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O Governo Michel Temer marcou a história trabalhista por ter promovido a primeira grande
reforma na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). A reforma trabalhista, lei 13.467/17,
alterou mais de 200 artigos do texto celetista e reacendeu os debates em Direito e Processo do
Trabalho.
[...] o nível de emprego é determinado por decisões de investimento tomadas fora do mercado
de trabalho. O custo trabalhista pode ser um fator pouco relevante ou apenas uma entre
diversas variáveis a tomada de decisão dos empresários, sendo normalmente menos
importante do que as políticas macroeconômicas na definição do nível de emprego2.
Ademais, o custo do trabalho tem sob si os encargos sociais, há tributos e contribuições a cada
movimento laboral, do contratar ao dispensar. O Estado lucra sob os insumos produtivos, o
custo do trabalho, o funcionamento das empresas e, também, sobre os produtos e serviços
comercializados.
Extirpar direitos sociais jamais surtiu qualquer efeito prático no desenvolvimento, na economia
ou no sucesso empresarial. Pelo reverso, a experiência reiterada demonstra que a redução do
fluxo financeiro gerado pelos salários representa um risco para o sistema capitalista. Os
empregados são também consumidores, reduzir a pecúnia na mão do trabalhador implica em
restringir o giro econômico do consumo3.
A reforma trabalhista (2017) foi aprovada forma abrupta e sem qualquer apego ao debate
amplo e democrático. As alterações promovidas suscitaram dúvidas, críticas e impactaram na
Justiça do Trabalho, sindicatos e toda sociedade. A par de modernizar as relações de trabalho e
fomentar empregabilidade, institutos jurídicos de direito e processo do trabalho foram criados
e outros foram extintos, sem que qualquer debate jurídico relevante tivesse sido realizado.
Como a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) foi criada para proteger o hipossuficiente na
relação de emprego, alterar dispositivos pode significar ampliar ou amesquinhar o aparato
protetivo. Abordemos, a título de exemplo, 15 (quinze) pontos da reforma trabalhista que
entendemos desfavoráveis aos interesses dos empregados:
Termo de quitação anual - A reforma trouxe a possibilidade de ser feito um termo, a cada ano
de trabalho, no qual o empregado confere quitação ao empregador das obrigações
trabalhistas. O interesse em firmar este tipo de documento, feito enquanto o trabalhador
depende do salário pago e da continuidade do emprego, favorece unicamente o empregador.
Não há qualquer benefício para o emprego em dar quitação enquanto é subordinado e
depende do emprego para sobreviver.
Horas in itinere ou de percurso - o trabalhador que tiver que ir e retornar de um local de difícil
acesso ou não servido por transporte público perdeu o direito de contar o tempo gasto com
tempo de labor, ainda que a empresa forneça o transporte e dele fique refém por ausência de
outro meio de chegar ao trabalho. Este direito foi extinto com a reforma trabalhista.
Banco de horas - antes o banco de horas existia apenas se negociado diretamente com o
sindicato que impunha vantagens à classe trabalhadora pela possibilidade de fazer banco de
horas. A reforma trouxe o banco de horas firmado por acordo entre empregado e empregador.
É evidente que o empregado que discorde será dispensado, o que força o empregado a aceitar
o banco de horas para continuar empregado.
Banco de horas - horas extras habituais não mais descaracterizam o banco de horas, passa a ser
normal ter o banco de horas e não mais excepcional. Os prejuízos para a saúde e segurança do
trabalhador são evidentes, pois a permanência contínua em regime de horas extras
sobrecarrega física e psicologicamente o trabalhador. A Súmula 85 do Tribunal Superior do
Trabalho foi extremamente afetada pela reforma trabalhista.
Intervalo de intrajornada - o intervalo foi reduzido para 30 minutos nas jornadas acima de 6h
de trabalho diárias. Antes da reforma o intervalo era de 60 minutos, no mínimo. O empregado
é premido a realizar a alimentação na empresa, de forma rápida e praticamente impossível
qualquer repouso. A natureza salarial do intervalo suprimido foi alterada para indenizatória,
gerando perda de recolhimentos a favor do trabalhador. A Súmula 437 do Tribunal Superior do
Trabalho foi extremamente afetada pela reforma trabalhista.
Trabalho em jornada 12x36 por acordo individual - antes da reforma era excepcional a jornada
estendida, pois prejudicial à saúde e segurança do trabalhador e firmada por acordo e
convenção coletivos (com participação sindical que negocia vantagens para estes
trabalhadores). A Súmula 444 do Tribunal Superior do Trabalho foi extremamente afetada pela
reforma trabalhista.
Fracionamento do intervalo - antes da reforma, caso uma parte do intervalo não fosse
concedida, o empregador era condenado a pagar integralmente o intervalo suprimido. A
reforma estabeleceu que o empregador só tem que pagar a parte que não concedeu de
intervalo, como se o direito ao descanso pudesse ser partido e ainda assim existir.
Imposto sindical - o sindicato perdeu a fonte de custeio de suas atividades sem nenhuma
preparação ou tempo de adaptação. A desmobilização das categorias, por si só, já representa
prejuízo para a classe trabalhadora.
