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INTRODUÇÃO

O Brasil passou por uma profunda recessão, de acordo com o Codace, o período com
o pior biênio de crescimento econômico dos últimos 20 anos. Após isto, a recuperação
no triênio posterior foi lenta e gradual. Ocorreram alguns choques negativos nesses
anos, como a greve dos caminhoneiros em 2018; e Brumadinho, crise argentina e
incerteza internacional, com a guerra comercial entre EUA e China, em 2019, que
tiraram alguns pontos percentuais do crescimento brasileiro. Mas, independentemente
desses choques, o crescimento foi bastante fraco. As perspectivas para 2020 eram
positivas, de uma retomada um pouco mais forte da economia brasileira, com o PIB
crescendo por volta de 2,0% neste ano. Porém, este cenário era anterior ao
coronavírus. Com esta crise de saúde, que tem impactos na economia, a recessão no
Brasil e no mundo será forte em 2020. As expectativas de mercado, segundo o boletim
Focus, indicam uma queda de 6,5% da atividade econômica brasileira neste ano,
número próximo da projeção do IBRE (-6,4%).
No final do ano passado, a economia brasileira estava 3,3% abaixo do pico pré-
recessão, no 1T14. A maior perda acumulada, sempre em comparação com o pico
pré-recessão 2014-16, foi no final de 2016 (-8,1%), no final da recessão. Com a
recuperação lenta e gradual da economia brasileira, essa perda foi diminuindo em
2017, 2018 até chegar em -3,3% em 2019. Com a queda do PIB no 1T20 em relação
ao 4T19, a perda acumulada aumentou para 4,8%, mudando a trajetória de redução
do gap. Ou seja, antes de nos recuperarmos totalmente da recessão 2014-16, chegou
a recessão de 2020, aumentando ainda mais esta perda. Para o 2T20, as perdas
acumuladas podem chegar a 16%, ou até mais.
O começo da “década perdida atual” apresentou uma taxa média de crescimento de
3,0% a.a., entre 2011 e 2013. A partir de 2014 que a economia entrou neste processo
de enfraquecimento presente até os dias de hoje. Diante deste quadro, os últimos sete
anos (2020, inclusive) foram desastrosos do ponto de vista de crescimento
econômico, pelo somatório dos três fatores (forte recessão, recuperação lenta e
gradual e coronavírus). Ao se calcular uma média móvel de sete anos (MM7A), o
período 2014-2020 é (está sendo) o pior, em termos de crescimento econômico,
desde o início dos anos 1900, com uma queda média de 1,3% a.a. neste período.
A década atual (2011-2020) foi (está sendo) a pior década em termos de crescimento
econômico dos últimos 120 anos, pior do que os anos 1980, conhecidos como “década
perdida”. No cenário anterior à crise do coronavírus, o crescimento médio da década
atual seria de 0,8% ao ano. Com a recessão de 2020, a década vai ficar estagnada,
podendo até ter taxas negativas. Segundo as expectativas de mercado para o PIB de
2020 (-6,5%), a taxa média real de crescimento do PIB da década já está no território
negativo (-0,1%). Ao se considerar as últimas (junho/20) projeções do FMI (-9,1%), a
média da década atual passaria para -0,3% a.a..
DESENVOLVIMENTO
O desempenho da economia brasileira tem sido sofrível no passado recente.
Foi sempre assim? Os anos dourados existiram? Nesse texto procura-se examinar o
passado recente até onde se conta com informações sobre a geração de renda e
sobre a eficiência econômica desse passado.
O IBGE divulgou no dia 4 de março os resultados da atividade econômica em
2021. O PIB cresceu 4,6% o que significa ter sido em 2021 de aproximadamente, R$
8 trilhões, 679 bilhões e 490 milhões, conforme ilustrado no Gráfico 1. Tal resultado é
apenas 0,7p.p. superior ao PIB de 2019, antes da pandemia, que foi de R$ 8 trilhões,
630 bilhões e 534 milhões.
observa-se que o PIB cresce fortemente até o ano de 2014, cai até 2016 e fica
estagnado no restante dos anos até 2021. O PIB per capita, por sua vez, cresce até
2012 e declina a partir daí, sendo seu valor de 2021 inferior ao de 2010.
