrada pelo uso. Deriva da abrevia ção
NEP de " nova pol í tica econ ó mica ". Designou , a princ í pio , os aproveitadores
da nova pol í tica econ ó mica , que em 1921 restabeleceu no territó rio da URSS
a liberdade de com é rcio e uma certa liberdade da iniciativa privada na ind ú s-
tria . Todos aqueles que se entregam ao com é rcio privado, negociantes por
atacado e a varejo, ou que possuem empresas industriais, empregando a m ã o
de obra assalariada , sã o hoje em dia chamados de nepman.

211
Princ í pios de Economia Pol í tica I. Lapidus/K. Ostrovityanov

rã o naturalmente outro regulador que o valor e preço da pro-


du çã o, como descrevemos ao tratar da economia baseada na
simples produ ção de mercadorias e da economia capitalista .
Tal seria a regulaçã o das diversas formas de nossa eco-
nomia se elas existissem em estado puro, cada uma isolada
das outras.
Mas n ós sabemos que n ã o h á nada disto;na realidade,
a economia mercantil , a economia capitalista e as empresas
estatais do tipo "socialista -consequente" est ã o ligadas umas
às outras por uma infinidade de la ços . Qual é o cará ter desta
liga çã o, que a regula e que a introduz novamente no car á ter
das diversas formas econ ó micas?
A economia estatal e a economia privada relacionam -
se pelo mercado.
Mas é necessá rio observar que, n ã o obstante a inde-
pend ê ncia relativa das empresas privadas e estatais que en -
tram em relações no mercado, n ão se pode compará -las a i -
guais vendedores de mercadorias an á logas, como dois capi -
talistas no regime capitalista . Seria inexato considerar a eco-
nomia estatal como um grande comerciante em concorrê ncia
com outros comerciantes menos importantes. A diferen ça n ã o
é somente quantitativa , mas qualitativa . A economia estatal ,
que é a da classe oper á ria em seu conjunto, opõe -se, em tal
ponto, como um elemento "socialista consequente ", às outras
empresas, aos elementos da simples economia mercantil e da
economia capitalista .
Pertencendo a economia estatal , inclusive as " posi ções
dominantes" da ind ú stria , ao proletariado, classe dirigente,
n ão se pode dizer que a influ ê ncia da economia privada sobre
o Estado seja igual à influ ê ncia da economia estatal sobre a
economia privada . Nossa economia , considerada em seu con -
junto, é essencialmente caracterizada pelo papel "dirigente "

212
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

da ind ústria estatal , por sua hegemonia econ ó mica que cor -
responde à hegemonia pol í tica do proletariado . Esta hegemo-
nia da ind ú stria estatal determina a tend ê ncia da evolu çã o de
nossa economia para a economia socialista integral . Exami -
nemos, agora , para percebermos como o Estado dirige o con -
junto da vida econ ó mica , a influ ê ncia que a economia estatal
pode exercer no setor mais importante da economia estatal ,
a economia camponesa . De um lado, o Estado fornece à agri -
cultura produtos da ind ú stria : instrumentos de trabalho, m á -
quinas agr ícolas, charruas, foices e artigos de consumo: a çú -
car , petróleo, etc.; de outro lado, compra do campon ês as ma -
té rias - primas (algod ã o, linho, beterraba , etc. ) , destinadas à
ind ú stria , e v íveres: pã o, manteiga , ovos, etc. O Estado, inter -
vindo no mercado como maior fornecedor de mercadorias in -
dustriais, e, em grande n ú mero de casos, como um detentor
do monopólio , pode influenciar o desenvolvimento da econo-
mia privada em geral e, mais particularmente, o da economia
camponesa , de modo que se oriente ao socialismo. Depende
do Estado decidir que mercadorias devem ser produzidas pela
agricultura e que mercadorias devem ser compradas no es-
trangeiro, e o Estado fornecer à agricultura o material agr íco-
la , semeadoras, charruas a vapor , tratores, adubos, etc. , con -
tribuir á para o desenvolvimento da t écnica , para a industria -
liza çã o da economia rural e, como veremos mais adiante, pa -
ra a sua socializa ção . Se, pelo contrá rio, o Estado se limita a
fornecer ao campo artigos de consumo, a eclosã o do desen -
volvimento da agricultura - e, portanto, o processo de socia -
liza çã o - estará sensivelmente retardada . A questã o da repar -
ti ção da produ çã o industrial n ã o é menos importante . Neste
ponto, a pol í tica dos preços deve ser colocada em primeiro
lugar . Se o Estado tirar vantagens do monopólio que deté m e

213
Princ í pios de Economia Pol í tica I. Lapidus/K. Ostrovityanov

aplicar uma pol í tica de altos preços nos produtos da ind ús-
tria , apropriar -se-á , sob forma de lucro de monopólio, de uma
parte importante do rendimento do trabalho do campon ês,
que n ão poderá desde logo acumular os meios de ampliar sua
economia . A industrializa çã o da agricultura estará entravada ,
o mercado que a ind ú stria estatal exige n ã o se desenvolverá ,
a capacidade de compra do campon ês baixará e a edifica çã o
socialista se ressentirá .
A pol í tica da baixa dos preços conduz a resultados in -
versos. Que camadas camponesas devem receber m á quinas
agr ícolas? Esta questã o é també m importante . Se, por exem -
plo, os camponeses ricos receberem tratores, isto contribuirá
para o desenvolvimento das rela ções capitalistas no campo,
porque o kulak 70 tentará utilizar o trator para a explora çã o e
submissã o dos camponeses pobres. Se, pelo contr á rio, os tra -
tores caem nas m ã os dos camponeses m édios, e, sobretudo,
nas m ã os dos camponeses pobres, contribuirão para o agru -
pamento fraternal desses elementos, e servir ã o assim à soci -
aliza çã o da agricultura . O Estado pode, portanto, contribuir,
ao facilitar o fornecimento de tratores aos cultivadores po-
bres, para a transforma çã o socialista dos campos. 71 A pol í tica
seguida pelo Estado, quanto aos estoques de mat é rias primas
e produtos agr ícolas destinados à alimenta çã o, n ã o t ê m uma
importâ ncia menor . O Estado intervé m no mercado como o
maior produtor e fornecedor de artigos industriais; mas n ã o é
tudo . Gra ças a diversas medidas, pode també m manter preços
dos produtos agr ícolas a um n ível que assegure o crescimento

70 . Kulak, literalmente punho . Designa - se assim na URSS o camponês rico


que explora a m ão de obra assalariada .
71 . Examinaremos no ú ltimo cap í tulo deste livro os meios de edificação soci -
alista nos campos .

214
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

proporcional da ind ú stria e da agricultura . Igualmente, o Es-


tado pode, aplicando certa pol í tica de preços, encorajar o de-
senvolvimento dos ramos de agricultura necessá rios à edifi -
ca çã o socialista , tais como a cultura do algod ão, do linho, etc.
Concentrando o Estado em suas m ã os a massa da produ çã o
agr ícola , e manobrando habilmente com suas reservas, pode
influenciar preços que se estabelecem espontaneamente no
mercado. Assim , quando comerciantes elevam preços do tri -
go, o Estado pode, jogando no mercado suas reservas, provo-
car a baixa dos preços. O Estado pode, enfim , regular direta -
mente, por meio de uma pol í tica apropriada , o com é rcio pri -
vado. Fornecendo aos negociantes os produtos da ind ústria ,
o Estado pode obrigá - los a vender tais produtos a preços de-
terminados, e , em caso de necessidade, pode privar comple -
tamente o com é rcio particular de mercadorias, fornecendo a -
penas para o com é rcio estatal e para as cooperativas. No do-
m í nio dos estoques, estabelecendo o Estado, em benef ício do
com é rcio estatal e das cooperativas, fretes protecionistas pa -
ra o transporte de certas mercadorias e fretes proibicionistas
para o com é rcio privado, pode, por isto mesmo, dirigir o ca -
pital comercial privado para os ramos do com ércio que , por
exemplo, n ã o sofram de carê ncia de mercadorias e concen -
trar , pelo contr á rio, nos seus pró prios estabelecimentos e co-
operativas, o com é rcio das mercadorias existentes em quan -
tidade insuficiente . Por id ê ntica pol í tica tarif á ria , pode o Es-
tado encorajar a exporta çã o de mercadorias; baixar as tarifas
das estradas de ferro que servem os portos e as esta ções por
onde se efetua o com é rcio com o estrangeiro. Enfim , o Estado
pode influenciar o mercado, n ã o somente por meio de um sis-
tema determinado de medidas econ ó micas, mas ainda com a

215
Princ í pios de Economia Pol í tica I. Lapidus/K. Ostrovityanov

ajuda de medidas administrativas. Pode fixar o preço das mer -


cadorias e reprimir administrativamente ou judicialmente as
infra ções de seus dispositivos.
Tudo isto n ã o faz sen ã o confirmar o que dissemos aci -
ma . O Estado sovié tico, senhor da ind ú stria , dos transportes
e de uma parte importante do com é rcio, dispõe de meios t ã o
poderosos a respeito do mercado, que pode , em considerá vel
proporçã o, submet ê - lo à sua direçã o coordenada em um pla -
no ú nico. Em todos os casos que examinamos, os preços das
mercadorias abandonadas à espontaneidade do mercado, for -
mar-se- iam , sem d ú vida nenhuma , de outra maneira e impri -
miriam um outro impulso ao desenvolvimento da agricultura ,
da ind ústria e da economia sovi é tica em geral .
Tal é a influ ê ncia decisiva que exerce o Estado, cum -
prindo suas fun ções dirigentes, no setor privado da economia
e, por consequ ê ncia , em toda a economia sovi é tica . Esta he-
gemonia do Estado determina o desenvolvimento de nossa e-
conomia inteira para o socialismo integral .
Mas n ã o se deve encarar muito simplesmente, a luta
que o Estado sovi é tico sust é m contra as forças espont â neas
da economia , um princí pio que limita e elimina mecanica -
mente, na esfera de sua açã o, as leis de regula çã o espontâ nea.
A espontaneidade n ã o desaparecerá desde a aplica çã o do pla -
no e vice-versa . As rela ções entre a economia baseada num
plano e o jogo espontâ neo das forças econ ó micas sã o muito
mais complexas. O Estado sovi é tico exerce sua influ ê ncia de-
liberada no jogo espont â neo de rela ções econ ó micas do mer -
cado, tirando partido das próprias leis do mercado e utilizan -
do-se delas do modo que lhe convé m .
Vejamos um exemplo: suponhamos que a ind ú stria so-
vi é tica estatal tenha necessidade de aumentar a produ çã o de
uma maté ria prima , do linho por exemplo . É evidente que este

216
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

resultado seria facilmente atingido nas condições do socia -


lismo integral : o centro diretor nada mais teria do que reco-
mendar , determinar um aumento da produ çã o do linho. Nas
condi ções atuais da URSS, pode-se obter o aumento da cul -
tura do linho por medidas administrativas diretas, por circu -
lares imperativas ou por apelos aos camponeses? Evidente-
mente é impossível . A extensã o da cultura do linho n ã o pode
ser obtida sen ã o pela alta do preço do linho, cuja produ çã o
se tornará desde entã o mais vantajosa . A reparti çã o do traba -
lho social é conseguida aqui pela reparti ção das coisas ( no
caso, pelo aumento dos preços ) . O Estado pode elevar cons-
cientemente o preço do linho afim de provocar a extensã o das
culturas, mas é evidente que esta maneira de agir n ã o equiva -
lerá à anula çã o da lei do valor e n ã o significará sen ã o uma
utilização racional desta lei pelo Estado.
Assim , a regulamenta ção consciente e baseada em um
plano, no Estado sovié tico, reduz -se a isto: contando com a
lei do valor e utilizando-a , o Estado dirige a a çã o de modo que
fortaleça e desenvolva os elementos socialistas da economia .
Observemos aqui que, embora a economia estatal desempe-
nhe em toda nossa economia um papel decisivo, as nossas
" posi ções dominantes " n ã o podem deixar de sentir a influ ê n -
cia das rela ções do mercado e, també m , até certo ponto, da
lei do valor .
Todos n ós sabemos que certas empresas estatais est ã o
constantemente obrigadas, em suas rela ções m ú tuas, a recor -
rer às leis do mercado . Consideremos, por exemplo, a troca ,
no seio da economia estatal , entre empresas independentes
do mercado privado, tanto em relaçã o à realiza çã o das mer-
cadorias produzidas, como no que se refere ao abastecimento
em maté rias primas. Suponhamos que os Estabelecimentos
Estatais de Constru çã o de M á quinas vendem uma locomotiva

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Princ í pios de Economia Pol í tica I. Lapidus/K. Ostrovityanov

ao Comissariado das Vias e Comunicações. Sabemos que es-


tes Estabelecimentos, devendo, em princí pio, satisfazer -se e-
conomicamente, exigirã o do Comissariado um determinado
preço; estaremos em presen ça de uma opera ção de compra e
venda , resultante do mercado.
Mas tais formas exteriores - a compra e venda - dissi -
mularã o as mesmas rela ções de produ çã o, como o valor? Cer -
tamente , n ã o. Os Estabelecimentos Estatais de Constru çã o de
M á quinas e Comissariados de Vias e Comunica ções sã o evi -
dentemente empresas diferentes de um mesmo Estado e n ã o
de proprietá rios independentes um do outro; a ligação pelo
mercado n ã o é a ú nica , nem mesmo a principal forma de li -
ga çã o, e n ã o se pode, portanto, falar a í em valor . Mas toda a
originalidade deste exemplo consiste precisamente em que a
forma exterior do valor, "seu invólucro", tem certa import â n -
cia real na venda da locomotiva , apesar da inexistê ncia do
conte ú do-valor desta forma . Este " invólucro" tem import â n -
cia , em primeiro lugar , para a determina çã o do preço da lo-
comotiva . A grandeza deste preço pode ser , e o é na realidade,
regulada pelas institui ções do plano do Estado. Mas tais ins-
titui ções podem fixar arbitrariamente o preço da locomotiva ?
N ã o. É evidente que a influ ê ncia das forças espont â neas do
mercado, embora obliquamente, se manifestará . A locomotiva
pode ser constru ída com metais provenientes das minas do
Estado e das usinas metal ú rgicas estatais; ela é vendida por
uma organiza çã o estatal , mas a produ çã o e o funcionamento
das locomotivas n ã o est ã o separados do setor privado da eco-
nomia por um departamento estanque .
Na realidade, o preço da locomotiva depende em gran -
de parte dos sal á rios dos operá rios e da grandeza do sal á rio
mesmo quando é regulado conscientemente depende de pre-

218
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

ços dos artigos de primeira necessidade, pre ços estes que so-
frem grande influ ê ncia das for ças espontâ neas do mercado.
Deve-se també m , ao determinar o preço da locomotiva , levar
em conta a influ ê ncia que tal preço exercerá nas despesas de
transporte de mercadorias vendidas aos camponeses e, por
consequ ê ncia , nos preços destas mercadorias, etc.
Convé m repetir , entretanto, que a influ ê ncia do valor
será mais aparente do que real e n ão modificará a natureza
das rela ções entre as diversas partes da economia estatal .
Tais sã o os aspectos particulares que toma o valor na
nossa economia . Efetuando-se em larga medida a regulaçã o
baseada em um plano, pelo entrelaçamento das coisas, é ain -
da muito cedo para falar em definhamento completo do valor .
Mas, desde o momento em que começamos a utilizar a lei do
valor, na regulação consciente da economia , foi atingida em
sua pró pria essê ncia : a lei do valor, tal qual era na economia
mercantil começa a transformar -se em uma lei de despesa do
trabalho da economia socialista , do mesmo modo que no ca -
sulo começa a larva a se transformar em borboleta . Quanto
mais rá pido for o desenvolvimento da economia estatal , mais
forte ser á sua influ ência no setor privado da economia , e mais
rapidamente se processará a transformaçã o, por via de cres-
cimento, da lei do valor em lei de despesa do trabalho; e mais
rapidamente as rela ções entre os homens perderã o para sem -
pre seu cará ter materializado pelas coisas.

39. A natureza do lucro na economia soviética . A taxa


m édia de lucro na URSS
Examinaremos, agora , a quest ã o do lucro na economia
da URSS. Vigora a lei do lucro com todas as leis que a ela se
ligam ( taxa m édia de lucro, preço de produ çã o) , etc., na URSS?

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Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

Tais categorias, como o "capital " e a " mais-valia ", de -


monstram somente que existe , de um lado, o monopólio ca -
pitalista dos meios de produ ção na sociedade capitalista e , de
outro , a venda pelos operá rios de sua força de trabalho. Se os
dois fatos n ã o existissem , sem d ú vida n ã o haveria lucro, no
sentido em que n ós o compreendemos, isto é , no sentido da
mais-valia criada pelos oper á rios e da qual se apropria o ca -
pitalista .
Igualmente, a lei da taxa m édia do lucro n ã o pode vi -
gorar sen ã o numa sociedade em que exista a concorrê ncia , a
luta entre capitalistas individuais e onde se produz uma trans-
fusã o de capitais mais ou menos livres.
É suficiente agora recordar o que dissemos, nos cap í-
tulos precedentes, das rela ções de produ çã o que caracterizam
a economia capitalista , para tirar algumas dedu ções gerais
dedu ções gerais concernentes ao lucro e às leis do lucro na
Uni ã o Sovi é tica .
Desde que n ã o se pode falar de mais-valia nas empre -
sas estatais do " tipo socialista consequente ", n ã o pode tam -
bé m falar de lucro.
Tí nhamos, é bem verdade , à uma primeira vista , algu -
ma coisa que recorda bem vivamente o lucro das empresas
capitalistas: o truste, ao vender suas mercadorias, recebe um
certo excedente sobre o preço de custo, sob a forma de uma
soma de dinheiro que n ã o é restitu ída ao operá rio sob a forma
de salá rio. O truste que recebe gaiochas, por exemplo, a 2 ru -
blos e 50 kopeks o par , e as vende a 3, 30 rublos, parece con -
seguir um lucro de 80 kopeks. Mas isto n ã o é mais que uma
aparê ncia criada pela existê ncia do mercado e do dinheiro . Se
procurarmos que rela ções sociais escondem estes 80 kopeks
de " lucro", veremos que n ã o se lhe pode dar o nome de lucro
no sentido capitalista da palavra , porque vã o para a caixa do

220
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

Estado, isto é, da classe operá ria , que os emprega conforme


seus interesses.
É por isto que ao falar de " lucro" de nossas empresas
estatais devemos ter sempre em vista que empregamos esta
palavra em um sentido puramente convencional e que nosso
" lucro" sovi é tico n ã o tem nada que ver , quanto ao seu conte -
ú do, com o lucro capitalista . Mas, se passarmos das empresas
estatais às empresas capitalistas existentes na URSS, ainda
que em pequeno n ú mero, deveremos falar de lucro, n ã o mais
no sentido convencional , mas no sentido ordin á rio, no sen -
tido capitalista da palavra : a parte da mais-valia dessas em -
presas que se transforma em lucros n ã o é posta à disposiçã o
da classe oper á ria e volta para a burguesia que a emprega à
sua vontade.
Quanto à lei da taxa m édia do lucro e da passagem da
mais-valia dos ramos de ind ú stria de capital de inferior com -
posiçã o orgâ nica aos ramos de alta composi çã o orgâ nica de
capital , compreende -se que n ão se pode aplicar entre n ós co-
mo na economia capitalista .
J á descrevemos bastante o papel dirigente da ind ú stria
estatal na URSS para que seja compreensível que , mesmo en -
tre as empresas capitalistas do pa ís, a livre transfusã o dos ca -
pitais, aos ramos de ind ú stria em que a taxa de lucro é mais
elevada , é imposs ível . A igualiza çã o do lucro de empresas ca -
pitalistas privadas n ã o é possível sen ã o em circunstâ ncias ex-
cepcionais . A transfusã o de capitais da ind ústria privada à in -
d ú stria estatal é, evidentemente, de todo impossível . N ã o h á
mais lugar para falar de igualizaçã o do lucro entre os diversos
ramos de ind ú stria estatal , que, por sua pró pria natureza , n ã o
se baseia na procura de lucros mais elevados.
Tomemos ent ã o duas empresas estatais, uma de ele-
vada composi çã o orgâ nica de capital , por exemplo uma usina

221
Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

de constru ção de locomotivas, e outra de composiçã o orgâ -


nica de capital menos elevada , por exemplo uma fá brica de
cerveja . Ningu é m ignora que , neste momento, as fá bricas de
cerveja d ã o ao Estado sovi é tico grandes lucros, enquanto as
usinas de constru çã o de locomotivas, como ali ás toda a gran -
de metalurgia , estã o longe de produzir lucros, sendo às vezes
deficit á rias.
Um relat ó rio de Dzerjinsky [ As tarefas fundamentais da
política industrial, Moscou , 1925) mostra que em 1923 o d é-
ficit da metalurgia foi de 5, 5 milh ões de rublos somente na
constru ção de m á quinas.
Que conclusões tiraria o capitalista ? A fá brica de loco-
motivas seria fechada na primeira ocasi ã o: os capitais seriam
canalizados para as fá bricas de cerveja em busca de grandes
lucros. Algo bem diverso sucede no Estado sovi é tico: vê-se o
Estado sustentar , com todas suas forças, a ind ú stria da cons-
tru çã o de m á quinas, subsidiá -la , operando assim a transfusã o
dos lucros obtidos nas empresas lucrativas para a ind ú stria
metal ú rgica deficit á ria e tratando de reconstitu í- la e desen -
volvê-la .
O Estado sovi é tico age assim , porque , em lugar de pro-
curar a realiza çã o de lucros, ele se inspira nos interesses ge-
rais da economia sovi é tica para a qual as locomotivas e as
m á quinas são absolutamente necessá rias. 72

72 . Mas, perguntarão, talvez , o Estado sovié tico não poderia . . . agir de outra
maneira ? N ão seria melhor abrir mais fá bricas de cerveja , tirar mais lucros e
depois comprar locomotivas no estrangeiro? O dé ficit seria eliminado e as lo -
comotivas estrangeiras custariam ali ás mais barato . Esta ideia pode parecer
vantajosa; aplicada , poré m , poria o Estado sovié tico desprovido de fá bricas
construtoras de locomotivas e sem a grande metalurgia , e , por conseguinte ,
na depend ência dos capitais estrangeiros. No caso de guerras ou de blo -
queios, a URSS n ão poderia reparar suas locomotivas e máquinas . A pol í tica
do Estado sovi é tico mostra , ainda aqui , unicamente em vista seus interesses

222
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

40 . A importância do lucro para a economia soviética .


O cálculo das despesas de produção e sua importâ ncia para a
economia da URSS
Pelo fato de as empresas sovi é ticas estatais n ã o estar
a procurar o lucro como tal , n ã o se conclui da í que o Estado
sovi é tico seja indiferente ao lucro ou d éficit destas empresas.
O lucro - no sentido convencional da palavra , bem en -
tendido - tem para ele grande import â ncia .
Sem lucro, o Estado sovi é tico n ã o poderia desenvolver
suas empresas nem fortificar os elementos socialistas de uma
economia na qual a existê ncia do mercado permite às forças
espontâ neas um certo campo de a çã o . 73
É evidente que a ind ústria socialista deficit á ria estaria
arruinada , e, com a existê ncia ao seu lado de empresas capi -
talistas, n ã o tardaria em sucumbir.
Se o Estado às vezes manté m empresas deficit á rias, no
interesse de toda a economia , e da luta pelo comunismo, só
o pode fazer porque os lucros das outras empresas servem em
parte para cobrir os d éficits daquelas.
O Estado sovi é tico, grandemente interessado na acu -
mula çã o dos lucros, toma , portanto, todas as medidas que se
fazem necessá rias.
Um dos processos essenciais, tendente a estimular os
dirigentes da ind ústria no sentido da acumulaçã o de lucros,
no regime da nova pol í tica ( NEP) , é a obriga çã o de as empre-
sas se bastarem a si próprias economicamente. Cada empresa
parece trabalhar à vontade e nã o contar sen ã o com suas for-
ças. Os meios de manter , de reconstituir e de desenvolver a

financeiros e se inspira essencialmente e se inspira nos interesses da classe


operá ria em luta pelo comunismo .
73 . Esta importante e interessante questão da acumulação socialista será es-
tudada mais adiante .

