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2011–2020: o retrato de mais uma década perdida

O Brasil começa essa nova década sob a promessa de que tudo dará certo e o
abismo da conta que não fecha. Em 2010, o Cristo Redentor tinha acabado de
sair na capa da revista inglesa The Economist com seus braços esvoaçantes e
rumo à decolagem. A princípio tinha chegado a vez do Brasil. Ocorre que
passados 10 anos, o Brasil deixa essa década mais pobre do que quando
chegou. Despedimo-nos da última década com o mal aproveitamento do bônus
demográfico e, portanto, como dizem alguns, ‘mais velhos’ e sem o
desenvolvimento almejado. O ano de 2021, diferente do de 2011, começa em
pandemia, com as contas públicas desequilibradas, com baixo crescimento
econômico, taxa de desemprego em dois dígitos e diversas outras heranças que
abordaremos ainda neste texto.
Este trabalho está dividido em três seções, sendo elas: (i) o que herdamos para
2011?; (ii) o que herdamos para 2021?; e, por fim, (iii) considerações finais. Não
é objetivo deste texto tecer opiniões políticas e/ou afirmações partidárias. No
entanto, esse artigo está direcionado a mostrar dados que corroboram para a
conclusão de que perdemos mais uma década.
Sumário
• 1. O que herdamos para 2011?
o 1.1. Os bons ventos para os países emergentes
o 1.2. O desenvolvimento com inclusão social
• 2. O que herdamos para 2021?
o 2.1. O Brasil durante a Nova Matriz Econômica
o 2.2. De Temer em diante
o 2.3. A nova década perdida
• 3. Considerações finais
• Referências bibliográficas
1. O que herdamos para 2011?
O fim do ano de 2010 marcava o fim da gestão do ex-presidente Lula. Dilma
Rousseff, sua sucessora, era tida como herdeira do lado positivo da gestão
anterior, saindo de coadjuvante para protagonista. O governo de Lula, segundo
o que os dados da época nos informam, tinha deixado um Brasil diferente
daquele que herdou em 2003. Seu legado econômico positivo foi: indicadores de
pobreza e desigualdade decrescentes; crescimento econômico relevante; e taxa
de desemprego controlada em um dígito. O que explicava o crescimento virtuoso
de nossa economia naquela época?

1.1. Os bons ventos para os países emergentes


O economista Edmar Bacha atribuiu a esse crescimento econômico o nome de
“milagrinho brasileiro”, em alusão ao período entre 1969 e 1973, quando o Brasil
passou por um ritmo elevado de crescimento econômico, com taxa média anual
de expansão do PIB de 10,2% (FGV VERBETE). Diferente do Milagre
Econômico da época dos militares, o ‘milagrinho’ era resultado das altas taxas
de crescimento da economia chinesa e sua demanda crescente
pelas commodities que beneficiaram boa parte das economias latino-
americanas no prelúdio deste século (CARVALHO, 2018).
A consolidação da China como potência econômica e importante provedora de
bens industriais para o mundo, superando, em volume de produção, países como
Alemanha e Japão, trouxe um importante dinamismo para a economia global. A
combinação de preços baixos com a elevada competitividade dos produtos
chineses resultou em um aumento dos déficits comerciais de países
desenvolvidos em paralelo a um acúmulo expressivo de poupança na China
(CRUZ et al., 2012). Com o advento da crise de 2008 e a percepção dos
mercados de que havia excessos tanto relacionados aos preços de ativos,
especificamente no segmento de imóveis, quanto às condições de alavancagem
de bancos e famílias, ficava clara uma diferença entre o potencial de resistência
de economias emergentes e a vulnerabilidade das economias desenvolvidas.
Mesmo durante e após a crise financeira, os preços das commodities se
mantiveram elevados, o que resultou em implicações relevantes sobre o
comércio exterior do Brasil. As exportações brasileiras saltaram de US$55
bilhões em 2000 para US$256 bilhões em 2011, enquanto as importações de
US$56 bilhões para US$226 bilhões, respectivamente. O saldo deficitário de
US$700 milhões em 2000 alcançou um superávit de US$30 bilhões em 2011.
Apesar do crescimento econômico e do notável fortalecimento da economia
brasileira nesse período, houve um comportamento heterogêneo nos resultados
comerciais entre diversos segmentos.
O gráfico 1 mostra a evolução do saldo comercial acumulado em 12 meses
desde janeiro de 2000 até janeiro de 2012 para os cinco grupos de setores,
sendo eles: agropecuário; setores intensivos em recursos naturais (indústria
extrativa, papel e celulose, refino de petróleo e outros); setores intensivos em
trabalho (têxtil, vestuário, couro e calçados e indústrias diversas); setores
intensivos em escala (produtos químicos, borracha e plástico, metalurgia básica
e veículos automotores e outros); e setores intensivos em engenharia e
tecnologia (máquinas e aparelhos elétricos, material eletrônico e de
comunicações, equipamentos de transporte e outros).

