Você está na página 1de 108

Calvinismo, hipercalvinismo e

arminianismo:
um guia teológico
Kenneth G. Talbot e W. Gary Crampton
Calvinismo, hipercalvinismo e arminianismo é uma expressão da fé
reformada em linguagem não técnica. Os Drs. Talbot e Crampton
deram à igreja um livro que estabelecerá o pensamento dos novos
estudantes de teologia reformada e desafiará os arminianos de
forma bíblica. Recomendo o livro a pastores, estudantes e leigos
que defendem as doutrinas da graça, bem como a quem busca a
verdade.
— Dr. Loraine Boettner
Escritor e teólogo

Este é sem dúvida o livro introdutório mais importante que você lerá
a respeito do calvinismo, hipercalvinismo e arminianismo. Os Drs.
Talbot e Crampton deram à igreja uma exposição clara e concisa
sobre o entendimento bíblico da salvação. O livro é perfeito para
salas de aula ou para estudo pessoal. Eu o recomendo a pastores,
estudantes e leigos.
— Jerry Johnson, M. Phil.
Diretor executivo de The Apologetics Group

O ressurgimento do calvinismo histórico e evangélico em nossos


dias tem infelizmente resultado em grande quantidade de
desinformação acerca dos ensinos bíblicos associados a esse
apelido. Uma das melhores formas de esclarecer a confusão e
chegar ao entendimento acurado do calvinismo é estudá-lo em
contraste com as visões que podem parecer similares a ele, mas
que são na realidade muito diferentes. O ensino das diferenças
apresenta a verdade em contraste apropriado com a “quase
verdade”. O livro de Kenneth Talbot e Gary Crampton, Calvinismo,
hipercalvinismo e arminianismo, faz exatamente isso. Trata-se de
uma excelente ferramenta para quem deseja entender o que a Bíblia
ensina de fato sobre a salvação Jesus Cristo. Recomendo-o com
entusiasmo.
— Dr. Thomas Ascol
Pastor da Grace Baptist Church e editor do Founders Journal
O livro apresenta uma exposição provocativa da fé reformada e é
escrito de modo conducente ao entendimento. Seu estilo bíblico é
fundamental para a tradição reformada. Recomendo Calvinismo,
hipercalvinismo e arminianismo à igreja e, em especial, aos
estudantes sérios da Bíblia.
— Tom Patterson
Editor de The HIGHROADS, ARPC
Copyright @ 1990, de Kenneth G. Talbot e W. Gary Crampton
Publicado originalmente em inglês sob o título
Calvinism, Hyper-Calvinism and Arminianism
pela The Apologetic Group,
5543 Edmondson Pike, Suite 88 Nashville, TN, 37211, EUA.


Todos os direitos em língua portuguesa reservados por
E M
SCRN 712/713, Bloco B, Loja 28 — Ed. Francisco Morato Brasília, DF, Brasil — CEP
70.760-620
www.editoramonergismo.com.br

1ª edição, 2020
Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto
Revisão: Rogério Portella

P ,
, .

Todas as citações bíblicas foram extraídas


da versão Almeida Revista e Atualizada (ARA) salvo indicação em contrário.
Dedicado a

Phyllis Talbot
&
Ann Crampton

por seu auxílio amoroso

“Levantam-se seus filhos e lhe chamam ditosa; seu marido a louva.”


Provérbios 31.28
Sumário
Apresentação
Prefácio dos autores
1. Quando dois credos se chocam
2. A soberania de Deus
3. O homem e a desgraça do pecado
4. Eleição divina ou decisão humana?
5. A expiação realizada por Jesus
6. Chamando os homens a Cristo
7. Perseverança, ou uma vez salvo sempre salvo?
8. Providência divina ou humanismo cristão?
9. Deus é o autor do pecado?
10. Calvinismo, hipercalvinismo e arminianismo
Apêndice A: Uma exposição do arminianismo
Apêndice B: O calvinismo nos EUA
Apêndice C: A justificação só pela fé
Sobre os autores
Apresentação

Sou presbiteriano e calvinista. Isso surpreende a muitos, embora eu


tenha trabalhado na Igreja Presbiteriana por muitos anos, servindo-a
em muitas funções.
As pessoas perguntam: “Como você pode ser um calvinista? Você
prega a Bíblia, e os calvinistas não acreditam na...?”.
O termo calvinista tem sido tão deturpado, e por tanto tempo, que as
pessoas mantêm muitos conceitos errados sobre ele.
Sou calvinista precisamente porque amo a Bíblia e o Deus da Bíblia.
As doutrinas do sistema teológico calvinista são as doutrinas da
Bíblia. Quando descobrir no que realmente cremos você pode
perceber que também é calvinista, em especial se ama ao Senhor
Jesus Cristo e deseja de todo o coração servi-lo.
O calvinismo representa a mensagem central da Escritura e nossas
doutrinas são mantidas até certo grau pela maioria dos cristãos
evangélicos. Um grupo adicionará umas poucas doutrinas e outro
subtrairá outras tantas, mas a maioria dos cristãos bíblicos
descobrirá, ao aprender no que realmente acreditamos, que temos
muito em comum.
Os calvinistas se recusam a aceitar soluções fáceis para os grandes
mistérios de Deus que aparecem nas Escrituras. Talvez a maior
tensão na fé cristã seja entre a autoridade de Deus e a
responsabilidade do homem. As pessoas tendem a enfatizar uma
coisa ou outra. O calvinismo mantém as duas. Quem elimina a
responsabilidade humana é hipercalvinista. Quem elimina a
autoridade divina é arminiano. Nenhuma dessas posições lida de
modo correto com a mensagem plena da Bíblia. A graça de Deus é
maior que qualquer exagero.
Os Drs. Kenneth G. Talbot e W. Gary Crampton apresentam neste
livro uma análise nova e moderna das doutrinas bíblicas da graça
soberana. Seus conceitos são expostos de maneira lógica, bíblica e
convincente. Trata-se de um livro que deveria ser lido por qualquer
pessoa que procura entender a doutrina bíblica da salvação.
Como alguém que ama as doutrinas da graça, eu convido você a ler
e descobrir as verdadeiras crenças dos calvinistas. Talvez elas o
surpreendam; provavelmente você começará a fazer perguntas que
demandarão o restante da vida para serem respondidas.

