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Anais do 43º Congresso Brasileiro de Cerâmica 02201

2 a 5 de junho de 1999 - Florianópolis – S.C.

EFEITO DA ADIÇÃO DE CARBONATOS EM CORPOS CERÂMICOS – DEFEITOS


DEVIDO A FORMAÇÃO DE FASES NÃO ESTÁVEIS

MARKUS SAMUEL REBMANN, ALFREDO ROQUE SALVETTI


Universidade Federal de Mato Grosso do Sul -UFMS, Dpto de Física - CCET
C P: 549; CEP: 79070-900; Campo Grande MS; e-mail: salvetti@nin.ufms.br

RESUMO

Este trabalho estuda os efeitos da adição de carbonatos, em corpos cerâmicos


produzidos com folhelhos argilosos da Formação Ponta Grossa, no município de Rio
Verde de Mato Grosso/MS. O carbonato introduzido era da região de Bonito/MS e
consistia-se de um calcário calcítico. Fizemos análise térmica diferencial e
termogravimetria do carbonato puro e calcinado, reidratado ao ar e em água.
Analisamos os resultados de propriedades físicas de corpos cerâmicos com
diferentes percentuais de carbonato, com a moagem e mistura feita nos moldes da
indústria que utiliza os folhelhos argilosos como matéria prima para fabricação de
lajotas rústicas. Os corpos foram queimados a 1000 C e 1100C e reidratados ao ar e
em água. Para temperaturas acima da temperatura onde a calcita perde CO 2 pode-
se observar que a adição de carbonatos aumenta a quantidade de defeitos nos
corpos após a queima, devido a formação de fase não estável, que reidrata
acompanhado de dilatação. Esses defeitos são atenuados quando os corpos após a
queima são reidratados em água, se comparados àqueles reidratados ao ar.

PALAVRAS-CHAVE: argila, calcita, carbonatos.

INTRODUÇÃO

Pretendemos, com este estudo, comparar o comportamento de propriedades


físicas tais como: dilatação linear, absorção de água e módulo de ruptura à flexão (1),
em corpos de prova cerâmicos obtidos por conformação através de prensagem de
folhelhos argilosos com e sem a adição de carbonatos, após a queima dos mesmos.
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Carbonatos são constituintes importantes de corpos cerâmicos produzidos por


queima (dupla/simples)(2,3). A presença de carbonatos nas formulações e reações que
ocorrem, entre eles e outros componentes, modificam as propriedades do corpo
cerâmico. Porosidade aberta e consequentemente absorção de água, são
modificados devido a decomposição dos carbonatos. A reação dos óxidos resultantes
com outros materiais formam novas fases e afetam outras propriedades importantes,
como estabilidade dimensional com a temperatura e expansão por umidade, podendo
desse modo alterar a expansão térmica do produto resultante após a queima, em
decorrência da presença desses carbonatos na massa cerâmica. De um modo geral
a característica do produto formado, durante a queima, depende da composição da
massa cerâmica que pode ser alterada pela adição de fundentes visando a obtenção
de produtos com características técnicas específicas.