223
Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

produ ção, provê m , antes de mais nada , da pró pria empresa 74


cujos administradores estã o por isto mesmo interessados em
diminuir as despesas e aumentar os lucros.
O Estado reserva , entretanto, a direção geral de todas
as empresas estatais e mant é m -se vigilante para que certos
administradores n ã o negligenciem , sob a pressão dos interes-
ses particulares das empresas pelas quais sã o responsá veis,
os interesses gerais da economia .
Para assegurar esta direçã o de conjunto, o Estado su -
bordina estas empresas e grupos de empresas ao Conselho
Superior de Economia e a outros ó rgã os econ ó micos centrais.
O Estado sovié tico apodera -se, al é m disso, da maior
parte do lucro dos trustes. "O lucro obtido pelo truste vai para
o tesouro, deduzido de, pelo menos, 20% do lucro das reser-
vas do truste e quantias correspondentes às comissões dos
membros da administraçã o e das gratifica ções destinadas aos
operá rios e empregados" ( Decreto do Conselho do Comissa-
riado do Povo e do Conselho do Trabalho e da Defesa, em 10
de abril de 1923, art . 45) .
O Estado sovi é tico esforça -se , com tal sistema , em in -
teressar as unidades econ ómicas e seus ó rgã os dirigentes nos
lucros das empresas em geral e no aumento destes lucros.
Como se obté m este aumento? Em primeiro lugar , pela
diminui çã o dos gastos de produ ção . E, reduzindo-se tal dimi -
nui ção do ponto de vista da sociedade inteira , à diminui çã o
das despesas de m ã o- de-obra , o aumento é, antes de tudo,
obtido pelo aumento do rendimento do trabalho. E isto por
sua vez se consegue pela pol ítica dos sal á rios de que j á fala -

74. Uma empresa ou um truste n ã o pode contar com a subven ção do Estado,
sen ã o em circunst â ncias excepcionais.

224
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

mos, pelos melhoramentos da t écnica , concentração e ampli -


a çã o das empresas (assunto que já tratamos e do qual ainda
falaremos mais adiante ) . A luta contra as despesas gerais de-
sempenha , na diminui çã o dos preços das mercadorias, papel
quase sempre de uma organiza çã o irracional e das deforma -
ções burocrá ticas na ind ú stria e no com é rcio.
Decorre da í que a baixa das despesas de produ çã o n ã o
tem importâ ncia somente para o aumento do lucro, como
també m porque, ao se aumentar o lucro da empresa , pode-se
diminuir preços de venda das mercadorias75 tornando estas
mais acess íveis às massas trabalhadoras e , por consequ ê ncia ,
satisfazendo mais completamente as necessidades da classe
operá ria e do seu aliado, o campesinato laborioso.
Recordemos ainda que o Estado sovi é tico, ao fazer tu -
do para tornar lucrativas as empresas, n ã o pode, no entanto,
desejar o aumento do lucro custe o que custar . O Estado so-
vi é tico, colocando as suas empresas na obrigação de se bas-
tarem a si mesmas, para torn á - las lucrativas, n ã o deixou de
considerar , depois, menos importantes a limita çã o do lucro e
a luta contra determinados administradores que, em busca de
lucro, levantassem preços das mercadorias, acarretando difi -
culdades econ ó micas, sobretudo nas relações entre a cidade
e o campo.
O crescimento ulterior da massa do lucro das empre-
sas estatais é poss ível graças à baixa do preço de custo e do
preço das mercadorias, isto é, gra ças aos melhoramentos da
t écnica e a racionaliza çã o da produ çã o.

75. N ão h á nada de extraordiná rio em que o lucro de uma empresa aumente


quando há diminui çã o do preço do custo e baixa ( em uma certa medida ) do
preço de venda das mercadorias . Vimos que isto pode acontecer entre os ca -
pitalistas .

225
Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

Mas, para chegar a í, para ter a possibilidade de reduzir


os gastos de produ çã o e de dirigir, pela regula çã o dos preços,
a economia do pa ís, no interesse dos trabalhadores, natural -
mente é necessá rio ter uma rigorosa conta de todas as des-
pesas e lucros das empresas sovié ticas; eis porque, no regime
sovi é tico, o cá lculo dos gastos da produ çã o adquire uma im -
portâ ncia colossal .
Tal cá lculo d á aos capitalistas a possibilidade de com -
bater seus concorrentes com sucesso; no Estado sovi é tico d á
a possibilidade de dirigir sua economia de maneira mais raci -
onal , de fortalecer elementos socialistas e de submeter cada
vez mais as forças espontâ neas do mercado.

41.0 preço da produção na economia soviética


Vigora no regime soviético a lei do preço de produ çã o?
N ã o é dif ícil responder esta pergunta . Basta lembrarmos que
o preço da produ çã o é determinado pelos gastos de produ çã o
mais o lucro m é dio .
Ainda que gastos de produ ção tenham grande impor -
tâ ncia na determina çã o dos preços das mercadorias (estando
a economia sovié tica , em seu conjunto, interessada em rece-
ber lucros, isto é, em vender suas mercadorias a preços supe-
riores aos preços de custo) , a quest ã o do lucro m édio apre-
senta -se completamente diferente do que no regime capita -
lista . Opõem -se , no regime capitalista , diversas tend ê ncias à
igualiza çã o do lucro; na URSS, tais tend ê ncias são muito mais
fortes: em regra , n ã o h á igualiza çã o do lucro na ind ú stria es-
tatal : em virtude do papel dirigente da ind ústria estatal , n ã o
mais se trata de uma igualiza çã o do lucro, entre a ind ú stria
estatal e a ind ústria privada . Mesmo entre empresas privadas,
esta igualiza çã o n ã o pode dar-se sen ã o, excepcionalmente,
conforme j á verificamos.

226
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

Vê-se que os efeitos da lei do preço de produ ção foram


anulados na URSS. 76

76. Julgamos oportuno dar aqui alguns quadros citados pelos autores deste
livro, a t í tulo de maté rias de trabalho . O leitor encontrará a í dados interes-
santes sobre a estrutura e as tend ê ncias do desenvolvimento da economia so-
vi é tica .

QUADRO I Produ çã o global da URSS


( com os preços de antes da guerra , em porcentagem )

Ind ú stria Capital


Estado Cooperativa TOTAL
e agricultura privado
1923-24 27, 6 1 ,9 70, 5 100%
1924-25 32 , 9 2, 1 65, 0 100%
1925- 26 35, 4 2, 3 62 , 3 100%
1926-27 37, 0 2, 3 60, 7 100%
a ) ind ústria
1923- 24 70, 3 5, 0 24, 7 100%
1924 -25 74, 6 4, 6 20, 8 100%
1925-26 77, 0 4, 9 18, 1 100%
1926- 27 77, 9 4, 8 17, 3 100%
b) agricultura
1923-24 11, 1 0, 7 88, 2 100%
1924-25 10,8 0, 8 88, 4 100%
1925-26 9, 9 0, 8 89, 3 100%
1926 -27 9, 9 0, 8 89, 3 100%

QUADRO II Soma das mercadorias da ind ú stria e da agricultura

Ind ústria Capital


Estado Cooperativa TOTAL
e agricultura privado
1923-24 39, 4 3, 4 57, 2 100%
1924 -25 47, 1 3, 3 49, 6 100%
1925-26 49,3 3, 8 46, 9 100%
1926- 27 50, 6 3, 7 45, 7 100%

227
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

LIVRO QUINTO: O CAPITAL COMERCIAL


E O LUCRO COMERCIAL

Capítulo IX: O capital comercial e o lucro comercial na


economia capitalista

42. O movimento circulatório do capital


Estudamos a cria çã o da mais-valia , sua transforma çã o
em lucro, e vimos como este lucro é embolsado pelo capita -
lista industrial . Mas a sociedade capitalista n ã o é composta
apenas de capitalistas industriais. Veem -se, ao lado destes, os
comerciantes, os banqueiros, os proprietá rios territoriais, aos
quais se pode aplicar, do mesmo modo que aos industriais, as
palavras do Evangelho, sobre aqueles que n ã o tecem tam -
pouco fiam , mas que estã o vestidos " mais ricamente do que
Salom ã o em sua gló ria ".
Estes diversos grupos da burguesia encarnam rela ções
correspondentes da produ çã o capitalista . Quais sã o, portan -
to, as fun ções que preenche na sociedade capitalista o capital
representado por estes grupos e qual é a origem do lucro que
recebe?
Comecemos pelo estudo do capital comercial e do lu -
cro comercial .
Dissemos, ao tratar do lucro e do preço de produ çã o,
que o capital atravessa diversas fases em seu movimento cir-
culató rio. Detenhamo- nos um pouco mais longamente neste
ponto . Para iniciar o processo de produ çã o, o capitalista deve
ter fundos e comprar no mercado os elementos necessá rios
ao processo da produ ção ( isto é, de um lado os meios de pro-
du çã o: m á quinas, ferramentas, mat é rias primas, e do outro a
for ça de trabalho) . Nesta fase de seu movimento circulató rio,
o capital apresenta -se sob a forma dinheiro e sua fun çã o se

229
Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

resume em transformar-se em mercadorias: meios de produ -


çã o e for ça de trabalho. Esta fase pode ser representada pela
seguinte fó rmula : D-M ( transforma çã o do dinheiro em mer-
cadoria ) , M ( a mercadoria em que se transformou o dinheiro)
consistente em MP ( meio de produ çã o) e FT ( força de traba -
lho) , em outros termos: M = MP + FT.
Tendo o capitalista adquirido no mercado os meios de
produ ção e força de trabalho, inicia o consumo produtivo de
tais mercadorias. O processo da produ çã o começa , o capital
entra na sua segunda fase chamada do capital produtivo . Po-

de-se represent á - la pela fó rmula M P ( processo de produ -
çã o) — M.
Do que precede, resulta claramente que t fase n ão teria
nenhum sentido para o capitalista se, no fim do processo da
produ ção, recobrasse somente, sob uma nova forma merca -
doria , o valor dos meios de produ çã o, da força de trabalho,
nos quais, ainda h á pouco, transformara seu dinheiro. É evi -
dente que no fim do processo da produ çã o, a massa das mer -
cadorias produzidas deve , al é m da recupera çã o dos meios de
produ çã o e da força de trabalho dispendida , incluir a mais-
valia , isto é, ser designada pela fórmula M P M 1 , indicando
os pontos de suspensão, as interrupções no processo de cir-
——
cula çã o, P o processo de produ çã o e M 1 a massa das merca -
dorias acrescida da mais-valia
No fim da fase produtiva , o capital industrial já toma
forma de capital mercadoria e é acrescido de toda a soma de
mais-valia . O capital produz esta massa de mercadorias, n ã o
para o seu consumo, mas para a venda . Agora deve reaparecer
no mercado na qualidade de vendedor de mercadorias produ -
zidas. Abre-se o per íodo da venda ou da realiza çã o das mer -
cadorias; terminada esta , o capital deve abandonar novamen -
te o seu invólucro mercantil e revestir a brilhante forma de

230
Princípios de Economia Política I . Lapidus/ K. Ostrovityanov

dinheiro para se transformar, em seguida , uma vez mais, em


meio de produ çã o e força de trabalho, e recomeçar seu inces-
sante movimento circulat ó rio.
A massa de mercadorias que representa o capital no
fim do processo da produ çã o, contendo a mais-valia ( diferen -
ça entre o valor M e o valor Ml ) deverá contê-la també m de-
pois de ser transformada em dinheiro. Esta terceira fase do
movimento circulat ó rio do capital deve, portanto, ser formu -

lada assim : M l D l .
O capital passa , portanto, em seu movimento circula -
t ó rio, por três fases: fase dinheiro, fase produtiva , fase mer-
cadoria . O conjunto destas três fases constitui o movimento
circulató rio do capital .
O movimento circulató rio do capital em seu conjunto
pode ser expresso pela seguinte fó rmula: D— M ...T... M 1 Dl . —
As três fases do movimento circulató rio do capital sã o
todas três rigorosamente indispensá veis, e o movimento cir-
culató rio n ã o pode, em sua totalidade, efetuar -se normal -
mente sen ã o quando na passagem de uma fase para outra , da
fase dinheiro à fase produtiva , e da fase produtiva à mercado-
ria , n ã o encontra obstáculo . (Observando mais atentamente,
constatamos que quando o capital se apresenta sob a forma

dinheiro ( D M ) , é que o capitalista industrial surge no mer -
cado na qualidade de comprador de meio de produ çã o e de
for ça de trabalho ) . A forma produtiva do capital significa que
o industrial passa ao consumo produtivo das mercadorias ad -
quiridas, meios de produ çã o e força de trabalho, e quando o
capital , abandonando sua forma produtiva , apresenta -se sob
a forma mercadoria , é que o industrial chegou ao per íodo da
venda das mercadorias produzidas. N ã o se trata , portanto, se-
n ã o de diferentes fun ções da atividade do capitalista indus-
trial , tendentes a finalizar esta atividade: a produ ção da mais-

231
Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

valia ; sã o estas, em outros termos, as diversas formas do mo-


vimento do capital industrial .

43. A noção do capital comercial


Sendo nosso objetivo estudar o capital comercial e o
lucro comercial , o que nos interessa , sobretudo, é a terceira
fase do movimento circulató rio do capital , fase em que o ca -
pital comercial toma forma de capital mercadoria para a ven -
da , ou , por outra , segundo a expressã o consagrada , para a
realizaçã o das mercadorias produzidas.
O per íodo de realiza çã o das mercadorias exige do ca -
pitalista industrial 77 a constituiçã o de um capital especial . Tal
capital forma -se, antes de tudo, do valor da massa de merca -
dorias destinadas à venda . Mesmo o processo da compra e
venda necessita de diversas despesas comerciais: publicidade,
organiza çã o de entrepostos e armazé ns, sustento de um pes-
soal de balcã o, de contabilidade , de embalagem , de marca çã o,
transporte, etc., mas estes gastos n ã o esgotam as quantida -
des de dinheiro produzidas pela realiza çã o das mercadorias.
N ã o se pode considerar a mercadoria como plenamente " rea -
lizada " sen ã o quando chega at é ao consumidor. Entre o lugar
da produ çã o e o consumidor, o caminho é à s vezes longo . O
tecido produzido em uma fá brica de Moscou deve, para che-
gar ao campon ês de alguma aldeia long í nqua da Sibé ria , atra -
vessar milhares de quil ómetros, utilizando todas as formas de
transporte: autom óvel , estrada de ferro, caminh ã o, ao mesmo
tempo que passa por dezenas de entrepostos e armazé ns, etc.
A longa viagem , mesmo quando se faz sem transtornos, exige

77. Até o presente temos suposto que o capitalista industrial realiza ele pró-
prio as mercadorias.

232
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

muito tempo. Se, alé m disso, a realiza ção se det é m em difi -


culdades ou se interrompe momentaneamente, se for preciso
procurar o comprador, o tempo necessá rio aumenta ainda . Se
o capitalista industrial quer que o retardamento da realizaçã o
das mercadorias n ã o tenha repercussã o direta no processo da
produ çã o, deve ter um capital de reserva suscet ível de ser em -
pregado na produ çã o enquanto a mercadoria n ã o tenha sido
realizada .
Assim , no período da realiza çã o das mercadorias pro-
duzidas, o capitalista industrial deve retirar da produ ção um
capital consider á vel ; este capital é composto do capital de re -
serva para os casos de dificuldades na venda das mercadorias.
At é o presente, n ós temos suposto que o industrial se ocu -
pava , ele pró prio, da realiza çã o de suas mercadorias. Mas ele
n ão é absolutamente obrigado a isto. As fun ções, que se rela -
cionam com a realiza çã o das mercadorias produzidas, podem
muito bem ser separadas do capital industrial e transmitidas
a um outro capitalista . Estamos então em presen ça do capital
comercial .

44. O trabalho dos empregados no comércio


Exigindo o per íodo da realiza çã o das mercadorias um
determinado capital , o capitalista comerciante deve dispender
tal capital . Sabemos que o objetivo de todo capitalista que co-
loca seu capital na ind ú stria ou no com é rcio é obter o lucro.
A mais- valia é a origem deste lucro . É , no entanto, o trabalho
dos empregados no com é rcio criador de valor e de mais-va -
lia ?
Observemos com aten çã o as diferentes formas de tra -
balho consagradas à circula ção comercial . Pode -se dividi - las
em duas categorias: o trabalho dedicado à circula çã o comer-
cial propriamente dita e o trabalho consagrado ao transporte,

233
Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

à embalagem , à marca çã o das mercadorias e à guarda dos es-


toques e lojas.
Nem todas as mercadorias necessitam , entretanto, de
transporte, embalagem , vigil â ncia . Um im óvel , por exemplo,
pode ser vendido e revendido um grande n ú mero de vezes,
ou , em outros termos, participar da circula çã o comercial , sem
mudar de lugar nem ser objeto de nenhuma das opera ções
mencionadas acima . O com é rcio de im óveis n ã o ter á , por -
tanto, necessidade sen ã o do trabalho que serve o processo da
circulaçã o comercial propriamente dita - compra e venda -
isto é, do trabalho dos empregados de escritó rio e de um ta -
beli ã o, bem como de gastos de publicidade, comissões, etc. O
exemplo bem mostra que podemos fazer distin çã o, no com é r -
cio, entre o trabalho diretamente consagrado à circula çã o de
mercadoria e qualquer outro trabalho. Temos necessidade de
tal distin çã o porque o trabalho diretamente consagrado à cir -
cula ção das mercadorias n ã o pode criar nem valor nem mais-
valia . J á tentamos explicar a cria çã o da mais-valia pela circu -
la çã o das mercadorias e verificamos a impossibilidade desta
explica çã o.
O exemplo a seguir , completar á as razões que j á de-
mos. Um capitalista ocupa -se, ao mesmo tempo, da produ çã o
e da venda de mercadorias . Tanto mais ocupa oper á rios na
produ ção, dispondo naturalmente de um maquin á rio apropri -
ado e de maté rias primas, maior será a quantidade de merca -
dorias produzidas e de maior será seu lucro. Mas é completa -
mente diferente com os empregados no com é rcio . O aumento
do n ú mero destes jamais aumentará a quantidade de merca -
dorias . É, pelo contrá rio, a quantidade de mercadorias a ven -
der que determina o n ú mero de empregados e caixeiros. I -
gualmente, o capitalista interessado, nos limites de seu ma -
quin á rio e dos estoques de maté rias primas, em aumentar o

234
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

n ú mero de operá rios, est á també m completamente interes-


sado em diminuir tanto quanto possível o n ú mero de empre-
gados.
É preciso, al é m disso, ter em consideraçã o que sempre
se observa no com é rcio uma enorme desproporçã o entre a
quantidade de empregados do capital comercial e a soma dos
lucros deste capital . A produ çã o de mercadorias exige muito
mais trabalho do que sua venda . Considerando duas empre-
sas de capitais iguais, uma industrial - uma mina de ouro, por
exemplo - e outra comercial , por exemplo uma loja de venda
de objetos de ouro, veremos que o n ú mero dos empregados
ocupados na loja é insignificante em comparação com o de
operá rios ocupados na produ çã o de ouro.
A produ çã o de ouro elevou -se , na R ú ssia , em 1910 , a
2.618 puds de ouro ( um pud vale I 6 kg 380 g ) para 84.021 ope-
rá rios. A produ çã o de um operá rio, em um ano foi , portanto,
um pouco superior a 400 gramas. N ã o é dif ícil de se perceber
que um empregado de loja pode vender , no mesmo per íodo,
muito mais ouro .
Mas o capitalista comerciante, ainda que n ã o empre-
gue sen ã o um pessoal insignificante, recebe, como veremos,
para capitais iguais ao de um industrial, um lucro igual . Se
admitirmos que o trabalho dos empregados no com é rcio é a
fonte de lucro comercial , seremos levados a reconhecer nes-
tes empregados a capacidade de produzir uma soma de valor
colossal com a qual n ã o se poderia comparar a produ çã o de
nenhum operá rio qualificado. Mas n ós n ã o temos nenhuma
razã o para admitir tal hipótese . Sabemos que apenas um tra -
balho mais complexo, mais qualificado, pode produzir mais
valor do que o trabalho m é dio, porque exige mais gasto ante-
cipado de trabalho ( prepara çã o e aprendizagem ) . O trabalho

235
Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

dos empregados no com é rcio exige, é verdade, uma certa pre-


para çã o, uma certa aprendizagem , mas bem menor do que os
estudos de professor, de engenheiro ou mesmo de um operá -
rio altamente qualificado . Ora , nem o trabalho do professor,
nem o do engenheiro, nem em geral o trabalho mais qualifi -
cado, pode produzir uma soma de valor tão grande como a
que deveria produzir o trabalho dos empregados no com é rcio
se nele se visse a origem do lucro comercial .
Tudo isto nos permite concluir que o trabalho despen -
dido na circulaçã o das mercadorias n ão pode ser, nem a fonte
de valor , nem de mais-valia . Eis- nos, pois, obrigados a procu -
rar uma outra explica ção para o lucro comercial .
Resta - nos examinar as outras formas de trabalho que
servem ao com é rcio, transporte, embalagem , marca çã o e ar -
mazenamento das mercadorias. Estas variadas formas do tra -
balho n ã o se prendem imediatamente à circula çã o comercial .
Na sociedade comunista , em que a reparti çã o dos produtos se
fará sem compra e venda , sem troca de espécie alguma , onde
todos os gastos comerciais serã o suprimidos, as despesas do
trabalho ocasionadas pelo transporte , embalagem , marca çã o
e armazenamento dos produtos n ã o serã o menos necessá -
rias: portanto, estas despesas n ã o sã o inerentes unicamente
à economia mercantil . Estã o a í as razões para concluir que o
trabalho necessá rio para estas opera ções n ão deve fazer parte
das despesas da circula çã o comercial , mas sim das despesas
de produ çã o necessá rias à circula çã o dos produtos.

45. A origem do lucro comercial


Se o industrial vendesse , ele mesmo, as suas mercado-
rias, j á o dissemos, teria retirado da produ çã o parte do seu
capital ; mas o cuidado de realizar suas mercadorias, o confiou

236
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

ao capitalista comerciante que desempenha em seu lugar to-


das as opera ções de venda e de remessa de mercadorias ao
consumidor . Assim o capitalista obté m diversas vantagens.
De in ício, ao vender sua produ çã o aos comerciantes
por atacado, o industrial recupera rapidamente o capital dis-
pendido, recebe o lucro e obt é m , por isto mesmo, a possibili -
dade de empregar a ambos na produ çã o.
Al é m disso, fica també m desembaraçado de todo cui -
dado atinente à realiza çã o das mercadorias produzidas, po-
dendo assim concentrar a sua aten çã o na produ çã o. Consti -
tuindo o com é rcio, no regime capitalista , um dos ramos mais
complexos da economia (exige conhecimentos especializa -
dos, experi ê ncia , capacidade de se orientar no meio das cir -
cunstâ ncias instá veis e complexas do mercado) o capitalista
industrial que realizar ele pr ó prio sua produ çã o no mercado
deve, n ã o obstante isto, desdobrar a sua aten çã o em detri -
mento do processo de produ çã o ou de circula çã o, ou então
de todos dois.
A sociedade capitalista , ao separar o capital industrial
do comercial , consegue uma grande economia nos gastos de
circula çã o das mercadorias . Obté m -se tal economia pela mai -
or concentra çã o do capital comercial e pela acelera ção de sua
rota çã o . Quando o industrial se dedica ao com é rcio, seu ca -
pital só serve à sua produ çã o, enquanto o capitalista comer -
ciante pode servir com o mesmo capital a numerosas empre-
sas industriais.
O capital industrial est á , portanto, interessado em con -
fiar a realiza çã o de suas mercadorias ao capital comercial . 78

78 . Notemos que não é sempre assim na realidade capitalista . O industrial


n ã o transmite sempre suas fun ções comerciais ao capitalista comerciante .
Em todos os pa í ses capitalistas pode -se ver numerosos estabelecimentos co-
merciais pertencentes a empresas industriais .