— D. James Kennedy, Ph.D.


Pastor da Coral Ridge Presbyterian Church
Ft. Lauderdale, Flórida
Prefácio dos autores

Este livro foi escrito para esclarecer, em linguagem não acadêmica,


as principais diferenças entre os principais sistemas teológicos
encontrados na igreja cristã hoje: calvinismo, hipercalvinismo e
arminianismo. Ao longo da história, a igreja foi predominantemente
calvinista (v. o cap. 10). Ele é o sistema defendido neste livro, e o
único que pode se mostrar fiel ao ensino da Escritura. Nas palavras
de Benjamin B. Warfield: “O calvinismo é [...] o teísmo em seu pleno
direito [...] a religião no auge de sua concepção [...] o
evangelicalismo na expressão mais pura e estável”.[1]
O calvinismo afirma a soberania absoluta de Deus sobre todos os
aspectos da vida e cada um deles, e mantém, ao mesmo tempo,
com a Escritura, que o homem é um ser responsável. Em nenhum
lugar isso é visto com maior clareza que na salvação de almas
perdidas. Deus é a primeira causa eficiente da salvação; ela é obra
exclusiva dele. Todavia, o homem é responsável por perseverar na
fé.
O hipercalvinismo, como o nome sugere, é uma perversão do
calvinismo. Ele enfatiza a soberania divina de tal forma na eleição
que a responsabilidade do homem é quase eliminada. A
necessidade do evangelismo é totalmente ignorada e o
entendimento adequado dessas doutrinas é distorcido.
O arminianismo, como sistema de dogmas, é a posição majoritária
da cristandade hoje. Todavia, trata-se de um sério desvio do ensino
bíblico sobre a salvação. A teologia arminiana acentua a habilidade
do homem caído em responder ao evangelho de modo a quase
excluir a graça de Deus — que é soberana e predestina. O homem
torna-se o autor, ou a primeira causa, da própria salvação. Esse não
é o cristianismo bíblico.
Os autores desejam que o leitor de Calvinismo, hipercalvinismo e
arminianismo o acompanhe com a Bíblia em mãos para verificar se
as coisas aqui ensinadas são verdadeiras (v. At 17.11). Se os
ensinos deste livro não estiverem de acordo com a Escritura, eles
devem ser deixados de lado. Mas se o livro de fato ensina a verdade
bíblica, então a verdade deve ser abraçada.
Os autores recomendam que o Apêndice A seja lido com o capítulo
1, o Apêndice B com o capítulo 10 e o Apêndice C com o capítulo 5.
1. Quando dois credos se chocam

A história da igreja cristã está repleta de confrontos teológicos.