MATERIAIS E MÉTODOS

Utilizamos a matéria prima usada pelas cerâmicas de Rio Verde de Mato


Grosso/MS, na fabricação de lajotas rústicas, matéria prima essa que se constitui
essencialmente de folhelhos argilosos da Formação Ponta Grossa que afloram
naquele município, tanto a porção intemperizada (folhelho amarelo) como a parte não
alterada pela ação do intemperismo (folhelho cinza) (4).
As amostras foram cominuidas a seco, em moinho industrial, e passadas em
peneira 14 Tyler/Mesh. O Carbonato foi cominuido até passar em peneira 14
Tyler/Mesh, adicionado à massa e misturado a seco, de modo a simular o que
ocorreria caso fosse adicionado na indústria, via laminador.
Para o carbonato, realizamos ensaios de: análise térmica diferencial (DTA),
utilizando o equipamento DTA50H Shimatzu, com aquecimento até 1000C e como
referência, cadinho vazio de alumina. Para as análises de termogravimetria,
utilizamos o equipamento TGA50 Shimatzu, com aquecimento até 900C. Todas as
análises térmicas foram feitas em cadinho de alumina, com aproximadamente 30mg
de amostra, taxa de aquecimento de 10C/min e atmosfera de ar com fluxo de
20ml/min.
A conformação dos corpos de prova foi feita por prensagem da massa
umidificada ( 9% umidade) e pressão de compactação de 250kgf/cm 2, utilizando
prensa semi-automática 100Ton. Gabbrielli. Os compactos prensados, com massa,
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comprimento e largura de aproximadamente 50g, 10,6cm e 5,3cm, respectivamente,


foram pesados e medidos com instrumentos de precisão da ordem de ±0,01g e
±0,005cm. Posteriormente, estes foram secos em estufa a 110°C por 24hs, a fim de
que se pudesse determinar a umidade de prensagem e a retração linear de secagem
das diferentes amostras. A queima dos corpos de prova em diferentes temperaturas,
foi feita utilizando forno tipo câmara Brasimet com taxa de aquecimento de 10C/min
e patamar de duas horas na temperatura máxima de queima.
Para caracterização dos corpos de prova após a queima mediu-se, a retração
linear de queima, a absorção de água e o módulo de ruptura à flexão em três pontos
com flexômetro Gabbrielli.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Pelas curvas DTA/TG (Figura 1), referentes às amostras de carbonato da região


de Bonito/MS, podemos identificar uma reação endotérmica com perda de massa
(m  44%), para temperaturas em torno de 800C, devido à eliminação de CO2(5). Na
reação:

CaCO3  CaO + CO2.


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Figura 1 - Curva DTA/TG do carbonato de Bonito/MS

O carbonato durante a queima, transforma-se em óxido de Cálcio que, após


repouso em condições de temperatura e atmosfera ambiente, volta a apresentar,
perda de massa, quando em novo processo de aquecimento (ver Figura 2).
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Figura 2 - Curva TG do carbonato calcinado, reidratado ao ar após a queima.

Resultado que indica que o óxido de Cálcio (cal virgem), não permanece
estável, mas volta a perder massa devido, provavelmente, a reações de hidratação e
recarbonatação(6):

CaO + H2O  Ca(OH)2

CaO + CO2  CaCO3.

Supondo que, toda a cal foi reidratada ou recarbonatada obtemos, por análise
química racional, a proporção de 35% de CaCO 3 para 65% de Ca(OH)2, na
reidratação ao ar.
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Ao colocarmos o óxido de cálcio, resultante da queima do carbonato, logo após


a queima, em presença de água, a hidratação ocorreu de forma diferenciada que no
repouso ao ar (ver Figura 3).

Figura 3 - Curva TG da amostra de carbonato calcinado reidratado em água após a


queima.

A hidratação então é mais intensa que a carbonatação, onde obtemos por


análise química racional a proporção de 91% de Ca(OH) 2 para 9% de CaCO3.
No corpo cerâmico, nos locais onde o carbonato se concentra e o óxido
resultante da queima não reage com outros materiais formando fases estáveis, os
corpos de prova alteram-se com o processo de hidratação e carbonatação (ver Fig. 4
e 5).
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Figura 4 - Foto dos corpos após a queima (T=1000c) com diferentes percentuais de
carbonatos, reidratados ao ar e em água.
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Figura 5 - Foto dos corpos após a queima (T= 1100C) com diferentes percentuais de
carbonatos, reidratados ao ar e em água.