Examinar as atividades que compõe o PIB permite uma primeira explicação;
como está ilustrado no Gráfico 2 abaixo, pode-se verificar que:
A atividade agropecuária, nestes 21 anos, praticamente dobrou seu valor
adicionado (de R$ 319,7 bilhões para R$ 591,1), aumentando sua participação no VA
total de 7 para 8%. A sua principal característica é ser uma commodity com forte
demanda internacional e elevado valor comercial;
A indústria teve um desempenho bem inferior aumentando, no mesmo período,
seu valor adicionado em 27,6% (de 1,3 trilhões de Reais para R$ 1,6 trilhões),
reduzindo sua participação para 22% no total do VA;
Os serviços crescem 57% ( de 3,2 trilhões de Reais para 5,2 trilhões),
aumentando sua participação no VA total para70%.
Como o Gráfico 3 ilustra, o pior desempenho, entre os componentes da
Indústria, com um crescimento de apenas 14,4%, coube à Transformação; esta,
depois de crescer de 2001 até 2008, reduziu-se em 2009 com a crise financeira, e
oscilou daí em diante, voltando a cair durante a recessão de 2014-16, não
expressando qualquer reação de retomada mais significativa, ficando estagnada em
torno de um valor adicionado de 850 bilhões de Reais.
Saliente-se que, a indústria de transformação apresenta o quinto maior valor
adicionado entre as doze atividades da economia, atrás apenas do comércio, da
intermediação financeira, outros serviços e administração pública.
Um aspecto a chamar a atenção, no Gráfico 3 acima é que os únicos
componentes da indústria a apresentarem crescimento foram a extrativa mineral
(outra commodity) e o pequeno crescimento da eletricidade, já que as demais estão
há vinte anos estagnadas.
Os serviços por sua vez tiveram o valor adicionado aumentado, no período, seu
VA em 56% (de R$ 3.283 bilhões para 5.153 bilhões de Reais), representando, em
2021, 70% do valor adicionado total da economia. Entre os seus componentes se
destacam a administração pública, o comércio e os outros serviços, que somados
representam cerca de 45% da economia.
Um aspecto a ser observado no Gráfico 4, abaixo, é que todos os componentes
dos serviços têm trajetória semelhante: crescem significativamente até 2014, reduzem
durante a recessão e depois de seu fim, em 2016, ficam estagnados e entram em
nova recessão, com a chegada da pandemia, com pequeno crescimento em 2021.
Um aspecto a ser explorado é o desempenho da produtividade, tomando-se os
cuidados que são apontados nos 4 textos sobre a produtividade publicados no blog
do IBRE. Inicialmente no Gráfico 5, abaixo, estão ilustradas as evoluções da
produtividade do PIB e dos seus grandes setores de atividade. A produtividade
aumenta 20% durante os anos de 2001 (R$ 71.908,00) a 2013 (R$ 85.993,00), cai em
2014 e fica estagnada até 2021, na faixa dos R$ 82.000,00.
A indústria, que tem a maior produtividade, declina durante todo o período
enquanto a agropecuária, que tem a menor produtividade, cresce vigorosa e
initerruptamente durante todo o período. Os serviços, que têm baixa produtividade,
evoluem de forma semelhante ao PIB embora iniciem sua inflexão de queda já a partir
de 2010.
abaixo, a produtividade está desagregada por componentes da indústria. Fica
evidente que dois componentes explicam a paralisia da produtividade industrial: a
indústria de transformação e a de construção cujas produtividades declinam,
lentamente, durante os últimos 20 anos. A produção e distribuição de energia cresce,
bem como a extrativa mineral, esta última com ótimo desempenho graças à duas
commodities: exploração de petróleo e gás e de minério de ferro.
A derrocada da economia brasileira está fortemente associada ao desempenho
da indústria de transformação e da construção; ambas ditam a evolução da indústria
e a indústria dita o rumo da economia brasileira, embora não seja ela seu componente
mais importante;
Os serviços embora representem a maior parte do PIB, acompanha o
movimento do PIB;
As commodities agropecuária e extrativa mineral não sofrem qualquer
limitação, evoluindo vigorosamente sem interrupção.
Até agora, foram abordadas as duas décadas mais recentes. Entretanto é
possível observar a evolução do PIB e seus componentes por um período mais longo.