Alguns grupos passaram a ter grandes superávits comerciais (agropecuário e


intensivo em recursos naturais), enquanto outros, que já se encontravam
deficitários em 2000, passaram a exibir grandes déficits (intensivo em escala e
em engenharia e tecnologia). A exceção foi o grupo intensivo em trabalho, onde
seu saldo ficou com pouca expressividade, beirando um pequeno superávit e
déficit. Em maio de 2007, quando o saldo comercial atingiu US$48 bilhões no
acumulado (seu ápice), há um aumento dessas diferenças.
Além disso, o ritmo de crescimento, tanto dos superávits quanto dos déficits, se
intensificou a partir de 2010, dando destaque aos grupos agropecuários e
intensivos em recursos naturais. O crescimento desses dois grupos foi
influenciado pela explosão dos preços das commodities agrícolas e minerais,
como demonstra o gráfico 2.

Daniel (2011), argumenta que o grande impulso na expansão da demanda


mundial por commodities, sobretudo a agrícola e alimentar, iniciado na década
de 1980 e sustentado ao longo dos anos 1990, é considerado um dos principais
fatores que causaram a aceleração de alta dos preços dos alimentos desde
meados de 2007, sendo caracterizado pelo crescimento econômico mundial,
crescimento populacional e pelo aumento do consumo per capita de alimentos,
principalmente de carnes. Em vista do aumento do preço do petróleo e demais
recursos naturais, Daniel (2011) salienta que isso gerou reflexo no aumento dos
seus derivados, como combustíveis, fertilizantes, inseticidas e outros. Outros
fatores, como a desvalorização do dólar e o aumento do acúmulo de reservas
cambiais em dólares, especialmente na China, são também fatores que
contribuíram para a expressiva alta nos preços das commodities a partir de
2007.
O comércio bilateral Brasil-China foi expandido ao longo da década de 2001 a
2010, como vemos no quadro 1, demonstrando a importância do país asiático no
comércio exterior brasileiro (COSTA, 2015).

De 2001 a 2010, a conta corrente comercial entre os dois países se elevou de


US$3,2 bilhões para mais de US$56,3 bilhões, o que fez a China saltar da
décima segunda posição em 2000 para principal parceiro comercial do Brasil,
superando países como EUA e Argentina. De acordo com a SECEX, a
importação foi caracterizada pela presença de produtos de maior grau de
elaboração e valor agregado, como equipamentos e máquinas, aparelhos e
equipamentos eletroeletrônicos, produtos químicos, têxteis e confecções. Isso
explica o grande déficit comercial dos grupos intensivos em escala e engenharia
e tecnologia (ver gráfico 1).
De acordo com a FIESP, a expansão do saldo comercial em atividades
intensivas em recursos naturais e de baixa tecnologia, em conjunto com a queda
das exportações dos grupos intensivos em escala e setores intensivos em
engenharia e tecnologia, representaram um deslocamento relativo de nossa
atividade produtiva de setores com maior produtividade e maiores salários para
atividades com menor produtividade e menores salários (FIESP, 2015).
1.2. O desenvolvimento com inclusão social
Os ganhos sociais durante o período de 2002 a 2010 foram guiados tanto pelas
políticas governamentais de valorização real do salário mínimo quanto pelos
programas de transferência de renda, realizados à época. O Programa Bolsa
Família, criado em 2003 pelo governo federal, atendia 3,6 milhões de famílias
em janeiro de 2004, ao passo que em 2010 o número de beneficiados já chegava
a 12,8 milhões. Entre os anos de 2001 e 2009, a renda per capita das famílias
mais pobres aumentou, o que viabilizou a migração de milhões de famílias das
classes D e E para a classe C (CRUZ et al., 2012).
Outras iniciativas foram criadas pelo governo federal, entre elas o estímulo ao
microcrédito, não apenas produtivo, mas também para o consumo. Ainda no
cenário de crédito, o crédito às pessoas físicas subiu de 6% em 2002 para 15,3%
do PIB em 2011 (ver gráfico 3). Nesse rápido crescimento para operações de
crédito, o endividamento das famílias — a relação entre o saldo de suas dívidas
e suas rendas — elevou-se de 21,5% em 2002 para 42,4% em 2011 (ver gráfico
4).
No mercado de trabalho, depois de um longo período com taxas de desemprego
de dois dígitos, o Brasil observou uma queda nas taxas de desocupação, saindo
de 12% em 2002 e chegando em 6% no fim da década (ver gráfico 5).

