Você está na página 1de 4

Exame de Economia Política II

1.ª e 2.ª Turmas - 23 de Junho de 2022


(cada grupo vale 4 valores)

I
Diga o que entende por:
a) “consumer welfare prescription”;
Fórmula usada pelo Supreme Court norte-americano, a partir de finais da década de 1970, citando
a obra de Robert Bork (The Antitrust Paradox), para descrever a teleologia do Sherman Act, a lei
antitrust americana de 1890. Essa putativa intenção dos legisladores da época, criativamente
inventada por Bork, era económica e historicamente impossível, mas permitiu fundamentar a
viragem de paradigma que os tempos requeriam da intervenção do Estado na economia da época:
do big is bad para o big is good.

b) Coeficiente de Gini;
É um dos mais usados indicadores dos níveis de desigualdade (na distribuição do rendimento ou
da riqueza), e é calculado a partir da curva de Lorenz, que, numa caixa graduada de 0 a 100
relaciona percentagens sucessivas de população (decis, quintis) com a percentagem dos
rendimentos (ou da riqueza) que vão acumulando. Varia entre 0 (se a curva de Lorenz coincidisse
com a linha de igualdade na distribuição – a diagonal do diagrama) e 1 (se a curva de Lorenz
coincidisse com o eixo horizontal até à última posição, passando depois a coincidir com o eixo
vertical direito), e determina-se pela divisão entre a área que vai da curva de Lorenz à diagonal e
a área do triângulo em que se inscreve – na actual representação, delimitado pela diagonal, o eixo
horizontal (onde se representa a população) e o eixo vertical direito.

c) Moeda;
É possível definir a moeda – o intermediário geral das trocas – a partir das suas funções de meio
geral e definitivo de pagamentos (permite comprar qualquer produto ou serviço e saldar qualquer
divida), unidade de conta (permite reconduzir todos os bens e serviços, presentes ou futuros, a
um padrão comum) e reserva de valor (permite conservar o aforro em valores líquidos).

d) Teoria da vantagem relativa.


Foi a teoria proposta por David Ricardo como um aperfeiçoamento da teoria da vantagem absoluta
de Adam Smith, que defendia que nenhum país devia produzir o que consegue comprar em
melhores condições ao exterior. Ricardo notou que isso excluiria o comércio entre dois países em
que um tivesse vantagem absoluta nos dois bens (no modelo simplificado do comércio
internacional usam-se dois países, dois bens e dois factores de produção) e concluiu que, mesmo
nessas condições, ainda haveria ganhos para os dois países no comércio internacional. Um país
tem vantagem comparativa (ou relativa) no bem em cuja produção é mais mais eficiente (no caso
do país com vantagem absoluta nos dois bens) ou no bem em que é menos menos eficiente (no
caso do país com desvantagem absoluta nos dois bens). Um exemplo com as horas de trabalho (a
única fonte de valor para os economistas Clássicos) na produção dos bens A e B em cada país
demonstra-o:
Bem A Bem B
País I 20 50
País II 80 60

O país I tem vantagem absoluta na produção dos dois bens e, consequentemente, o país II
desvantagem absoluta em ambos. Ainda assim, o país I tem vantagem relativa na produção do
bem A (produ-lo em 20 horas, ¼ do tempo requerido no país II – ou seja, é muito mais eficiente
do que o país II), e o país II tem vantagem relativa na produção do bem B (que produz em 60
horas, 1/6 mais do que o necessário no país I – ou seja, é pouco menos eficiente do que o país II).
Assim, com especialização e subsequente troca, em vez de cada um produzir 1A + 1B (com 70
horas no caso do país I e o dobro no caso do país II), num total de 4 unidades, com as mesmas
horas, o país I poderia produzir 3,5 unidades de A e o país II 2,3 unidades de B, num total de 5,8
unidades – um significativo aumento do total.