237
Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

Mas nenhum capitalista se encarregar á jamais de negócios


sem lucros. O capitalista comerciante n ã o se encarregará de
realizar as mercadorias do capitalista industrial sem que este
divida com ele parte da mais- valia arrancada aos operá rios.
O capitalista industrial , tendo em vista vantagens que
lhe d á a transa çã o com o comerciante , sacrifica voluntaria -
mente parte de sua mais-valia , afim de se livrar das opera ções
comerciais, consagrando-se assim inteiramente à produ çã o.
Na realidade, o que se passa é o seguinte: a mercadoria antes
de chegar ao consumidor , passa ordinariamente por vá rias e-
tapas da fá brica ou da oficina , passa às m ã os do atacadista ,
deste ao varejista , e da í ao consumidor; em cada uma destas
etapas o preço aumenta um pouco. També m o preço pago
pelo consumidor pode ser considerado como o definitivo. Do
ponto de vista do observador , parece que os diversos aumen -
tos de preço sejam sucessivamente acrescentados ao valor da
mercadoria . Na realidade, o contr á rio é que é verdadeiro. O
industrial , ao vender suas mercadorias ao negociante, a preço
de fá brica , vende-as abaixo do seu valor, o que n ã o quer dizer
absolutamente que ele as vende com preju ízo. Recordemos
que o valor de uma mercadoria compreende n ã o somente o
valor dos meios de produ çã o e força de trabalho, como ainda
a mais-valia . Uma parte desta mais-valia é cedida pelo indus-
trial ao comerciante. Este , ao vender a mercadoria ao consu -
midor, a preço de varejo, vende -a pelo seu valor integral e re -
aliza assim a parte da mais-valia que o industrial lhe cedeu .
O lucro comercial n ã o é, portanto, sen ã o uma parte da
mais-valia cedida pelo capitalista industrial ao capitalista co-
merciante, para que este se encarregue da realiza çã o das mer-
cadorias.

238
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

46 . O papel do capital comercial na igualização da taxa


de lucro . Grandeza do lucro comercial
A origem do lucro comercial é, pois, a mais-valia criada
pelos operá rios na produ çã o.
Mas de que dependem o lucro comercial e a sua gran -
deza ?
Sabemos que (veja -se O Lucro e os preços de produ-
ção) em consequ ê ncia da concorrê ncia entre capitalistas in -
dustriais, estabelece-se um lucro m édio para todos os ramos
de produ çã o, independentemente da massa de mais-valia cri -
ada em cada um destes ramos . Resulta da í que a mais-valia é
criada proporcionalmente ao trabalho suplementar fornecido
pela força de trabalho e repartida proporcionalmente ao capi -
tal investido em tal ou qual ramo de ind ústria . O capitalista é
antes de mais nada um capitalista e nada do capitalismo lhe
é estranho. Pouco lhe importa que o trabalho de seus empre-
gados n ã o crie nem valor nem mais-valia . Desde o momento
em que coloca no com é rcio um certo capital , deseja receber,
como todo capitalista , uma taxa de lucro que n ão seja em ca -
so algum inferior à taxa m édia de lucro do capital industrial .
Se a taxa de lucro do capital comercial fosse inferior à taxa de
lucro do capital industrial , poucos capitalistas colocariam os
seus capitais no com é rcio e todos procurariam colocá -los na
ind ú stria . O comerciante n ã o está à parte na concorr ê ncia fe -
roz que põe os industriais em disputa na partida mais-valia .
Ele reclama imperiosamente sua parte , uma parte proporcio-
nal ao seu capital . O industrial é obrigado a antecipar-se aos
desejos do comerciante, reconhecendo nele um igual na par-
tilha da mais -valia . O capital participa na igualiza çã o da taxa
m édia do lucro com as mesmas prerrogativas do capital in -
dustrial .

239
Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

Suponhamos que todo o capital industrial de um pa ís


capitalista seja igual a 100 milh ões de francos e a totalidade
da mais-valia criada pelo trabalho dos oper á rios seja igual a
10 milh ões de francos. A taxa de lucro é determinada pela re-
la çã o da mais-valia com a totalidade do capital . Teremos, por -
tanto: 10 milh ões / 100 milh ões de francos, ou seja , 10%. Mas
n ós fizemos este cá lculo sem ter em conta o capital comercial
e a parte da mais-valia tirada antecipadamente sob forma de
lucro comercial . Suponhamos que o capital comercial desse
pa ís se eleva a 25 milh ões de francos. De agora em diante,
devemos, para determinar a taxa m é dia de lucro, conhecer a
rela çã o da mais-valia , n ã o unicamente com o capital indus-
trial , mas com o capital industrial mais o capital comercial .
A taxa m édia de lucro será por consequ ê ncia : 10 mi -
lh ões / 100 milh ões + 25 mil , ou seja , 8% . A participação do
capital comercial na reparti çã o da mais-valia acarreta baixa
da taxa m édia do lucro. O industrial n ão se limita a receber da
taxa comum do capitalismo sua parte de mais-valia , pois tam -
bé m coloca a í a mais-valia produzida pelos operá rios de sua
empresa ; o comerciante recebe mais-valia e n ã o deposita . De
sorte que o lucro comercial , e, de um modo geral , as despesas
da circula ção das mercadorias, constituem , sob o ponto de
vista da sociedade capitalista em seu conjunto, uma despesa
completamente improdutiva , por dois lados: primeiro, porque
uma parte dos recursos monet á rios da sociedade é afastada
da produ çã o e n ã o produz mais-valia que, ao parecer, poderia
produzir també m ; segundo, porque, n ã o produzindo mais-va -
lia , o capital n ã o deixa de receber parte do valor produzido
pelo capital industrial . A sociedade capitalista está , por estas
razões, interessada em que a soma do capital comercial , que
constitui o montante das despesas da circula çã o das merca -
dorias, seja reduzido ao m í nimo, sem preju ízo naturalmente

240
Princípios de Economia Política I . Lapidus/ K. Ostrovityanov

da realiza çã o das mercadorias produzidas pelo capital indus-


trial . A soma de capital comercial pode ser reduzida pela ace -
lera çã o de sua rotaçã o . Cem mil francos podem efetuar a sua
rotação uma vez ou dez vezes em um ano; mas, no segundo
caso, seria preciso dez vezes menos capital comercial do que
no primeiro . A acelera çã o da rota ção, ao diminuir a soma de
capital comercial , diminui a parte de mais- valia cedida pelo
capital industrial ao comercial . Eis porque surge a quest ã o de
se saber em que medida a classe dos capitalistas comercian -
tes está interessada em acelerar a rota çã o de seu capital , já
que uma diminui çã o deste capital deve resultar e resulta tam -
bé m numa diminui çã o da massa do lucro comercial .
A conclusã o que parece impor-se é que o capital co-
mercial , longe de estar interessado em acelerar a sua rota çã o,
está , pelo contr á rio, interessado em retard á - la . Seremos leva -
dos a acreditar nisto, se nos colocarmos no ponto de vista da
classe dos capitalistas comerciantes em seu conjunto, e n ã o
no ponto de vista do capitalista comerciante individual . Este
ú ltimo está , com efeito, poderosamente interessado em uma
mais r á pida rota çã o de seu capital .
Delineia -se agora um paralelo entre o capitalista co-
merciante e o capitalista industrial . Basta lembrar o efeito do
aperfei çoamento da técnica sobre a taxa do lucro . O desen -
volvimento da t écnica traz em si a baixa da taxa de lucro. Pa -
rece, portanto, que a classe capitalista n ão está interessada
nisso. Mas n ós sabemos que, se a técnica de uma empresa
individual é superior à m édia , o propriet á rio desta empresa
receberá um superlucro até o momento em que estes aperfei -
çoamentos t écnicos se tenham generalizado em toda a ind ú s-
tria . É a mesma coisa para com os capitalistas comerciantes.
Cada pa ís, cada ramo de com é rcio, tem um tempo m édio de

241
Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

rotação do capital . O comerciante, cujo capital efetue mais ra -


pidamente sua rota çã o, recebe um superlucro comercial . Este
superlucro estimula os comerciantes e os leva a acelerar a ro-
tação de seu capital .

47. A explicação dos empregados no comércio


J á vimos que o trabalho dos empregados no com é rcio
n ã o cria nem valor nem mais-valia . Pode-se falar , nestas con -
di ções, de explora çã o dos empregados pelo capital comercial ?
Averiguemos qual é o papel dos empregados no com é rcio. O
comerciante recebe um lucro proporcional ao seu capital . Mas
a atividade do capital comercial seria imposs ível sem o traba -
lho dos empregados no com é rcio; e quanto maior for a soma
de capital comercial - ficando invari áveis todas as outras con -
di ções - maior deve ser o n ú mero de empregados. Desta ma -
neira , ainda que o trabalho deles n ã o crie mais-valia , consti -
tui , no entanto, uma condi çã o absolutamente necessá ria para
aplica ção do capital no com é rcio e, por isto mesmo, para a -
propriaçã o, pelo comerciante, de uma parte da mais-valia do
industrial . Decorre da í que o comerciante est á grandemente
interessado em que esta aplica çã o de seu capital e tal apro-
pria çã o da mais- valia se realizem com o m í nimo de despesas.
També m ele n ã o pagará aos seus empregados - como o capi -
talista industrial aos seus operá rios - mais do que for preciso
para reprodu ção de sua força de trabalho; em outros termos,
pagará o valor desta força de trabalho . Ele n ã o se esquecerá
també m de obrigar seus empregados a trabalhar mais do que
o tempo necessá rio, afim de beneficiar-se gratuitamente com
o seu trabalho suplementar , para a apropria çã o da mais -valia
do capital industrial . De maneira que, no regime capitalista , o
empregado de escrit ó rio e de loja é tã o explorado como o
operá rio de fá brica . A diferen ça entre um e outro está em que

242
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

o trabalho do operá rio cria a mais-valia para o capitalista in -


dustrial , enquanto o trabalhador empregado no com é rcio as-
segura ao capitalista comerciante a possibilidade de embolsar
uma parte desta mais-valia .
A situa çã o dos empregados no com é rcio n ã o cessa de
piorar com o desenvolvimento do capitalismo . A divisão do
trabalho, cada vez mais aperfei çoada no escritó rio, e a sim -
plifica ção de diversas operações que o compõem , exigem uma
instru çã o profissional cada vez menos importante . Por outro
lado, o progresso da instru çã o p ú blica torna cada vez mais
acessíveis à maioria da popula ção os conhecimentos elemen -
tares necessá rios para o trabalho de escritó rio. Resulta da í um
aumento da oferta no mercado do trabalho e aumento da con -
corrê ncia entre empregados e, por consequ ê ncia , uma baixa
de sal á rios.

48. O lucro da cooperativa


Até agora , n ã o examinamos sen ã o rela ções puramente
capitalistas no com é rcio e na ind ú stria . Ora , mesmo no per í-
odo do capitalismo florescente, subsistem , ao lado das gran -
des empresas capitalistas, diversas formas de pequena pro -
du çã o, seja artesanato, trabalho de of ício, trabalho campo-
n ês, etc. Todas estas formas de produ çã o se ligam mais ou
menos ao capital comercial e dele dependem . E ligam -se nos
mais variados sentidos: pelo escoamento das mercadorias do
pequeno produtor, pela aquisiçã o de mat é rias primas e, en -
fim , pelo consumo. Os pequenos produtores encontram -se
com o capital comercial , na qualidade de produtores de mer -
cadorias, compradores de mat é rias primas e compradores de
artigos de consumo. Quando um grande industrial encontra
no mercado um grande comerciante, trata -se de igual para
igual . O capital comercial ambiciona , como acabamos de ver,

243
Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

um lucro igual ao do capital industrial , que é constrangido a


lhe ceder, nas condi ções normais, este lucro descontado da
sua pró pria mais-valia . É bem diferente quando um grande
comerciante encontra no mercado um pequeno produtor . Es-
te ú ltimo é, no sentido econ ó mico, muito mais fraco do que o
grande capitalista , diante do qual fica em completa depend ê n -
cia . Decorre da í que o comerciante se esforça , por todas as
maneiras, de tirar partido de sua situa çã o dominante para ex-
plorar e escravizar o pequeno produtor . A constante car ê ncia
de dinheiro do pequeno produtor , seu fraco conhecimento do
mercado, etc., permitem ao comerciante lhe comprar as mer -
cadorias a baixo preço e de lhe vender os meios de produ çã o
e de consumo a preços artificialmente elevados, tirando, por
consequ ê ncia , desta explora ção reforçada , um certo superlu -
cro . O produto suplementar do pequeno produtor torna -se lu -
cro comercial para o capitalista comerciante .
Naturalmente, nasce entre pequenos produtores o de-
sejo de se emanciparem desta depend ê ncia do capital comer-
cial , ou , pelo menos, de atenuar quanto possível os seus efei -
tos. Formam -se as cooperativas de venda , de compra de ma -
té rias primas e de consumo, etc. , cujo objetivo é substituir o
capital comercial no abastecimento de seus membros em ar-
tigos de consumo, maté rias primas, etc., e també m na venda
de seus produtos, em condições mais vantajosas.
As cooperativas sã o, portanto, associações de operá -
rios e de pequenos produtores, que tê m por objetivo a defesa
de seus membros na qualidade de consumidores ou de pro-
dutores, contra a explora çã o do capital comercial .
Examinemos, afim de melhor compreender a natureza
da coopera çã o, uma cooperativa de consumo. Entra -se para
ela fazendo um depósito em dinheiro. A assembleia geral dos

244
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

cooperadores é o ó rgão dirigente; um conselho administra -


tivo eleito por assembleia geral é o ó rgã o executivo. Uma co-
missão de controle e de revisã o, igualmente eleita , controla a
atividade do conselho administrativo. O lucro obtido pela co -
operativa é repartido de diversas maneiras entre seus mem -
bros. Em certos casos, a cooperativa vende suas mercadorias
a seus membros a preços reduzidos; em outros, ao preço do
mercado, mas, no fim do ano, lhes d á um dividendo de tanto
por cento.
Como considerar o lucro obtido pela cooperativa ? Qual
é sua origem e sua natureza social ?
Est á bastante difundida entre cooperativistas burgue-
ses a opini ã o de que o lucro em dinheiro recebido pelo coo-
perador n ã o pode ser considerado como lucro comercial , sen -
do simplesmente o resultado de economias feitas nas com -
pras.
E justa esta opini ã o? Consideremos uma cooperativa
de consumo e suponhamos, para maior simplicidade, que ela
só vende tecidos. Num ano ela obteve 25 mil francos de lucros
para mil cooperadores. Este lucro foi repartido da seguinte
maneira 2.500 francos para o capital de reserva , 2.500 francos
para o desenvolvimento dos negócios, e 20.000 francos de di -
videndo a 1.000 cooperadores. Cada um recebeu , portanto, a
m édia de 20 francos. N ã o nos interessa que tenham recebido
estes 20 francos sob a forma de uma diminui çã o dos preços
das mercadorias, ou em dinheiro recebido no fim do exercício
anual . Podem estes 20 francos ser considerados como resul -
tado de economias nas compras? Tal poderá ser a ideia do
cooperador, sobretudo se os recebe sob a forma de diminui -
çã o dos preços das mercadorias compradas na cooperativa .
Mas, de onde vem tal economia , por que a cooperativa vende
mais barato que o comerciante? Evidentemente n ã o é porque

245
Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

venda com preju ízo . Uma cooperativa que tal fizesse n ã o du -


raria muito tempo. É mesmo dif ícil de admitir que esta bara -
teza relativa (em comparaçã o com os preços do com é rcio pri -
vado ) possa ser o resultado de uma organizaçã o mais econ ó-
mica do com é rcio . O problema é fá cil de se resolver , desde
que n ã o se esqueça qual é a fonte de lucro do capital comer -
cial . Este, como j á o dissemos, n ã o é sen ã o a parte da mais-
valia cedida pelo capital industrial . O lucro da cooperativa tem
a mesma origem . A coopera ção també m recebe suas merca -
dorias do industrial que lhes vende, como ao capitalista co-
merciante, um pouco abaixo do seu valor . Entretanto, o co-
merciante embolsa esta diferen ça sob a forma de lucro co-
mercial do capital colocado na sua empresa , ao passo que a
cooperativa o transmite, de uma ou de outra forma , a seus
membros.
A mais-valia criada pelos operá rios da ind ú stria é , por -
tanto, també m , a fonte dos lucros realizados pela cooperaçã o.
Tudo isto naturalmente se refere à coopera çã o de con -
sumo e a coopera çã o de compra de maté rias primas e meios
de produ çã o dos pequenos produtores. Quanto à coopera çã o
para a venda de produtos, o lucro que tiram os pequenos pro-
dutores vem de que, evitando recorrer ao capital comercial
intermedi á rio, guardam assim uma parte suplementar do seu
produto que tenham de lhe entregar .
O car á ter e a import â ncia social da cooperativa de con -
sumo mudam na medida em que a parte de mais-valia cedida
pelo capital industrial é repartida entre os operá rios e os pe-
quenos produtores. Neste caso, a coopera çã o torna -se evi -
dentemente meio de defesa dos pequenos produtores contra
o jugo do capitai comercial e um meio de melhorar - em cer -
tos limites pelo menos - a condi çã o dos oper á rios assalaria -
dos. O capitalismo, poré m , tra ça para a cooperação limites

246
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

bem estreitos. O fato de que o operá rio receba a mercadoria


a preço mais baixo, acarreta , no regime capitalista , uma baixa
do valor de sua for ça de trabalho. O capitalista pode, por-
tanto, aproveitar -se disto para diminuir sal á rios. Os operá rios
n ã o podem , portanto, defender vantagens que lhe d á a coo-
pera çã o para o consumo, sen ão quando, ao lado de sua coo-
perativa , existem poderosos sindicatos ou partido pol í tico.
Por outro lado, as diversas formas de cooperaçã o de
compra ou venda , dos pequenos produtores, artesã os e cam -
poneses, tendem cada vez mais, no regime capitalista a trans-
formar -se em organizações que permitem aos pequenos pro -
dutores acomodados tornarem -se pequenos e m é dios capita -
listas. Esta quest ã o, poré m , sai dos limites deste cap í tulo . Ao
tratar da acumula çã o capitalista n ós a examinaremos em de-
talhe . ( Livro VIII ) .

Capítulo X: Capital comercial e lucro comercial na URSS

49. A inaplicabilidade das categorias do capital comer-


cial e do lucro comercial ao comércio estatal da URSS
Acabamos de estudar ligeiramente as rela ções de pro -
du çã o que se dissimulam atrás das categorias do capital co-
mercial e do lucro comercial .
Estudamos as leis que regem estas relações de produ -
çã o. Em que medida as categorias do capital comercial e do
lucro comercial se aplicam no com é rcio da URSS?
Três formas de com é rcio existem na URSS: com é rcio
estatal , coopera çã o e com é rcio privado. N ã o é preciso dizer
que estas formas n ã o sã o independentes uma da outra , mas
ligadas entre si , e o fato decisivo na sua interdepend ê ncia é
que as posi ções dominantes da economia estã o nas m ã os do
Estado sovi é tico . A quest ã o que acabamos de apresentar aqui

247
Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

deve evidentemente ser resolvida de modo diferente para cada


uma destas formas de com é rcio; e a resposta que dermos, de-
pender á por sua vez da forma estudada e das numerosas com -
bina ções resultantes das rela ções das três formas entre si , da
natureza do produtor de mercadoria vendida e da natureza do
comprador . A troca entre dois ó rgã os do Estado - entre dois
trustes - ou a realiza çã o, por uma empresa comercial estatal ,
dos produtos da ind ústria estatal é uma coisa ; a venda destas
mesmas mercadorias por uma empresa do Estado ao com é r -
cio privado que as revender á , por sua vez, é coisa muito dife-
rente . Uma terceira situação surge, enfim , quando um capita -
lista cede suas mercadorias a uma organiza çã o do Estado que
as revende, etc.
Detenhamo- nos em primeiro lugar no com ércio estatal
e suas rela ções com as diversas formas econ ómicas existen -
tes no pa ís. Entendemos por com é rcio estatal o com é rcio que
fazem o Estado, os trustes, os sindicatos 79, os estabelecimen -
tos especiais, etc.
Sã o aplicá veis ao com é rcio estatal da URSS as catego-
rias capitalistas do capital comercial e do lucro comercial ?
Primeiramente , estudemos um caso da realiza çã o dos
produtos de uma empresa industrial do Estado pelo com é rcio
estatal . Suponhamos que o Sindicato Tê xtil vende ao Truste
da Confecçã o de Roupas de Moscou , os tecidos fabricados por
um truste t ê xtil . Estas rela ções assemelham -se, exteriormen -
te, a rela ções capitalistas. O Sindicato Tê xtil dispõe de todos
elementos que definem o capital comercial : mercadorias em
quantidade determinada , locais de com é rcio, pessoal empre-
gado, etc.

79. Os trustes agrupam empresas de produ ção, oficinas, fá bricas, etc.; os sin -
dicatos sã o empresas comerciais .

248
Princípios de Economia Política I. Lapidus/K. Ostrovityanov

Do mesmo modo que uma empresa capitalista comer -


cial, o Sindicato Têxtil vende o tecido ao Truste de Confecção
de Moscou, com uma certa majoração sobre o preç o que tinha
pago ao Truste do Tecido.
A venda de mercadorias dá ao Sindicato, como a toda
empresa comercial capitalista, certo excedente de dinheiro
sobre o preço de custo das mercadorias escoadas e que cha -
ma - se, no regime capitalista, lucro comercial. Enfim, o Sindi -
cato do Tecido, do mesmo modo que uma empresa capitalista
comercial, utiliza- se do trabalho dos empregados no comér -
cio, etc. Por outro lado, posto que na nossa pr ática cotidiana,
como na nossa literatura cientifica, aplicamos a nosso comér -
cio estatal os termos de "capital comercial" e de "lucro co-
mercial", tem -se a impressão de uma semelhança completa
entre o comércio estatal da URSS e o comércio capitalista co -
mum. Mas tal semelhança não nos deve enganar 80, pois é pre-
ciso verificar que espécie de relações de produção se dissi-
mula atr ás das formas do capital comercial e do lucro comer -
cial, no comércio capitalista e no comércio estatal da URSS.
O capital comercial e o lucro comercial pressupõem re-
lações capitalistas no comércio, isto é, a existência de capita -
listas comerciantes que se apropriem, sob a forma de lucro
comercial, graças à exploração dos empregados no comércio,
de uma parte da mais-valia do capital industrial.
Mostramos, ao tratar da mais- valia na URSS, que a ine-
xistência de uma classe capitalista na nossa indústria estatal
é um dos indícios mais decisivos do seu caráter não capita -
lista. Outro tanto pode se dizer, sem a menor ressalva, do co-
mércio estatal entre empresas estatais, pois que nossas em -
presas comerciais estatais são propriedade da classe oper ária

80. Ver livro IV, capí tulo VIII , O regulador da economia soviética.

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Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

e n ã o de capitalistas. Mas, que é o lucro comercial ? O lucro


comercial tem a sua origem na mais- valia criada pelos oper á -
rios das empresas industriais. A forma de lucro comercial o-
culta , no caso, o problema da reparti ção da mais-valia entre
os diferentes grupos da burguesia , entre a burguesia indus-
trial e a burguesia comercial .
Como devemos considerar o excedente em dinheiro
que o nosso Sindicato Têxtil recebe depois de ter distribu ído
o tecido do Truste Tê xtil ? Qual é a origem deste excedente em
dinheiro? Tal excedente representa parte do produto suple-
mentar dos oper á rios que trabalham nas empresas do Truste
Têxtil .
O Truste e o Sindicato Tê xteis, sendo ambos empresas
pertencentes ao Estado prolet á rio, a parte do produto suple-
mentar que passa de um para outro n ão cont ê m elementos de
explora çã o capitalista , ao contr á rio da mais-valia cedida pelo
capitalista industrial ao capitalista comerciante. N ã o estamos
aqui em presen ça de um problema de reparti çã o, no sentido
capitalista da palavra , isto é, de um problema de reparti çã o
do lucro entre diferentes grupos da burguesia , mas sim de
uma nova reparti çã o dos recursos que passam de uma caixa
do Estado para outra .
O capital comercial e o lucro comercial caracterizam -
se ainda pela exploração dos empregados no com é rcio . Ainda
que o trabalho destes n ã o crie nem valor nem mais-valia , é,
no entanto, uma das condi ções que assegura ao capitalista
comerciante a possibilidade de obter uma parte da mais-valia
do capitalista industrial . Contudo, repitamos, quando se trata
do Sindicato Têxtil , pertencente à classe operá ria em seu con -
junto, da qual fazem parte os empregados no com é rcio, a no-
çã o de explora çã o n ã o é aplicá vel .