Em níveis de investimento, de acordo com Cruz et al (2012), a consolidação do


mercado de consumo das massas, criado pelo conjugado aumento da renda e
redução de desigualdades sociais, atraiu investimentos diretos para o Brasil.
Ainda de acordo com Cruz, os principais determinantes da aceleração dos
investimentos no Brasil foram: a expansão do mercado doméstico que
proporcionou um deslocamento de empresas para o Brasil, principalmente nos
setores produtores de bens de consumo duráveis; o Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC) em 2007; o programa Minha Casa Minha Vida; e a
competitividade obtida pelo Brasil na Agropecuária.
Assim, conforme visto nesta seção, a alta do preço das commodities e os quatro
fatores de crescimento descritos acima, como a distribuição de renda, geração
de emprego, expansão do crédito e cenário favorável para investimentos
(públicos e privados) explicam a melhora no desempenho da economia brasileira
em relação às décadas anteriores.
2. O que herdamos para 2021?
O ano de 2021 começa distinto daquele início da década passada em 2011. Em
meio a uma pandemia, 2021 se destaca como o ano da ‘esperança’ motivada
pela chegada da vacina e pelo possível fim do caos na saúde pública vivenciado
no decorrer de 2020.
O ano de 2011 não só marcou o início da última década, como também foi o
início do primeiro mandato de Dilma Rousseff — que seria reeleita em 2014. No
ano de largada do seu governo, a economia brasileira se encontrava em
desaceleração. No decorrer de seu segundo mandato, em 2015, o Brasil
começou a enfrentar a segunda maior recessão de sua história. Em um artigo
publicado na Revista Piauí em outubro de 2017, o economista e presidente do
Insper, Marcos Lisboa, disse:
É verdade que naquele período [2008] diversos países adotaram políticas
anticíclicas. Nada a obstar. Minha discordância é de outra ordem. A meu ver, o
problema foi que o governo confundiu medidas temporárias, necessárias para
enfrentar a recessão, com intervenções setoriais de longo prazo. Esse erro não
foi cometido pelos demais países emergentes que passaram a crescer bem mais
do que o Brasil depois de 2011.
Marcos Lisboa, 2017
Marcos Lisboa se refere às medidas adotadas pelo governo Lula durante a crise
de 2008 e que foram intensificadas durante os mandatos da sua sucessora. Em
2008, quando o Brasil começou a sentir um maior impacto da crise econômica
mundial que devastou as economias dos países mais desenvolvidos, o governo
brasileiro implementou diversas medidas de cunho anticíclico para reduzir seus
efeitos no país, ações que abrangeram áreas como a fiscal, monetária, creditícia
e cambial.
Entre as medidas adotadas, estavam: “com objetivo de redução da volatilidade
do preço do dólar, no segundo semestre de 2008, o governo adotou diversos
instrumentos, tais como leilão de dólares, redução integral da alíquota do IOF
em operações de câmbio e operações com o Federal Reserve, que disponibilizou
para o Brasil conta em dólares para garantir um nível mínimo de liquidez no
mercado de câmbio; […] parte das reservas internacionais foi utilizada para
financiar exportações e novas regras foram estipuladas para facilitar as linhas de
crédito aos exportadores; […] o BACEN disponibilizou para os grandes bancos
R$ 24 bilhões para fins de compra de carteira de bancos menores com
problemas de liquidez e de solvência; […] a Caixa também obteve autorização
para comprar ações de empresas construtoras com problemas de liquidez”; entre
outras medidas (ver aqui).
Após todas essas medidas, a variação no PIB de 2009 foi de -0,2%. O conjunto
de medidas adotadas pelo governo contribuiu para a redução do impacto da crise
mundial na economia brasileira (TCU, 2009). O início do primeiro mandato de
Dilma herdou do governo de Lula seus últimos critérios de crescimento. Em 17
de dezembro de 2012, o site PT no Senado publicou um artigo cujo título era
