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O problema da firma e a curva de oferta

Texto escrito por Gabriel Ferraz e Rodrigo Plácido.


Como já dito previamente em outro artigo, é essencial aos economistas um
modelo de como os agentes tomam decisões. No texto anterior, vimos como os
consumidores se comportam frente às suas preferências entre diversos bens, e
assim derivamos de suas preferências subjetivas a curva de demanda, que nada
mais é do que a disposição a pagar dos indivíduos por um determinado bem.
Todavia, para uma análise completa do comportamento dos agentes no mercado
se faz necessário estudar o comportamento das firmas e destas derivar a curva
de oferta, para assim completarmos o modelo mais simples de economia, que é
o da oferta e demanda.
Sumário
• Função de produção
• Função custo
• Maximização de lucros
• Apêndice
o Relembrando o conceito de derivada
o Minimização de custo
o Maximização de lucros
• Referências
Função de produção
Segundo Osborne e Rubinstein (2020): “Os produtores, assim como os
consumidores, desempenham um papel central nos modelos econômicos. Um
consumidor pode comercializar bens, mudando a distribuição de bens entre os
agentes da economia. Um produtor pode mudar a disponibilidade de bens,
transformando insumos, que podem ser bens físicos, como matérias-primas, ou
recursos mentais, como informação e atenção, em produtos.”
Em nosso modelo a ser elaborado existem dois fatores que especificam o
produtor:
(i) Uma tecnologia, que descreve sua capacidade de transformar insumos em
produtos;
(ii) Os motivos que orientam sua decisão quanto às quantidades de insumos e
produtos.
Como bem dizem Osborne e Rubinstein (2020): “Muitos produtores não são
indivíduos, mas organizações, como coletivos, famílias ou empresas. Essas
organizações geralmente possuem estruturas hierárquicas e mecanismos para
tomar decisões coletivas. O modelo que estudamos não considera como esses
mecanismos afetam a decisão de produção.”
Para facilitar as coisas, vamos supor que no mundo só existem dois fatores de
produção (capital e trabalho). X é o espaço que contém todas as combinações
entre esses dois fatores. A esse espaço damos o nome de “conjunto de
produção”. O produtor transforma esses fatores de produção, ou seja,
transforma os insumos em produtos, porém é restringido pela capacidade
produtiva da firma. Como diz Varian (2006): “A natureza impõe restrições
tecnológicas às empresas: somente algumas combinações de insumos
constituem formas viáveis de produzir certa quantidade de produto e a empresa
tem de limitar-se a planos de produção factíveis.”
Em relação à tecnologia disponível para a firma, podemos modelar a partir da
seguinte função:
f(k, l) = qf(k,l)=q
Isto é, a quantidade de insumos k e l produzem q produtos.
(Para entender melhor o que é uma função, vale a pena dar uma olhada nessa
aula do Projeto Matemática).
Tendo uma noção de funções, precisamos estar atentos às propriedades que
queremos dessa função. Nós queremos que quando haja zero insumos, a firma
produza zero de produto e que um aumento dos insumos corresponda a um
aumento do produto, ou seja, a função é não decrescente. Queremos também
que a cada unidade a mais de insumo a firma produza em quantidades marginais
menores, e que no limite vá para zero, ou seja, nossa função tem de ser côncava.
Definição 1: Função de produção
Uma função de produção é uma função f: R²+ → R+, que relaciona a quantidade
de produto para qualquer quantidade de insumo. f é contínua, não decrescente
e côncava, satisfaz f(0, 0) = 0, e tem a propriedade de que para qualquer ε > 0
existe uma quantidade y tal que f(y + 1) – f(y) < ε

Representamos pelo mapa de isoquantas o quanto um insumo substitui outro.