Os corpos queimados com diferentes percentuais de carbonatos, saíram do


forno inteiros, aparentando poucos defeitos na superfície. Todavia a medida que
eram deixados em repouso ao ar por alguns dias (reidratação ao ar), o número de
defeitos aumentava com o processo de reidratação e recarbonatação, chegando os
corpos, com 20% de carbonatos, a desmancharem-se totalmente ao simples
manuseio.
Para os corpos de prova que foram mergulhados em água (reidratação em
água), assim que saíram do forno, os defeitos resultantes da concentração de
carbonatos na superfície do corpo, ficaram visíveis assim que os corpos foram
imersos em água, todavia o aparecimento posterior de defeitos, não mais aconteceu,
como ocorreu quando essa fase instável foi estabilizada ao ar, pois a hidratação
estabilizou a fase instável CaO.
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A saturação imediata do hidrato de cálcio levou ao desagregamento do CaO,


desse modo, a expansão resultante da formação do hidrato de Cálcio pode ser
absorvida pelos poros circundantes das regiões onde havia concentração de
carbonatos(7), sendo que, ao final do processo de reidratação, os corpos reidratados
ao ar apresentavam uma aparência externa bem pior que os corpos reidratados em
água, para o mesmo percentual e carbonato (ver Fig. 4 e 5). Mesmo os corpos com
20% de carbonatos, mantiveram-se inteiros após reidratação em água.
Para temperatura de queima de 1000ºC, os resultados (ver Tabela I) indicam
que há um aumento no módulo de ruptura à flexão nos corpos hidratados ao ar, com
a presença de até 6% de carbonato (MRF = 112Kgf/cm 2), diminuindo a partir de então
até que o corpo rompe ao simples manuseio para 20% de carbonato. Para os corpos
hidratados em água, o módulo de ruptura à flexão cresce lentamente até 4% de
carbonato (MRF = 118 Kgf/cm2), diminuindo também lentamente até 20% de
carbonato (MRF = 108Kgf/cm 2). A absorção de água cresce mais significativamente
para percentuais de carbonato entre 8% e 20%, região em que a retração linear
também diminui mais rapidamente.
Para temperatura de 1100ºC, os resultados (ver tabela I) indicam uma pequena
variação no módulo de ruptura a flexão entre 0% e 8% de carbonato, nos corpos
hidratados ao ar ou em água, diminuindo de forma significativa para percentuais
maiores de carbonato. No caso dos corpos hidratados ao ar, para 20% de carbonato,
elas quebraram totalmente ao simples manuseio (após 1 semana), enquanto que os
corpos hidratados em água permaneceram íntegros mesmo nesse percentual de
carbonato (M.R.F. = 92 kgf/cm 2). A absorção de água aumentou de um fator de
aproximadamente 1,5 e 2,1 e a retração linear diminuiu de um fator em torno de 1,8 e
4 para 10% e 20% de carbonato respectivamente, em relação ao corpo sem
carbonato.
Outra característica importante é que os corpos com carbonatos reidratados ao
ar, tem a superfície onde aparecem os defeitos acompanhados de pequenos
lascamentos, junto à região de concentração de carbonatos, devido ao processo de
expansão por hidratação e recarbonatação do CaO. Nas peças com carbonatos,
reidratadas em água, esses defeitos ficam restritos às regiões de concentrações de
carbonato, não se propagando, via lascamento, para as regiões vizinhas, devido à
desagregação do CaO que ocorre devido à hidratação em água (ver Fig. 5).
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Tabela I - Propriedades Físicas (M.R.F., AA(%) e RL(%)) de corpos cerâmicos com


