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3.

Tratamentos Térmicos
A grande versatilidade da utilização de metais, em grande parte, se deve à possibilidade de, com uma
mesma composição química básica, obter-se um largo espectro de propriedades mecânicas, elétricas
ou térmicas. Estas são função da microestrutura do material, ou seja, a quantidade relativa e a forma
de disposição das várias fases presentes na liga.

Transformações de fase consistem na alteração no número e/ou nas características das fases
presentes. Podem ser assim classificadas:

a) Transformações que dependem de difusão, onde não há mudança no número e na


composição das fases. São exemplos: solidificação, transformação alotrópica (onde se
tem um Sólido A ↔Sólido B) e recristalização;

b) Transformações que dependem de difusão, mas que há alteração das composições


das fases e freqüentemente do número de fases. São exemplos: reações eutética
(onde se tem Líquido ↔ Sólido A + Sólido B), peritética (onde se tem Líquido + Sólido
A ↔ Sólido B), eutetóide (onde se tem Sólido A + Sólido B ↔ Sólido C), etc.;

c) Transformações que não dependem de difusão, onde se produz uma fase


metaestável. A transformação martensítica constitui um exemplo.

As transformações de fase no estado sólido que dependem de difusão não ocorrem simultaneamente,
por existirem obstáculos que as tornam função do tempo. Por exemplo, a trans-formação pode
envolver o surgimento de nova fase que tem composição e/ou estrutura cristalina diferentes que a
fase mãe e que, portanto, requer a movimentação atômica e seu rearranjo, via difusão. A formação de
nova fase implica em um aumento de energia de contorno entre a fase mãe e a nova fase. Pode-se
dizer que ocorrem dois estágios:

a) Nucleação: onde há a formação de partículas muito pequenas da nova fase (núcleos),


de dimensões submicroscópicas e que se tornam capazes de crescer. São formados
preferencialmente em regiões de mais alta energia (sítios de imperfeições), tais como
contornos de grãos;

b) Crescimento normal de grãos: onde os núcleos aumentam de tamanho, tendendo à


diminuição ou até ao desaparecimento da fase mãe.

A velocidade de transformação de fase é denominada cinética de transformação, medindo-se a fração


da transformação já processada em função do tempo, quando se mantém a temperatura constante.
O processo pode ser acompanhado ou via análise metalográfica ou via a mudança de certas
propriedades, tais como a resistividade elétrica.

Para reações no estado sólido, é comum haver uma obediência à equação de Avrami:

y  1  exp(kt n ) (Eq.3.6)
Onde: y= Fração de volume já transformado; k; n = constantes da reação, independentes do tempo; t
= tempo.

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Por convenção, a taxa de transformação, r, é tomada como sendo o recíproco do tempo requerido
para que metade da transformação tenha ocorrido, conforme mostrado na figura 3.15.

Figura 3.15. Cinética de


transformação típica.
Calister (1997) (1).

1
r (Eq.3.7)
t 0, 5

A temperatura afeta a cinética de transformação de fase. Processos tais que a cinética de


transformação é função da temperatura são ditos termicamente ativados, em muitas dessas
transformações o comportamento pode ser descrito por:

Q
r  Ae RT (Eq.3.8)

Onde: R = constante universal dos gases; T = temperatura absoluta; A = constante indepen-dente do


tempo; Q = energia de ativação para a reação considerada.

3.1 Têmpera
A têmpera é um tratamento de resfriamento rápido do metal de uma temperatura mais elevada até a
temperatura aproximadamente igual à ambiente. O objetivo principal do tratamento é impedir que a
difusão de átomos de solutos, que estão em condição diferenciada na temperatura inicial do
tratamento, os redistribuam na matriz buscando o equilíbrio normal na temperatura ambiente. Sendo
assim, a têmpera é um tipo de tratamento térmico idealmente adifusional.