“Nova matriz econômica garantirá crescimento acelerado”. De acordo com o
texto, “a combinação de juro baixo, taxa de câmbio competitiva e a consolidação
fiscal formam o tripé da nova matriz econômica brasileira, onde os agentes
econômicos — empresas e investidores — promovem a transição dos modelos
de negócios para um ambiente cuja lógica é projetar o futuro ao invés de manter
um olhar para o curtíssimo prazo como vigorou nos últimos tempos”.
Em uma entrevista ao Valor Econômico, Márcio Holland, secretário de Política
Econômica do governo, argumentou que a NME (Nova Matriz Econômica) não
substituiria o tripé de política econômica (que visava a meta inflacionária; meta
fiscal; câmbio flutuante), iniciado pelo então ex-presidente do Banco Central,
Armínio Fraga, durante o governo FHC, mas sim contribuiria para um
impulsionamento maior dos indicadores de desempenho econômico. No entanto,
desde a entrevista de Holland, o desempenho da economia brasileira ficou
abaixo das expectativas.
2.1. O Brasil durante a Nova Matriz Econômica
Lisboa e Mendes (2019) argumentam que desde o fim da hiperinflação, em 1994,
a taxa de crescimento do país apenas acompanhou a média dos demais países
e ficou abaixa da observada em alguns países da América Latina, do sul da Ásia
e do Leste Europeu. O baixo desempenho ficou ainda pior a partir de 2010 e com
a severa recessão do fim da gestão Dilma.
A Nova Matriz Econômica conseguiu produzir uma aceleração temporária do
ritmo de crescimento econômico. Durante o terceiro trimestre de 2012 ao
primeiro trimestre de 2014, a economia brasileira consegue sustentar um ritmo
anualizado de crescimento superior a 2,5%. A partir do segundo trimestre de
2014, o ritmo de crescimento apresentou uma queda de 0,33 pontos percentuais
na comparação com o mesmo período de 2013. Na comparação entre o primeiro
trimestre de 2014 e o primeiro trimestre de 2015 ocorreu uma redução de 5,18
p.p. na taxa de crescimento do PIB (OREIRO, 2017).
Do início da primeira década do século até o início de 2016, houve expressivos
aumentos na oferta de crédito subsidiado por bancos públicos e fundos geridos
pelo governo — como FGTS, FAT, etc. A política de crédito do BNDES era
orientada para criar os chamados “campeões nacionais”. Lisboa e Mendes
(2019) argumentam que essa orientação do crédito atuou contra o aumento de
produtividade da economia. Recebendo capital subsidiado, as empresas
aumentaram artificialmente a sua vantagem em relação aos concorrentes, o que
resultou em um desestímulo à inovação e ao ganho de produtividade (LISBOA,
MENDES, 2019). Os planos desenvolvimentistas do governo, como o “Plano
Brasil Maior”, lançado em 2 de agosto de 2011, não apresentavam critérios de
desempenho para determinar a continuação ou interrupção dos estímulos.
Outras políticas de proteção setorial, como tarifas de importação, não garantiram
a competitividade da cadeia produtiva e prejudicaram a produtividade dos
demais setores da economia (LISBOA, MENDES, 2019).
Esta década também marcou o mal aproveitamento do bônus demográfico.
Sendo um fenômeno histórico e temporário, ele acontece uma vez na história de
qualquer país, pois é resultado da transição demográfica que é um
acontecimento único, uma vez que as taxas de mortalidade e natalidade, que
sempre foram elevadas ao longo de milênios, começaram a cair no século XIX
(ALVES, 2020). No Brasil, a taxa de fertilidade caiu para 1,7 filhos por casal e
deverá diminuir ainda mais, o que significa que a população total irá se
estabilizar, mas a proporção de idosos irá aumentar significativamente nas
próximas décadas (LISBOA, MENDES, 2019). De acordo com dados do IBGE,
a população de 20 a 64 anos atingirá sua maior participação na população em
2023, quando representará 62% do total. A partir daí caíra e chegará a 2060 em
55% do total; já a de 65 anos ou mais saltará de 7% em 2010 para 25% em 2060.
O resultado será menos gente trabalhando para sustentar mais idosos.