250
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

Chegamos, assim , a concluir que relações que se esta -


belecem no nosso com ércio estatal , por ocasi ã o da realiza çã o
dos produtos da ind ú stria estatal , n ão encerram elementos
capitalistas. As noções de capital comercial e de lucro comer -
cial , sã o, portanto, inaplicá veis ao nosso com é rcio estatal e
só somos obrigados a nos servir dessa terminologia capita -
lista por falta de termos que correspondam mais exatamente
à natureza das rela ções de produ çã o existentes na URSS
O com é rcio estatal , é , nas m ã os do Estado sovi é tico,
um poderoso meio de a çã o consciente81 diante do jogo de for-
ças espontâ neas do mercado, e constitui neste sentido uma
das condi ções mais necessá rias para a edifica çã o socialista .
Mas o jogo espont â neo de forças penetra em nossa e-
conomia por in ú meros canais que o ligam ao mercado rural ;
e est á a í porque as empresas estatais n ã o podem ainda pas-
sar, em suas rela ções m ú tuas, da estimativa do preço de custo
em dinheiro à estimativa do preço de custo em horas de tra -
balho.
O com é rcio estatal , que tem por objetivo a repartiçã o
das mercadorias produzidas entre as diversas partes (socia -
lista e n ã o socialista ) da economia sovi é tica e a regula çã o de
tal repartiçã o, no interesse do Estado sovi é tico, ressentem -se,
muito mais ainda do que a ind ú stria estatal , do cará ter tran -
sit ó rio desta economia , no seio da qual as velhas formas en -
cerram novo conte ú do. É o que explica fen ó menos tã o mons-
truosos como a concorrê ncia das empresas comerciais esta -
tais ( naturalmente combatida pelo Estado sovi é tico ) , a publi -
cidade , agentes comerciais, intermedi á rios, etc. Mesmo se to-
das as deformações burocrá ticas e todos os abusos - que se

81. Literalmente seria preciso dizer: um poderoso meio de a ção baseada num
plano . A a çã o consciente , racional , deliberada , pressupõe sempre um plano .

251
Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

devem combater e se combatem - fossem eliminados, n ão se -


ria possível , no per
íodo de transi çã o, evitar estas despesas ge-
rais. A pró pria forma do lucro comercial , ainda que encer-
rando um conte ú do n ã o capitalista , tem para n ós grande im -
portâ ncia , porque, independentemente de sua significa çã o de
lucro na acumula çã o socialista , revela nas rela ções mercantis
à medida em que uma empresa está racionalmente conduzida
e os resultados econ ó micos que obt é m . Verifica -se, portanto,
que, se a sociedade capitalista está interessada em diminuir
as despesas improdutivas da circulação comercial , a econo-
mia estatal da URSS, onde a direçã o planificada já desempe-
nha papel preponderante , o est á muito mais .
À medida em que se desenvolver a economia estatal e
se fortalecer a direçã o econ ómica baseada num plano de con -
junto, as formas capitalistas de com é rcio estatal desaparece-
rã o; o com é rcio transformar -se -á pelo seu crescimento num
aparelho de reparti çã o consciente dos produtos da economia
socialista .

50. Transformação pelo comércio privado do produto


suplementar da ind ústria estatal em mais-valia e a apropria -
ção, pelo Estado sovié tico, graças ao com ércio estatal, de par-
te da mais-valia do capital privado
Vejamos, agora , que relações m ú tuas se estabelecem
quando a ind ú stria estatal realiza sua produ çã o , n ã o pelos or -
ganismos de com é rcio do Estado, mas com a ajuda do com é r -
cio privado. Suponhamos que o Truste Tê xtil vende tecidos,
n ã o por interm édio do Sindicato Têxtil , mas por uma empresa
capitalista , por exemplo, pela firma Dolucro & Cia . O Truste
Têxtil , para se livrar das operações comerciais que decorrem
da transmissã o de mercadorias do produtor ao consumidor,
vende por atacado toda sua produ çã o à casa Dolucro & Cia .;

252
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

naturalmente a vende abaixo do seu valor, ao capital comer-


cial . Esta parte do produto suplementar , criada pelos operá -
rios da ind ú stria estatal e da qual dando assim uma parte de
seu produto suplementar se apropria o capitalista comercian -
te, transforma -se em mais- valia . A explora çã o pode, portanto,
penetrar parcialmente, via canal do com é rcio privado, na nos-
sa ind ú stria de Estado . Quando a ind ú stria capitalista realiza
a sua produ ção pelo com é rcio estatal , acontece justamente o
contr á rio; uma parte da mais- valia criada pelos oper á rios das
empresas capitalistas volta ao Estado prolet á rio, isto é, à clas-
se operá ria em seu conjunto.
O operá rio da empresa capitalista trabalha , entã o, em
uma certa medida , para toda a classe operá ria , à qual per -
tence; a parte da mais-valia do capital que vai , pelo com é rcio
estatal , aumentar fundos do Estado prolet á rio, muda de na -
tureza social e perde o cará ter de mais-valia .

51. Cará ter n ão capitalista das trocas entre as empre-


sas estatais e pequenos produtores que n ão exploram mão-
de-obra assalariada
O que se passa quando o com é rcio estatal realiza a
produ çã o da economia camponesa ? O Estado encarrega -se de
vender a produ ção do campon ês, podendo apropriar -se, de-
pois, sob a forma de lucro comercial , de uma parte do rendi -
mento do trabalho do campon ês, se se tratar de um campon ês
m édio ou pobre, e de uma parte de mais-valia , se se tratar de
um campon ês rico. A apropria çã o de parte do rendimento do
trabalho do campon ês m é dio pelo Estado, n ã o pode ser con -
siderada como explora ção dos camponeses, porque n ão tra -
ta -se absolutamente de duas classes que tenham interesses
antagó nicos, vivendo uma a expensas da outra . Na URSS, pelo

253
Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

contr á rio, a despeito de certas contradi ções parciais entre o-


perá rios e camponeses, os interesses durá veis de uns e de ou -
tros coincidem em geral ; a ditadura da classe operá ria asse-
gura , como veremos em seguida , à grande massa das empre-
sas camponesas, um desenvolvimento n ã o capitalista para o
socialismo, ao contrá rio do regime capitalista , que destina à
proletariza çã o a maior parte da massa camponesa , exceto a
minoria relativamente pouco numerosa destinada a tornar-se
capitalista .82
Os camponeses, entregando parte do rendimento do
seu trabalho ao Estado proletá rio, contribuem , portanto, em
primeiro lugar, para melhorar sua pró pria situa çã o. O Estado
prolet á rio emprega , com efeito, os seus recursos em satisfa -
zer necessidades sociais que igualmente interessam aos cam -
poneses: defesa do pa ís, desenvolvimento da ind ústria socia -
lista , coopera çã o, instru çã o p ú blica , etc. Em segundo lugar,
os camponeses evitam , assim , a explora çã o do capital comer-
cial privado, que n ã o deixaria de se apropriar desta parte de
seu rendimento se sua produ çã o n ã o fosse realizada pelo co-
m é rcio estatal .
Quanto à apropria çã o pelo Estado prolet á rio, repre -
sentado pelo com é rcio estatal , de uma parte da mais-valia do
campon ês rico, é o mesmo caso que o da apropria çã o pelo
Estado prolet á rio da mais-valia do capital industrial privado.
Para concluir , ajuntemos que as categorias do capital
comercial e do lucro comercial se aplicam plenamente ao se-
tor capitalista do com é rcio da URSS.

82 . Esta questão será estudada no ú ltimo livro desta obra .

254
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

52 . Natureza do lucro da cooperação na URSS


Devemos, para nos capacitarmos de que natureza é o
lucro da coopera çã o na URSS, examinar as diversas formas da
cooperação conforme as camadas da popula çã o que sirvam ,
bem como suas rela ções com a economia estatal e privada .
Em primeiro lugar , detenhamo - nos na cooperaçã o de consu -
mo. Ela serve principalmente aos operá rios, aos empregados
e aos camponeses. No regime capitalista , realiza as mercado-
rias criadas nas empresas capitalistas e se apropria , em bene-
f ício de seus membros, de parte da mais-valia .
A coopera çã o de consumo da URSS realiza a produ çã o
das empresas estatais e apropria -se de parte do seu produto
suplementar que distribui també m entre seus membros. Sen -
do seus membros operá rios, o lucro da cooperação n ã o difere
do lucro comercial estatal sen ã o porque o primeiro serve para
satisfazer necessidades de n ú mero determinado de oper á rios
cooperadores, enquanto o segundo é consagrado às necessi -
dades do Estado proletá rio, isto é, da classe operá ria em con -
junto. Uma outra diferen ça é que o lucro da cooperaçã o, cain -
do nas m ã os dos operá rios cooperadores, aumenta a capaci -
dade de consumo individual da classe operá ria , ao passo que
o lucro comercial vindo para o Estado prolet á rio pode servir
para o desenvolvimento da produ çã o e para satisfa çã o de ou -
tras necessidades sociais.
Se a coopera çã o de consumo abrangesse toda a classe
operá ria da URSS, a primeira diferen ça desapareceria ; a se-
gunda , entretanto, subsistiria .
O produto suplementar criado pelos operá rios das em -
presas estatais, apropriado pela coopera çã o para o consumo
individual dos mesmos oper á rios, pode ser considerado como
sinal de explora çã o?

255
Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

A classe operá ria n ã o pode explorar a si mesma . Ainda


quando ela n ã o se encontre toda organizada na coopera çã o,
ainda quando n ã o se beneficie com todas as vantagens desta ,
n ã o se poderia falar de exploração dos operá rios n ão coope-
radores pelos operá rios das cooperativas. Ningu é m impede a
todos oper á rios da URSS de aderir à coopera çã o e de partici -
par assim da reparti çã o desta parte do produto suplementar .
Na pior das hipó teses, poderia falar-se de certa desi -
gualdade no seio de uma ú nica classe, mas absolutamente de
explora ção e de mais-valia , que pressupõem a existê ncia de
duas classes de interesses opostos, vivendo uma da explora -
çã o da outra . Notemos, por fim , e a parte do produto suple-
mentar entregue aos oper á rios sob forma de lucro de coope-
ra çã o , n ã o pode influenciar , na URSS, o sal á rio até determinar
baixa nominal , o que pode acontecer no regime capitalista .
Todas estas considera ções sobre a natureza do lucro
da coopera ção continuam em vigor no que se refere ao cam -
pon ês pobre ou m é dio tornado cooperador . Para bem com -
preender isto, basta que se tenha em conta o que dissemos
sobre rela ções entre classe operá ria e campesinato, na URSS.
Examinamos a cooperaçã o de consumo. Examinare-
mos mais tarde, em relação com os problemas de acumulaçã o
capitalista e socialista , a coopera çã o de produ çã o. Vejamos,
agora , as outras formas de cooperaçã o agr ícola .
Na verdade , n ã o nos resta examinar sen ã o uma : a co-
opera çã o de venda dos produtos da agricultura e de compra
de maté rias primas e de meios de produ çã o . Qual é sua natu -
reza e qual é a natureza do lucro que distribui aos seus mem -
bros? Quais sã o as camadas do campesinato a que ela serve?
Quem arrecada os lucros? Eis a í o que é preciso saber . O cam -
pesinato n ã o constitui na URSS uma classe ú nica . H á rela ções
sociais de classe a classe quando se encontram em presen ça

256
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

duas classes antagó nicas de interesses opostos, decorrente


da explora çã o de uma pela outra . N ã o h á na URSS classe o-
posta ao campesinato. Este está , ali á s, longe de constituir um
todo homogé neo e divide-se em camponeses pobres, m édios
e ricos. O campon ês pobre é um semiproletá rio dos campos,
n ão possui meios de produ çã o e nem ferramentas em quanti -
dade suficiente para seu trabalho individual ; o campon ês rico
- o kulak - j á é um burgu ês, que vive da explora ção do traba -
lho dos camponeses pobres e jornaleiros agr ícolas; o campo-
n ês m édio é um pequeno produtor que possui os seus instru -
mentos de produ çã o e vive de seu pr ó prio trabalho; é tipo ca -
racter ístico do pequeno produtor de mercadorias. Nossa eco-
nomia camponesa está , portanto, na imensa maioria dos ca -
sos, dominada pelo campon ês m édio. Conforme prevaleça na
cooperação uma destas três camadas da populaçã o rural , mo-
difica -se a natureza desta e do lucro cooperativo.
Quando o campon ês m édio organiza pela cooperação
agr ícola a venda de seus produtos, afasta o com é rcio capita -
lista e conserva , sob a forma de lucro cooperativo, a parte do
rendimento de seu trabalho que constituiria o lucro do capi -
tal , se tivesse recorrido ao servi ço do comerciante . Pelo con -
tr á rio, quando o campon ês rico escoa as suas mercadorias
com ajuda da coopera çã o, guarda a parte de mais-valia que,
de outro modo, teria de entregar ao capitalista comerciante .
É evidente que a cooperaçã o n ã o tem , no primeiro ca -
so, cará ter capitalista ; no segundo caso, adquire este cará ter.
O kulak que fica , gra ças ao armazé m cooperativo, com parte
da mais-valia , pouco se distancia do capitalista industrial , que
vende seus produtos em seus pró prios armazé ns, ficando as-
sim ele pró prio com parte da mais - valia que de outra maneira
teria de entregar ao capital comercial .

257
Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

A coopera ção toma , portanto, um cará ter capitalista ou


n ã o capitalista , conforme a categoria social do campon ês que
ela organizou . J á indicamos que no regime capitalista a coo-
pera çã o agrícola , ó rgã o de defesa do pequeno produtor con -
tra a exploraçã o do capital comercial tende a se transformar
em uma organiza çã o comercial de camponeses ricos.
A coopera çã o agrícola sovi é tica é, portanto, na imensa
maioria dos casos, a organiza çã o dos camponeses m édios e,
parcialmente , a dos camponeses pobres. Ela tem , pois, em ge-
ral , um cará ter n ão capitalista . Torna -se, pelas consequ ê ncias
da ditadura do proletariado, meio de transformar a pequena
produ çã o camponesa em grande produ çã o socialista ; em ou -
tros termos, torna -se o caminho da agricultura para o socia -
lismo. Mas n ós voltaremos a este assunto no cap í tulo da acu -
mulação socialista na URSS.

258
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

LIVRO SEXTO: O CAPITAL EMPRESTADO E O CR É DITO.


MOEDA E CR É DITO E PAPEL MOEDA

Capítulo XL Capital emprestado e juros do empréstimo

53. Notas preliminares


Passamos ao estudo de como destaca -se , da massa da
mais-valia , a parte desta que n ã o vai mais ao capitalista -co-
merciante ou industrial e sim a capitalista banqueiro, e que é
chamada juros do empréstimo.
As duas formas de lucro, as duas partes da mais-valia
que estudamos - lucro industrial e lucro comercial - parecem
corresponder às fases industrial e comercial do movimento
circulató rio do capital . A forma que vamos estudar é a do ca -
pital dinheiro, uma terceira fase deste movimento. També m
devemos recordar o que diz íamos no livro precedente sobre o
movimento circulató rio do capital em geral , e deter - nos mais
particularmente no papel do capital dinheiro no movimento .
Sem dinheiro, o capitalista n ã o poderia começar o pro-
cesso da produ çã o, sendo-lhe o dinheiro necessá rio para a
compra da força de trabalho e de meios de produ çã o. Mas,
uma vez produzidas as novas mercadorias, que materializam
a mais-valia criada pelos operá rios, o objetivo do capitalista
n ã o é alcan çado enquanto a mais-valia n ã o for realizada . Na
economia capitalista , a mais-valia n ã o pode ser realizada se-
n ã o sob a forma de dinheiro. O dinheiro é, portanto, a condi -
çã o necessá ria para o começo e fim do processo da produ çã o.
Para que o movimento circulató rio do capital siga sem inter -
rupçã o, é preciso que outras formas de capital transformem -
se sem cessar em forma dinheiro, e vice-versa .

259
Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

Ter dinheiro, na sociedade capitalista , é n ão apenas ter


a possibilidade de receber, em lugar de dinheiro, algum equi -
valente precioso, mas é ainda ter o direito ao lucro, direito à
mais-valia . O dinheiro torna -se, nesta sociedade , mais do que
a forma geral do valor, a forma geral do capital ; às fun ções
que preenchia na simples economia mercantil se ajunta uma
fun çã o nova - a do capital dinheiro.
Sendo a caça ao lucro o estimulante essencial da eco -
nomia capitalista , esta deve naturalmente ligar -se à ca ça ao
dinheiro, isto é, ao capital na sua forma mais geral .
Para receber a mais- valia é suficiente, às vezes, o capi -
talista dispor de um capital dinheiro por um tempo limitado.
Ele pode, ent ã o, transform á -lo em capital de produ çã o, pois,
uma vez acabado o processo de produ çã o, os fundos recupe -
rados pela venda das mercadorias, a mais-valia realizada , res-
tituem ao seu propriet á rio o dinheiro emprestado.
A operaçã o em que um possuidor de dinheiro o põe à
disposi ção de um outro, chama -se empréstimo ou operaçã o
de crédito .
Estudando a economia capitalista , nos ocuparemos,
em primeiro lugar, das opera ções de crédito que melhor a ca -
racterizam , a saber , aquelas nas quais o dinheiro emprestado
desempenha um papel de capital dinheiro, isto é , de meios de
obten ção da mais-valia .

54. Formação do capital dispon ível


H á , na sociedade capitalista , quantias dispon íveis que
possam tomar temporariamente emprestadas aos seus pro-
prietá rios? Parece- nos que, em certos momentos, todo capi -
talista industrial pode achar -se diante de semelhantes dispo-
nibilidades.

260
Princípios de Economia Política I . Lapidus/ K. Ostrovityanov

O capital fixo, j á o dissemos, n ão transfere à mercado-


ria em cada ciclo de produ çã o sen ã o uma parte de seu valor.
Os fundos de amortizaçã o que voltam ao capitalista , na venda
de cada estoque de mercadoria , continuam inativos até o mo-
mento em que as velhas m á quinas est ã o gastas e é necessá rio
substitu í- las por novas, ou , ainda , até o momento em que es-
tes fundos tomam tamanha importâ ncia que tornam possível
a constru çã o de novos edif ícios e a aquisiçã o de novas m á -
quinas para o desenvolvimento da produ çã o.
No intervalo, uma parte do dinheiro pertencente ao ca -
pitalista parece destinada à inatividade . Naturalmente, o ca -
pitalista pode empregar este dinheiro na compra de maté rias
primas e força de trabalho complementar, que às vezes con -
segue utilizar com o antigo maquin á rio, organizando, por e-
xemplo, o trabalho com mais uma turma ; entretanto, esta uti-
liza çã o dos fundos dispon íveis é estreitamente limitada pela
natureza do maquin á rio. Esta circunstâ ncia n ã o exclui , entre-
tanto, a forma çã o de fundos temporariamente dispon íveis.
N ã o é unicamente com o capitalista que se formam as
quantias temporariamente inativas, em detrimento do capital
fixo; o capital circulante també m contribui , às vezes, para a
cria çã o destas reservas. Como? É raro, dissemos a propósito
do lucro comercial , que o capitalista , tendo acabado um ciclo
de produ çã o, venda imediatamente suas mercadorias e com -
pre com as somas realizadas o que tem necessidade para o
ciclo seguinte: este ciclo começa habitualmente sem que se
espere a realiza çã o das mercadorias produzidas no curso do
ciclo anterior . De modo que o capitalista deve ter um capital
complementar, para assegurar a marcha ininterrupta dos ne-
gócios, e iniciar o novo ciclo da produ çã o . Mas, se as merca -
dorias prontas foram rapidamente realizadas, pode acontecer
que as quantias assim obtidas fiquem inativas durante certo

261
Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

tempo, estando a continuaçã o da produ çã o assegurada pelo


capital complementar .
O capitalista pode , al é m disso, dispor durante determi -
nado tempo do fundo dos sal á rios. O sal á rio é pago depois da
utiliza çã o da força de trabalho do operá rio, conforme prazos
determinados; por semana , quinzena ou m ês, Uma parte do
capital vari á vel destinada ao pagamento da m ã o -de-obra en -
contra -se, pois, dispon ível durante um certo tempo (ordinari -
amente muito curto) .
É preciso finalmente mencionar, entre as causas das
disponibilidades, a realiza çã o da mais-valia produzida pelos
operá rios. Se o capitalista n ã o a utiliza para satisfazer as suas
necessidades pessoais, e quer aplicá -la em seus negócios, de-
ve esperar que a acumula çã o da mais-valia tenha chegado a
determinadas proporções.
Ainda sã o possíveis outras combina ções em que parte
do capital permanece livre, sob a forma dinheiro, mas n ós n ão
nos julgamos no dever de enumerá -las.83
A demora da reconstituiçã o do capital fixo, a dura çã o
dos diversos ciclos de produ çã o, as condi ções de realização
das mercadorias, as condi ções e os termos de pagamento dos
sal á rios, variando ao infinito, criam disponibilidades em di -
nheiro para todo capitalista . O crédito permite utilizar larga -
mente estas quantias dispon íveis, embora se encontrem por
pouco tempo livres, nas m ã os de certos capitalistas.

83. Não nos ocuparemos, no momento, das pequenas economias, em di -


nheiro, dos trabalhadores . Trataremos do assunto em seguida .