Todavia, devemos nos lembrar de que o confronto teológico nem
sempre é danoso à igreja. Em 1 Coríntios 11.18b,19, o apóstolo
Paulo fala exatamente sobre isso: “... estou informado haver
divisões entre vós [...] porque até mesmo importa que haja partidos
entre vós, para que também os aprovados se tornem conhecidos em
vosso meio”. Se os pais da igreja não tivessem examinado todas as
doutrinas apresentadas a ela, a igreja estaria repleta de ensinos
heréticos.
Quando dois credos se chocam na igreja de Jesus Cristo, é
importante considerarmos as duas posições teológicas com
honestidade e cuidado à luz da Escritura Sagrada. Se falharmos em
apresentar com verdade qualquer um deles, somos violadores da lei
de Deus e dignos do seu juízo. Sempre devemos ser francos e
honestos com a Palavra de Deus e o ensino dos homens.
Historicamente, ministros neofundamentalistas não têm sido francos
ao lidar com a questão da soberania de Deus. Isso deveria fazer
qualquer um que professe a fé em Cristo questionar a intenção e
honestidade desses homens nos papéis de liderança.
O padrão de toda questão teológica é o sola Scriptura (só a
Escritura). A Bíblia deve ser o juiz em todas as questões de fé, vida
e prática. A menos que esse padrão seja mantido, a igreja será
extraviada por todo vento de doutrina. O princípio fundamental da
interpretação bíblica é que a Escritura interpreta a Escritura (a
chamada “analogia da fé”, de Lutero); isto é, a Escritura é quem
interpreta melhor a si mesma. Dessa forma, apenas os ensinos
capazes de suportar o escrutínio da sagradas letras devem ser
mantidos.
Nossa intenção é mostrar que a fé histórica da igreja cristã consiste
no sistema teológico comumente conhecido por calvinismo. E esse
é o único sistema coerente com a Palavra de Deus. Charles H.
Spurgeon escreveu: Pessoalmente não creio ser possível pregar
Cristo crucificado a menos que preguemos o que hoje é conhecido
por calvinismo. Calvinismo é apenas um apelido; o calvinismo é o
evangelho e nada mais. Não creio que possamos pregar o
evangelho [...] a menos que preguemos a soberania de Deus em
sua dispensação de graça, nem a menos que exaltemos o amor
imutável, eterno, eletivo e conquistador de Jeová. Também não
acredito que possamos pregar o evangelho, a menos que nos
baseemos na redenção especial e particular do povo de Deus —
redenção essa efetuada por Cristo na cruz. Tampouco compreendo
um evangelho que permita a queda dos santos depois de terem sido
chamados, e admita a queima dos filhos de Deus no fogo da
condenação depois de já terem crido em Cristo.[2]
Confessamos com esse grande teólogo batista que não pode haver
nenhuma apresentação verdadeira do evangelho se ele não for
apresentado na pureza da Palavra de Deus.
Nossa posição é que qualquer contemporização do calvinismo é um
passo em direção ao humanismo. É muito provável que o
empobrecimento da igreja dos séculos 20 e 21, e da sociedade, se
deva à ausência de pregação das doutrinas do calvinismo sólido e
bíblico. O arminianismo, como sistema confessional, permanece a
vanguarda da igreja em nossos dias; trata-se de um desvio sério do
cristianismo bíblico. Seus resultados são notórios. Loraine Boettner
observou: Vivemos na época em que quase todas as igrejas
protestantes históricas estão ameaçadas de dentro pelo ceticismo.
Muitas delas já sucumbiram; a linha de descida foi inevitavelmente
do calvinismo para o arminianismo, e do arminianismo para o
modernismo e unitarismo; e esta última posição tem demonstrado
ser autodestrutiva. Cremos firmemente que o futuro do cristianismo
está ligado de perto ao futuro do calvinismo. A história do
modernismo e do unitarismo, nos EUA, tem demonstrado que esses
sistemas são frágeis demais para se susterem. Existe uma
poderosa tendência ao naturalismo onde os princípios do calvinismo
são abandonados. Alguns expressam — e cremos que corretamente
— não haver meio-termo consistente entre o calvinismo e o ateísmo.
[3]

Os dois credos em questão aqui são o calvinismo e o arminianismo.


A questão pode ser apresentada nesta tese simples: Ou Deus é a