Nos metais não ferrosos, este tratamento é seguido do tratamento de solubilização, no qual se busca
que um soluto se dissolva na rede cristalina do átomo solvente (por exemplo, 2% de cobre na rede
cristalina do alumínio). Também é costumeiro um tratamento térmico posterior de envelhecimento,
durante o qual os átomos do soluto que estão em condição metaestável, busquem o equilíbrio ideal
(teórico) segundo descrito por seu respectivo diagrama de equilíbrio de fases. Neste tratamento a
difusibilidade é limitada de forma tal que os átomos de soluto formam precipitados na rede cristalina
do metal solvente aumentando a sua resistência mecânica e também tenacidade.

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Nos aços, a têmpera visa que o carbono, que antes estava dissolvido na rede CFC do ferro na
temperatura de início do processo (fase austenítica), cause uma distorção tetragonal na rede cristalina
do ferro CCC (fase ferrítica). Esta distorção cria uma fase martensítica com maior resistência mecânica
ou dureza, tornando a liga muito mais resistente. O tratamento é tipicamente seguido de um
tratamento de revenimento, no qual uma parcela do endurecimento e distorção do carbono na rede
cristalina do ferro é revertido, aumentando a baixa ductilidade da martensita ou mesmo formando
compostos precipitados do carbono com o ferro e outros elementos de liga, tais como o Vanádio. Os
aços de maior tenacidade são aços liga temperados e revenidos, sendo que em algumas aplicações
especiais estes são duplamente temperados e revenidos.

Como se faz têmpera

• Aquecimento: Pode ser: ELÉTRICO, EM SAL FUNDIDO, QUEIMADORES A GAS


• Meio de aquecimento: AR - GÁS – SAL - VÁCUO
• Meio de resfriamento: diversos, sendo os meios de resfriamento mais comuns:
• Salmoura
• Soluções com polímeros em diferentes concentrações
• Óleo com diferentes velocidades
• Soluções salinas
• Nitrogênio em elevada pressão

Como se faz a escolha dos parâmetros do processo:

• Temperatura de aquecimento: Depende do material


• Meio de aquecimento: depende da condição de superfície da peça

Aços podem ser endurecidos diretamente por têmpera, seguida ou não de revenimento, ou por
austêmpera (resfriamento rápido dentro das faixas de temperatura da fase austenitica de um aço).
Também é possível empregar processos termoquímicos para obter uma condição diferenciada de
desempenho mecânico. No primeiro caso, o objetivo é não alterar a composição química do aço e, no
segundo caso, o interesse maior está em modificar quimicamente a superfície de forma a alterar
diferenciadamente a sua resistência.

No que diz respeito ao processo de tratamento térmico convencional, os aços são escolhidos com base
em dois critérios: conteúdo em carbono (%C) e carbono equivalente (%CEIIW). O teor em carbono está
ligado ao máximo valor de dureza que pode ser conseguido no aço após têmpera. O carbono
equivalente relacionado à facilidade de se temperar o aço e na homogeneidade dos valores de dureza
obtidos. A Tabela 3.3 apresenta valores típicos de propriedades mecânicas de aços comuns após
têmpera.

Pela Tabela 3.3, é possível confirmar que o valor da dureza após têmpera só depende do teor de
carbono. Por exemplo, compare-se os resultados obtidos para os aços 1017, 1018 e 1019, todos com
0,175%Cmédio. Os dados desta tabela também permitem obter equações de regressão, válidas nas
faixas cobertas pela tabela, de tal forma a prever as propriedades mecânicas após têmpera:

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HRC = 116,26·(%C)3 - 227,52·(%C)2 + 157,88·(%C) + 16,172 (Eq.3.9)

HB = 201,85·(%C)3 - 995,72·(%C)2 + 1150,5·(%C) + 177,58 (Eq.3.10)

SLR [MPa] = -2.474·(%C)2 + 3.676·(%C) + 614,3 (Eq.3.11)

Porém, para o processo ter eficiência e a peça final realmente atingir as propriedades previstas, deve-
se empregar corretamente outros elementos químicos de tal forma que o carbono equivalente do aço
seja adequado para a aplicação.

Tabela 3.3. Desempenho após têmpera de aços carbono comuns(6 a 9).