262
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

55. O empréstimo e os juros


O capitalista , que toma dinheiro emprestado a um ou -
tro, por tempo determinado, adquire simultaneamente a pos-
sibilidade de desenvolver a sua produ çã o e també m criar nova
mais-valia .
É evidente que esta mais- valia obtida por meio da uti -
liza çã o dos fundos de outrem n ão poderá ficar integralmente
nas m ã os daquele que recebeu o empréstimo. É evidente que
o capitalista credor n ã o emprestar á o seu dinheiro sen ã o com
a condi çã o de receber uma parte da mais-valia que será sub-
tra ída aos oper á rios, graças ao dinheiro. Esta parte da mais-
valia destinada ao credor chama -se juros do empr éstimo; o
capital posto temporariamente à disposi çã o do devedor é cha -
mado capital emprestado, empréstimo, ou , ainda , cré dito.
Emprestando o possuidor de dinheiro seu capital , re-
cebe juros que provê m da utiliza çã o deste capital por outrem ,
parecendo-lhe , por isso, que ele pró prio n ã o tem rela çã o ne-
nhuma com a criaçã o da mais-valia . O processo de cria çã o
dos juros apresenta -se sob a seguinte forma: D Dl ; ele em - —
prestou ao seu devedor uma soma D e receberá no prazo fi -
xado uma soma Dl que deverá conter, al é m da primeira soma
Dl , um certo excedente, digamos -fd . Do ponto de vista sub -
jetivo do credor, o excedente pode parecer o resultado da pr ó-
pria circulação do dinheiro; o dinheiro emprestado pode pa -
recer- lhe ter a propriedade de aumentar ...
N ós j á sabemos, entretanto, depois de conhecermos a
origem da mais-valia em geral e do lucro comercial em parti -
cular, quanto esta concepçã o é erró nea . Nenhuma d ú vida é
plausível ; o excedente -i- d n ã o pode nascer da circula çã o do
dinheiro: n ã o é pago ao credor sen ã o porque o devedor re-
cebe, com o dinheiro, o direito de utilizá -lo na qualidade de
capital , isto é , como meio de apropria çã o da mais-valia .

263
Princ í pios de Economia Pol í tica I. Lapidus/K. Ostrovityanov

56. A taxa de juros


A rela çã o entre a massa do lucro recebida pelo credor
e o capital emprestado chama -se a taxa de juros. Como é de-
terminada essa taxa ? Sendo a taxa de juros parte da mais-va -
lia criada com o aux ílio do capital emprestado, é evidente que
o seu limite m á ximo será o da mais-valia correspondente ao
capital emprestado . Este limite m á ximo da taxa de juros deve
ser para a sociedade inteira a taxa m édia do lucro.
Convé m , entretanto, observar que a taxa de juros pode,
em certos casos, ir al é m desta m édia . Se um capitalista , de-
vido à falta de fundos dispon íveis, estiver amea çado, por e-
xemplo, de perder o lucro do seu pró prio capital , ele sujeitar-
se-á de bom grado a pagar juros elevad íssimos, para ter pos-
sibilidade de tirar do seu capital qualquer lucro. O capitalista
se sujeitará també m a pagar juros superiores ao comum para
beneficiar -se com um empréstimo, contanto que fundos su -
plementares lhe fa çam prever algum superlucro.
Concebe-se que a taxa de juros n ã o possa exceder , se-
n ão em casos particulares, ao n ível m é dio . Por pouco que es-
tes casos se generalizassem , fariam com que uma parte dos
capitais colocados na ind ústria a abandonassem para se des-
tinar ao crédito. A taxa de juros n ã o deixaria de cair . Deixando
absolutamente de lado os casos particulares, e considerando
a economia capitalista em seu conjunto e por um per íodo bas-
tante longo, verificaremos que a taxa m édia do lucro deve ser
o mais alto limite da taxa de juros.
A taxa de juros deve ser, por fim , um pouco inferior a
este citado limite , pois, excetuando-se os casos acima menci -
onados, o capitalista n ã o oferece dinheiro emprestado sen ã o
quando pode apropriar -se de uma parte da mais-valia produ -
zida com o aux ílio deste empréstimo (em lugar de deixar toda
esta mais-valia ao credor ) .

264
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

Existe um limite abaixo do qual a taxa do juro n ã o


possa cair?
Tal limite absoluto, raramente atingido, é exprimido
por zero, pois pode acontecer que o capital emprestado n ã o
renda juros.
Como sã o determinadas as flutua ções dos juros entre
estes dois limites?
A relação entre a oferta e a procura é o fator funda -
mental . Quanto mais existirem capitais inativos, dispon íveis,
e maior for a oferta , menor é a taxa de juros; ao contrá rio,
quanto menos capitais inativos, dispon íveis existirem e maior
for a procura maior será a taxa de juros.
Estas flutua ções da oferta e da procura do capital di -
nheiro dependem , por sua vez , de diversas circunstâ ncias que
estudaremos depois.
Observamos, entretanto, que se a taxa m é dia do lucro
é habitualmente o limite mais elevado dos juros, tendendo tal
taxa a baixar com o desenvolvimento do capitalismo, a escala
das varia ções da taxa de juros entre seus limites superiores e
inferiores tende a diminuir; al é m disso, sendo a taxa do lucro
mais elevada nos pa íses atrasados, nestes a taxa de juros tam -
bé m pode ser (e o é ) mais elevada do que nos pa íses capita -
listas desenvolvidos de alta composi çã o orgâ nica do capital .
Estabelece-se, em relação com a oferta e a procura do
capital dinheiro, em todo pa ís capitalista , uma taxa m édia de
juros, cujo cará ter está melhor definido que o da taxa m é dia
de lucro, que só existe como tend ê ncia geral . A igualizaçã o
dos juros é , com efeito, muito mais fá cil que a do lucro indus-
trial : em diversas ind ú strias a igualiza ção do lucro n ã o se re-
aliza diretamente pela concorrê ncia das mercadorias, mas in -
diretamente, pela transfusã o dos capitais de um ramo da pro-

265
Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

du çã o a um outro. Pelo contrá rio, no reinado do capital mo-


netá rio n ã o existem ramos diferentes. "O dinheiro n ã o tem
cheiro", qualquer que seja a m ã o que o ofereça ; diversas or-
ganizações capitalistas, das quais trataremos adiante , podem ,
ali á s, conhecer com uma precisã o suficiente a rela çã o geral
da oferta e da procura do capital monet á rio . É isto que con -
tribui para que se estabeleça uma taxa m édia de juros, mais
ou menos determinada , para um tempo dado, em determi -
nado pa ís.

57. Separação das fun ções do capital monetá rio e do


capital industrial; capital usurá rio
Falando do capital emprestado e da taxa de juros, te-
mos suposto até agora que um capitalista industrial , que dis-
ponha temporariamente de fundos inativos, os oferecesse di -
retamente, por um certo tempo, a um outro capitalista . O in -
dustrial , tirando habitualmente o seu lucro da explora çã o di -
reta dos operá rios, aparecia na qualidade de capitalista pos-
suidor de dinheiro e recebia por seus capitais dispon íveis um
juro.
Mas, na realidade, n ã o é necessá rio que o capitalista
industrial e o capitalista possuidor de dinheiro sejam uma e
ú nica pessoa . Do mesmo modo que as fun ções do capital co-
mercial podem ser separadas das do capital industrial , as fun -
ções do capital monetá rio podem ser isoladas. Um possuidor
de dinheiro pode, qualquer que seja a origem dos seus fun -
dos, dedicar-se especialmente a emprestá -los, afim de rece -
ber juros. Do mesmo modo que vimos formar-se a burguesia
comercial , vemos també m formar-se uma variedade particu -
lar de capitalistas, uma burguesia do dinheiro que vive de sua
renda ; estes capitalistas, n ã o explorando empresas industri -
ais, limitam -se a emprestar seus capitais e receber os juros.

266
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

O capital monet á rio, da mesma forma que o capital co -


mercial , apareceu na histó ria antes do capital industrial , de-
corrente do desenvolvimento da economia mercantil e do di -
nheiro.
O dinheiro j á existia antes do modo de produ çã o capi -
talista . Como meio de circula ção, també m podia transformar -
se em tesouro, e, portanto, tornar possível a acumula çã o de
riquezas em dinheiro, entre certas pessoas que passaram a
emprest á - las a juros; estas riquezas tornavam -se assim capi -
tais que rendiam juros. Diferentemente do capital empres-
tado, do qual temos tratado at é agora , isto é, tendo em vista
a sociedade capitalista desenvolvida , esta forma do capital ,
chamada usur á ria , era sobretudo um meio de explorar os pe-
quenos produtores de mercadorias, os camponeses e os arte-
sã os. Aproveitando-se da fraqueza econ óomica destes ele-
mentos e da sua extrema necessidade de dinheiro, o capital
usurá rio lhes concedia empréstimos, apoderando-se, sob for-
ma de juros, de todo o produto suplementar do trabalho do
pequeno produtor de mercadoria , e às vezes, mesmo, de uma
parte do produto necessá rio.
O usurá rio emprestava també m aos feudos - aos gran -
des propriet á rios territoriais. Esta forma de empréstimo acar-
retava o agravamento da explora çã o do campon ês submetido
ao senhor endividado .
Quando surgiram as rela ções capitalistas, já existia um
capital a render juros.
Mas a implanta çã o das rela ções capitalistas modificou
profundamente o cará ter deste capital : em vez de ser um meio
de explorar a pequena produ çã o de mercadorias e um fator
de ru í na desta - como fazia o capital usurá rio - o capital em -
prestado tornou -se um meio de explorar o operá rio assalari -

267
Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

ado e de desenvolver a produ ção capitalista . Enquanto o ca -


pital usur á rio se apropriava de todo o produto suplementar
do pequeno produtor de mercadorias e, às vezes, mesmo de
uma parte do seu produto necessá rio, o capital emprestado
n ã o rende ao seu proprietá rio, em regra geral , atualmente, se-
n ão uma parte da mais-valia produzida pelo operá rio, pois a
outra parte deve caber ao industrial . 84 N ã o se deve, portanto,
confundir o usurá rio pré-capitalista com o moderno capita -
lista , possuidor de dinheiro.85

58. Separação do rendimento patronal e dos juros


No regime capitalista , um capitalista possuidor de di -
nheiro que n ã o possua empresas industriais e se limite a em -
prestar seus capitais, só recebe os juros. A diferen ça entre o
lucro global e a taxa de juros pertence ao industrial e constitui
o que se chama lucro patronal .
O dinheiro como tal , rendendo em tais condi ções ao
seu proprietá rio um lucro, independentemente de sua coloca -
çã o em uma empresa capitalista , autoriza o capitalista indus-
trial a dividir a mais-valia , que recebeu do seu pró prio capital ,
em duas partes: o lucro patronal e os juros. Se, por exemplo,
a taxa m édia dos juros é de 5%, e o capitalista recebeu por um
capital de 100 mil francos um lucro de 15 mil francos, ele fará
o seguinte racioc í nio: "se eu n ã o fosse um industrial , poderia
receber pelo meus 100 mil , 5% de juros, isto é, 5 mil francos;
ora , os meus lucros sobem a 15 mil francos. De onde vem este

84 . Como muitas outras sobrevivê ncias da economia pré - capitalista , o capital


usurário subsiste na sociedade capitalista .
85 . Evitamos empregar o termo capitalista financeiro , que tem na terminolo-
gia marxista uma significação precisa e muito diferente . Iremos emprega - lo
mais tarde . Observar- se -á então que o "capitalista possuidor de dinheiro" não
é forçosamente um banqueiro .

268
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

excedente de 10 mil francos? É que coloquei o meu dinheiro


em uma empresa de produ çã o; estes 10 mil francos consti -
tuem o meu rendimento patronal ; posso dizer que o meu ca -
pital me rendeu 5% e os 10% de lucro patronal ".
Sabemos que os 5% e os 10% de lucro patronal n ã o
sã o sen ã o partes de uma ú nica mais-valia ; tal divisã o, entre-
tanto, tem certa razã o de ser . Os 5% de juros n ã o poderiam
surgir fora da produ ção de mais-valia , poré m , evidentemente,
que qualquer capitalista pode receber juros de 5% do seu ca -
pital sem que organize uma empresa de produ ção.
Diante disto, a separaçã o das fun ções do capital mo-
netá rio e do capital industrial acarreta discrimina çã o dos ju -
ros e do lucro patronal , ainda que o capitalista industrial e o
capitalista possuidor de dinheiro sejam uma e ú nica pessoa .

Capí tulo XII: Créditos e Bancos

59. Crédito capital e crédito de rotação


J á vimos um capitalista adquire a possibilidade de au -
mentar sua produ çã o, empregando capitais dispon íveis . Sem
tal forma de crédito, o processo de transformação do capital
dinheiro em capital produtivo se faria por sobressaltos e n ã o
sem interrupções. Uma parte do dinheiro permaneceria muito
tempo inativa antes de ser transformado em m á quinas, cons-
tru ções, etc. O crédito n ã o permite que o dinheiro durma . Se
n ã o pode ser transformado imediatamente em capital produ -
tivo em determinada empresa , é empregado em outra .
Sem o cré dito, o movimento circulat ó rio do capital po-
deria encontrar obstá culos, n ã o somente por efeito da impos-
sibilidade moment â nea de transformar o capital dinheiro em
capital produtivo, mas ainda pelo fato de que o capital deve-
ria , após o processo de produ çã o, imobilizar -se durante certo

269
Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

tempo sob a forma de mercadoria . Em outros termos, a trans-


forma çã o do capital mercadoria em capital dinheiro n ã o se
faria sem encontrar obst áculos.
Ora , sabemos que , para a continua çã o ininterrupta do
movimento circulató rio do capital , é preciso que o capitalista ,
tendo obtido , no final do processo da produ ção, mercadorias
acabadas, possa vend ê - las imediatamente, com o produto di -
nheiro da venda , o que lhe é necessá rio para o ciclo seguinte
da produ çã o. Se isto n ã o é possível , se certo tempo decorre
entre o fim do per íodo de produ çã o das mercadorias e o final
do processo da transformação das mercadorias em dinheiro,
o capitalista deve ter, para assegurar a continuidade da pro-
du çã o, capital dinheiro complementar que lhe permita iniciar
de novo o ciclo da produ çã o, antes de ter realizado a negoci -
a çã o das mercadorias produzidas durante o ciclo precedente.
A mercadoria n ã o realizada torna -se um capital morto . Quan -
to mais cedo for realizada , tanto menor ser á o capital com -
plementar necessá rio e maiores possibilidades terá o capita -
lista de criar a mais-valia por meio dos capitais de que dispõe .
É aqui que o cré dito lhe vem em aux ílio, mais uma vez, abre-
viando o per íodo de circula çã o das mercadorias e apressando
a realiza ção destas.
De que maneira ?
Um capitalista , propriet á rio de uma ind ú stria t êxtil ,
tem um estoque de tecidos . Por que n ã o pode realizar o esto-
que imediatamente?
In ú meras razões se apresentam . A fá brica trabalha o
ano todo com maior ou menor regularidade ou intensidade.
Por outro lado, a procura de tecidos est á muito longe de ser
a mesma o ano todo. A procura de tecidos de algod ã o, pouco
importante no inverno, aumenta no princí pio do ver ã o; pode

270
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

ser grande nos campos, no outono, depois da venda da co-


lheita feita pelos camponeses. Sã o flutua ções, sujeitas às es-
tações, da procura das mercadorias . Estas precisam frequen -
temente, al é m disso, viajar muito tempo para atingir o mer -
cado onde serã o vendidas. Outros obst á culos podem contra -
riar sua realiza ção imediata . Suponhamos que o industrial te-
nha acumulado, durante o inverno, certa quantidade de teci -
dos de algod ã o, que n ã o possa realizar sen ã o pela primavera .
Ora , é preciso que compre carvã o no inverno, para continuar
a produ ção. Todo seu dinheiro dispon ível est á empregado na
mercadoria que n ã o pode ser realizada no momento; n ã o lhe
é possível comprar o carvão pagando à vista . Por sua vez, o
proprietá rio do carvã o n ã o pode vender seus estoques porque
os capitalistas das ind ú strias têxteis n ã o têm dinheiro dispo-
n ível . Ha nos dois polos mercadorias M 1 e M 2 que n ã o podem
ser trocadas, parece , porque falta o elo intermedi á rio D.
E n ã o é que o capitalista dos tecidos n ã o tenha dinhei -
ro de um modo geral ; venderá o estoque na primavera , obterá
dinheiro, poder á pagar o carvã o. O neg ócio pode , portanto,
ser feito imediatamente, desde que o proprietá rio do carvão
possa esperar para ser pago até à primavera .
O pagamento à vista é substitu ído, assim , pelo paga -
mento a prazo, o que abrevia o tempo de circula çã o das mer -
cadorias e afasta a necessidade do capital complementar , do
qual , faltando o cré dito, o capitalista dos tecidos teria neces-
sidade para assegurar a continuidade de sua produ çã o.
Tal forma de crédito, que facilita a circula çã o das mer -
cadorias e afasta os obstá culos do movimento circulatório do
capital , que poderiam resultar da imobilizaçã o do capital sob
a forma de mercadoria , é chamado o crédito comercial .
A forma de crédito, que j á examinamos mais acima e
que elimina a imobiliza çã o do capital sob a forma dinheiro e

271
Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

transforma o capital dispon ível em capital ativo, é chamada ,


por sua vez , o crédito bancá rio.86

60. Tí tulos de crédito comercial


Um capitalista abre, assim , um cré dito para outro, em
confian ça .
O propriet á rio de carvã o pode oferecer sua mercadoria
ao industrial têxtil e contentar-se com uma promessa de pa -
gamento na primavera seguinte . O capitalista credor que tem
dinheiro dispon ível pode oferecê- lo em confian ça ao capita -
lista que pede emprestado .
Mas o credor exige geralmente do devedor um t í tulo
de cr édito .
A duplicata é a forma mais conhecida . Se o devedor se
compromete a pagar ao credor , ou à pessoa designada por
este , a soma requerida em um prazo determinado, trata -se de
uma duplicata simples. Se, por exemplo, o fabricante de teci -
dos se compromete a pagar na primavera , em data determi -
nada , a soma devida ao propriet á rio de carvão ou à sua ordem
( isto é , a qualquer pessoa que o propriet á rio de carvã o encar-
regue de receber ) , achamo- nos em presen ça de uma duplicata
simples. Ha també m os saques. Suponhamos que o fabricante
de tecidos n ã o se tenha limitado a comprar 10 mil francos de
carvã o a cré dito e que tenha simultaneamente vendido a cré-
dito 10 mil francos de tecidos a um comerciante. O comerci -
ante deveria entregar uma ordem de pagamento ao fabricante
de tecidos, que teria por sua vez que fazer o mesmo com o

86 . No texto francês, do qual foi realizada esta tradução, usa - se a expressão


effete de commerce, o que significa um t í tulo comercial de cará ter geral usa -
,

mos neste ponto a expressão duplicata por ser realmente a forma de t í tulo
comercial que aqui se aplica . Adiante , poré m , preferimos quase sempre a ex -
pressão gené rica de t í tulo comercial .

272
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

proprietá rio do carvã o. Mas h á um processo mais simples: o


fabricante de tecidos passa , a favor do propriet á rio de carvã o,
um saque no valor de 10 mil francos contra o comerciante . Ha
uma transmissã o da d ívida : findo o prazo, o comerciante pa -
gará diretamente ao proprietá rio do carvã o; duas opera ções
de crédito serã o assim reduzidas a uma só.
Os t í tulos comerciais que comportam transmissã o das obri -
ga ções a um terceiro são denominados saques.87
O saque deve ser contrassinado pelo sacado. O t í tulo
comercial simples, a ordem de pagamento, n ão interessa se-
n ã o a duas pessoas; o saque interessa a três.
O n ú mero de interessados pode, ali ás, ser maior que
tr ês. Se o propriet á rio do carvã o, entrando na posse do docu -
mento subscrito pelo fabricante de tecidos - trate-se de uma
simples duplicata ou de um saque - tem necessidade de cré-
dito para a aquisi çã o de m á quinas para as suas minas, pode
servir-se do dito documento para obter uma quantia que lhe
é devida ; em vez de dar ao capitalista construtor das m á qui -
nas uma nova letra , pode transmitir - lhe a do fabricante de te -
cidos, mas acrescentando nas costas da sua assinatura (en -
dosso) ; o construtor de m á quinas, por sua vez, pode transmi -
tir o documento, endossando-o, també m , a uma outra pes-
soa . No caso em que o signatá rio n ã o pague no prazo, os en -
dossantes sã o solidariamente responsá veis . Os t í tulos comer-
ciais são geralmente escritos em papel especial e o Estado fa -

87. O saque é uma letra de câ mbio emitida pelo credor contra o devedor e en -
tregue a um terceiro. O signat á rio da duplicata , ou do saque, é chamado de
sacador ; o destinatá rio é chamado sacado; o depositá rio ou benefici á rio re -
cebe o saque e o apresentará ou transmitir á , por sua vez, após o endosso. Os
t ítulos comerciais sã o: a letra à ordem , cujo signatá rio se compromete a pa -
gar o benefici á rio, e a letra de câ mbio que implica na mudan ça de lugar; o sa -
que é uma variedade da letra de câ mbio.

273
Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

cilita , regula sua cobran ça . Os tribunais n ão precisam inves-


tigar, em caso de litigio, se o subscritor recebeu de fato uma
mercadoria ou uma quantia ; a assinatura é suficiente , o com -
promisso deverá ser mantido. Tal procedimento facilita con -
sideravelmente a cobran ça dos t í tulos comerciais, ainda que
possa levar a abusos. Pode-se assinar uma ordem de paga -
mento sem ter recebido dinheiro nem mercadorias a cré dito;
o favorecido pode receber por endosso a mercadoria ou di -
nheiro; e pode se dar o caso em que no prazo, o signatá rio
n ão esteja em condi ções de pagar .
Portanto, o capitalista que aceita um t í tulo comercial
deve estar vigilante e n ã o se enganar pelos t í tulos de favor .
A significa çã o do t í tulo comercial , considerado uma
das formas mais importantes do crédito, facilitando o movi -
mento circulat ó rio do capital , simplifica ajuste de contas en -
tre capitalistas e afasta muitas vezes a necessidade de recor -
rer ao pagamento à vista .

61 . Desconto de t í tulos comerciais: taxas de desconto


Possuidor de um t í tulo comercial , o capitalista que tem
necessidade de dinheiro pode dirigir-se a um capitalista pos-
suidor de fundos dispon íveis, obter os fundos pela entrega do
t í tulo endossado. O capitalista credor apresentará esse t í tulo,
terminado o prazo. T opera ção pela qual o possuidor de uma
duplicata recebe uma quantia antes de terminado o prazo de
vencimento, chama -se desconto.
É claro que o capitalista que fornece fundos n ã o d á o
montante todo da duplicata ; deduz desta quantia uma parte
denominada taxa de desconto. É que ele credita ao favorecido
uma quantia determinada ; o desconto de uma duplicata n ã o
passa de uma opera çã o de crédito. O crédito é oferecido ao

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Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

favorecido e reembolsado no vencimento do prazo pelo subs-


critor, ou , tratando-se de uma letra de câ mbio pelo sacado .
Um t í tulo comercial tanto pode ser descontado pelo
sacado, pelo subscritor , como ainda por um terceiro. O fabri -
cante de tecidos que se comprometeu a pagar por apresenta -
çã o de uma ordem de pagamento em Io de maio, estando em
condi ções de pagar em Io de mar ço, pode pagar ao proprie -
t á rio de carvã o antes do vencimento. Mas, tendo a possibili -
dade e o direito de dispor do seu dinheiro até o vencimento
do prazo - até Io de Maio - compreende -se que ele n ão o far á ,
a n ã o ser que o proprietá rio do carvão o reembolso, de acordo
com a taxa de desconto, dos juros que a quantia em quest ã o
lhe poderia render se n ão pagasse sua d ívida dois meses antes
do prazo. Admitamos que trate-se de ordem de pagamento no
valor de 10 mil francos e que a taxa m é dia anual de desconto
seja de 60%; o desconto montar á , por um pagamento feito
dois meses antes do prazo, a 10.000 x 6 x 2 / 1 0 0 x l 2 = 100
francos. O fabricante de tecidos, saldando sua d ívida em Io de
março, n ã o desembolsar á , pois, sen ã o 9.900 francos.
O desconto, ligando o crédito capital ao crédito de cir-
cula çã o, amplia o crédito .