diferentes percentuais de carbonato, reidratados ao ar e em água, após queima a
1000C e 1100ºC.
Temp. Carbonato M.R.F. Absorção de Água Retração Linear
(ºC) (%) (kgf/cm2) AA (%) RL (%)
Hidratação Hidratação Hidratação
ao Ar em Água ao Ar em Água ao Ar Em Água
0 97.0 94.9 14.4 14.5 1.9 1.9
2 78.4 109.2 14.1 13.5 2.2 2.2
4 102.5 118.3 13.7 13.2 2.5 2.5
1000 6 112.2 117.2 13.8 13.7 2.6 2.5
8 109.7 115.1 14.3 14 2.4 2.2
10 79.2 108.2 16.2 15.5 1.7 1.6
20 0.0 107.7 17.2 1.1 1.0
0 203.1 157.2 7.3 7.6 5.6 5.5
2 202.4 165.3 7.2 6.9 6.0 5.8
4 198.2 192.0 6.7 6.3 6.1 6.1
1100 6 197.3 165.9 7.6 8.0 5.1 5.0
8 173.3 181.5 8.6 8.6 4.9 4.7
10 135.9 141.9 11.3 11.5 3.2 3.1
20 0.0 92.1 16.1 1.4 1.4

CONCLUSÃO

A presença de carbonatos em corpos de prova cerâmicos, altera as


propriedades físicas destes e pode resultar em defeitos nos mesmos, devido ao
processo de hidratação e carbonatação após a queima, caso o óxido de cálcio
resultante não reaja para formar fases estáveis, que pode decorrer da granulometria
grossa que não tem como ser evitada por processos de moagem e peneiramento,
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como no caso das cerâmicas do Estado de MS, assim o carbonato não contribui para
a melhoria do produto final, pela formação de fases cristalinas estáveis, como
também é fonte de defeitos devido ao processo de hidratação e carbonatação. Nesse
caso, o problema pode ser minimizado através da adição de água, logo que o produto
frio sai do forno, pois promove-se o processo de extinção da cal viva, o que se não
impede a formação de pequenos defeitos nos locais onde havia concentração do
carbonato, ao menos atenua o processo de lascamento e quebra que ocorre quando
o óxido de cálcio hidrata e recarbonata ao ar.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à CAPES, CPq/PROPP-UFMS e SEBRAE/MS pelo apoio


financeiro.

BIBLIOGRAFIA

1-SOUZA SANTOS, Pérsio de. Ciência e Tecnologia de Argilas. 2. ed. São Paulo,
Edgard Blücher, 1989. v.1.
2- CHIARI, L; et al - Efeito da adição de Calcita; Cerâmica Industrial 03 (96) 35-37.
3- YEKTA,B.B.;ALIZADEH,P. - Effect of Carbonats on Wall Tile Bodies; Am. Cer. Soc.
Bul. 75 (96) 84-86.
4- Salvetti, A R., Boggiani, P.C.; Gesicki, A L.D. Cerâmica, 275 (1996) 244-247.
5- SMYKATZ-KLOSS, W. - Differential Thermal Analysis-Application and Results in
Mineralogy; Springer-Verlag, New York, 1974.
6- F.H. Norton, Introdução à tecnologia cerâmica, São Paulo, Edusp, Editora Edgard
Blücher, (1973), 324 p.
7- F. Singer,S. Singer, Cerâmica Industrial, Urmo, S.A., Spain, 1978, v.II, 52.
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Effect of carbonates on ceramic bodies – defects of instable fases

ABSTRACT

We studied the effect of carbonate addition in ceramic bodies produced whit clay material from de
Ponta Grossa formation, in the district of Rio Verde de Mato Grosso/MS. The introduced carbonate was
from de region of Bonito/MS and consisted in a calcitic limestone. We made thermogravimetric and
differential thermal analysis of pure and calcined carbonate, rehidrated on air and in water. We analyzed
the results of physical proprieties of ceramic bodies with different percentages of carbonate, in the
condition of crush and mixture that possibilities the use of clay material as raw material in the industry
from Mato Grosso do Sul to produce rustic tiles. The bodies were burned at 1000ºC and 1100ºC and
rehidrated on air and in water. For temperatures over the temperature where the calcite lose CO 2 we
observed that the addition of carbonate increase the quantity of defects on the bodies after burning, in
consequence of the formation of a not stable phase, that rehidrate and dilate. This defects are attenuated
when the bodies, after the burn, are rehidrated in water, in compare with the bodies rehidrated on air.

KEY WORDS: clay, calcite, carbonate

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