causa primeira da salvação por sua vontade soberana ou o homem
é a causa primeira da salvação por sua vontade soberana. A
regeneração precede a fé ou a fé precede a regeneração. Os dois
sistemas não podem estar corretos. Eles são diametralmente
opostos entre si. A primeira posição relativa à salvação está
centrada em Deus, a última se centra no homem; a primeira posição
é o calvinismo, a última o arminianismo. A quem você deve a
salvação: a Deus ou ao homem? A Bíblia afirma que a “salvação é
de Jeová”. Em Jonas 2.9, lemos: “Ao S pertence a salvação!”.
Além disso, lemos em Salmos 3.8: “Do S é a salvação, e
sobre o teu povo, a tua bênção”.
Vários livros foram escritos sobre calvinismo: pouco mais que
caricaturas do sistema confessional. O resultado é o
“hipercalvinismo”. Esse sistema falso opta pelo deus estoico,
fatalista, que age por capricho no processo de salvação. Da mesma
forma, ele relega os homens ao nível de robôs, sem qualquer
responsabilidade perante o Criador (como no islamismo). Nada
pode estar mais longe do verdadeiro calvinismo. David Engelsma
afirmou: Na maioria dos casos a acusação de “hipercalvinista” é
nada mais que um ataque enganoso sobre o calvinismo em si.
Alguém odeia o calvinismo, ou a defesa intransigente e coerente do
calvinismo; todavia, ele hesita em atacar o calvinismo de modo
aberto e franco; assim, disfarça o ataque ao “hipercalvinismo” e
“hipercalvinistas”.[4]
O propósito do livro não é atacar pessoas em nível pessoal. Antes, é
proteger a igreja das doutrinas heréticas dos ensinos anticalvinistas,
e ajudá-la a retornar às afirmações verdadeiras da Palavra de Deus.
A fé histórica do cristianismo é calvinista. Nossa opinião é que, se a
igreja não voltar à sua herança da Reforma, colherá o turbilhão do
evangelho truncado e da fé centrada no homem.
T E :
As Escrituras Sagradas foram escritas para o nosso
conhecimento da verdade
“Para que a tua confiança esteja no Senhor, quero dar-te hoje a
instrução, a ti mesmo. Porventura, não te escrevi excelentes coisas
acerca de conselhos e conhecimentos, para mostrar-te a certeza
das palavras da verdade, a fim de que possas responder claramente
aos que te enviarem? Não roubes ao pobre, porque é pobre, nem
oprimas em juízo ao aflito.” (Pv 22.19-22) “Jesus, porém, respondeu:
Está escrito: Não só de pão viverá o homem, mas de toda palavra
que procede da boca de Deus.” (Mt 4.4) “Santifica-os na verdade; a
tua palavra é a verdade.” (Jo 17.17) “E que, desde a infância, sabes
as sagradas letras, que podem tornar-te sábio para a salvação pela
fé em Cristo Jesus.” (2Tm 3.15) “Temos, assim, tanto mais
confirmada a palavra profética, e fazeis bem em atendê-la, como a
uma candeia que brilha em lugar tenebroso, até que o dia clareie e a
estrela da alva nasça em vosso coração.” (2Pe 1.19)
As Escrituras são inspiradas e úteis para a doutrina
“Respondeu Abraão: Eles têm Moisés e os Profetas; ouçam-nos.
Mas ele insistiu: Não, pai Abraão; se alguém dentre os mortos for ter
com eles, arrepender-se-ão. Abraão, porém, lhe respondeu: Se não
ouvem a Moisés e aos Profetas, tampouco se deixarão persuadir,
ainda que ressuscite alguém dentre os mortos.” (Lc 16.29-31)
“Edificados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, sendo ele
mesmo, Cristo Jesus, a pedra angular.” (Ef 2.20) “Toda a Escritura é
inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a
correção, para a educação na justiça.” (2Tm 3.16) “Tem cuidado de
ti mesmo e da doutrina. Continua nestes deveres; porque, fazendo
assim, salvarás tanto a ti mesmo como aos teus ouvintes.” (1Tm
4.16) “Porque nunca jamais qualquer profecia foi dada por vontade
humana; entretanto, homens [santos] falaram da parte de Deus,
movidos pelo Espírito Santo.” (2Pe 1.21)
As Escrituras são a autoridade final sobre questões de vida, fé
e prática
“Pois tudo quanto, outrora, foi escrito para o nosso ensino foi escrito,
a fim de que, pela paciência e pela consolação das Escrituras,
tenhamos esperança.” (Rm 15.4) “Se dissermos que não temos
cometido pecado, fazemo-lo mentiroso, e a sua palavra não está em
nós.” (1Jo 1.34)

