Você está na página 1de 9

APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA

A disciplina Comércio Exterior se propõe a apresentar aos alunos do curso de Administração


de Empresas as principais teorias que analisam as razões para a ocorrência das trocas
internacionais. A partir dessa lógica, procura analisar a eficácia e as limitações das políticas
comerciais e seus impactos sobre o comércio internacional. Se propõe a analisar o papel do
comércio externo no desenvolvimento e crescimento da economia brasileira. Para tanto,
procurará analisar o comportamento das trocas internacionais brasileira.
Na sua proposta de analisar os modelos teóricos das trocas internacionais, será analisado em
primeiro lugar, o modelo de David Ricardo das vantagens comparativas, modelo esse
fundamental para o desenvolvimento teórico posterior, principalmente em relação ao modelo
de Heckscher-Ohlin que procura introduzir a discussão sobre os impactos das trocas
internacionais sobre a distribuição de renda. Em seguida, será analisado o modelo padrão de
comércio, o modelo da economia de escala e concorrência imperfeita e, por fim, a questão do
movimento internacional dos fatores de produção.
Na segunda parte do curso, serão analisadas as políticas comerciais e as práticas desleais de
comércio, infelizmente bastante usuais.
Na terceira parte, serão analisados os processos de integração comercial, especificamente a
formação das zonas de preferências tarifárias, as áreas de livre comércio e as uniões
aduaneiras.
Por fim, a disciplina irá apresentar o organograma do funcionamento do comércio externo
brasileiro, as principais políticas comerciais adotadas no Brasil e o papel do comércio externo
no crescimento e desenvolvimento econômico e sua evolução e suas transformações ao longo
do tempo.

Aula 02:

O modelo ricardiano das vantagens comparativas.

1
Objetivos:

Ao final desta aula você será capaz de identificar as principais hipóteses adotadas no modelo
ricardiano das vantagens comparativas e compreender os resultados decorrentes dessas
hipóteses. Compreender o funcionamento dos mercados internacionais, a determinação dos
preços e das quantidades transacionadas.

Considerações iniciais

Compreender a lógica do comércio internacional implica buscar compreender as razões que


levam os países a comercializarem entre si, a escolha do produto a ser negociado, sua
quantidade e a determinação dos preços.
Em busca dessas respostas a Ciência Econômica se arma de uma série de teorias explicativas
que, analisadas dentro de uma ordem histórica, permite entender tanto a evolução teórica
quando a forma como a prática comercial evolui ao longo do tempo.
Dentre todos os modelos existentes, o chamado Modelo Ricardiano ou o modelo das
vantagens comparativas se caracteriza por influenciar diversos modelos explicativos mais
recentes, justificando assim iniciar o curso a partir desse modelo.
O objetivo dessa aula é apresentar o chamado “modelo clássico” ou “modelo puro” das trocas
internacionais, baseado nas teorias das trocas apresentadas por Adam Smith e David Ricardo.
Portanto, como forma de introduzir a discussão principal dessa aula que é o modelo ricardiano
das vantagens comparativas, será mostrada a lógica do modelo proposto por Adam Smith, que
ficou conhecido como o modelo das vantagens absolutas das trocas internacionais.
O modelo smithiano das vantagens absolutas
Algumas colocações iniciais devem ser feitas. Primeiro, busca-se saber quais mercadorias se
compra e se vende no comércio entre dois países? Segundo, como se determina o preço dessas
mercadorias que são transacionadas pelos países? E, por fim, como poderia ser determinada
uma condição de equilíbrio nas trocas entre países?
Na tentativa de responder a primeira pergunta, quais mercadorias seriam transacionadas entre
dois países, Adam Smith, um dos principais pensadores da chamada teoria clássica do
comércio internacional, desenvolveu, em 1776, em sua principal obra “A riqueza das nações”
a teoria das vantagens absolutas.
Como entender essa teoria das vantagens absolutas? Os economistas da escola clássica tinham
o trabalho como o insumo determinante do valor de um produto. Assim, os produtos teriam
seus preços determinados pela quantidade de trabalho que foi despendida na sua produção e