62. Os bancos: Ideia geral


Imaginamos at é aqui que as diversas opera ções de cré-
dito fossem feitas diretamente entre o capitalista credor, pos-
suidor de fundos dispon íveis ou mercadorias, e o capitalista
que tem necessidade de crédito.
Mas estas relações diretas estão muito longe de serem
sempre possíveis.
Isto se aplica principalmente ao cr é dito capital . Um ca -
pitalista industrial tem necessidade de uma quantia em di -

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Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

nheiro para a aquisi çã o de novas m á quinas, ser- lhe-á fá cil en -


contrar um outro capitalista que disponha justamente dessa
quantia e pelo tempo requerido?
Coincid ê ncias tã o felizes n ã o se d ã o, evidentemente,
sen ã o por exceçã o.
Os fundos de amortiza ção acumulados por um capita -
lista podem n ã o ser suficientes a um outro capitalista ; os fun -
dos constitu ídos pelos salá rios, às vezes dispon íveis durante
determinado tempo, só o sã o por muito pouco tempo, o que
limita seu emprego no cré dito.
O crédito direto encontra , pois, os diversos obst á culos
que sã o afastados pela organiza çã o do crédito feita por esta -
belecimentos especiais, os bancos.
O capitalista que tem dinheiro dispon ível n ã o tem mais
que procurar a quem emprestá -lo, a quem precise justamente
da quantia dispon ível pelo tempo em que ela o será . O banco,
funcionando como intermedi á rio entre todos os que podem
emprestar e os que querem tomar emprestado, re ú ne dinheiro
dispon ível de numerosos capitalistas e dele dispõe .
Admitamos que cada capitalista n ã o tenha sen ã o pe-
quenas quantias dispon íveis e por curto espa ço de tempo. Es-
tas quantias, concentradas no banco, podem formar um fun -
do consider á vel e servir para empréstimos a longo prazo, n ã o
reclamando os depositantes suas quantias em depósito sen ã o
em é pocas prefixadas.
Por sua vez, o capitalista que precisa de dinheiro, n ã o
tem mais que procurar quem lhe possa emprestar : vai direta -
mente ao banco.
O banco é, pois, repetimos, intermedi á rio entre os ca -
pitalistas que tê m fundos dispon íveis e os que precisamente

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Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

deles necessitam . As operações bancá rias que tendem a reu -


nir fundos dispon íveis sã o chamadas passivas; as que tendem
a repartir estes fundos em empréstimos sã o chamadas ativas.

63. Operações passivas dos bancos


Quais sã o as principais opera ções dos bancos? Onde
toma o banco os fundos que empresta ?
Possui um capital próprio . Os fundadores de um banco
n ã o se podem limitar a anunciar que recebem depósitos dos
capitalistas e começar , sem nada possuir de pró prio, a reunir
os capitais alheios; ningu é m lhes confiaria o seu dinheiro se
n ã o possu íssem meios de garantir seus clientes contra perdas
possíveis.
O capital pertencente aos propriet á rios fundadores de
um banco é habitualmente denominado de capital realizado.
Quando este capital é formado pela contribuiçã o de diversos
capitalistas, por meio de a ções, é denominado "capital de a -
ções". Quando for capital de uma sociedade, chama -se "capi -
tal social ".
O banco tem , al é m disso, capital de reserva , formado
pela parte do rendimento anual destinada pelos acionistas a
ampliar os negócios.
Quando se deixa cair em um copo, contendo uma so-
lu çã o de sal em grau de satura çã o, uma pedra de sal , vê-se
que outros cristais se agrupam em torno desta pedra ; do mes-
mo modo o banco, graças a seus capitais, atrai o dinheiro dis-
pon ível da sociedade, para o pô r de novo em circula çã o para
mobilizá - lo, em uma palavra .
A reuni ã o deste capital dispon ível se faz , em primeiro
lugar , pelos depósitos.
O depositante pode, colocando seu dinheiro no banco,
reservar -se o direito de retirá - lo a qualquer momento; neste

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Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

caso, o depósito é à vista . Se, de outro modo, o depositante


se compromete a n ã o reclamar o depósito antes de um tempo
determinado, trata -se de um deposito a prazo fixo.
N ã o é necessá rio frisar que o depósito a prazo permite
ao banco dispor mais livremente das quantias que lhe sã o
confiadas. Os depósitos à vista obrigam o banco a possuir em
caixa fundos consider á veis para poder enfrentar a qualquer
momento os pedidos de reembolso. O banco proporciona , por
isso, juros mais elevados aos depósitos a prazo.
Os depósitos à vista revestem muitas vezes a forma de
contas-correntes.
O depositante que abre conta corrente em um banco,
pode retirar seu depósito a qualquer momento, em parcelas,
ou de uma só vez . Ele recebe habitualmente um livro de che-
ques, isto é, de recibos de um modelo estabelecido. O depo-
sitante indica no cheque uma quantia determinada e o assina ;
a quantia lhe é entregue, ou à sua ordem , por apresenta çã o
do cheque . Pode ir retirando, assim , todo o depósito. Este sis-
tema permite ao capitalista guardar todo o dinheiro em um
banco, sem precisar reservar sequer um vinté m para o paga -
mento de suas contas. Quando compra mercadorias a um ou -
tro capitalista , nada o obriga a ir em pessoa ao banco; limita -
se a entregar um cheque. Se o capitalista vendedor , recebendo
o cheque em troca de sua mercadoria , tem també m uma conta
corrente em um banco, pode , em vez de descont á - lo, fazer
transferir a quantia para sua conta . Sem que seja necessá rio
recorrer ao dinheiro corrente, podem ser feitas in ú meras ope-
ra ções, por meio de simples transferências.
O ajuste de contas por meio de cheques é possível en -
tre capitalistas possuidores de contas correntes em diferentes
bancos. Basta que tais estabelecimentos de cr é dito entrem em

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Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

entendimento para ajustar as suas contas em prazos determi


nados.
Os bancos també m podem receber , sob a forma de de-
pósito, economias dos trabalhadores. Os operá rios e traba -
lhadores privam -se, em geral , de muita coisa para poder por
dinheiro de lado, seja para os " maus dias", seja para comprar
objetos de um preço demasiado elevado que n ã o possam ser
adquiridos imediatamente: roupas, mobili á rio, etc. Campone -
ses fazem o mesmo para poderem construir ou comprar ma -
terial agr ícola . As parcas economias de centenas e milh ões de
trabalhadores podem assim formar somas considerá veis; sus-
cet íveis de serem utilizadas pelos capitalistas.
H á os bancos que visam especialmente reunir em seus
cofres-fortes essas quantias í nfimas, pagando aos trabalha -
dores depositantes um certo juro.
O trabalhador que coloca seu dinheiro em um banco
n ão se torna , pelo menos em determinada medida , um capi -
talista ? N ão pode o trabalhador , depositando seu sal á rio, re-
ceber um lucro semelhante ao que o capitalista obté m de seu
capital ? H á , neste caso, aparê ncias enganadoras. Os juros que
os depósitos dos trabalhadores rendem sã o, na realidade, in -
significantes: nunca poderiam constituir a renda principal do
trabalhador, que n ã o receba do capitalista sen ã o o valor de
sua capacidade de trabalho, e que n ã o pode depositar o que
consegue economizar, em um banco, sen ã o por pouco tempo,
submetendo-se às maiores priva ções; a mais-valia , ao contr á -
rio, é para o capitalista a fonte ú nica e principal do lucro. O
trabalhador, depositando seu dinheiro em um banco, auxilia
o capitalista ; em troca do que o capitalista lhe cede uma mi -
galha do lucro obtido com os depósitos dos trabalhadores. Os
vinté ns do pobre constroem , assim , fortunas capitalistas.

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Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

64. Operações ativas dos bancos


De que modo o banco reparte os fundos que re ú ne?
N ã o pode, é claro, pô-los à disposi ção do primeiro ca -
pitalista que aparecer , por seus lindos olhos. Sã o- lhe neces-
sá rias garantias, seguran ças; somente o compromisso de re-
embolsar o banco das quantias emprestadas n ã o basta , se o
banco n ã o está convencido da solvabilidade de seu cliente .
Sobre que garantias reais se podem basear as opera -
ções de créditos dos bancos?
Conhecemos já o desconto de duplicatas. Um capita -
lista de posse de uma duplicata pode descont á - la e receber no
banco a import â ncia , feita a dedu çã o da taxa de desconto. O
direito de cobran ça do t í tulo comercial vencido passa , nessas
condições, ao banco . N ã o se trata na apar ê ncia sen ã o de uma
opera çã o de venda e compra de um t ítulo comercial . O capi -
talista vende a duplicata antes do vencimento, o banco com -
pra -a por um preço determinado. Mas vimos que tal aparê ncia
dissimula na realidade uma opera çã o de crédito; o portador
da duplicata recebe um cré dito que ser á reembolsado pelo
subscritor .
A duplicata é, neste caso, a garantia real de uma ope-
ra çã o de crédito.
Mas a duplicata deve, por sua vez, ter uma base real .
Por isso o banco se informa sobre o signatá rio e as seguran -
ças apresentadas pela duplicata . Os t ítulos de favor n ã o po-
dem , naturalmente, servir de garantia de cré dito.
O leigo distingue mal um t ítulo de valor de um t í tulo
real . Mas o banco, conhecendo bem os capitalistas, n ã o tem
dificuldade em estabelecer essa distin çã o.
Se o t í tulo n ã o é pago no fim do prazo, a mercadoria
que o subscritor recebeu , como as mercadorias adquiridas
por quem o descontou com o dinheiro descontado ( pois quem

280
Princípios de Economia Política I . Lapidus/ K. Ostrovityanov

desconta um t í tulo "endossa " a responsabilidade ) podem ser


confiscadas.
O penhor constitui outra espécie de opera ções ativas
dos bancos.
O banco recebe de quem lhe pede o dinheiro, a t í tulo
de garantia , objetos de valor que serã o restitu ídos quando a
d ívida é saldada .
Desde os tempos da usura , as barras de ouro e as bar -
ras preciosas servem de garantias: atualmente, os papeis que
representam valores, t í tulos, ações, obriga ções, etc. , t ê m im -
portâ ncia muito maior . Os t í tulos comerciais podem ser pe-
nhorados. Ao contrá rio da opera çã o de desconto, quem pre -
cisa do dinheiro n ã o renuncia nesse caso o valor total do t í-
tulo que lhe será restitu ído ao saldar sua d ívida . Se a d ívida
n ão é paga , o banco tem o direito de apresentar o t í tulo ao
aceitante .
Um empréstimo pode ser feito també m sobre merca -
dorias, n ã o precisando o banco depositar sob sua guarda a
mercadoria apresentada como garantia ; basta que o devedor
as coloque em depósitos especiais, contra certificados de de-
pósito chamados warrants como garantia do empréstimo.
Pode-se do mesmo modo obter um empréstimo sobre
mercadorias expedidas; as companhias de estradas de ferro e
as agê ncias de navegaçã o, ao receber as mercadorias a trans-
portar , entregam certificados que devem ser apresentados pa -
ra o recebimento das mercadorias; estes certificados servem
de garantia da mesma maneira que os warrants.
Os bancos emprestam , é desnecessá rio dizer , basea -
dos em bens m óveis e im óveis, principalmente sobre terras e
constru ções (créditos hipotecá rios) .
Tais sã o as principais opera ções de cr é dito dos bancos.

281
Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

Mencionemos ainda as operações nas quais os bancos


servem de intermedi á rios e que n ã o podem , na realidade, ser
classificadas nem entre as opera ções passivas, nem entre as
ativas, no sentido rigoroso dessas palavras. O banco encar-
rega -se das cobran ças de t í tulos para seus clientes, do envio
de fundos de uma cidade a outra , etc. Desconta , entã o, pe-
quena percentagem (comissã o) sobre as quantias que lhe pas-
sam por entre as m ã os.

65. Os bancos e o lucro do crédito


Resta - nos, agora , frisar um ponto essencial do que já
dissemos a respeito da taxa de juros.
Que introduzem de novo os bancos nesta taxa ?
O banco, formando um capital com depósitos que lhe
sã o confiados, paga aos depositá rios um determinado juro;
mas, fazendo empréstimos, recebe també m juros.
É evidente que tais percentagens n ã o podem ser iguais;
todas essas opera ções n ã o teriam sentido se o banco n ã o ga -
nhasse um excedente em dinheiro, isto é, se os juros que paga
efetuando as opera ções passivas n ã o fossem inferiores ao que
rendem as opera ções ativas. A diferen ça entre essas duas por-
centagens é denominada o lucro do crédito bancá rio .
A rela çã o do lucro do cr é dito bancá rio com o capital
do banco determina a taxa do lucro do crédito.
A taxa do lucro do crédito deve aproximar -se em geral
das taxas m édias de lucro, sem a qual os propriet á rios dos
bancos achariam mais vantajoso colocar seus capitais na in -
d ústria .

282
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

Capítulo XIII : Moeda de Crédito e Papel- Moeda

66. Noção geral do papel-moeda


J á vimos que as opera ções de crédito podem substituir
o ajuste de contas em espécie; tendo recebido uma ordem de
pagamento do fabricante de tecidos, o fornecedor de carvã o
pode , por sua vez, comprar m á quinas a um terceiro capitalista
e pagá - las com a ordem de pagamento do fabricante de teci -
dos, que levará seu endosso; o construtor de m á quinas pode,
por sua vez, comprar maté ria prima e pagá - la da mesma for -
ma , endossando-a mais uma vez . E , assim , sucessivamente.
Um t í tulo comercial pode substituir o dinheiro, meio de circu -
laçã o, em diversas operações. O dinheiro pode ser també m
substitu ído por um outro documento, o cheque. Um capita -
lista que recebe um cheque ao portador pode servir-se dele
para pagar um terceiro, que o transmitirá a um quarto e assim
por diante . Do mesmo que o t í tulo comercial , o cheque subs-
titui , no caso, o dinheiro . O t ítulo comercial deve ser pago ao
fim do prazo pelo aceitante ou pelo sacado; o cheque, pelo
banco que o emitiu . Os capitalistas aceitam de bom grado os
t í tulos comerciais em vez de dinheiro.
O cheque é garantido por fundos depositados no ban -
co pelo capitalista signatá rio e pelo banco que se compromete
a pagá - lo contra apresentação.
Do mesmo modo que um capitalista pode se servir de
um cheque em vez de dinheiro, o banco, dispondo de quan -
tias, pode , em vez de entregá - las em espécie , fornecer t í tulos
especiais de crédito, pelos quais compromete-se a pagar a
qualquer momento, descontado . Um t í tulo de cré dito deste
tipo, ordem de pagamento a prazo indeterminado, é tã o cô-
modo para o capitalista que requisita fundos ao banco, como
o cheque que poderia receber de outro capitalista , podendo

283
Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

ser, tanto um quanto outro, a qualquer momento, pagos em


dinheiro (quando, bem entendido, n ã o sã o fict ícios) . Esses t í-
tulos de crédito a prazo indeterminado e ao portador , forne-
cidos pelos bancos e seus clientes, sã o denominados t í tulos
bancá rios. Podem correr de m ã o em m ã o como o cheque, em
vez do dinheiro, até o momento em que serão trocados no
banco por espécies.
Todas as opera ções ativas dos bancos devem normal -
mente ser feitas contra garantias; o banco que fornece fundos
a uma determinada pessoa , deve receber um t í tulo comercial
(sobre penhor ou a ser descontado) , mercadorias, bens im ó-
veis ( por hipotecas) , etc. O banco, emprestando n ã o em mo-
eda sonante , mas em t í tulos, deve da mesma maneira receber
garantias de uma quantia pelo menos equivalente à quantia
emprestada .
Mas os t í tulos bancá rios postos em circula çã o podem
correr durante muito tempo de m ão em m ã o, e o banco n ã o
tem necessidade de guardar todas as somas, todos os valores
que constituem a cobertura . N ã o tem que pagar por dia sen ã o
parte dos t í tulos emitidos; o resto dos fundos (espécies, valo-
res, t í tulos comerciais, etc. ) , pode ser temporariamente em -
pregado.
O banco goza , assim , de uma espécie de empr éstimo
livre de juros. É a principal vantagem que aufere da emissã o
de t í tulos.
O banco, podendo fornecer muito maior n ú mero de t í-
tulos de crédito do que de fato possui no momento em fundos
dispon íveis, o crédito que oferece a diversos capitalistas pode
també m ser muito maior que os capitais ouro de que dispõe.
A experi ê ncia cotidiana mostra mais ou menos a quantidade
de t í tulos que devem ser reembolsados todos os dias e serve

284
Princípios de Economia Política I. Lapidus/ K. Ostrovityanov

para determinar a relação entre o capital líquido que existe


em caixa e a quantidade de tí tulos emitidos.
A emissão de tí tulos deve ser rigorosamente regulada
para que o banco não emita mais do que tem para trocar, a
fim de que emissões exageradas não acabem por abalar a eco -
nomia.
A necessidade de regular a circulação monetária e o
desejo de aproveitar as vantagens da emissão do papel- mo-
eda levaram a maioria dos Estados a fazer da emissão de pa -
pel- moeda o privilégio exclusivo de um ou de vários bancos
concessionários que dividem as vantagens com o Estado.88
As operações destes bancos são reguladas e controla -
das pelo Estado. O Estado fixa com precisão o limite das emis-
sões e também o lastro metálico proporcionado. Estes bancos
são chamados os bancos de emissão.

67. Em qual medida o papel-moeda pode substituir o


ouro?
Os tí tulos bancários constituem a principal forma de
moeda de cr édito suscetível de substituir a moeda de valor
integral.
É fácil deduzir, do que precede, que não estão em con-
dições de preencher todas as funções desta moeda (ouro) , que
só preenchem apenas algumas. Quais?
Recordemos o que já dissemos do dinheiro ao tratarmos
do valor. Indicamos quatro funções seguintes: 1 ) medida do
valor; 2) meio de circulação de mercadorias; 3 ) meio de paga-
mento; 4) meio de entesouramento.

88. K. KAUTSKY. O dinheiro e a circulação à luz do marxismo.

285
Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

A moeda de crédito pode, evidentemente, substituir a


moeda de valor integral como meio de pagamento e meio de
circulação de mercadorias.
O capitalista que vende suas mercadorias a um outro
pode aceitar, em lugar de espécies, t í tulos bancá rios que tem
a certeza de poder trocar por ouro . O benefici á rio de um t í tulo
comercial , descontando -o ou reclamando o pagamento, acei -
tará os t í tulos bancá rios dos quais se servirá da mesma forma
que do ouro, para compra de outras mercadorias ou para sal -
dar suas contas com seus credores.
Os t í tulos bancá rios, substituindo espécies como meio
de circula çã o e como meio de pagamento, preenchem fun ções
do capital ouro, e substituem , em outras palavras, o dinheiro,
elo necessá rio no processo da produ çã o da mais-valia .
Mas poderá o t í tulo bancá rio servir de medida de ouro,
mercadorias ou t í tulos comerciais ( isto é, mais uma vez , ouro
ou mercadorias) ; a quantia que representa n ão é, evidente-
mente, determinada pelo tempo de trabalho levado a imprimi -
lo, ou o que muito bem queiram os emissores. O t í tulo ban -
cá rio n ã o é mais que o substituto moment â neo de valores re-
ais. N ã o pode , pois, por si mesmo, modificar o valor das ou -
tras mercadorias, é , ao contr á rio, o valor das mercadorias que
representa , que determina seu pró prio valor . Os t í tulos ban -
cá rios n ã o podem substituir o ouro como medida de valor, e,
sendo o valor de todas as mercadorias medido pelo do ouro,
seu poder aquisitivo é també m relativo, pois representam mo-
mentaneamente mercadorias e ouro, ao valor do ouro .
N ã o podem ainda substituir o ouro como tesouro. O
cliente de um banco aceita t í tulos bancá rios porque pode uti -
lizá - los imediatamente para seus pagamentos ou compra de
mercadorias, porque necessita deles no momento como meio
de circula çã o ou de pagamento. Mas, se quer dinheiro para

286
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

guardar, a t í tulo de tesouro, dará preferê ncia , evidentemente,


a espécies e n ã o a recibos dando direito a espécies.

68. Diferen ça entre papel -moeda e a moeda de crédito


Substituindo temporariamente o dinheiro, t í tulos ban -
cá rios só podem aparecer na qualidade de representantes de
valores reais. O banco tem uma reserva de capital que consti -
tui a cobertura de seus t í tulos e lhes garante o reembolso. Só
entrega os t í tulos em troca de mercadorias, de valores ou de
t í tulos comerciais, equivalentes a uma soma correspondente,
sendo a emissã o de cada t í tulo considerada pelo banco como
um crédito cujo benefici á rio deve fornecer as garantias.
Vê-se , contudo, circular em pa íses capitalistas, ao lado
desse substituto temporá rio do dinheiro, o papel - moeda . Es-
tudemo- lo melhor . Em que difere da moeda de crédito?
A emissã o de t í tulos bancá rios é feita pelos bancos. E ,
embora seja regulada pelo Estado, n ã o é sempre necessá rio
que o banco emissor seja um banco de Estado.
O papel - moeda , pelo contrá rio, é sempre emitido pelo
Estado89 . É um t í tulo de crédito emitido pelo Estado. Enquan -
to o t í tulo bancá rio é um t í tulo de cré dito em troca do qual o
banco recebe outros t ítulos ( comerciais, etc. ) , o papel - moeda
é um t í tulo de crédito emitido pelo Estado que n ã o recebe, ele
pró prio, em troca, nenhum t í tulo de crédito. O papel - moeda
serve ao Estado para cobrir as suas despesas quando ele n ã o
dispõe de quantidade suficiente de moeda -ouro, sobretudo,
em tempo de guerra , de revolu çã o, de crise, etc.

89. As municipalidades e outras instituições podem , em certos casos, emitir


papel - moeda .

287
Princípios de Economia Polí tica I. Lapidus/K. Ostrovityanov

A circulação de tí tulos bancários pode não ser absolu-


tamente obrigatória (embora não seja sempre assim); corres -
pondendo os tí tulos de crédito de banco a obrigações reais de
terceiros para com o pr óprio banco, não há dúvida de que o
banco possa sempre reembolsar esses documentos em espé -
cies ou em tí tulos reais de crédito. A circulação do papel -mo -
eda tem, pelo contr ário, sempre, um car á ter for çado, consinta
ou não o Estado em trocá-lo por esp écies met álicas. Aliás, não
consente na maioria dos casos.
Resumindo e comparando tudo isso que acaba de ser
dito sobre o papel -moeda e tí tulos bancários, nós chegamos
à conclusão seguinte: os tí tulos bancários são emitidos pelos
estabelecimentos de cr édito (bancos, como empr éstimos, nas
suas operações comerciais regulares; são trocáveis contra es-
pécies e seu curso não é forçado (não são, pois, impostos pela
lei na qualidade de meio de pagamento) .90

69. O poder aquisitivo do papel-moeda


Tais caracteres particulares do papel-moeda t êm con-
sequências que nós devemos estudar, comparando novamen -
te o papel-moeda com a moeda de cr édito.
É limitada a emissão bancária de cr édito? E como ? É,
evidentemente, limitada pela quantidade de tí tulos de cr édito
reais que o banco receber á em troca desses documentos. Se
a quantidade de tí tulos bancários aumenta de 10 milhões de
francos, é que o banco recebeu tí tulos comerciais reais por tal
soma; isso significa que o volume de negócios do país aumen-
tou na mesma propor ção. O aumento da quantidade de tí tulos
bancários na circulação é, pois, regulado pelo estado geral da

90. TRACHTENBERG . O papel- moeda. Moscou.

288
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

economia e pela procura de dinheiro que resulta da circulaçã o


de mercadorias.
Eis porque precisamente a troca da moeda de crédito
contra ouro é assegurada , eis porque o poder aquisitivo da
moeda de crédito ser á em geral definido pelo da moeda - ouro;
em outros termos, poder -se-á comprar com t í tulos bancá rios
tantas mercadorias quantas se compraria com mesma quan -
tia em ouro. O mesmo n ã o se d á com o papel - moeda emitido
pelo Estado independentemente de necessidades reais da cir -
cula ção de mercadorias e em proporções correspondentes às
necessidades do Estado quando as suas despesas ultrapas-
sam a sua receita .
Pode o papel - moeda , nessas condi ções, ter capacidade
de compra igual à da moeda -ouro?
Isso depende da import â ncia das emissões e da neces-
sidade de dinheiro como meio de circula çã o da economia .
A soma de dinheiro necessá ria à circula çã o de um pa ís
em um momento dado é uma grandeza definida . Ela depende,
antes de tudo, do valor da massa das mercadorias em circu -
la çã o no mercado e do tempo de circula çã o da moeda ( ou de
seus substitutos) ; quanto maior for o valor das mercadorias,
mais dinheiro será necessá rio . Quanto mais rá pida for a rota -
çã o da moeda , menos dinheiro será necessá rio . Mas é preciso
deduzir da soma de dinheiro necessá ria em um momento
dado as mercadorias vendidas a cré dito.
Podendo t í tulos de crédito emitidos anteriormente es-
tar vencidos nesse momento, será preciso evidentemente jun -
tar a soma desses pagamentos dos fundos dispon íveis neces-
sá rios à circulação, exceçã o feita , entretanto, dos t í tulos co-
merciais que possam ser cobertos por ocasi ã o do ajuste de
contas sem pagamentos em espécie .