P :
1. Quão importante é para a igreja disputar sobre questões
doutrinárias?
2. Por que os cristãos devem sempre ser honestos na análise e
apresentação da doutrina a partir de diferentes pontos de vista?
3. Qual é o padrão para determinar se uma doutrina é bíblica ou
não?
4. O que você pensa que o Dr. Loraine Boettner quer dizer quando
declara não existir o meio-termo entre o calvinismo e o ateísmo?
2. A soberania de Deus

O principal dogma da teologia reformada ou calvinista é o da


soberania divina. O que se quer dizer com isso? Em termos simples,
quando falamos da soberania divina queremos dizer que Deus é
Deus em todos os seus santos atributos, suas obras da criação,
providência e salvação. Ele é a causa primeira de tudo que existe, e
nada existe que não seja preordenado por ele. A Confissão de fé de
Westminster (presbiteriana) declara: Desde toda a eternidade e pelo
mui sábio e santo conselho de sua própria vontade, Deus ordenou
livre e inalteravelmente tudo quanto acontece.[5]
A Confissão de fé de Londres (batista) declara o mesmo princípio da
seguinte maneira: Deus decretou em si mesmo, desde toda a
eternidade, pelo mui sábio e santo conselho de sua própria vontade,
livre e inalteravelmente, todas as coisas, tudo quanto acontece.[6]
Se algo existisse de modo independente de Deus, isso deveria ser,
por necessidade, igual a Deus. Mas a Bíblia declara: “Com quem
comparareis a Deus? Ou que coisa semelhante confrontareis com
ele?” (Is 40.18).
Deus é Deus por ser independente e existir por si só. Ele não
depende de nada fora de si mesmo: “Porque assim como o Pai tem
vida em si mesmo, também concedeu ao Filho ter vida em si
mesmo” (Jo 5.26).
A independência divina se estende também à sua vontade: “Todos
os moradores da terra são por ele reputados em nada; e, segundo a
sua vontade, ele opera com o exército do céu e os moradores da
terra; não há quem lhe possa deter a mão, nem lhe dizer: Que
fazes?” (Dn 4.35).
A independência de Deus é vista também em seu poder: “No céu
está o nosso Deus e tudo faz como lhe agrada” (Sl 115.3). O
conselho de Deus é independente: “O conselho do S dura
para sempre; os desígnios do seu coração, por todas as gerações”
(Sl 33.11).
Visto que Deus pensa e age com independência, todas as suas
ações concordam com seu conhecimento. Deus conhece todas as
coisas inerentemente. Ele jamais adquire conhecimento. Todas as
coisas que vieram à existência ocorreram de acordo com seu plano
soberano. Visto que Deus criou todas as coisas, ele deveria primeiro
conhecer todas elas antes de virem à existência. Todas as coisas
existentes, físicas e espirituais, procedem da mente do Deus
onisciente. A Escritura afirma que o Deus triúno da Bíblia declarou
“desde o princípio [...] o que há de acontecer e desde a antiguidade,
as coisas que ainda não sucederam; que diz: o meu conselho
permanecerá de pé, farei toda a minha vontade” (Is 46.10).
Nessa mesma linha o apóstolo Paulo escreve: “Ó profundidade da
riqueza, tanto da sabedoria como do conhecimento de Deus! Quão
insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis, os seus
caminhos!” (Rm 11.33). Tudo existe para cumprir o propósito divino:
“Pois, nele, foram criadas todas as coisas, nos céus e sobre a terra,
as visíveis e as invisíveis, sejam tronos, sejam soberanias, quer
principados, quer potestades. Tudo foi criado por meio dele e para
ele” (Cl 1.16).
Visto que o propósito de Deus é todo-inclusivo, ele se estende à
salvação da humanidade. Paulo declara: “Nele, digo, no qual fomos
também feitos herança, predestinados segundo o propósito daquele
que faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade, a fim
de sermos para louvor da sua glória, nós, os que de antemão
esperamos em Cristo” (Ef 1.11,12). A Escritura nos assegura que
Deus faz todas as coisas segundo o conselho de sua vontade —
baseado em sua soberania absoluta.
É notável como a Escritura menciona a natureza inclusiva da
vontade de Deus como a causa final ou última de tudo que
acontece: 1. Da criação e preservação: “Tu és digno, Senhor e Deus
nosso, de receber a glória, a honra e o poder, porque todas as
coisas tu criaste, sim, por causa da tua vontade vieram a existir e
foram criadas” (Ap 4.11).
2. Do governo: “Como ribeiros de águas assim é o coração do rei na
mão do S ; este, segundo o seu querer, o inclina” (Pv 21.1).
3. Dos sofrimentos de Cristo: “Sendo este entregue pelo
determinado desígnio e presciência de Deus, vós o matastes,
crucificando-o por mãos de iníquos” (At 2.23).
4. Da eleição e reprovação: “Pois ele diz a Moisés: Terei
misericórdia de quem me aprouver ter misericórdia e compadecer-
me-ei de quem me aprouver ter compaixão. Assim, pois, não
depende de quem quer ou de quem corre, mas de usar Deus a sua
misericórdia” (Rm 9.15,16).
5. Da regeneração: “Pois, segundo o seu querer, ele nos gerou pela
palavra da verdade, para que fôssemos como que primícias das
suas criaturas” (Tg 1.18).
6. Da santificação: “Porque Deus é quem efetua em vós tanto o
querer como o realizar, segundo a sua boa vontade” (Fp 2.13).
7. Do sofrimento dos crentes: “Porque, se for da vontade de Deus, é
melhor que sofrais por praticardes o que é bom do que praticando o
mal” (1Pe 3.17).
8. Da vida e destino do homem: “Em vez disso, devíeis dizer: Se o
Senhor quiser, não só viveremos, como também faremos isto ou
aquilo” (Tg 4.15).
9. Dos mínimos detalhes da vida: “Não se vendem dois pardais por
um asse? E nenhum deles cairá em terra sem o consentimento de
vosso Pai” (Mt 10.29).
10. Do destino das nações: “É ele quem muda o tempo e as
estações, remove reis [isto é, nações] e estabelece reis; ele dá
sabedoria aos sábios e entendimento aos inteligentes” (Dn 2.21).
“Eis que as nações são consideradas por ele [Deus] como um pingo
que cai de um balde e como um grão de pó na balança; as ilhas são
como pó fino que se levanta” (Is 40.15).