Elementos de Liga Principais(6 Propriedades recomendáveis(13)
Faixa SAE J403 grau e 7) %Cmédio após Têmpera
%C %Mn HRC(13) HB(14) SLR (MPa) (14)
1015 0,30 a 0,60 0,155 35,5 331 1122
0,13 a 0,18
1016 0,60 a 0,90 0,155 35,5 331 1122
1017 0,30 a 0,60 0,175 37,5 349 1181
A

1018 0,15 a 0,20 0,60 a 0,90 0,175 37,5 349 1181


1019 0,70 a 1,00 0,175 37,5 349 1181
1020 0,30 a 0,60 0,205 40,0 373 1259
1021 0,18 a 0,23 0,60 a 0,90 0,205 40,0 373 1259
1022 0,70 a 1,00 0,205 40,0 373 1259
B

1023 0,20 a 0,25 0,225 41,5 387 1310


0,30 a 0,60
1025 0,250 43,5 408 1383
0,22 a 0,28
1026 0,60 a 0,90 0,250 43,5 408 1383
1029 0,25 a 0,31 0,280 45,0 425 1442
0,60 a 0,90
1030 0,28 a 0,34 0,310 46,5 442 1505
1035 0,60 a 0,90 0,350 48,5 467 1599
0,32 a 0,38
1037 0,70 a 1,00 0,350 48,5 467 1599
1040 0,37 a 0,44 0,60 a 0,90 0,405 50,5 495 1702
C

1044 0,30 a 0,60 0,465 52,0 517 1788


1045 0,43 a 0,50 0,60 a 0,90 0,465 52,0 517 1788
1046 0,70 a 1,00 0,465 52,0 517 1788
1049 0,46 a 0,53 0,495 52,5 524 1817
0,60 a 0,90
1050 0,48 a 0,55 0,515 53,0 532 1848
Fontes: Composições - SAE Handbook(6, 7) ; Propriedades - SteCal 3.0 (8) e DIN EN ISO 18265(9).

3.2 Recozimento
Existem três tipos de recozimento: pleno; subcrítico e isotérmico. Em todos estes o metal é aquecido
até a temperatura do recozimento, mantido nesta temperatura por um certo tempo e resfriado
lentamente até a temperatura ambiente (geralmente dentro do forno). Após o tratamento,
propriedades tais como a ductilidade, a dureza e outras são controladas, atingindo valores ótimos para
as operações e aplicações a que o material se destina. Após operações de redução a frio e que levam
ao alto encruamento do metal, tal como a laminação ou trefilação a frio, o material tem baixíssima
ductilidade, sendo denominado full hard, ou seja, completamente encruado. Nestas condições,
praticamente inexiste uma utilização do material.

No recozimento subcrítico o metal é aquecido em temperaturas abaixo da sua temperatura de


transformação de fases, como é o caso dos aços. Aços com estrutura perlítica, quando aquecidos em
temperaturas próximas da de austenitização e mantidos nesta temperatura por longo tempo (por
exemplo, 700°C por 18 h) apresentam a microestrutura denominada esferoidita. Ao invés de lamelas
alongadas de cementita, agora se tem a fase Fe3C na forma como que de esferas, em matriz contínua

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da fase alfa. Esta estrutura apresenta uma maior capacidade de deformação plástica e é empregada
para a conformação de aços com teores de carbono mais elevados (acima de 0,40%C).

Para anular os efeitos do encruamento e voltar a ter as propriedades anteriores à deformação plástica
faz-se necessário dar-se um tratamento térmico que promova a recristalização do material, isto é, a
formação de novos grãos livres de deformação, a partir dos grãos previamente deformados. Neste
caso, é feito um tratamento térmico de recozimento para recristalização, cujos efeitos estão ilustrados
na Figura 3.16, e que possui 3 etapas:

 Recuperação: ocorre um alívio de parte das tensões internas.

 Recristalização: realizada em temperatura entre 1/3 e 1/2 da temperatura


absoluta de fusão (em K). Novos grãos nucleiam no material com a forma anterior
à deformação, e as propriedades mecânicas voltam aos valores originais

 Crescimento de grãos: Após a recristalização estar completa, os novos grãos


continuarão a crescer, em detrimento as propriedades mecânicas e a resistência
ao choque.