289
Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

Que acontecerá se a quantidade da moeda -ouro ultra -


passar a soma necessá ria à circula çã o? J á o sabemos. O exce-
dente se acumulará sob forma de tesouro ou será fundido
para servir à fabrica çã o de objetos de ouro.
Que acontecerá se, em lugar de moeda -ouro, n ós ti -
vermos em circula çã o papel - moeda ?
Suponhamos que o pa ís tenha , no atual momento, 100
milh ões de francos de moeda ouro e 100 milh ões de papel -
moeda . Se a quantidade do dinheiro necessá rio à circula çã o,
o que se chama valor da circula çã o, n ã o é inferior a 200 mi -
lh ões, é evidente que o papel - moeda poder á ser cotado ao par
do ouro . N ã o podendo o ouro bastar a todas as necessidades
da circula çã o e a parte do valor da circula çã o que deixa des-
coberta n ã o sendo inferior à quantidade de papel - moeda des-
tinada a substituir a moeda -ouro, o papel - moeda terá eviden -
temente poder aquisitivo igual ao do ouro . Mas suponhamos
que a quantidade de dinheiro necessá ria à circula çã o conti -
nue de 200 milh ões e que uma nova emissã o de 100 milh ões
de papel - moeda seja feita . Da í em diante a quantidade de di -
nheiro, ouro e papel , do pa ís, se elevará a 300 milh ões. É evi -
dente que uma parte dessa soma , a saber , 300 - 200 = 100
milh ões, se tornará supé rflua . Essa soma deverá transformar-
se, de meio de circula çã o, em tesouro.
Qual a moeda que se transformará em tesouro?
Todo mundo preferirá , entesourando, guardar moeda
de ouro, que tem valor intr í nseco . Os 100 milh ões de francos
serã o pouco a pouco retirados da circula çã o e depositados
nos pés de meias, no fundo das malas e dos cofres. 200 mi -
lh ões de francos papel ficar ã o em circula çã o. E a circulaçã o,
tendo precisamente necessidade dessa soma , o papel - moeda
substituirá com sucesso a moeda -ouro; receber -se- á por um
franco papel tanto de mercadoria quanto por um franco ouro.

290
Princípios de Economia Política I . Lapidus/ K. Ostrovityanov

Mas, permanecendo o mesmo valor de circula çã o, a quanti -


dade de papel - moeda se elevar á a 300 milh ões.
Se esses 300 milh ões de papel - moeda substituem na
circulaçã o 200 milh ões de francos ouro, é evidente que n ã o
se poder á receber , por 3 francos, maior quantidade de merca -
dorias do que a que se recebia antes por dois francos ouro e
que o poder aquisitivo de 1 franco papel será igual a 8/3 de
franco ouro.
Mas pode o excedente de 100 milh ões de francos papel
ser eliminado da circulaçã o como aconteceu acima com a mo-
eda -ouro? Ao contrá rio do ouro, o papel n ão se pode trans-
formar em tesouro. Ele está condenado a circular incessante -
mente .
Ha pessoas que , acostumadas ao curso firme do papel -
moeda do tempo em que a sua quantidade n ão era excessiva ,
costumam guard á - lo para os " maus dias". O grande capita -
lista comete tal erro. Podemos figurar- nos em teoria o Estado
a emitir justamente tanto papel - moeda supé rfluo quanto a -
quelas pessoas que guardam nos seus colch ões: na verdade,
quando emissões se sucedem durante certo tempo ( para co -
brir despesas de uma guerra , por exemplo ) , a quantidade de
papel - moeda ultrapassa de longe essas economias. E , desde
que a quantidade de papel - moeda em circula çã o seja superior
ao valor da circula çã o, nenhuma pressão pode fazê - lo aceitar
ao mesmo t í tulo que o ouro. Quanto mais papel - moeda hou -
ver, menor será o seu poder aquisitivo. As economias feitas
em papel - moeda se depreciam e pessoas inexperientes aca -
bam por perder elas próprias o h á bito de guardar papel . O pa -
pel - moeda , reservado para os dias dif íceis, é ent ã o brusca -
mente lan çado no mercado, onde vem aumentar a soma de
circula çã o e diminuir seu poder aquisitivo . O Estado, que po-
de por vezes reembolsar livremente por ouro o papel , se foi

291
Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

emitido em pequena quantidade , cessa de o fazer , por pouco


que as emissões se acumulem e que o poder aquisitivo do pa -
pel - moeda caia em proporçã o.

70. Resumo e conclusões


Resumamos:
1 . O papel - moeda é emitido pelo Estado para cobrir as
suas despesas. É favorecido pelo curso forçado. N ã o é geral -
mente trocado por ouro (embora essa troca se possa fazer se
o curso do papel - moeda é firme ) .
2. O papel - moeda n ã o pode substituir a moeda de va -
lor integral a n ã o ser no processo da circula çã o, ao passo que
o dinheiro, n ã o parando para se transformar em tesouro, pas-
sa de m ão em m ã o e constitui somente um í ndice momentâ -
neo da circula çã o de mercadorias.
3. Se o valor nominal do papel - moeda em circulaçã o
n ã o ultrapassa o valor da circula çã o expresso em ouro, o po-
der aquisitivo do papel - moeda coincide com o da moeda -ou -
ro; se, por outro lado, o valor da circulação é inferior ao valor
nominal do papel - moeda , o poder aquisitivo deste é na mes-
ma medida , inferior ao do ouro.
Podemos tirar daqui em diante as conclusões:
1 . Seria falso crer que o papel - moeda só circula porque
o Estado obriga os cidad ã os a recebê-lo. A emissã o de um ex-
cedente de papel - moeda tem , a despeito da pressã o exercida
pelo Estado, como consequ ê ncia , a baixa do poder aquisitivo.
As leis econ ó micas o sobrepõem , assim , em regime capita -
lista , à vontade do Estado.
2. Seria igualmente erro crer que o papel - moeda pode
existir sem rela çã o com a moeda -ouro e que só importam a
quantidade de papel - moeda emitida e a quantidade de mer -
cadorias em circula çã o . Sem rela çã o (ao menos distante ) com

292
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

a moeda -ouro, n ão se concebe o papel - moeda , porque n ão


pode preencher a sua fun çã o de medida do valor . Essa fun çã o
só pode ser preenchida por uma mercadoria que tenha ela
pró pria valor . O papel - moeda n ã o tem valor pró prio: o traba -
lho necessá rio para a sua produ çã o é praticamente insignifi -
cante e n ã o desempenha nenhuma fun çã o apreci á vel na de-
termina çã o do seu poder aquisitivo . O valor da circula çã o que
determina o curso do papel - moeda depende antes de tudo do
valor das mercadorias em circula çã o. E o que caracteriza pre -
cisamente o valor é que n ã o pode ser expresso diretamente
em horas de trabalho, mas deve sê - lo através de uma outra
mercadoria . Como seria expresso o valor das mercadorias em
circula çã o se o papel - moeda n ã o tivesse valor pró prio? Evi -
dentemente, com a ajuda da moeda -ouro de um valor igual ,
servindo de medida comum do valor . Quando n ós falamos do
poder aquisitivo do papel - moeda , é sempre em compara çã o
com o do ouro, e n ós dizemos, por exemplo, que est á ao par
do ouro ou abaixo do par . Se n ã o houvesse ouro (ou outra
moeda de um valor integral ) , o padrã o que permitisse deter -
minar o valor da circula çã o e, portanto, o poder aquisitivo do
papel - moeda , faria falta .
É essa teoria confirmada pelos fatos? O papel - moeda
tem sempre rela çã o com a moeda -ouro?
Desde o in ício da guerra , o papel - moeda n ão foi mais
trocado por ouro em diversos pa íses beligerantes . Mas sua li -
ga çã o com a moeda -ouro subsistia , pois que subsistiam fran -
cos e rublos ouro, que determinavam o curso dos francos e
dos rublos papel . Mas, que pensar dos pa íses que n ã o tinham
antes unidade monetá ria met á lica pró pria e que, desde a sua
organiza çã o em Estados, só tiveram papel - moeda ? É o caso
da Pol ó nia que, tornada independente , começou a emitir pa -

293
Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

pel - moeda , marcos inicialmente, zlotidepois. É o caso da Li -


tu â nia , da Letó nia e de diversos outros Estados de forma çã o
recente . A sua moeda - papel sofreu , apesar de tudo, a influ ê n -
cia direta do ouro: o poder aquisitivo do marco polon ês foi
determinado de começo pelo curso do marco ouro alem ã o.91
A moeda let ã foi estabelecida em rela ção ao rublo russo . De-
pois da queda r á pida do poder aquisitivo do papel - moeda , em
diversos pa íses, e a separa çã o desse papel da moeda -ouro, o
curso do papel - moeda foi (e é ainda ) determinado em diver -
sos pa íses em rela çã o ao d ólar americano.
Esses fatos mostram como o papel - moeda é impotente
para substituir por completo o dinheiro de valor integral e que
a sua fun çã o se reduz à de um meio de circula çã o. Ele n ã o
pode servir de padrã o de valor .
3. Resta - nos apresentar uma observaçã o sobre a mo-
eda met á lica division á ria de valor incompleto que , à diferen ça
do papel - moeda , possui um valor real , mas inferior ao seu va -
lor nominal . Tais sã o as moedas de prata , de cobre , de n íquel ,
etc . Sob o antigo regime, na R ússia , o rublo de prata repre-
sentava apenas 70 copeks de metal e tinha , entretanto, curso
ao par do ouro. O valor das moedas de cobre, de bronze e de
n íquel , é menor ainda comparativamente ao par do ouro .
A circula çã o dessas diversas moedas metá licas ao par
do ouro n ã o tem necessidade de explicação especial . Substi -
tuem temporariamente a moeda de ouro, no processo da cir -
cula çã o, e se o seu poder aquisitivo n ã o é inferior ao do ouro,
é que a sua quantidade n ã o ultrapassa o valor da circula çã o.
Se o ultrapassasse , o seu poder aquisitivo desceria até o mo-
mento em que se restabelecesse a equivalê ncia entre o valor

91.0 governo polon ês formou -se sob a ocupaçã o alem ã, o que explica a in -
flu ê ncia do marco ouro .

294
Princípios de Economia Política I . Lapidus/ K. Ostrovityanov

da circulaçã o e o valor real de metal contido na moeda divisi -


on á ria . Se o valor da circula çã o diminu ísse, depois, relativa -
mente à massa do dinheiro, as moedas division á rias de valor
incompleto teriam a mesma sorte que a moeda de ouro, quan -
do ela ultrapassa em quantidade as solicita ções da circula çã o;
as moedas de prata (ou cobre, etc. ) serviriam para o entesou -
ramento ou seriam transformadas em objetos metá licos, etc.
4. A discriminação entre a moeda de cr é dito e o papel -
moeda merece reter a nossa aten çã o. A moeda de cr é dito n ã o
é sempre nitidamente delimitada em rela çã o ao papel - moeda ,
e acontece frequentemente transformar -se ela em papel - mo-
eda ; assim , substitutos do dinheiro que circulavam antes da
guerra no Impé rio russo, equiparados à moeda metá lica , re-
presentavam a moeda de crédito do Banco do Estado, livre -
mente trocada por ouro e emitida na sua maior parte contra
descontos de t í tulos comerciais, isto é , emitida pelo banco em
troca de t í tulos reais de crédito; mas, no in ício da guerra , essa
moeda de crédito se transformou em papel - moeda .92 Ela ces-
sou de ser conversível em ouro: o banco n ã o a emitiu em troca
de t í tulos comerciais, mas em troca de bó nus do tesouro nas
" proporções necessá rias ao tempo de guerra ". Os bó nus do
tesouro n ão podiam ser considerados como t í tulos de com é r-
cio reais, porque n ã o representavam nenhuma circula çã o real
de mercadorias. Assemelhavam -se a t í tulos de favor. Por essa
razã o, às emissões do Banco do Estado seguiu -se uma baixa
rá pida do poder aquisitivo do papel - moeda .

71 . A inflação e sua influência sobre a economia


A emissã o de papel - moeda em quantidade que ultra -
passe as necessidades da circula çã o provoca o que se chama

92 . O mesmo aconteceu em vá rios pa íses beligerantes, notadamente na Fran ça .

295
Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

infla çã o, isto é, a superabund â ncia de papel - moeda no mer-


cado, a satura çã o monet á ria do mercado . Qual é sua influ ê n -
cia na economia do pa ís?
A necessidade em que se encontra o Estado de cobrir
as despesas excessivas, que ultrapassam de muito suas pos-
ses, explica essas emissões.
O aumento da quantidade do papel - moeda e a baixa
de seu poder aquisitivo acarretam uma alta geral de preços.
Em casos de emissões abundantes de papel - moeda os preços
podem literalmente aumentar de hora em hora . O cá lculo e ~
xato dos preços de custo das mercadorias, cá lculo cuja im -
portâ ncia para o capitalismo n ós conhecemos, torna -se im -
possível : o preço das mat é rias- primas compradas hoje será
diferente amanh ã , quando forem transformadas em mercado-
rias e mais diferente ainda depois de amanh ã , na ocasi ã o em
que o industrial tiver que renovar seu estoque de maté rias pri -
mas. Cada vendedor de mercadorias procura evitar inconve-
nientes da baixa do poder aquisitivo do dinheiro que recebe,
subindo seus preços (aumento do " risco" ) .
A baixa incessante do poder aquisitivo do dinheiro tor -
na impossível a venda a cré dito. Os pagamentos n ã o podem
ser diferidos, pois n ã o se prevê o valor futuro do dinheiro. Os
empréstimos de dinheiro perdem també m sua razã o de ser . O
desaparecimento quase completo do cré dito priva a economia
de todas vantagens relativas. Torna -se perigoso vender mer -
cadorias a prazo e aceitar encomendas futuras pagá veis à en -
trega das mercadorias, pois um preço vantajoso no momento
em que a encomenda é feita pode redundar em preju ízo na
ocasi ã o em que ela for entregue.
Todo possuidor de dinheiro busca livrar -se dele o mais
depressa possível, transformando- o em mercadorias, e todo

296
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

possuidor de mercadorias procura guard á - las o maior espaço


de tempo possível , na esperan ça de uma alta de preços.
A inseguran ça do dia seguinte, alta fantástica e irregu -
lar de preços, desejo de cada um de que outros lhe paguem o
risco da deprecia çã o do dinheiro, criam um terreno favorá vel
à especula çã o e ao enriquecimento fácil dos especuladores.
A infla çã o n ã o exerce a mesma influ ê ncia sobre todas
as classes da sociedade. As classes trabalhadoras sofrem na -
turalmente mais.
De todas as mercadorias, a que aumenta o preço mais
lentamente é a força do trabalho . Os sal á rios nominais podem
subir; mas a regra é que eles sofram um atraso em rela çã o aos
preços dos produtos de primeira necessidade. Só esta cir -
cunstâ ncia j á agrava brutalmente a situa çã o da classe opera -
ria . Constrangido a gastar seu sal á rio, n ã o de uma vez, mas
pouco a pouco, de modo que dure até o próximo pagamento,
o operá rio perde mais do que todos os outros com a baixa do
poder aquisitivo de seu dinheiro.
A infla çã o cria també m numerosas dificuldades para o
capitalista ( desaparecimento do crédito, impossibilidade do
cá lculo do preço de custo) , mas h á diversas maneiras de com -
pensá -las; ele aumenta o preço de suas mercadorias; trans-
forma , sempre que pode, seu dinheiro em ouro, pedras preci -
osas, bens im óveis, etc. ; se n ão é possível fazê- lo em seu pa ís,
transfere seus capitais para um pa ís de câ mbio firme . A ex -
porta çã o de mercadorias de um pa ís em que h á infla çã o para
um sem infla çã o pode oferecer ao capitalista grandes vanta -
gens. As mercadorias pagas no estrangeiro em moeda ouro
sã o melhor negócio para ele do que para os capitalistas es-
trangeiros, pois o sal á rio é mais baixo em seu pa ís do que no
estrangeiro. Pode, pois, sustentar vitoriosamente a concor -
rê ncia em um mercado estrangeiro. Por outro lado, assim se

297
Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

resguardam contra efeitos da depreciaçã o da moeda em seu


pró prio pa ís.
Os grandes industriais agrá rios podem també m lucrar
com a infla çã o: a baixa dos sal á rios lhes é mais vantajosa que
aos outros patrões, pois os sal á rios tê m grande import â ncia
no custo da produ çã o do trigo. Por isso, a inflaçã o é particu -
larmente lucrativa para os exportadores de trigo. A deprecia -
çã o da moeda é , enfim , especialmente vantajosa para os nu -
merosos agrá rios que receberam créditos hipotecá rios; a im -
portâ ncia real das somas de que t ê m que reembolsar o banco,
baixa com a mudan ça de câ mbio. E isso para n ã o falar dos
especuladores.
Seria errado acreditar que os pequenos produtores de
trigo ganhem como os grandes produtores. O contr á rio é que
é verdadeiro . Todos os benef ícios da exporta ção do trigo sã o
reservados aos grandes produtores e aos grandes exportado-
res . O campon ês m édio e, principalmente, o pequeno agricul -
tor, n ã o ficam em melhor situa çã o que o oper á rio, com o qual
sofrem o grande peso das mudan ças da infla çã o .
A depreciaçã o do papel - moeda acarreta a das peque-
nas economias dos camponeses, de certos operá rios de qua -
lidade, da pequena e da m é dia burguesia .
Milhares de pessoas, que viviam da renda de seus ca -
pitais e outros valores diversos, ficam arruinadas.
O Estado capitalista emite papel - moeda para cobrir as
suas despesas. Paga a popula çã o da qual recebe valores reais
em papel ; troca o papel contra valores reais. A emissã o torna -
se, por si mesma , uma fonte de renda e uma forma especial
de imposto, imposto previamente obtido da popula çã o toda e
sobretudo das classes laboriosas.

298
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

72. Restabelecimento da circula ção monetá ria normal


A deprecia çã o do papel - moeda pode abalar a econo-
mia capitalista a tal ponto que esta , sentindo necessidade de
certa estabilização de suas condições de existê ncia , passa a
exigir imperiosamente uma moeda firme . Como se poderá en -
tã o restabelecer a circula çã o normal do dinheiro?
A primeira condiçã o para esse saneamento é , sem d ú -
vida , a elabora çã o de um orçamento ( isto é, de uma rela çã o
da receita e da despesa do Estado ) para que a emissã o de pa -
pel - moeda , cessando de ser a fonte principal da receita , seja
substitu ída por outras fontes de receita , a saber: impostos pa -
gos pela popula çã o, empréstimos internos e externos, lucros
de empresas pertencentes ao Estado. Em tempos de guerra , a
estabilização do câ mbio é habitualmente impossível , pois as
despesas do Estado sã o t ã o grandes que a sua receita n ã o as
cobre . Dá -se o mesmo quando a situaçã o econ ómica interna
de um pa ís é inst á vel , quando a economia está devastada; os
impostos e empr éstimos que o Estado obté m do interior sã o
insuficientes; e os capitalistas estrangeiros só fazem emprés-
timos a quem é mais ou menos solvá vel .
A consolida ção do sistema monet á rio n ã o é, pois, pos-
sível sem que haja uma melhora geral da situa çã o econ ómica
do pa ís. A cria çã o de um sistema monet á rio firme é, por sua
vez , a causa de nova melhora econ ó mica ; d á confian ça no fu -
turo, cria uma base de crédito.
É caracter ístico do Estado capitalista que sejam justa -
mente as massas laboriosas, que mais sofreram ; com a infla -
çã o, que tenham que arcar com o pagamento da estabiliza çã o.
Os impostos estabelecidos pelo Estado pesam , sobretudo, so-
bre os trabalhadores; e sã o també m os trabalhadores que pa -
gam , como ú ltimo recurso, os juros dos empréstimos.

299
Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

A introdu çã o de uma moeda est ável pode dar-se de três


maneiras: 1 ) por anula çã o do antigo papel - moeda , é substitu -
ído por uma nova moeda firme , de papel , de cré dito ou de
ouro; 2 ) pela desvalorizaçã o: as emissões cessam , a depreci -
a çã o do papel - moeda cessa igualmente; o papel - moeda de-
preciado é trocado em proporções definidas por uma nova
moeda ; 3) finalmente, defla çã o . O Estado pode retirar da cir -
culação parte do papel - moeda emitido; recebendo- o em pa -
gamento de impostos, etc. , se absté m de o lan çar novamente
à circula ção, diminuindo assim a quantidade de papel - moeda
existente no mercado e elevando pouco a pouco seu poder
aquisitivo, até pô- lo ao par do ouro.
A grande Revolu çã o Francesa recorreu à anula çã o; as
reformas recentes da URSS, da Alemanha e de vá rios outros
pa íses, foram feitas por desvalorização, no momento em que
escrevemos, A Fran ça capitalista procede, depois da Inglater -
ra , por defla çã o.93

73. Pagamentos internacionais


O papel - moeda de um pa ís n ã o pode servir de meio de
circulação nas relações comerciais internacionais. Nessas re-
la ções, a moeda considerada em geral é a moeda -ouro e leva -
se em conta , em geral , nas opera ções, o t í tulo da moeda , isto
é, a quantidade de metal precioso que conté m ; variações de
câ mbio n ã o podem , já o mostramos, ultrapassar as despesas
de refundi çã o e de nova cunhagem da moeda de ouro .
Por isso, recorre-se ao cré dito internacional .
Os t í tulos de cré dito podem substituir temporariamen -
te, nas rela ções internacionais, a moeda corrente .

93. A estabiliza çã o do franco realizado em 1928, n ã o foi unicamente o resul -


tado da defla ção; comportou també m em uma desvalorizaçã o sensível do
franco.

300
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

Um capitalista francês compra carvã o na Inglaterra .