11. A vontade secreta e revelada de Deus: “As coisas encobertas
pertencem ao Senhor, nosso Deus, porém as reveladas nos
pertencem, a nós e a nossos filhos, para sempre, para que
cumpramos todas as palavras desta lei” (Dt 29.29).
Alguns afirmam que a doutrina da soberania de Deus, expressa pela
fé reformada (calvinista), é dura e estoica. Mas esse não é o caso.
O Deus da Bíblia sempre age de acordo com seus atributos
perfeitos em cada aspecto. Em outras palavras, Deus só faz o que é
perfeito. É impossível que ele aja de outra forma. Contudo, o que é
perfeito aos olhos de Deus não raro encontra a desaprovação
humana. Esse é um dos muitos problemas encontrados no
pensamento arminiano.
Um dos atributos divinos é a santidade. As palavras bíblicas usadas
para Deus, nos idiomas originais do Antigo Testamento e do Novo
Testamento, para designar a santidade, refere-se, não só à sua
pureza, mas também ao fato dele ser separado.
Devemos nos lembrar também de que Deus sempre age de acordo
com seus atributos. Deus não pode negar a si mesmo, como nos é
dito em 2 Timóteo 2.13: “Se somos infiéis, ele permanece fiel, pois
de maneira nenhuma pode negar-se a si mesmo”. Ele é motivado
pela santidade em tudo que faz. Assim, toda atividade de Deus em
sua criação é o epítome da perfeição: “E os quatro seres viventes,
tendo cada um deles, respectivamente, seis asas, estão cheios de
olhos, ao redor e por dentro; não têm descanso, nem de dia nem de
noite, proclamando: Santo, Santo, Santo é o Senhor Deus, o Todo-
Poderoso, aquele que era, que é e que há de vir [...] Tu és digno,
Senhor e Deus nosso, de receber a glória, a honra e o poder,
porque todas as coisas tu criaste, sim, por causa da tua vontade
vieram a existir e foram criadas” (Ap 4.8,11).
A doutrina da imutabilidade de Deus anda de mãos dadas com a
sua soberania. Os propósitos eternos da Deidade triúna, expressos
em seus decretos, não podem ser alterados (Is 14.27; 46.9,10; Jó
42.2). Se Deus pudesse mudar sua mente ou planos, ele não seria
infinitamente sábio em suas obras de criação e providência.
Como o Deus todo sábio poderia mudar sua mente e inventar um
plano mais perfeito? Como poderia a Deidade soberana, que
preordenou todas as coisas desde a eternidade, ter os decretos
alterados pelos desejos do homem, uma criatura de Deus e
dependente dele para existir? Os decretos soberanos de Deus são:
1. Fundados sobre a sabedoria divina: “Nele, digo, no qual fomos
também feitos herança, predestinados segundo o propósito daquele
que faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade” (Ef
1.11).
2. Eternos, anteriores à fundação do mundo: “O conselho do
S dura para sempre; os desígnios do seu coração, por todas
as gerações” (Sl 33.11).
3. Eficientes, sempre se concretizam: “Muitos propósitos há no
coração do homem, mas o desígnio do S permanecerá” (Pv
19.21).
4. Imutáveis, sempre permanecem os mesmos: “Mas, se ele
resolveu alguma coisa, quem o pode dissuadir? O que ele deseja,
isso fará” (Jó 23.13).
5. Incondicionais, nada pode ocorrer fora da vontade divina: “Sendo
este entregue pelo determinado desígnio e presciência de Deus, vós
o matastes, crucificando-o por mãos de iníquos” (At 2.23). Nada ou
ninguém pode alterar os seus planos: “Bem sei que tudo podes, e
nenhum dos teus planos pode ser frustrado” (Jó 42.2).
6. Absolutamente inclusivos:
a. As boas ações dos homens: “Pois somos feitura dele, criados em
Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou
para que andássemos nelas” (Ef 2.10).
b. As ações perversas dos homens: “O S fez todas as coisas
para determinados fins e até o perverso, para o dia da calamidade”
(Pv 16.4).
c. Acontecimentos aparentemente contingentes: “A sorte se lança
no regaço, mas do S procede toda decisão” (Pv 16.33).
d. Os meios bem como o fim da salvação (e de todas as coisas):
“Entretanto, devemos sempre dar graças a Deus por vós, irmãos
amados pelo Senhor, porque Deus vos escolheu desde o princípio
para a salvação, pela santificação do Espírito e fé na verdade” (2Ts
2.13).
e. A duração da vida do homem: “Visto que os seus dias estão
contados, contigo está o número dos seus meses; tu ao homem
puseste limites além dos quais não passará” (Jó 14.5).
f. O lugar da habitação do homem: “De um só fez toda a raça
humana para habitar sobre toda a face da terra, havendo fixado os
tempos previamente estabelecidos e os limites da sua habitação” (At
17.26).
Deus decreta todas as coisas que acontecerão para seus próprios
bons propósitos e glória (Ef 1.11). Mas ele também o faz para que
os homens aprendam a temê-lo: “Sei que tudo quanto Deus faz
durará eternamente; nada se lhe pode acrescentar e nada lhe tirar;
e isto faz Deus para que os homens temam diante dele” (Ec 3.14).
A soberania divina é um conceito fundamental do cristianismo. É um
princípio básico do calvinismo. Se esse dogma for removido pelas
falsas doutrinas de qualquer outro sistema confessional, então todo
o cristianismo bíblico ruirá. Se Deus não for soberano, nossa fé é
inútil. Boettner observa: Deus criou o mundo em que nos
encontramos; o mundo lhe pertence, e ele governa o mundo de
acordo com seu soberano beneplácito. Deus não perdeu nada de
seu poder; é imensamente desonroso presumir que ele luta sem
cessar contra a raça humana, tentando fazer o melhor que pode
para persuadir os homens a agir de forma correta, mas incapaz de
concretizar seu imutável, santo, sábio e soberano propósito.[7]
Como veremos no restante do livro, a salvação procede de Deus, do
princípio ao fim. Trata-se da salvação fundada no propósito
soberano, eterno e eletivo do grande Deus triúno da Escritura. Todo
o processo da salvação flui do amor e da predestinação eletivos de
Deus, mas ele se move para o seu objetivo, que é a própria glória,
por meio da obra redentora de Jesus Cristo, à medida que os santos
eleitos perseveram até o fim e são glorificados.