Definição 2: Isoquanta
Uma isoquanta mostra as combinações de k e l que podem produzir um
determinado nível de output (digamos, q0). Matematicamente, uma isoquanta
registra o conjunto de k e l que satisfaz f(k, l) = q0. O mapa de isoquantas pode
ser representado pela seguinte figura:
A inclinação dessas curvas mostra a taxa na qual l pode ser substituído por k,
mantendo o output constante. O negativo dessa inclinação é chamado de taxa
(marginal) de substituição técnica (TMST). Na figura, a TMST é positiva e
decrescente para insumos crescentes de mão de obra.
Definição 3: Taxa marginal de substituição técnica (TMST)
A taxa marginal de substituição técnica (TMST) mostra a taxa na qual o trabalho
pode substituir o capital enquanto mantém a produção constante ao longo de
uma isoquanta. Em termos matemáticos,
TMST = \dfrac{\partial k}{\partial l} |_{q = q_0}TMST=∂l∂k∣q=q0
A TMST tem a propriedade de ser decrescente. Segundo Nicholson & Snyder
(2012), “ao longo de qualquer uma das curvas, a TMST está diminuindo. Para
razões altas de k para l, a TMST é um grande número positivo, indicando que
uma grande parte do capital pode ser abandonada se mais uma unidade de
trabalho estiver disponível. Por outro lado, quando muito trabalho já está sendo
usado, a TMST é baixa, significando que apenas uma pequena quantidade de
capital pode ser trocada por uma unidade adicional de trabalho se a produção
for mantida constante”.
Outro fator relevante para caracterização da função de produção é a escala da
produção. Como dizem Nicholson e Snyder (2012): “suponha que todos os
insumos foram duplicados: o produto dobraria ou a relação não seria tão
simples? Trata-se dos retornos de escala exibidos pela função de produção, que
interessam aos economistas desde que Adam Smith estudou intensamente a
produção de alfinetes. Smith identificou duas forças que entraram em operação
quando o experimento conceitual de dobrar todas as entradas foi realizado.
Primeiro, a duplicação da escala permite uma maior divisão do trabalho e
especialização da função. Consequentemente, há alguma presunção de que a
eficiência pode aumentar – a produção pode mais do que dobrar. Em segundo
lugar, dobrar os insumos também acarreta alguma perda de eficiência porque a
supervisão gerencial pode se tornar mais difícil devido à escala maior da
empresa. Qual dessas duas tendências terá um efeito maior é uma questão
empírica importante”.
Definição 4: Retorno de escala
Se a função de produção é dada por f(k, l) = q e se todos os insumos são
multiplicados pela mesma constante positiva t (onde t > 1), então classificamos
os retornos de escala da função de produção por:

A intuição é simples: se eu coloco insumos numa dada quantidade e eu produzo


nessa mesma quantidade, então os retornos de escala da minha firma são
constantes; se eu produzo com uma dada quantidade de insumos, porém a
produção aumenta menos que proporcionalmente, então temos retornos
decrescentes; e, finalmente, se eu produzo com uma dada quantidade de
insumos e a produção cresce mais que proporcionalmente, então temos retornos
crescentes.
Função custo
Para dar continuidade à nossa exposição, é preciso diferenciar o custo no
sentido contábil e o custo no sentido econômico. Segundo Nicholson e Snyder
(2012): “a visão de custo do contador estressa as despesas do bolso, custos
históricos, depreciação e outros lançamentos contábeis. A definição de custo do
economista (que de forma óbvia se baseia na noção fundamental de custo de
oportunidade) é que o custo de qualquer insumo é dado pelo tamanho do
pagamento necessário para manter o recurso em seu emprego atual.
Alternativamente, o custo econômico de usar um insumo é o que esse insumo
seria pago em seu próximo melhor uso. Uma maneira de distinguir entre essas
duas visões é considerar como os custos de vários insumos (trabalho, capital e
serviços empresariais) são definidos em cada sistema”.
O custo do trabalho é pensado de maneira semelhante entre economistas e
contadores. O custo é o salário (w) empregado na produção, isto é, constitui um
custo explícito. Enquanto o custo do capital, por exemplo de uma máquina, é
geralmente um custo implícito, que é “o que outra pessoa estaria disposta a
pagar por seu uso. Assim, o custo de uma máquina é a taxa de aluguel dessa
máquina em seu melhor uso alternativo. Ao continuar a usar a própria máquina,
a empresa está implicitamente renunciando a que outra pessoa estaria disposta
a pagar para usá-la. Esta taxa de aluguel para uma máquina-hora será denotada
por v” (Nicholson e Snyder, 2012).
Definição 5: Custo econômico
O custo econômico de qualquer insumo é o pagamento necessário para mantê-
lo em seu emprego atual. Da mesma forma, o custo econômico de um insumo é
a remuneração que o insumo receberia em seu melhor emprego alternativo.
Dessas definições derivamos o custo total como:
C = wl + vkC=wl+vk
Onde l e k representam os insumos usados em um dado período e C é o custo
econômico.
Definição 6: Lucro econômico
É a diferença entre a receita total da firma e o seu custo total. Assumindo que a
firma produz apenas um produto de preço p, temos:
\pi = pq - wl - vkπ=pq−wl−vk
\pi = pf(k,l) - wl - vkπ=pf(k,l)−wl−vk
Dadas as definições, podemos construir as curvas de isocustos. Baseados na
fórmula de custo total, podemos construir tais curvas de isocustos para cada
combinação dos insumos de k e l.
Considerando as curvas de isoquanta e isocusto da firma, no longo prazo,
quando a firma tem plena mobilidade de insumos, a firma se depara com o
problema de minimizar o custo dada uma certa quantidade de produto. A intuição
do problema é razoavelmente simples: queremos achar a isocusto que é
minimizada para um dado nível de produto, e esta será a isocusto em que a
inclinação da isoquanta, ou seja, a TMST, se iguala à inclinação da isocusto
(w/v). Como dizem Nicholson e Snyder (2012): “deve-se igualar a taxa pela qual
k pode ser negociado por l na produção à taxa pela qual eles podem ser
negociados no mercado”.
Representando o problema graficamente:
Definição 7: Minimização de custo
Para um conjunto de insumos positivos em R²+ e números positivos w e v, o
problema da minimização de custo é o problema de encontrar a menor isocusto
dada produção f(k,l) = q0. Ou seja:
\underset{k,l}{min} \: wl + vk \; s.t. f(k,l) = q_0k,lminwl+vks.t.f(k,l)=q0
O problema vai ser matematicamente resolvido no apêndice.
Definição 8: Função custo total
A função de custo total mostra que, para qualquer conjunto de custos de entrada
e para qualquer nível de produção, o custo total mínimo incorrido pela empresa
é:
C = C(v,w,q)C=C(v,w,q)
Dessa função podemos derivar mais duas definições são importantes.
Definição 9: Custo médio
A função de custo médio (CM) é encontrada ao computar o custo total por
unidade de produto:
CM(v,w,q) = \dfrac{C(v,w,q)}{q}CM(v,w,q)= qC(v,w,q)
Definição 10: Custo marginal
A função de custo marginal (CMg) é encontrada ao computar a mudança no
custo total por unidade de mudança do produto produzido:
CMg(v,w,q) = \dfrac{\partial C(v,w,q)}{\partial q}CMg(v,w,q)= ∂q∂C(v,w,q)
Representando os custos graficamente:
Maximização de lucros
A firma é tipicamente modelada como um único agente, cujo objetivo é a
maximização de lucros. Segundo Kreps (1990): “as empresas também podem
ser pensadas como instituições nas quais o comportamento de vários tipos de
consumidores constituintes (trabalhadores, gerentes, fornecedores, clientes) são
agregados. A partir dessa perspectiva alternativa, o que uma empresa faz resulta
dos desejos e comportamentos variados de seus consumidores constituintes, da
estrutura institucional que a empresa fornece e do equilíbrio que é alcançado
entre os consumidores constituintes dentro dessa estrutura institucional”.
A firma tem contratos explícitos onde cada fornecedor concorda em dedicar sua
contribuição às atividades de produção sob um conjunto de entendimentos sobre
como deve ser usado e quais benefícios podem ser esperados desse uso. Mas,
como diz Nicholson e Snyder (2012): “apesar desses arranjos formais, é claro
que muitos dos entendimentos entre os fornecedores de insumos para uma
empresa estão implícitos; relacionamentos entre gerentes e trabalhadores
seguem certos procedimentos sobre quem tem autoridade para fazer o quê na
tomada de decisões de produção […] Todas essas relações implícitas e
explícitas mudam em resposta a experiência e eventos externos a firma”.
Firmas alteram sua natureza interna de organização para alcançar melhores
resultados no longo prazo. Tendo em vista essa perspectiva, o primeiro a
desenvolver esse framework contratual das firmas foi Ronald Coase no seu
seminal artigo “The nature of the firm” de 1937.
Todavia, apesar dessa nova perspectiva alternativa, focaremos na visão da firma
como um único agente maximizador de lucro, por uma questão de praticidade.
Sabemos que a receita total da firma pode ser descrita pela seguinte equação:
R(q) = pq R(q)=pq
O custo total foi derivado anteriormente e é dado por:
C = C(v,w,q) C=C(v,w,q)
Disso derivamos a próxima definição.
Definição 11: Maximização de lucros
Uma empresa que maximiza o lucro escolhe seus insumos e seus produtos com
o único objetivo de obter o máximo de lucros econômicos. Ou seja, a empresa
busca tornar a diferença entre suas receitas totais e seus custos econômicos
totais o maior possível. Portanto o problema da firma pode ser representado
matematicamente por:
\underset{q}{max} \: \pi (q) = R(q) - C(q)qmaxπ(q)=R(q)−C(q)
Como resultado temos que a receita marginal deve se igualar ao custo marginal
e que os lucros marginais são decrescentes ao nível ótimo q. A derivação gráfica
desse problema pode ser vista na seguinte imagem.