Figura 3.16. Cinética de transformação típica de um metal encruado sendo recozido (1).

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3.3 Normalização
Quando se faz o aquecimento do material a temperaturas superiores a temperatura de recristalização
(no caso dos aços acima de AC1) e o seu posterior resfriamento ao ar calmo, a microestrutura final é
função da taxa de resfriamento e da composição da liga. A normalização é muitas vezes utilizada como
tratamento de peças usinadas, forjadas, etc., que visa prepará-las para a Têmpera.

4. Processamento final
A grande versatilidade da utilização de metais, em grande parte, se deve à possibilidade de, com uma
mesma composição química básica, obter-se um largo espectro de propriedades mecânicas, elétricas
ou térmicas. Estas são função da microestrutura do material, ou seja, a quantidade relativa e a forma
de disposição das várias fases presentes na liga.

4.1 Dobra, Corte e Usinagem


Processos de dobra e corte são as principais formas de processamento de metais planos. Ambos os
processos são utilizados para preparar chapas metálicas planas para as etapas posteriores de
processamento e montagem de diversos produtos finais. Cada um dos processos de corte e dobra
possuem características específicas que podem ser melhor atendida com uma chapa metálica mais
adequada ou simplesmente através de ajustes nestes processos.

O dobramento é um processo de conformação mecânica por deformação plástica por tração e


compressão simultânea nos lados contrários de um perfil ou chapa. Durante o processo, ocorre uma
redução de espessura e alongamento na parte externa das chapas metálicas, conforme mostrado na
Figura 3.17, enquanto na parte interna ocorre compressão e aumento de espessura.

Figura 3.17. Características gerais do processo de dobramento.

O alongamento máximo suportável pelas fibras externas é o principal fator que limita a operação.
Neste sentido, o valor do raio de dobramento em relação à espessura da peça está diretamente
associado com o alongamento que o material irá sofrer ou com a redução na espessura, ilustrada pela
Figura 3.17, que ocorre no dobramento das chapas. Assim a relação entre a espessura da chapa e a
deformação que ocorre durante o dobramento torna-se uma característica importante para analisar o
desempenho do processo, tal como ilustrado pelos dados experimentais da Figura 3.18.

Outros fatores têm influência na operação de dobramento, como a qualidade das bordas cortadas
e/ou defeitos internos presentes que podem funcionar como concentradores de tensão.
Adicionalmente, o grau de resistência do material deve ser considerado, uma vez que os materiais com
maior grau de resistência tendem a apresentar menor ductilidade.

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Figura 3.18. Relação entre o raio de dobramento
interno (Ri) e a redução de espessura (Δe/e0) no
dobramento de chapas(10): (e/Ri)>1,6 é
considerada crítico.

As operações de corte podem produzir descontinuidades, principalmente rebarbas, na região da


bordas que funcionam como concentradores de tensão. A presença de uma descontinuidade, ou
entalhe, altera a distribuição das tensões aplicadas no material, como ilustrado na Figura 3.19,
intensificando-a até atingir um máximo exatamente na ponta do defeito.

Para as peças que sofrerão dobramento após o corte recomenda-se dar preferência para o
dobramento com o eixo de dobramento orientado na direção transversal da laminação da peça
(“blank” ou chapa). Visto que a eventual presença de defeitos internos (como inclusões) pode
funcionar como concentradores de tensão.

Desta forma, se o componente estrutural possuir uma distribuição de defeitos, deve-se manter o seu
tamanho tanto menor quanto for possível, pois a simples presença desta descontinuidade produz:

(a) elevação das tensões na proximidade da descontinuidade/entalhe;


(b) introdução de um estado triaxial de tensões, mesmo que o componente tenha sido
carregado apenas em tração (estado uniaxial);
(c) endurecimento localizado com alta possibilidade de trincamento do material;
(d) aumento localizado na taxa de deformação.

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