II
1. Explique como se passa de um valor de Produto Interno Bruto para um valor
de Produto Nacional Líquido.
Ambos (PIB e PNL) são conceitos usados na Contabilidade Nacional.
Para se passar de um valor interno para um valor nacional tem de se subtrair ao valor da produção
interna o saldo dos rendimentos primários com o exterior – ou seja, o valor dos rendimentos que,
tendo sido gerados na produção interna, são devidos a residentes no exterior (valores que se
deduzem), e o valor dos rendimentos que, correspondendo a produção externa, são devidos a
residentes no país de referência (valores que se somam). Se os dois valores coincidirem, o PIB é
igual ao PNB. Se o valor dos rendimentos primários que são devidos ao exterior for maior do que
o que é devido aos residentes, o PIB é maior do que o PNB. Se for menor, o PNB é maior do que
o PIB.
Para passar de um valor Bruto para um valor Líquido – e com isso evitar duplas contagens dos
bens de produção duradouros – deduz-se ao valor de referência (PIB ou PNB) o valor das quotas
de amortização, ie, o valor dos bens de produção que se convenciona que, em cada ano, é
incorporado nos bens produzidos (do mesmo modo que o são as matérias-primas e os produtos
intermediários), de modo a recuperar, ao longo da vida útil desses bens de produção, o seu custo.

2. Explique como se fazem as comparações internacionais de bem-estar


económico.
Para se fazerem comparações internacionais de bem-estar económico tem de haver um padrão
comum. Para evitar distorções pela utilização da moeda de um país (dólar) ou de uma zona
monetária (euro) – cujos valores, aliás, flutuam ao longo do tempo – e porque o poder de compra
de uma moeda depende do nível de preços de cada economia, a tendência é para fazer
comparações em Paridades de Poderes de Compra (PPC, ie, o custo de um certo cabaz de bens
básicos em cada economia).
Isso permite uma melhor ideia da dimensão das economias (vg: embora os EUA tenham um maior
valor de produção do que a China, convertendo as respectivas produções numa qualquer moeda
à taxa de câmbio média, em PPC a China é a maior economia do mundo) e, de algum modo,
também do seu nível de vida.
Por outro lado, a dimensão das economias não é uma boa medida do nível de vida das populações,
mesmo que aquelas em que os cabazes de bens são mais baratos permitam mais acesso aos que
têm menos. Um melhor indicador é a divisão dos valores de Rendimento em PPC pelo número
de habitantes de cada economia – o rendimento per capita (em PPC). Nessa perspectiva a
economia americana apresenta um nível muito superior à chinesa.
Há muitos factores que influenciam o nível de vida que tal indicador não revela (esperança de
vida; desigualdade na repartição do rendimento; estrutura da produção – ie: rendimentos gerados
na produção de bens civis ou militares, ou de bens de consumo ou de investimento; horas de
trabalho e número de dias de descanso; qualidade ambiental; etc), mas ainda assim é o mais usado.

III
1. Supondo que a Propensão Média ao Consumo da economia X é de 5/6, e que no
período 1 houve um aumento de procura líquida de 10.000, indique:
i. O valor presumido do multiplicador e os requisitos para o seu pleno
funcionamento;
O valor do multiplicador é o inverso da propensão marginal ao aforro (pma) – uma vez que o
aforro é a parcela do Rendimento que sai do circuito económico. Supondo que a pma é igual à
Propensão Média ao Aforro (PMA), temos que ela é de 1/6 (a diferença para a unidade da
Propensão Média ao Consumo). Assim, o módulo do multiplicador (k) será dado por 1 / 1/6 (um
sobre um sexto), que pode ser representado por 6/6 / 1/6 (seis sextos – a unidade – sobre 1/6). Ou
seja, cortando os denominadores, 6/1, ou seja, 6.
A mais de a pma ser igual à PMA, e se manter estável durante os períodos de actuação do
multiplicador, e de considerarmos uma economia fechada (ou em equilíbrio com o exterior), para
que não haja importação ou exportação dos efeitos do multiplicador, para a plenitude desses
efeitos é necessário que não haja pleno emprego (se houver, a produção não poderá responder ao
aumento de procura induzido pelo aumento de Rendimento no período anterior), e é necessário
que não haja “engarrafamentos” (ie: que não haja incapacidades de produção nalgum dos sectores
para os quais o aumento de procura vai ser dirigida): se houver, também não será possível
aumentar a produção – vai haver apenas aumento de preços –, e, portanto, o Rendimento, parando
aí o efeito multiplicador.