2
dessa forma, um país teria vantagens absolutas na produção de um produto que utilizasse uma
menor quantidade do insumo trabalho no processo produtivo. Portanto, o produto seria
produzido a um custo de produção menor.
Considerando que cada país conseguiria produzir determinado produto a um custo unitário
menor, a lógica determina que os países procurem se especializar na produção desse produto.
Ao se especializarem, conseguiriam produzir quantidades maiores. Alguns pontos devem ser
colocados aqui para melhor entendimento do funcionamento das trocas internacionais.
Em primeiro lugar, considera-se seria exportado somente o volume de produção que
excedesse a necessidade do mercado interno. Em decorrência da especialização, haveria um
volume produzido acima das necessidades do mercado interno e, portanto, esse excedente
seria destinado à venda externa.
Em segundo lugar, as receitas decorrentes das exportações seriam utilizadas na importação de
produtos produzidos em outros países.
E, por último, em oposição às regras mercantilistas, ainda vigentes em sua época, Smith
afirma não ser necessário que os países acumulem superávits comerciais como forma de
crescimento da riqueza social e que, a partir das ocorrências das trocas voluntárias entre
países, haveria um crescimento mercado interno trazendo, por consequência, crescimento do
nível de bem-estar social. A limitação do mercado se torna o principal entrave para o
crescimento da riqueza de um país e, a partir do momento que as trocas internacionais
ocorrem, haveria um crescimento do tamanho do mercado interno e, assim, um crescimento
das riquezas das nações.
Com algumas limitações, principalmente na determinação do preço dos produtos
comercializados e na suposição de ter, como hipótese, o trabalho como único insumo de
produção, o modelo smithiano abre o caminho para o avanço teórico nesse campo da
economia internacional.

O modelo ricardiano das vantagens comparativas

David Ricardo, na sua obra de 1817, “Princípios de economia política e tributação”,


aprimorou a contribuição de Adam Smith no entendimento das trocas internacionais. A sua
teoria das trocas baseada na existência de vantagens comparativas entre países, é de
fundamental importância até os dias de hoje para a compreensão do funcionamento do
mercado internacional.

3
Para melhor compreensão do modelo ricardiano das vantagens comparativas, se faz
necessário trabalhar inicialmente com alguns conceitos e algumas simplificações teóricas.
A primeira simplificação é decorrente do chamado modelo clássico do qual tanto Smith
quanto Ricardo fazem parte e que tem o insumo trabalho como o principal insumo de
produção e o único fator capaz de gerar valor. Para tanto, o trabalho será considerado o único
fator de produção que será utilizado na produção de todo e qualquer produto.
Assim, a produtividade da indústria será medida pela produtividade do trabalho que se
expressa pela necessidade unitária de trabalho que é o número de horas de trabalho
necessárias para a produção de uma unidade de um produto qualquer.
Como toda economia trabalha com a hipótese de que os recursos são limitados e, portanto,
finitos, tem-se que T é a quantidade total de trabalho disponível nessa economia em um
determinado tempo.
A segunda simplificação que aqui se faz é que essa economia produz somente dois produtos,
A e B, quaisquer e assim, Qta é a quantidade de trabalho que é utilizada na produção do
produto A e Qtb é a quantidade de trabalho utilizada na produção do produto B.
Como a disponibilidade de recursos dessa economia é constante, pode-se afirmar que:
T = Qta + Qtb
ou seja, a disponibilidade total de trabalho da economia é consumida na produção de A e B.
Essa expressão define o que se entende como sendo a fronteira de possibilidade de produção
e, por sua vez, o custo de oportunidade da produção de um produto qualquer.
A fronteira de possibilidade de produção, ou curva de possibilidade de produção é expressa
graficamente:

QA
T
Qta

Qtb
Qta

4
T
QB
Qtb

No eixo y grafa-se toda a quantidade do produto A que seria produzida se toda a


disponibilidade de trabalho fosse utilizada na sua produção da mesma forma que, no eixo x,
grafa-se a quantidade do produto B se toda a disponibilidade de trabalho fosse utilizada em
T
sua produção. Por sua vez, determina a quantidade de trabalho utilizada na produção de
Qta
T
uma quantidade qualquer de A e determina a quantidade de trabalho utilizada na
Qtb
produção de uma quantidade qualquer de B.
Como se considera que toda a disponibilidade de trabalho é utilizada na produção de A e B, é
fácil perceber que qualquer aumento na produção de A, por exemplo, deve ser acompanhado
Qtb
de uma redução da produção de B, sendo que é o custo de oportunidade de A medido em
Qta
termos da quantidade de B que se deve sacrificar para possibilitar o aumento na produção de
A.
Considerando agora o nível de preços dessa economia, P a é o preço do produto A e P b o preço
Pb
do produto B. Dessa forma, os preços relativos serão determinados por . Por sua vez, sabe-
Pa
se que para se produzir A são necessários Q ta e para produzir B são necessários Q tb, o salário-
Pa
hora pago ao trabalhador do produto A será , ou seja, o salário será igual ao que o
Qta
trabalhador conseguir produzir em uma hora de trabalho. Similarmente, o salário-hora pago
Pb
na produção de B será .
Qtb
De acordo com essa lógica e considerando que o fator trabalho possui perfeita mobilidade, o
trabalhador irá procurar se empregar no setor produtivo no qual o salário-hora seja maior e a
economia tenderá a se especializar na produção do produto que tenha o preço relativo maior
Pb
do que o custo de oportunidade para produzi-lo. Assim, será produzido A sempre que >
Pa
Qtb Pb Qtb
. Da mesma forma, sendo < a economia tenderá a se especializar na produção
Qta Pa Qta
de B.

5
Portanto, a perfeita mobilidade do fator trabalho permite que o trabalhador migre de um setor
a outro em função dos níveis salariais. Um salário-hora maior no setor A fará com que o
trabalho se dirija a esse setor. Na medida em que o salário cresça no setor, aumenta o custo de
oportunidade e, pela lógica do livre mercado, o efeito contrário no setor B, ou seja, uma
elevação do preço de B tornará seu custo de oportunidade menor. Como resultado, o salário
pago em A tenderá a cair enquanto tenderá a subir em B, conduzindo a economia a uma
situação de equilíbrio no qual os salários tenderão a se igualar.
Cabe aqui, nesse momento, transportar essa lógica de funcionamento de mercado para uma
situação que envolva o comércio entre dois países.
As hipóteses simplificadoras continuarão a existir, ou seja, serão considerados dois países, X
e Y que possuem somente um insumo de produção, o trabalho, e que toda a disponibilidade
desse insumo será utilizada na produção de dois produtos, A e B. Em cada um dos países,
haverá uma tendência à especialização da produção sempre que os preços relativos forem
superiores ao custo de oportunidade de produzir um produto.
O que levaria um país a se especializar na produção de um produto? O que permitiria que um
país obtivesse vantagens na produção e principalmente na troca de um produto? A resposta
que foi dada por David Ricardo se centra em vantagens decorrentes de questões naturais.
Para melhor entender esse raciocínio, em sua obra, Ricardo procura entender o comércio entre
dois países, Inglaterra, sua terra natal, e Portugal. Os produtos envolvidos na troca são tecidos
e vinhos. Inglaterra negociaria tecido com Portugal que, por sua vez, negociaria vinho com a
Inglaterra. Por quê? Inglaterra, por ter uma indústria mais desenvolvida, teria vantagens na
produção de tecido enquanto Portugal, país ainda agrícola, teria vantagens na produção de
vinho. Em decorrência disso, Portugal apresentaria um custo de oportunidade menor para a
produção de vinho e um custo de oportunidade maior para a produção de tecido. Com relação
à Inglaterra, o custo de oportunidade para produzir tecido seria menor em relação à produção
de vinho.
Portanto, a especialização seria decorrente de fatores naturais que permitiria vantagens em
termos de preços relativos e aos custos de oportunidade para a produção.
Como agora o processo de troca envolve não somente o mercado interno e expande-se para
outro país, deve ser levado em conta tanto as necessidades de trabalho para a produção dos
produtos no mercado interno quanto as necessidades de trabalho na produção dos produtos no
mercado externo.
Considere que o país X seja mais eficiente na produção de A, ou, tomando emprestado o
exemplo de Ricardo, a Inglaterra seja mais eficiente na produção de tecido. Dada sua baixa