T E :
Deus é soberano em todas as coisas, incluindo a salvação
“Pelo que Davi louvou ao S perante a congregação toda e
disse: Bendito és tu, S , Deus de Israel, nosso pai, de
eternidade em eternidade. Teu, S , é o poder, a grandeza, a
honra, a vitória e a majestade; porque teu é tudo quanto há nos
céus e na terra; teu, S , é o reino, e tu te exaltaste por chefe
sobre todos. Riquezas e glória vêm de ti, tu dominas sobre tudo, na
tua mão há força e poder; contigo está o engrandecer e a tudo dar
força.” (1Cr 29.10-12) “Assim, abençoou o S o último estado
de Jó mais do que o primeiro; porque veio a ter catorze mil ovelhas,
seis mil camelos, mil juntas de bois e mil jumentas.” (Jó 42.12) “No
céu está o nosso Deus e tudo faz como lhe agrada.” (Sl 115.3)
“Jurou o S dos Exércitos, dizendo: Como pensei, assim
sucederá, e, como determinei, assim se efetuará. Quebrantarei a
Assíria na minha terra e nas minhas montanhas a pisarei, para que
o seu jugo se aparte de Israel, e a sua carga se desvie dos ombros
dele. Este é o desígnio que se formou concernente a toda a terra; e
esta é a mão que está estendida sobre todas as nações. Porque o
S dos Exércitos o determinou; quem, pois, o invalidará? A
sua mão está estendida; quem, pois, a fará voltar atrás?” (Is 14.24-
27) “Lembrai-vos das coisas passadas da antiguidade: que eu sou
Deus, e não há outro, eu sou Deus, e não há outro semelhante a
mim; que desde o princípio anuncio o que há de acontecer e desde
a antiguidade, as coisas que ainda não sucederam; que digo: o meu
conselho permanecerá de pé, farei toda a minha vontade; que
chamo a ave de rapina desde o Oriente e de uma terra longínqua, o
homem do meu conselho. Eu o disse, eu também o cumprirei; tomei
este propósito, também o executarei.” (Is 46.9-11) “Assim será a
palavra que sair da minha boca: não voltará para mim vazia, mas
fará o que me apraz e prosperará naquilo para que a designei.” (Is
55.11) “Mas ao fim daqueles dias, eu, Nabucodonosor, levantei os
olhos ao céu, tornou-me a vir o entendimento, e eu bendisse o
Altíssimo, e louvei, e glorifiquei ao que vive para sempre, cujo
domínio é sempiterno, e cujo reino é de geração em geração. Todos
os moradores da terra são por ele reputados em nada; e, segundo a
sua vontade, ele opera com o exército do céu e os moradores da
terra; não há quem lhe possa deter a mão, nem lhe dizer: Que
fazes? Tão logo me tornou a vir o entendimento, também, para a
dignidade do meu reino, tornou-me a vir a minha majestade e o meu
resplendor; buscaram-me os meus conselheiros e os meus grandes;
fui restabelecido no meu reino, e a mim se me ajuntou extraordinária
grandeza.” (Dn 4.34-36) “Jesus, fitando neles o olhar, disselhes: Isto
é impossível aos homens, mas para Deus tudo é possível.” (Mt
19.26)