Negociação coletiva - a reforma trouxe a expressa autorização para negociar vários temas
trabalhistas no sentido de reduzir a garantia já estabelecida em lei, a exemplo de:
Dispensa coletiva - o entendimento pacífico do TST era que para a dispensa coletiva ocorrer
deveria haver negociação sindical. A reforma de forma expressa equiparou a dispensa coletiva
à individual, dispensando a participação sindical e qualquer indenização adicional.
Consoante sobredito, foram mais de 200 artigos alterados ou acrescidos pela reforma
trabalhista. Os temas abordados são os mais palpitantes para a classe obreira, pois altera o
patrimônio jurídico até então conquistado.
Grande parte da reforma foi posta sob o crivo de Ações Diretas de Inconstitucionalidade
(ADIn). Ao todo, foram propostas mais de 34 (trinta e quatro) ADIns, muitas ainda pendentes
de julgamento no STF, mesmo após o transcurso de 4 (quatro) longos anos de nefastos efeitos
da reforma trabalhista na classe trabalhadora.
A Reforma Trabalhista está ainda distante dos debates de constitucionalidade, pois ainda
pendem5 de julgamento no STF:
Alteração de regramentos sobre edição de súmulas e enunciados pelo TST (ADC 62; ADIn 6188
- Relator Ministro Ricardo Lewandowski);
Limitação ou tabelamento do dano moral (ADIn 5870, 6050, 6069 e 6082 - Relator Ministro
Gilmar Mendes);
Trabalho intermitente (ADIn 5826, 6154 e 5829 - Relator Ministro Edson Fachin);
Ultratividade das normas coletivas (ADPF 323 - Relator Ministro Gilmar Mendes);
Prevalência do acordo entre as partes sobre o legislado (ARE 1121633 - Relator Ministro Gilmar
Mendes);
Jornada 12x36 por acordo individual (ADIn 5994) - Ministro André Mendonça após a
aposentadoria do Ministro Celso Mello);
Novos requisitos da petição inicial/reclamação trabalhista - liquidação dos pedidos (ADIn 6002 -
Relator Ministro Ricardo Lewandowski).
Quando os pontos questionados serão julgados é difícil prever, primeiro pela ausência de pauta
dos mesmos, segundo pelos pedidos de vistas. Em que pese a discussão sobre a
constitucionalidade, em geral, há pouca ou nenhuma experiência trabalhista na composição do
STF, a exceção da Ministra Rosa Weber e do Ministro Marco Aurélio Mello (recentemente
aposentado) que foram ministros do Tribunal Superior do Trabalho.
A Ministra Rosa Weber atualmente é a única com experiência na área trabalhista, embora
alguns outros ministros tenham sido procuradores de estado e advogados da união, cargos nos
quais, em tese, há algum contato com a área trabalhista. A falta de vivência dos ministros na
temática oferta uma visão externa alheia à dinâmica dos conflitos trabalhistas, o que pode
implicar em decisões menos densas do que o esperado.
4. Considerações finais
Qualquer alteração legislativa deve ser efetuada com fito de melhoria da condição social e em
benefício da sociedade, favorecendo o desenvolvimento. As alterações legislativas promovidas
com intuito de baratear mão-de-obra estão fadadas ao insucesso e a repetir o retrocesso social
e econômico que a reforma trabalhista representa.
Está mais que evidente e comprovado, que por trás do discurso de criação de empregos e
desenvolvimento econômico, há tão somente intenção de precarizar o trabalho sem qualquer
contrapartida social. É preciso combater essa lógica sem fundamento e buscar meios efetivos
de promover crescimento, incentivando e qualificando a classe trabalhadora, reduzindo os
custos tributários da relação de emprego, majorando o padrão de consumo da classe
trabalhadora, garantindo-lhe renda digna.
4 SEABRA, Cátia; CASTANHO, William. Nova proposta de reforma trabalhista libera domingos e
proíbe motorista de app na CLT. Folha de São Paulo, 04/12;2021. Disponível aqui. Acesso em 13
de dez. 2021.
5 MAIA, Flávia; FECONDO, Felipe. Entenda o que o STF ainda precisa decidir sobre Reforma
Trabalhista. Jota, 22/10/2021. Disponível aqui. Acesso em 17 nov. 2021.
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MAIA, Flávia; RECONDO, Felipe. Entenda o que o STF ainda precisa decidir sobre Reforma
Trabalhista. Jota, 22/10/2021. Disponível aqui. Acesso em 17 nov. 2021.
OLIVEIRA, Isaac de. 4 anos depois, reforma trabalhista não gerou 'boom' de empregos
prometido. Economia UOL, 07/10/2021. Disponível aqui. Acesso em 12/11/2021.
SEABRA, Cátia; CASTANHO, William. Nova proposta de reforma trabalhista libera domingos e
proíbe motorista de app na CLT. Folha de São Paulo, 04/12/2021. Disponível aqui. Acesso em 13
de dez. 2021.
KREIN, José Dari; OLIVEIRA, Roberto Véras de; FILGUEIRAS, Vitor Araújo (organizadores).
Reforma trabalhista no Brasil: promessas e realidade. Campinas: Curt Nimuendajú, 2019.