6
disponibilidade de terra, o trabalho utilizado na produção de vinho seria menos produtivo e,
portanto, seria menos eficiente na produção de vinho. Assim, a Inglaterra teria um alto custo
de oportunidade para a produção de vinho, dado em função da quantidade de tecido que seria
sacrificada.
O mesmo raciocínio se aplicaria ao país Y, ou Portugal. Ao apresentar um baixo nível de
desenvolvimento industrial, o custo de oportunidade para se produzir tecido seria elevado,
dado a quantidade de vinho que deixaria de ser produzido para permitir a produção de uma
pequena quantidade de vinho.
Havendo, portanto, acesso ao mercado internacional, qual seria a melhor situação tanto para o
país X quanto para o país Y?
Considerando os preços relativos tanto no país X quanto no país Y, se o preço relativo do
produto A for maior no país Y do que no país X, será mais interessante para X levar seu
produto para ser comercializado em Y do que no seu mercado interno. Por sua vez, se o preço
relativo do produto B for menor no país Y, será mais interessante para X buscar produtos em
Y para serem comercializados em seu mercado interno.
Colocando em termos de produtos e ainda utilizando o exemplo que nos foi dado por Ricardo,
para Portugal é mais interessante consumir tecido produzido na Inglaterra e exportar seu
vinho para os ingleses do que dispender trabalho na produção de tecido. O preço relativo do
tecido é menor na Inglaterra do que em Portugal, justificando, portanto, sua importação por
parte dos portugueses. Da mesma forma, o preço relativo do vinho é menor em terras
lusitanas, justificando a importação desse produto por parte dos ingleses.
Assim, Portugal apresentaria uma vantagem comparativa em relação ao vinho enquanto que,
por sua vez, Inglaterra apresentaria uma vantagem comparativa em relação a tecido.
As vantagens decorrentes do comércio entre os dois países, X e Y, podem ser expressas
através da curva de possibilidade de produção. O gráfico abaixo mostra a curva de
possibilidade de produção do país X, considerando os efeitos do comércio externo sobre sua
capacidade produtiva:

B
b’

7
a A

País X
Antes do comércio externo, a capacidade produtiva de X era determinada pela reta ab que
mostra as possibilidades de produção dos produtos A e B, utilizando-se para isso toda a
disponibilidade do insumo trabalho. Considerando agora a introdução do comércio
internacional, a curva de possibilidade de produção de desloca de ab para ab ’. Sendo assim,
com a presença do comércio internacional, a oferta interna de produtos cresce. O país X
continuará produzindo o produto A de uma forma mais eficiente, suprindo seu mercado
interno e exportando o excedente de sua produção, gerando divisas que permitirão as
importações do produto A. O mercado interno de Y tende a crescer com a importação desse
produto do país X.
De forma similar, a curva de possibilidade de produção do país Y será expressa da seguinte
maneira:
B
b

a a’ A
País Y

A curva de possibilidade de produção de B, expressa pela reta ab é expandida para a ’b em


função das importações do produto A. A produção interna de B atende à demanda interna e o
excedente é exportado para o país X. A receita de exportação será utilizada para financiar as
importações de A, permitindo o crescimento do mercado interno do país Y.

Considerações finais

8
Essa primeira aula do curso procurou mostrar, em primeiro lugar, a relação do modelo
smithiano das vantagens absolutas com o modelo ricardiano das vantagens comparativas. Em
seguida, foram apresentadas as hipóteses principais do modelo de comércio exterior de David
Ricardo e seus principais resultados.
Como foi visto, considerando a especialização decorrente de fatores naturais, pode ser visto
que um país tenderia a se especializar na produção de um produto cuja produtividade do
trabalho seja superior ao custo de oportunidade ao produzi-lo. Portanto, ao se especializar,
seria possível produzir além da necessidade interna, gerando um excedente exportável que
geraria recursos para financiar as importações de produtos com menor produtividade do
trabalho, provocando um crescimento do mercado interno e, portanto, um crescimento do
nível de bem-estar social.

Referências bibliográficas

DIAS, Reinaldo e RODRIGUES, Waldemar (org.) Comércio exterior: teoria e gestão.3ª


Edição. São Paulo: Editora Atlas, 2012

GONÇALVES, Reinaldo. A nova economia internacional: uma perspectiva brasileira. Rio de


Janeiro. Editora Campus, 1998.

KRUGMAN, Paul, OBSTFELD, Maurice. Economia Internacional: teoria e política. São


Paulo: Editora Makron Books, 2001.

RICARDO, David. Princípios de economia política e tributação. São Paulo. Abril Cultural.
1982. Cap. 7.

SMITH, Adam. A riqueza das nações. Investigação sobre sua natureza e suas causas. Vols. I e
II. São Paulo: Editora Nova Cultural. 1996.

SOUZA, José Manuel Meireles de. Fundamentos de comércio internacional – V. 2. São


Paulo: Editora Saraiva, 2009

Você também pode gostar