Pode comprar a crédito e assinar uma letra de câ mbio. Supo-
nhamos que um outro capitalista ingl ês lenha necessidade de
fazer compras em Fran ça . Compra vinho, por exemplo. O ca -
pitalista ingl ês, comprador de vinho, pode muito bem , em vez
de assinar uma letra de câ mbio ou de arcar com as despesas
de uma remessa de ouro à Fran ça , recorrer à combina çã o se-
guinte: comprar á a seu colega vendedor de carvã o a letra do
primeiro capitalista francês e a enviar á ao vinicultor francês,
que n ã o terá dificuldade ( n ã o se tratando de um t í tulo de fa -
vor ) em receber, findo o prazo, a quantia de seu compatriota
comprador de carvã o ingl ês. O comprador inglês de vinho e o
comprador francês de carvã o farã o, assim , os dois, a econo-
mia das despesas das remessas de ouro .
As letras de câ mbio internacionais, suscet íveis a subs-
tituir o dinheiro em pagamentos tais como esses a que nos
referimos, sã o denominadas divisas. Quanto mais a Fran ça ,
por exemplo, vender mercadorias à Inglaterra , tanto maior se-
rá a procura de divisas francesas naquele pa ís, pois será maior
o n ú mero de capitalistas ingleses desejosos de adquirir divi -
sas francesas para o pagamento das compras que fazem no
continente .
Que determina o curso das divisas, isto é, o seu preço
em dinheiro? Se o pa ís do qual se precisa a divisa tem moeda
ouro (ou notas de banco trocá veis ao par ) , o curso das divisas
n ã o cairá jamais abaixo do curso da moeda ouro, dedu çã o
feita do custo da remessa de dinheiro de um pa ís para outro;
se o curso das divisas se elevasse acima dessa tarifa , tomar-
se- ia mais vantajoso enviar o dinheiro. O curso das divisas
pode , pois, variar nos limites demarcados pelas despesas das
remessas de dinheiro, segundo condições da oferta e da pro-
cura . Quanto mais devem os pa íses estrangeiros a um dado

301
Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

pa ís, tanto maior é a procura de divisas deste ú ltimo; e mais


elevada é sua cota çã o, sem que o limite que indicamos possa ,
entretanto, ser ultrapassado. A quantidade das d ívidas e dos
créditos de um pais exerce, pois, uma influ ê ncia notá vel sobre
a cotaçã o das divisas. Se um pa ís qualquer tem mais a receber
dos outros que o que lhes deve , diz-se que a balan ça de suas
contas é ativa ; e é passiva , em caso contrá rio.
A balan ça comercial , isto é, a rela çã o entre as exporta -
ções e as importa ções de um pa ís, tem grande importâ ncia no
balan ço das contas. Se as exportações sã o maiores que as im -
portações, se, em outros termos, a balan ça comercial de um
pa ís é ativa , este recebe mais dinheiro dos outros do que lhes
paga , o que faz com que seu balan ço de contas seja ativo. No
caso contrá rio, quando a balan ça é passiva , o pa ís perde mais
dinheiro do que recebe, o que contribui a tornar passivo seu
balan ço de contas.
Este n ã o é determinado unicamente pela balan ça co-
mercial , podendo o pagamento dos empréstimos estrangeiros
ou contra ídos no estrangeiro representar um papel impor -
tante .94
O cará ter ativo da balan ça de contas n ã o exerce apenas
uma influ ê ncia enorme na cotação das divisas. Constitui tam -
bé m um fator da estabilidade da moeda ( de papel ou met á lica )
no pró prio pa ís: quanto mais ativa for a balan ça , mais ouro
recebe o pais do estrangeiro depois do ajuste de contas recí-
procas, e maior é a possibilidade de firmar sua moeda , ao
passo que uma balan ça passiva pode criar perigo de infla çã o.
Encaramos principalmente, até aqui , o ajuste de con -
tas entre pa íses em que prevalece a circula çã o do ouro . Em

94. Tornaremos a falar nesses empréstimos no capí tulo sobre o empréstimo .


N ão é possí vel determo- nos em vá rios outros fatores da balan ça de contas .

302
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

caso de baixa do poder aquisitivo da moeda de valor incom -


pleto ou do papel - moeda de um pais que n ã o tenha outra mo-
eda , a cota ção das divisas desse pa ís cai proporcionalmente.95

Capí tulo XIV: a Taxa de Juros, o Crédito e o Papel Mo-


eda na URSS

74. A taxa de juros na URSS


Qual é a natureza da taxa de juros na economia sovi é -
tica ? Depois de termos estudado o lucro comercial na URSS,
n ão é dif ícil responder a esta pergunta .
Devemos consider á - la , conforme o m étodo que adota -
mos, em conexã o com as rela ções que nascem do crédito, de
uma parte entre a economia estatal e os milh ões de oper á rios
e camponeses, e de outra parte as rela ções entre esta mesma
economia e empresas capitalistas. Qual é a natureza da taxa
de juros paga pelos bancos estatais pelos depósitos das em -
presas estatais ou descontados por estes bancos dos créditos
que eles fornecem à quelas empresas?
Suponhamos que o Truste de Serpukhov tenha feito
um depósito no Banco Industrial , este, por sua vez , gra ças a
este depósito, faz empréstimo ao Truste de Anilinas . O Truste
de Anilinas emprega os fundos emprestados em ampliar sua
produ çã o, o que aumentará o produto suplementar criado pe-
los seus oper á rios. Ele canalizará uma parte ao Banco Indus-
trial , a t í tulo de juros do empréstimo, que, por sua vez, cana -
lizará , como juros de depósito ao Truste de Serpukhov, uma

95. Os boatos que anunciam uma crise , uma m á colheita , assim como revolu -
ção, podem també m influenciar na cota çã o das divisas.

303
Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

parte do produto suplementar que recebeu do Truste de Ani -


linas para os fundos que lhe foram emprestados, e guardará
o resto. Pode-se falar , neste caso, de “ juros" no sentido capi -
talista da palavra ? N ã o estamos em presen ça de um juro que
representa uma parte de mais-valia ; n ã o se apresenta aqui o
problema da reparti çã o da mais-valia entre os grupos da bur -
guesia . N ã o se pode tratar sen ã o de uma nova reparti çã o dos
recursos entre empresas econ ó micas pertencentes todas ao
mesmo proprietá rio, o Estado proletá rio . A forma exterior do
juro encobre , aqui , rela ções completamente diferentes das re-
lações capitalistas. Mas, ent ão, perguntar-se -á talvez , por que
o Estado sovié tico n ã o institui , cm rela çã o às empresas esta -
tais, o crédito gratuito? A manuten çã o formal do " juro" tem ,
na realidade, para as empresas estatais, a mesma importâ ncia
que a do "lucro comercial ", etc. Este é um elemento do sis-
tema que obriga as empresas a se bastarem a si mesmas, im -
pondo às nossas empresas estatais, industriais e comerciais,
mais economia e previd ê ncia .
Quando o Estado sovi é tico gasta os seus recursos pro-
venientes das empresas industriais, fornecendo o crédito aos
camponeses, ele se apropria , sob a forma de juros, de uma
parte do rendimento do trabalho do campon ês. Quando, pelo
contr á rio, o campon ês deposita no Banco do Estado suas eco -
nomias de trabalhador , ele recebe, sob a forma de juros, uma
parte do produto suplementar criado pelos oper á rios das em -
presas estatais. J á expusemos, ao falar do lucro comercial que
as rela ções de produ çã o que se estabelecem nestes diversos
casos n ã o podem absolutamente ser consideradas como re-
lações capitalistas, j á que o elemento de explora çã o n ã o e-
xiste a í . Evidentemente , é preciso dizer o mesmo quando ope-

304
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

rá rios confiam suas economias, descontadas dos seus sal á -


rios, aos estabelecimentos de crédito do Estado, ou se apro-
veitam do crédito desse estabelecimento.
É bem diferente quando o Estado sovi é tico emprega os
seus recursos em fornecer cré dito às empresas capitalistas
ou , ao contrá rio, quando usa dos recursos destas empresas
para dar crédito à ind ú stria e com é rcio estatais. No primeiro
caso, como estabelecemos a propósito do lucro comercial na
URSS, parte do produto suplementar criado pelos operá rios
das empresas estatais passa ao capitalista , e vê-se entã o sur-
girem relações de exploração indireta dos operá rios das em -
presas estatais, pelo capital . O juro é entã o an á logo ao juro
capitalista . No segundo caso, ao contrá rio, o Estado soviético
apropria -se, sob a forma de juros, de uma parte da mais-valia
do capital ; e tal parte de mais-valia , caindo nas caixas do Es-
tado proletá rio, despe-se do seu cará ter capitalista .

75. O crédito na URSS


N ão temos que expor como se formam as disponibili-
dades que vã o para os reservató rios dos estabelecimentos de
crédito, e saem de lá , sob forma de empréstimos, para os di -
versos ramos da economia e contribuem assim para seu de-
senvolvimento. Tudo o que afirmamos em rela çã o ao crédito
capitalista , aplica -se ao crédito na URSS. N ã o estudaremos
sen ã o o papel do crédito na edifica çã o socialista e os carac-
teres particulares que distinguem o crédito sovi é tico do cré-
dito capitalista . A import â ncia do crédito na edifica çã o do so-
cialismo, na URSS, j á é grande e tende a aumentar ainda .
A URSS entra , como veremos adiante , em uma fase de
largo desenvolvimento socialista . Este desenvolvimento exige
a organização de numerosas empresas novas, concebidas se-

305
Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

gundo a ú ltima palavra da técnica . No n ível da t écnica atin -


gida pelos principais pa íses capitalistas, n ã o se pode imaginar
a organização de uma empresa , por pouco importante que se-
ja , sem a ajuda do crédito, exigindo cada empresa grandes in -
versões de capitais. As empresas privadas capitalistas dos pa -
íses burgueses t ê m sobre as empresas sovi é ticas a vantagem
de gozarem simultaneamente do cr é dito interior e exterior . A
este respeito, a URSS est á entregue a si mesma .
Nestas condi ções, toda quantidade de dinheiro torna -
da dispon ível , mesmo por pouco tempo, toda economia , deve
ser canalizada para as reservas dos estabelecimentos de cré-
dito da Uni ã o e empregada na edifica çã o do socialismo.
Estando nas m ã os do Estado toda a grande ind ú stria ,
salvo exceções insignificantes, e uma grande parte do com é r -
cio da URSS, a reuni ã o de recursos dispon íveis nos estabele-
cimentos de crédito, das empresas estatais e das cooperati -
vas, n ão apresenta nenhuma dificuldade.
Em vigor , bastaria aos ó rgã os revolucion á rios definir ,
neste sentido, precisas diretivas. Os recursos das empresas e
das institui ções do Estado constituem no momento a maior
parte dos fundos de que dispõem os diversos estabelecimen -
tos de cré dito.
É bem diferente o que se passa com os recursos parti -
culares e economias de nepmans, de camponeses, de operá -
rios e de empregados. Estes recursos n ão podem ser inverti -
dos nos nossos estabelecimentos de crédito por nenhum de-
creto, por nenhuma medida imperativa . N ã o podem ser atra í-
dos sen ã o pelas vantagens comerciais e técnicas que os esta -
belecimentos de cré dito oferecem aos seus depositantes. Ora ,
sendo insuficientes os recursos do Estado e n ã o existindo cré-
ditos estrangeiros, a utiliza çã o das economias adquire uma
importâ ncia bem particular . As economias de um campon ês,

306
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

de um operá rio, ou de um empregado podem parecer insigni -


ficantes, poré m , reunidas umas à s outras, constituem ent ã o
uma quantia apreciá vel . A quest ão da utiliza çã o dos fundos
reunidos por nossos estabelecimentos de crédito n ã o é de
menor importâ ncia .
A distin çã o entre o crédito sovi é tico e o crédito capita -
lista , é justamente a possibilidade que tem o primeiro de uti -
lizar -se dos recursos dispon íveis a base de um plano. Os es-
tabelecimentos de cr é dito dos pa íses capitalistas baseiam to-
da sua pol í tica no cá lculo comercial . Eles n ã o se inspiram , ao
oferecer cré ditos, sen ão no seu interesse . O interesse geral ,
nacional ou social que pode ter uma empresa nunca é levado
em conta . E como é sobretudo vantajoso fornecer crédito
mais solvá vel , todas as vantagens do crédito vão em primeiro
lugar para as grandes empresas capitalistas. A pol í tica de cré-
dito da URSS é baseada na reparti çã o racional concebido à
base de um plano de conjunto dos recursos, no interesse da
edificaçã o socialista . A aplica ção deste princí pio tornou pos-
sível , na URSS, a existê ncia de todos os estabelecimentos de
cré dito pertencentes ao Estado.
O Estado sovi ético dispõe, portanto, de somas consi -
deráveis e pode, repartindo-as à sua vontade, contribuir numa
medida inapreci á vel para o fortalecimento e para o desenvol -
vimento dos elementos socialistas da economia . Pode subsi -
diar empresas cujo desenvolvimento é necessá rio ao desen -
volvimento do socialismo, embora mais vantajoso, do ponto
de vista comercial , consagrar os mesmos recursos a outras
empresas.
Os Bancos do Estado Sovi é tico sustentaram e susten -
tam , assim , a ind ú stria pesada deficitá ria , enquanto do ponto
de vista estritamente comercial seria mais vantajoso sustentar
a ind ú stria leve cujo lucro e relativamente grande .

307
Princ í pios de Economia Pol í tica I . Lapidus/K. Ostrovityanov

Estado sovié tico, senhor dos estabelecimentos de cré-


dito, pode simultaneamente exercer a sua influ ê ncia nas em -
presas estatais e no capital privado . Pode utilizar este ú ltimo
no interesse da edifica çã o socialista O mesmo se pode dizer a
respeito do com é rcio. Ningu é m ignora a enorme import â ncia
do crédito na estocagem do trigo.96 A falta de crédito ( ou um
simples atraso) pode acarretar o fracasso de toda uma cam -
panha de estocagem do trigo. Isto n ã o é tudo, no entanto. O
crédito está chamado a desempenhar papel considerá vel na
transforma çã o, pela cooperaçã o, da pequena cultura campo-
nesa em grande cultura socialista . O Estado, atraindo e utili -
zando a pequena economia dos camponeses, sustentará , com
a ajuda do crédito, os elementos socialistas da agricultura e
contribuir á , por sua vez , para esta transformaçã o. Em uma
palavra , o cré dito pode fortalecer, em todos os ramos da eco-
nomia sovi é tica , os elementos socialistas.
A taxa de juros é bastante elevada na URSS É , poré m ,
mais elevada ainda no mercado clandestino. É que faltam ca -
pitais de que a edifica çã o socialista , em pleno desenvolvimen -
to, tem grande necessidade .
O Banco do Estado, o estabelecimento central de cré-
dito da URSS, dirige todo o novo sistema de cr édito, composta
de numerosos bancos, dos quais os mais importantes sã o os
seguintes: Banco Industrial , Banco da Agricultura , Banco das
Cooperativas, Banco Central da Edificaçã o Comunal e Cons-
tru çã o de Habita ções, Banco do Com é rcio Exterior, etc.

96 . Cada ano, na é poca da colheita , os estabelecimentos comerciais do Es-


tado e as cooperativas - que às vezes sofrem a concorrência de particulares -
compram o trigo do camponês tanto para o consumo interior como para o
exterior , isto é , o que se chama na URSS a campanha da estocagem do trigo .

308
Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

Cada um destes bancos, como os seus nomes indicam ,


tê m uma atividade especial : servem a cada um dos rumos da
economia sovi é tica .
Os bancos da URSS realizam as mesmas opera ções
que os bancos capitalistas.

76. O papel-moeda na URSS


Antes da guerra de 1911 / 18, o sistema monetá rio da
R ú ssia baseava -se no ouro. Os t í tulos emitidos pelo Banco do
Estado eram livremente trocados por ouro. A troca cessou no
princí pio da guerra e os t í tulos serviram desde ent ã o pura co-
brir o d é ficit or çament á rio, sempre crescente , devido á s des-
pesas de guerra . A moeda de crédito transformou -se em pa -
pel - moeda . A guerra esgotava m ês a m ês os recursos do Es-
tado, constrangido em recorrer sem parar à emissã o de t í tu -
los . A capacidade de compra do papel - moeda caia també m
sem parar, exigindo novas emissões. O Estado cada vez rece-
bia menos valores reais em troca de seu papel - moeda .
Na Revolu ção de Fevereiro de 19 1 797, a massa de pa -
pel - moeda em circula çã o era sete vezes maior do que no prin -
c í pio da guerra . A queda da autocracia , ao invés de deter as
emissões, acelerou -as. Em oito meses, o Governo Provisó rio
nascido da Revolu çã o de Fevereiro emitiu mais papel - moeda
do que o governo imperial em dois anos e meio de guerra . O

97. No fim de fevereiro de 1917 ( princí pio de março no novo calend á rio) o le -
vante dos oper á rios e a guarni çã o militar do Petrogrado, impelidos pela ex -
trema misé ria , provocam a queda da aristocracia . Um governo burgu ês apoi -
ado nos Sovietes, no qual os socialistas partid á rios da elabora ção de classes
tinham a maioria , sucedeu a Nicolau II . O Governo Provisó rio durou at é o fim
de outubro ( fins de novembro no novo calend á rio) data em que foi derrubado
pela insurrei çã o prolet á ria dirigida pelo partido bolchevique.

309
Princ í pios de Economia Pol í tica I. Lapidus/K. Ostrovityanov

governo dos Sovietes, que sucedeu ao Governo Provisó rio98,


para fazer frente à s enormes despesas da guerra civil , teve que
continuar a mesma pol í tica financeira . O pa ís foi inundado de
papel - moeda . A capacidade de compra do papel - moeda caia
em proporções catastróficas. Nos princí pios de 1922 , um ru -
blo de antes da guerra valia 288.000 rublos- papel . Todo mun -
do foi " milion á rio" ou " multimilion á rio". Um objeto que antes
da guerra valia alguns rublos, pagava -se agora por milh ões. A
contabilidade de ent ã o enunciava -se em n ú meros que antes
só serviam para medir as dist â ncias interplanet á ria . Tais eram
as dificuldades técnicas, que o governo dos Sovietes teve que
recorrer na desvaloriza çã o do papel - moeda . O rublo das e -
missões de 1923 foi declarado igual a 100 rublos das emissões
anteriores . Esta opera çã o técnica facilitou as contas, mas n ã o
deteve a depreciação do papel - moeda .
Esta deprecia çã o tinha , em todos os dom í nios da vida
econ ó mica , repercussões desastrosas. Tornava extremamen -
te dif ícil o cá lculo do preço de custo das mercadorias, preju -
dicava o desenvolvimento do com é rcio e da ind ú stria , atrapa -
lhava os oper á rios e os camponeses, etc . Era uma espécie de
imposto antecipado pela emissã o . Era preciso tratar-se da re-
forma monet á ria . As primeiras condi ções j á estavam mais ou
menos realizadas. Nos vá rios anos da " Nova Pol í tica Econ ó-
mica " ( NEP) , de 1921 à reforma monetá ria de 1924, a econo-
mia sovi é tica fortalecera -se . A ind ústria e a agricultura levan -
tavam -se rapidamente, o com é rcio se desenvolvia , a rede de
estabelecimentos de crédito ampliava -se e se consolidava , o
d éficit do or çamento, principal causa das emissões exagera -
das, foi reduzido a uma soma muito pouco importante, que

98. A insurrei ção proletá ria de outubro ( 7 de novembro) de 1917, estabeleceu


o regime dos Sovietes.

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Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

n ão ameaçava a estabilidade da nova moeda . Enfim , o ano de


1923/24 foi assinalado, antes da reforma , por um balan ço co-
mercial ativo. Tal circunst â ncia convenceu dirigentes da URSS
de que a nova moeda da Rep ú blica teria curso mais ou menos
est á vel no mercado mundial . As condições preparató rias para
a reforma monet á ria estavam realizadas. Podia -se agir.
Acabou -se a reforma de 1924 , mas o seu in ício pode
ser marcado pela emissã o dos tchervormetz. Na URSS, unica -
mente o Banco do Estado tem o direito de emitir . O tchervo-
netz\ t ue emitiu em 1922 n ã o era mais, na realidade, uma mo-
eda - papel , mas sim uma moeda de cr é dito, um aut êntico t í-
tulo bancá rio. O tchervonetz tinha cobertura composta de
25% de ouro e de moeda das estrangeiras firmes, e de 75% de
t í tulos comerciais e de mercadorias. A emissã o do tchervonetz
n ão podia , por fim , servir para cobrir o d éficit do orçamento.
Este d éficit estava coberto, como antigamente, por emissões
de um papel moeda , cuja deprecia ção foi ainda acelerada por
este fato."
O decreto que regula a emissã o do tchervonetz prome-
teu o pagamento em ouro no momento em que o Estado a -
chasse possível e necessá rio . Sabemos que a troca livre e fá cil
do t í tulo bancá rio pelo ouro institui um tipo de regulaçã o me-
câ nica da circula çã o de t í tulos bancá rios . Desde que a quan -
tidade dos t í tulos bancá rios ultrapasse no mercado as neces-
sidades de circula çã o de mercadorias, o excedente dos t í tulos
volta ao banco para serem trocados pelo ouro. Os t í tulos sã o
depositados nos bancos e o ouro passa para as m ã os dos par -
ticulares. N ã o sendo o tchervonetz trocado por ouro, sua es-

99 . A URSS teve ao mesmo tempo, naquela é poca , uma moeda de crédito es-
tá vel e uma moeda - papel em vias de depreciação .

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Princ í pios de Economia Pol í tica I. Lapidus/K. Ostrovityanov

tabilidade resulta da prud ê ncia com que o governo dos Sovi -


etes procede nas emissões que só se fazem à medida em que
os t í tulos emitidos sã o cobertos, sen ã o pelo ouro, ao menos
pelos valores estrangeiros ou por t í tulos comerciais. A estabi -
lidade do tchervonetz esl à naturalmente assegurada , em larga
medida , pela nossa balan ça comercial ativa . Tendo dado o
tchervonetz resultados, nossa economia em vias de cresci -
mento e fortalecimento ficou provida de uma moeda estável
de que tinha necessidade, tornando poss ível a liquida çã o do
velho papel - moeda sovié tico . O decreto de 5 de Fevereiro de
1924 , prescreveu a emissã o bó nus do Tesouro.100
A diferen ça entre o tchervonetz e os bó nus do tesouro
é a seguinte : 1 ) os tchervonetz n ão sã o emitidos em fra ções
menores de 10 rublos ouro; os bónus do Tesouro sã o emiti -
dos em fra ções de 1 , 3 e 5 rublos; 2 ) os tchervonetz sã o emi -
tidos pelo Banco do Estado; os bónus do Tesouro sã o emiti -
dos, como seu nome o indica , pelo Tesouro; 3) os tchervonetz
sã o garantidos por uma reserva de ouro e valores estrangei -
ros, etc.; os bónus do Tesouro n ã o tê m esta cobertura .
Como se obté m , nestas condi ções, a estabilidade da
circula çã o dos bó nus do Tesouro? O Estado compromete-se
a arrecad á -los à cotação do tchervonetz - valendo um tcher-
vonetz: 10 rublos em bó nus do Tesouro - e a trocar livremente
tchervonetz por bó nus do Tesouro . Aliás, n ã o se emite bó nus
do Tesouro sen ão na quantidade necessá ria para a troca dos
tchervonetz.
Foi promulgado ao mesmo tempo um decreto sobre a
cunhagem e emissã o de moedas division á rias de prata e co-
bre. A moeda de prata é emitida em peças de rublo, 50 co-
pecks, 2o copecks e 10 copecks, e a moeda de cobre em peças

100. Na cota ção atual dos bancos da URSS, o d ólar-ouro vale I rublo e 94 copeks.

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Princí pios de Economia Política I . Lapidus/ K . Ostrovityanov

de 5, 3 e 1 copeks. A moeda de prata é emitida em dois t í tulos


diferentes: moeda de t ítulo elevado, peças de I rublo e de 50
copecks, moeda de t í tulo inferior , peças de 20 , 15 e 10 copeks.
A emissão do papel - moeda , que estava em curso at é este mo-
mento, cessou e foi trocada por bó nus do Tesouro, à razã o de
30 bili ões de rublos papel por um rublo da Tesouraria . Estava
acabada a reforma monet á ria , o antigo papel - moeda dos So-
viete já n ã o existia . A economia sovié tica tinha , da í por diante,
uma moeda firme e está vel .

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