ii. O valor de consumo induzido gerado, nesse caso, no termo dos períodos
do seu funcionamento.
Como o aumento de Rendimento no termo de actuação dos períodos do multiplicador é o seu
módulo multiplicado pela variação inicial de procura líquida, teríamos k vezes 10.000, ou seja,
como já apurámos que k é 6, 6 x 10.000, ou seja, uma variação de Rendimento de 60.000.
Como o que se pergunta não é o valor do Rendimento gerado, mas o do consumo, teríamos de
aplicar a propensão marginal ao consumo (pmc) a essa variação de rendimento. Como sabemos a
PMC (5/6) e já assumimos que PMS=pms, então também PMC=pmc. Logo, o aumento induzido
de consumo seria de 5/6 de 60.000, ou seja, 50.000.

2. Explique o Paradoxo da Poupança.


O Paradoxo da Poupança foi formulado por J. M. Keynes e pode ser assim formulado: quanto
mais se poupa, menos se poupa. Numa fórmula simplificada, o Rendimento (R) só pode ter dois
destinos: consumo (C) e aforro (S) – R=C+S. Quer dizer que aumentando o aforro se diminui o
consumo (e vice-versa). Como a Despesa (D) é formada por consumo (C) e investimento (I) –
D=C+I –, se o consumo diminuir e o investimento não aumentar (e o investimento tende a
diminuir quando o consumo diminui, não tende a aumentar) diminui o Rendimento. (Em
equilíbrio, o valor do Rendimento é o valor da Produção, e o valor da Produção é o valor realizado
da Despesa: P=R=D).
Se o Rendimento diminuir, não é possível manter a mesma quantidade de consumo e aforro, de
modo que, para não sacrificar o consumo, o aforro tenderá a diminuir. Ou seja: aumentando o
aforro, diminui o consumo, diminuindo o consumo diminui o Rendimento, logo, diminui o aforro.
QED.