O Gráfico 7, abaixo, ilustra a evolução do PIB ao longo dos últimos 120 anos e do
valor adicionado dos setores agropecuária, indústria e serviços ao longo dos últimos
80 anos.
Observa-se, inicialmente que o PIB cresceu cerca de 63 vezes de 1900 até
1949; nas duas décadas seguintes cresce um pouco mais de 90% em cada uma, e na
década de 1970-79 tem seu auge de crescimento com 124%. A partir daí, tem
resultados mais modestos: na década de 1980-89 o PIB: cresceu 56%; na década de
1990-1999, cresceu 23%; e cresce em torno de 33% nas duas décadas seguintes.
O crescimento da década de 1970 foi mitigado pelos dois choques do petróleo
(1973 e 1979), e pela subsequente crise financeira. A década 1980-89 foi marcada
pela reversão de crescimento nos anos 1981-83, pela crise da dívida pública e pelo
recrudescimento da inflação que culminaria na hiperinflação da segunda metade da
década. A década de 1980 ficou conhecida como década perdida, mas seu
crescimento (56%) não foi o pior, já que a década 1990-99 cresceu a uma taxa de
23%, mas foi marcada pelo bem-sucedido plano Real que trouxe de volta a
estabilidade de preços. A economia política desse período está bem desenvolvida por
Bacha e Bonelli.
Nota-se que nesse período, os dados disponíveis mostram que a indústria total
cresceu na década de 1960-1969, 111% puxado pelo processo de industrialização,
que teve continuidade nos projetos de consolidação da indústria na década de 1970-
1979 crescendo 152%. Como mencionado acima, a crise dos choques de petróleo e
financeira, se transformou numa crise da dívida pública interrompendo aquele exitoso
processo. As taxas de variação decenal da indústria, nas décadas seguintes foram
medíocres, chegando a 11% em 1990-1999, e arrastou o PIB ladeira abaixo. A
correlação das taxas de variação decenal da indústria e do PIB é de 0,998.
os componentes da indústria que a arrastaram para baixo são claramente a
Transformação e a Construção que cresceram na mesma trajetória, chegando a
registrar, no auge, taxas de variação das décadas de 141% e 176% respectivamente.
As correlações de suas variações decenais são para a Transformação, 0,99% e para
a Construção, 0,97%. No caso da Transformação ela corresponde ao final da
consolidação da industrialização de 1960 a 1979; no caso da Construção corresponde
ao período de grandes obras de governo, principalmente hidroelétricas e estradas e a
própria construção de Brasília. A partir daí com a crise da dívida os gastos dos
governos arrefecem e a inflação, e as tentativas de seu controle, prejudicam também
a Transformação, levando ambas a redução de seus crescimentos, arrastando a
economia para baixo.
O setor de Serviços, como visto no Gráfico 8, acompanha a trajetória do PIB. A
hipótese aqui é que a indústria é o motor do crescimento enquanto os serviços seguem
o PIB. A agropecuária, por ser uma commodity, segue um curso independente da
economia doméstica. No Gráfico 7 foi vista a forte aderência das taxas de variação
decenal do PIB e dos serviços (correlação de 0,999).
A evolução do Setor de Serviços vis a vis seus componentes. com informações
disponíveis em diferentes períodos. Observa-se que nas primeiras informações
disponíveis os componentes desagregados, Comércio e Transportes, ditam a
evolução do setor de serviços e no período mais recente todos os componentes se
juntam.
Finalmente, vale notar que a década recém iniciada, de 2020-2029, não
começou bem e a comparação da taxa de variação do PIB dos dois anos desta década
em comparação com os dois primeiros anos da década anterior (2010-2019) foi de
apenas 3,1%. Com as informações disponíveis pode-se observar que a indústria de
Transformação e a da Construção apresentaram resultados negativos: -24,6% e -
21,1% respectivamente. Salvaram-se a Agropecuária, a Extrativa e a Eletricidade.
Tais resultados não negam nossas hipóteses: sem a indústria e particularmente a
Transformação e a Construção, amargaremos muitas novas décadas perdidas.