Definição 12: Receita Marginal


RMg(q) = \dfrac{\partial R(q)}{\partial q} = \dfrac{\partial [p(q)*q]}{\partial q} = p +
q\dfrac{\partial p}{\partial q}RMg(q)= ∂q∂R(q)= ∂q∂[p(q)∗q]=p+q∂q∂p
(Chegamos ao último termo aplicando a Regra do Produto no penúltimo).
Note que a receita marginal é função do produto. A equação na definição 12 nos
mostra que se o preço não muda enquanto a quantidade aumenta, a receita
marginal vai ser somente igual ao preço. Neste cenário a firma será tomadora de
preços, que é o caso de uma firma num mercado competitivo, algo que
exploraremos em um outro artigo.
Tendo visto isso, podemos construir a curva de oferta de curto prazo, que nada
mais é que o nível de produção no qual o custo marginal de curto prazo se iguala
ao preço. Graficamente:

Sendo CMg o custo marginal, CM o custo médio e CVM o custo variável médio,
todos indexados por cp, que significa curto prazo. O preço de mercado, ou seja,
aquele que é igual a receita marginal, é P*. Para entender o comportamento da
curva temos que entender que entre o CM e o CVM, ou seja, no preço P***, a
firma consegue ainda operar mesmo que abaixo do custo médio, pois recupera
o custo variável e parte do fixo. Mas em P1, como o preço é menor que o custo
variável médio mínimo, a firma não consegue cobrir nem o custo variável,
portanto não consegue cobrir nenhum dos custos, sendo melhor então não
produzir nada.
Definição 13: Curva de oferta de curto prazo
P = CMg, \; se \: P ≥ CVM_{min}P=CMg,seP≥CVMmin
P = 0, \; se \: P < CVM_{min}P=0,seP<CVMmin
Definição 14: Curva de oferta no longo prazo
P = CMg, \; se \: P ≥ CM_{min}P=CMg,seP≥CMmin
P = 0, \; se \: P < CM_{min}P=0,seP<CMmin
Ou seja, no longo prazo a firma entra no mercado quando preço estiver maior
que o custo médio, e entra no curto prazo se o preço estiver maior que o custo
variável mínimo. Isso significa que no longo prazo nenhuma firma opera se tiver
dando prejuízo logo sua curva de oferta será.

Assim acabamos nossa exposição da curva de oferta, basta agora completarmos


nosso modelo a partir da união entre as curvas de oferta e demanda. Faremos
isso em um novo post. Até em breve!
Apêndice

Relembrando o conceito de derivada


A diferenciação é a ação de calcular uma derivada. A derivada de uma função y
= f(x) de uma variável x é uma medida da taxa na qual o valor y da função muda
em relação à mudança da variável x. É chamada de derivada de f em relação a
x. Se x e y forem números reais, e se o gráfico de f for traçado em relação a x, a
derivada é a inclinação deste gráfico em cada ponto.
Para uma função linear temos:
y = f(x) = m*x + b
M = Δy/Δx
Δy = f(x + Δx) – f(x)
Logo:
y + Δy = f(x + Δx) = m(x + Δx) + b = mx + mΔx + b = y + mΔx
Portanto:
Δy = mΔx
ou: m = Δy/Δx
Agora para mudanças infinitesimais precisaremos usar de limites para mudança
nas funções. Ou seja:
m = Δf(x)/Δx = [f(x+h)-f(x)]/[(x+h)-x] = [f(x+h)-f(x)]/h
Fazendo h se aproximar de 0, temos o conceito de derivada:
∂f(x)/∂x = lim h->0 [f(x+h)-f(x)]/h
Minimização de custo
O problema da minimização de custo pode ser expresso como na definição 7.
Aplicando o lagrangeano temos:
L = w*l + v*k + λ[q0 – f(k,l)]
∂L/∂l = 0
w – λ*∂f/∂l = 0
w = λ*∂f/∂l (i)
∂L/∂k = 0
v – λ*∂f/∂k = 0
v = λ*∂f/∂k (ii)
∂L/∂λ = 0
q0 – f(k,l) = 0
q0 = f(k,l) (iii)
Divindo (i) por (ii), temos:
w/v = (∂f/∂l)/(∂f/∂k) = TMST
Maximização de lucros
maxq π(q) = R(q) – C(q)
Condição de primeira ordem:
∂π(q)/∂q = 0
∂R(q)/∂q – ∂C(q)/∂q = 0
∂R(q)/∂q = ∂C(q)/∂q
Condição de segunda ordem:
∂2π(q)/∂q2|q = qo < 0
Referências
Osborne, Martin J., and Ariel Rubinstein. Models in Microeconomic Theory (‘He’
Edition). Open Book Publishers, 2020.
Varian, Hal R. Microeconomia: Princípios básicos. Elsevier Brasil, 2006.
Nicholson, Walter, and Christopher M. Snyder. Microeconomic theory: Basic
principles and extensions. Cengage Learning, 2012.
Kreps, David M. A course in microeconomic theory. Princeton university press,
1990.
Coase, Ronald Harry. “The nature of the firm”. Economica (Novembro, 1937);
386-495.

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