2.2. De Temer em diante


O governo de Michel Temer corroborou para uma volta, ainda que tímida, da
responsabilidade fiscal. Durante a segunda metade de 2016 até o fim de 2018
foram elaboradas reformas cujo foco era o crescimento econômico sustentável.
Em dezembro de 2016, o Congresso Nacional promulgou a Emenda
Constitucional 95, que limitava por 20 anos os gastos públicos. Também foi
promulgada a Emenda Constitucional 94, que instituiu um novo regime de
pagamentos de precatórios. A partir de 2018, os gastos federais só poderiam
aumentar de acordo com a inflação acumulada conforme o Índice Nacional de
Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
De acordo com uma Nota Informativa publicada pelo Governo Federal em
setembro de 2020, a partir da adoção do Teto de Gastos há pela primeira vez
uma queda da inflação para valores abaixo de 5%, acompanhada de uma queda
consistente dos juros reais (ver gráfico 6). Em síntese, o Teto de Gastos tornou
crível aos agentes econômicos que a dívida pública teria trajetória sustentável
em razão de uma contenção gradual dos gastos, reduzindo a possibilidade de
que o ajuste fiscal pudesse ser feito por meios alternativos e mais danosos ao
ambiente de negócios, como o aumento de impostos, a monetização (inflação)
ou, em outros casos, via calote (GOVERNO FEDERAL, 2020).
Em 2017 entrou em vigor a reforma trabalhista que mudava as regras relativas
à remuneração, plano de carreira e jornada de trabalho, entre outras. A
esperança era de que com a mudança o Brasil passasse a gerar mais empregos.
Porém, de acordo com o IPEA (2019), o Cadastro Geral de Emprego e
Desemprego (CAGED) indicou um ritmo de criação de novas vagas formais
pouco expressivas, combinado com uma estabilidade do número de
contratações e um aumento das demissões. A lenta recuperação do mercado de
trabalho nos anos de 2018 e 2019 eram traduzidas na manutenção de uma taxa
de desemprego alta e persistente, principalmente entre os menos escolarizados
(MENDONÇA et al, 2019).
Em 2019, com a chegada do governo Bolsonaro e a promessa de uma agenda
mais liberal na economia, sob o comando de Paulo Guedes, há um período de
elaboração de algumas reformas e, consequentemente, a aprovação da
Reforma da Previdência, promulgada pelo Congresso Nacional em novembro de
2019, que estabelece uma idade mínima para aposentadoria de 62 anos para
mulheres e 65 anos para os homens. Em 2020, o mundo se depara com o início
de uma pandemia, o que faz o governo adotar medidas de contenção dos
impactos sobre a economia (GOVERNO FEDERAL, 2020).