IV
Explique quais os efeitos do processo inflacionista em curso.
Um processo inflacionista é uma subida generalizada dos preços – como o que, depois de muitos
anos de ausência de inflação, estamos a viver em Portugal.
Por conveniência, distinguem-se efeitos sobre: i) a distribuição do rendimento e da riqueza; ii) a
produção e o emprego; e iii) o comércio internacional.
O primeiro efeito de uma subida generalizada de preços é sentido pelos consumidores: há uma
perda de rendimento porque o poder de compra da moeda diminui. A subida de preços, tal como
a diminuição de rendimentos, desloca a restrição orçamental para a esquerda.
Nesse processo, há uma redistribuição do rendimento dos que são credores de quantias fixas para
os que são devedores dessas quantias (rendas, pensões, prestações, salários…): quem recebe,
recebe cada vez menos poder aquisitivo; quem paga, paga cada vez menos poder aquisitivo. Entre
esses credores de quantias fixas, há os que têm maior poder reivindicativo e que perdem menos:
trabalhadores de sectores vitais (portos, aeroportos, transportes…) que, através de negociações
com as entidades patronais, ou do exercício do direito à greve, conseguem actualizações salariais.
E há os que perdem mais: sobretudo os pensionistas, na medida em que o Estado não decida
actualizar as suas pensões – o que, em contexto inflacionista, não acontece voluntariamente. Diz-
se, por isso, que a inflação também redistribui dos mal organizados para os bem organizados.
Em contrapartida, há ganhos para os devedores de quantias fixas (sobretudo de empréstimos com
taxa fixa), que pagam um valor real cada vez menor pelo que obtiveram; e há também ganhos
para os empresários ou trabalhadores por conta própria, que podem actualizar os preços dos
serviços que prestam ou dos bens que vendem acima dos valores de inflação.
Até certos valores de inflação (convencionalmente correspondentes aos valores que os bancos
centrais devem evitar que sejam ultrapassados: cerca de 2%), a redistribuição operada dos
trabalhadores e dos credores de quantias fixas para os empresários (simultaneamente pagadores
de salários, rendas e juros em perda de valor), estimula o aumento da produção e do investimento.
Acima desses valores deixa de ser assim: a inflação deixa de ser criadora e passa a ser estéril, quer
porque há atracção por investimentos especulativos (que propiciam maiores ganhos do que o
investimento em criação de maior produção), quer porque se atingem níveis próximos da plena
afectação de recursos.
Finalmente, diferenciais positivos de inflação em relação aos principais parceiros comerciais (que
não sejam compensados com variações em baixa na taxa de câmbio da moeda desse país)
encarecem as exportações (porque os custos de produção internos sobem mais do que os custos
de produção externos) e embaratecem as importações (mais uma vez, porque os custos de
produção internos sobem mais do que os custos de produção externos), provocando – ou
agravando – um défice na balança de pagamentos. No caso português, uma vez que a nossa moeda
é a mesma dos nossos principais parceiros comerciais, ter menos subida de custos de produção
do que eles (nos salários, nas rendas, nos juros, nos custos de energia, …), significa melhorar a
nossa capacidade competitiva, tal como maior subida da inflação implica prejudicá-la.

V
Com recurso a um ou mais diagrama(s), explique os efeitos decorrentes da introdução de
um direito aduaneiro.
Os efeitos da introdução de um direito aduaneiro podem ser identificados num diagrama em que
a curva positivamente inclinada é a Oferta Nacional e a curva negativamente inclinada é a Procura.
Na situação inicial o preço é (no diagrama abaixo) p2.
A introdução do direito aduaneiro eleva-o para p1 (efeito de subida de preço interno). Em
consequência, a procura diminui (de Q4 para Q3) e a oferta interna aumenta (de Q1 para Q2). A
soma dos efeitos de diminuição da procura e de aumento da oferta (Q4Q3 + Q1Q2) traduz-se na
diminuição das importações de Q1Q4 para Q2Q3, com benefício para a balança de pagamentos
(importando-se menos ficam mais recursos para uso interno).
Além disso, a área D representa o valor das receitas aduaneiras arrecadadas.
As áreas A e B representam os ganhos no excedente do produtor.
A soma das áreas A+B+C+D+E representam a perda do excedente do consumidor.
Como as áreas A+B coincidem para produtores (que ganham) e para consumidores (que perdem),
há apenas transferência de rendimentos internos dos consumidores para os produtores.
Como a área D coincide para o Estado (que ganha receitas aduaneiras) e para os consumidores
(que perdem excedente) também há uma transferência. Se se admitir que o Estado transfere as
receitas aduaneiras para os consumidores, gastando-as em bens e serviços públicos, ou não
arrecadando outros impostos sobre os consumidores na mesma medida, a transferência é anulada.
Sobram dois triângulos que constituem as perdas líquidas da protecção aduaneira: o representado
por C é o do custo de distorção na produção: vai produzir-se a custos mais altos do que os que
seriam incorridos com a importação; o representado por E é o do custo de distorção no consumo:
vai haver consumidores que estariam dispostos a custear a produção do bem ao preço p2 (que era
o suficiente para o produzir externamente) que vão ser impedidos de aceder a ele.

Você também pode gostar