Foi vista na seção anterior a evolução do PIB e das atividades econômicas, em
diversas fases desde 1900. Importa agora ver como evoluiu a produtividade desses
agregados segundo a disponibilidade de informações. Para o PIB há informação
desde 1900, mas para as atividades econômicas desagregadas apenas a partir de
1947. Para informações sobre pessoal ocupado (ocupações, fator trabalho) as
informações mais antigas datam de 1990 com as Tabelas de Recursos e Usos, e para
1985 com a Matriz de Insumo Produto, ambas das Contas Nacionais do IBGE.
O Gráfico 10 abaixo mostra que a produtividade da economia cresce nos
primeiro dez anos iniciados em 1985, cai em 1995 e inicia um lento processo de
crescimento até 2013 e volta a cair. Seu valor em 2021 é 30% superior ao valor de
1985, 36 anos atrás. Seu melhor momento foi em 2013.
A produtividade da agropecuária eleva-se de forma rápida e seu valor em 2021
é 255% superior ao valor de 1985. Seu período de crescimento nos primeiros 18 anos
(1985-2003) foi de 82% e nos 18 anos seguintes até 2021 cresceu 95%, com
importantes modernizações como o uso de fertilizantes e máquinas agrícolas, o que
a permitiu explorar o mercado internacional.
A produtividade da indústria evolui de forma desastrosa; estagnada durante os
36 anos, hoje ela é cerca de 1% inferior a 1985, tendo tido seu melhor momento em
1994. Mesmo submetida a uma política cambial que a obrigaria a aumentar sua
produtividade para concorrer com importados, o que não aconteceu.
A produtividade dos serviços segue a produtividade da economia da qual é o
maior partícipe, embora com tendência a se afastar, com uma evolução não tão
eficiente como o total da economia.
Na tentativa de entender melhor o desastre da Indústria, ela foi desagregada
nos seus quatro componentes. Note-se, no Gráfico 11, que:
A produtividade da Transformação evolui colada a produtividade Industrial,
condicionando-a.
A produtividade da Construção declina todo o período e sua produtividade em
2021 é 36% inferior à de 1985.
A produtividade da Extrativa Mineral cresce até 2003, fica estagnada até 2014
e volta a crescer a partir daí; seu valor é hoje 330% superior ao valor de 1985. Essas
melhorias coincidem e são consequências de dois fatos importantes. O primeiro
refere-se à privatização da Vale do Rio Doce em 1996; o segundo refere-se ao anúncio
pela Petrobrás da descoberta do pré-sal em 2007. Esses eventos aumentaram a
produção e a produtividade da exploração dessas commodities.
A produtividade da eletricidade cresce continuamente desde 2000, mas pouco
influenciando a produtividade da Indústria, como um todo.
CONCLUSÕES
A economia brasileira teve um desempenho exuberante durante o século XX até o
final da década de 1970;
Esse desempenho foi calcado numa forte industrialização que se prolongou até o fim
da década de 1970;
Os melhores desempenhos entre as atividades até o fim da década de 1970 foram as
da Industria de Transformação e da Construção, bastante associadas à
industrialização de substituição de importações e às grandes obras do governo como
a construção de hidroelétricas, pavimentação de estradas, construção de Brasília, de
Itaipu etc.;
A partir de 1980 as taxas de crescimento do Produto começam a declinar com
dificuldade da Transformação em competir com o Resto do Mundo devido à
estagnação da sua produtividade; e, da Construção devido à redução dessa atividade
por parte dos governos estaduais e Federal assolados por forte endividamento;
Uma novidade emerge do exame das informações das taxas de crescimento do PIB:
a década de 1980-1989 não é a que apresenta a menor variação do produto (+56%);
de fato isso ocorreu na década de 1990-1999 (+23%);
São repletas de evidências que a economia brasileira só crescerá com melhorias na
indústria de transformação. Para isso será necessária uma política de fortalecimento
tecnológico que possibilite inovações com o consequente aumento de sua
produtividade já há muito estagnada;
Por todo o período as atividades produtoras de commodities – agropecuária e extrativa
mineral, mantem elevadas taxas de crescimento dos seus produtos e de suas
produtividades, mas são incapazes de alavancar a economia;
Os serviços durante todo o período seguem o desempenho do PIB e este segue
basicamente as Indústrias de Transformação e da Construção;
Para encerrar é possível afirmar que duas notícias emergem do que foi dito: uma boa
e outra má: a boa é que temos commodities e a má é que só temos commodities.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores,
não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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