2.3. A nova década perdida


A década de 1980, marcada pela redemocratização e pelo fim do regime militar,
ficou conhecida como década perdida, do ponto de vista econômico
(ROSTOLDO, 2003). Naquela época, o PIB per capita (quanto, em média, cada
cidadão produziu em um determinado período), vinha se expandindo à taxa
média de 6,1% a.a., porém diminui 13% entre 1980 e 1983 (OMETTO,
FURTUOSO, SILVA, 1995). A tímida recuperação entre os anos de 1984-89
levou o valor desse indicador a ficar apenas um pouco acima dos níveis do início
daquela década, de forma que, tempos depois, se popularizasse a ideia de que
os anos oitenta para a economia brasileira fosse uma “década perdida”
(OMETTO, FURTUOSO, SILVA, 1995).
A última década (2011-2020) foi ainda pior em termos de crescimento nos
últimos 120 anos, resultado de escolhas políticas, como demonstrado nas
seções anteriores, e também de um choque externo – a pandemia. Entre os anos
de 2011 e 2013, o Brasil apresentou uma taxa média de crescimento de 3% a.a.
A partir de 2014, a economia entrou em um processo de enfraquecimento,
presente até os dias de hoje. Ao se calcular uma média móvel (calculada a partir
de amostras sequenciais da população), o período 2014-2020 é o pior, em
termos de crescimento econômico, desde o início dos anos 1900, com uma
queda média de 1,3% a.a. neste período (BALASSIANO, 2020).
Em um cenário anterior à crise do coronavírus, o crescimento médio de 2011-
2020 seria de 0,8% ao ano. Com a recessão de 2020, a década ficou estagnada,
tendo em vista algumas previsões para o crescimento do PIB de 2020 sendo de
-6,5%, a taxa média real de crescimento do PIB da última década estaria em
território negativo (-0,1%), como mostra o gráfico 7 (BALASSIANO, 2020).
Em níveis comparativos em relação ao mesmo período e utilizando as projeções
de junho de 2020 do FMI para os agregados (mundo, economias emergentes e
América Latina e Caribe) e a Focus para o Brasil, nota-se que nesse período,
enquanto o mundo cresceu em média, quase 3% a.a., puxado principalmente
pelas economias emergentes (grupo que o Brasil faz parte), com um crescimento
médio de 4%, o Brasil ficou uma década estagnada e levemente negativa. A taxa
de crescimento da América Latina e Caribe é baixa também (ver gráfico 8), mas
seu desempenho fraco é muito influenciado pelos resultados do Brasil, uma vez
que o peso da economia brasileira na economia latino-americana é de 34,5% na
década (BALASSIANO, 2020).
Ainda em uma análise comparativa, mas agora entre o PIB e o PIB per capita,
restringindo para alguns países da América Latina (Chile, Colômbia, México e
Peru) e com outras economias emergentes que compõe o BRICS junto com o
Brasil (Rússia, Índia, China e África do Sul), o desempenho do Brasil foi pior do
que todos os outros países, tanto em relação ao seu PIB quanto ao PIB per
capita (ver quadro 2). Motivado por um período de fraqueza da atividade
econômica, alto desemprego e o mercado de trabalho com dezenas de milhões
de brasileiros numa situação mais vulnerável do mercado de trabalho, a variação
no PIB per capita foi de -0,8% (BALASSIANO, 2020).
3. Considerações finais
Durante o período de 2002 a 2010, o Brasil observou um crescimento econômico
relevante que contribuiu para a redução da pobreza e para o aquecimento do
mercado interno. A ascensão da economia chinesa foi o principal motor do
crescimento da economia mundial, e o Brasil foi um dos grandes beneficiários
deste avanço. Movido pelas commodities, o Brasil observou uma desaceleração
da indústria, apontando o aumento do consumo de produtos importados. Outras
variáveis contribuíram também para a perda de competitividade da indústria
brasileira, como o “Custo Brasil”, representado pela alta carga tributária, custos
de energia, logísticas, entre outros fatores (COSTA, 2015). Durante o período da
crise financeira de 2008, houve fortes incentivos fiscais, monetários, cambiais e
creditícios por parte do governo.
Após 2011, com a chegada da equipe econômica de Dilma e sua Nova Matriz
Econômica, o Brasil intensificou a condução da política econômica com uma forte
presença do Estado na alocação de capital e uma contínua expansão fiscal que
resultaram em uma má alocação do capital, em empreendimentos inviáveis ou
pouco produtivos, diminuição da nossa produtividade e, consequentemente,
queda no potencial de crescimento econômico (LISBOA, MENDES, 2019). A
partir de 2015, quando a economia entrou em recessão, o desemprego no país
e o dólar começaram a apresentar altas. Em 2016, após a chegada de Temer na
presidência, sua equipe econômica iniciou uma série de reformas, a principal
delas sendo o Teto de Gastos.
Em 2019 ocorreu a Reforma da Previdência. Já em 2020, com o crescimento
dos casos de coronavírus pelo mundo, o governo adotou medidas anticíclicas na
tentativa de conter os impactos da pandemia sobre a economia. As reformas
foram descontinuadas e estamos à mercê de uma dominância fiscal.
Essa última década representou ao Brasil um período de baixos crescimentos
anuais, crises políticas e disputas ideológicas. A situação econômica vigente não
é decorrente de uma única gestão e sim de um conjunto de medidas que
resultaram no Brasil de hoje. Diferente das décadas anteriores, sabemos o que
fazer para esta década: avançar com as reformas necessárias para o país ter
espaço para crescer. Sem elas, não teremos uma história alegre para contar em
2031.
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