P :
1. O que se quiser dizer com a expressão “soberania de Deus”?
2. Deus é dependente do homem para algo? Explique.
3. O que significa a “santidade” de Deus?
4. O que se quer dizer com a expressão “Deus é a primeira causa
de todas as coisas”?
5. Quais são as 11 áreas listadas neste capítulo que declaram a
soberania divina sobre toda a criação?
6. Por que é importante entendermos a imutabilidade de Deus?
7. Quais são os seis princípios dos decretos soberanos de Deus
discutidos no capítulo e por que eles são importantes?
8. De todas as doutrinas ensinadas na teologia calvinista, qual é a
mais básica?
3. O homem e a desgraça do pecado

Uma das maiores diferenças teológicas entre o calvinismo e o


arminianismo diz respeito aos efeitos do pecado sobre a raça
humana. Ambos os sistemas concordam que a queda do homem
ocorreu no jardim do Éden (Gn 3), e eles afirmam no sentido mais
básico que toda a raça humana foi grandemente afetada pela
queda. A questão é: “Quão grande foi o efeito?”.
A Bíblia afirma que Adão, o primeiro ser humano, foi o cabeça
pactual ou representante federal de toda a humanidade. Portanto,
quando ele (como cabeça pactual) caiu, seu pecado foi imputado a
todos os homens e a todas as mulheres e crianças. Paulo escreveu:
“Portanto, assim como por um só homem entrou o pecado no
mundo, e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a
todos os homens, porque todos pecaram” (Rm 5.12). O apóstolo
disse que todo ser humano é concebido em pecado por causa da
transgressão de Adão no jardim. Somos todos culpados. Davi
confirma isso: “Eu nasci na iniquidade, e em pecado me concebeu
minha mãe” (Sl 51.5).
A teologia cristã se refere a essa verdade como doutrina do pecado
original. Ela ensina que todas as pessoas são judicialmente
culpadas por causa do pecado de Adão. Trata-se de uma transação
legal, do mesmo modo que os cristãos são justificados legalmente
por causa da imputação da justiça de Cristo a eles (2Co 5.21; Rm
5.18,19; v. o cap. 5).
A teologia arminiana sustenta que a raça humana foi seriamente
afetada pela queda, mas o homem não foi deixado no estado de
total desesperança espiritual. Todo pecador ainda tem a capacidade
de se arrepender e crer no evangelho. O destino eterno de cada
pessoa depende do uso dessa capacidade.
As pessoas cooperam com Deus, ou escolhem rejeitá-lo. Todavia, a
escolha pertence por completo ao indivíduo. O calvinismo discorda
do arminianismo com veemência neste ponto. Os cristãos
reformados afirmam que a queda do homem deixou todas as
pessoas no estado de total depravação ou incapacidade. O homem
é incapaz de fazer algo agradável a Deus. Ele está morto no
pecado: espiritualmente cego e surdo para as coisas de Deus. À
parte da obra regeneradora de Deus na vida do homem — e nela
ele não tem nenhuma participação —, ninguém pode se arrepender
ou crer no evangelho. A Confissão de fé de Westminster declara
bem isso quando diz: O homem, ao cair num estado de pecado,
perdeu inteiramente todo o poder de vontade quanto a qualquer
bem espiritual associado à salvação, de modo que o homem natural,
que é inteiramente oposto a esse bem, e estando morto no pecado,
é incapaz, pelo seu próprio poder, de converter-se ou preparar-se
para isso.[8] (V. tb.: Confissão de fé de Londres (batista) de 1689,
Cap. 9, Seção 3).
É importante observar que os calvinistas não dizem que o homem é
absolutamente depravado; isto é, que todo homem é tão perverso
quanto poderia ser. Esse falso ensino hipercalvinista é às vezes
atribuído de maneira equivocada à teologia reformada.
Como foi declarado acima, os calvinistas dizem que o pecado afetou
cada parte do ser do homem (todas as suas faculdades, p. ex., a
mente, a vontade), a ponto de ele ser incapaz de fazer algo
agradável a Deus. O homem é capaz de fazer muitas obras
aparentemente boas. Ele pode dar esmolas, pode ajudar a outros
em suas necessidades, etc. Contudo, jamais buscará fazer algo
para a glória do Criador.
Assim, tudo que ele faz é pecaminoso. Para citar outro dos credos
históricos da igreja, o artigo XIII de Os trinta e nove artigos de
religião da Igreja da Inglaterra declara que todas as obras feitas por
homens não regenerados: Não são agradáveis a Deus, porquanto
não procedem da fé em Jesus Cristo; nem fazem os homens dignos
de receber a graça [...] muito pelo contrário, visto que elas não são
feitas como Deus quis e ordenou que fossem feitas, não duvidamos
terem elas a natureza do pecado.[9]
Nem o calvinismo ensina que o homem caído perdeu a liberdade da
vontade, no sentido de agência moral livre. Os cristãos reformados
sustentam que todos os homens são livres nesse sentido; eles
sempre fazem o que escolhem fazer (na verdade, não podem agir
de outra forma). Afirmar que o homem não tem agência moral livre
equivaleria a declarar que ele nunca poderia escolher nada. Isso
seria absurdo!
O problema é que o homem caído não tem vontade neutra. Ele foi
concebido em pecado. Isto é, embora o homem nasça com a
liberdade para escolher fazer o que deseja, ele não conta mais com
a capacidade de escolher o bem (a justiça). Todos os desejos dele
consistem em fazer o mal aos olhos de Deus.
A vontade do homem, portanto, não é autônoma e indeterminada. É
sempre determinada por seus desejos e por suas indisposições
interiores. O desejo dos cristãos, com o coração regenerado, é fazer
a vontade do Pai. O desejo dos não cristãos consiste em servir a si
mesmo. Em resumo, a vontade do homem não regenerado está
escravizada ao pecado. Isso é o que a Bíblia ensina.
O profeta Jeremias afirmou que o homem é incapaz de transformar
seu caráter pecaminoso: “Pode, acaso, o etíope mudar a sua pele
ou o leopardo, as suas manchas? Então, poderíeis fazer o bem,
estando acostumados a fazer o mal” (Jr 13.23). Jesus Cristo
ensinou isso em Mateus 12.35: “O homem bom tira do tesouro bom
coisas boas; mas o homem mau do mau tesouro tira coisas más”.
Paulo escreveu que os descrentes são “obscurecidos de
entendimento, alheios à vida de Deus por causa da ignorância em
que vivem, pela dureza do seu coração, os quais, tendo-se tornado
insensíveis, se entregaram à dissolução para, com avidez,
cometerem toda sorte de impureza” (Ef 4.18,19). Esses indivíduos,
alegou o apóstolo, estão “mortos em [seus] delitos e pecados” (Ef
2.1). “Como está escrito: Não há justo, nem um sequer, não há
quem entenda, não há quem busque a Deus; todos se extraviaram,
à uma se fizeram inúteis; não há quem faça o bem, não há nem um
sequer” (Rm 3.10-12).
Em Romanos 8.7, Paulo declarou ainda: “O pendor da carne é
inimizade contra Deus, pois não está sujeito à lei de Deus, nem
mesmo pode estar”. Em 1 Coríntios 2.14, o apóstolo escreveu: “Ora,
o homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque
lhe são loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem
espiritualmente”. Observe que a Bíblia enfatiza, nos últimos dois
versículos, a total incapacidade do homem caído de responder de
modo positivo à lei de Deus. Isso é o que os calvinistas afirmam
consistir na “depravação total”.
Se o homem caído há de chegar a um conhecimento salvador de
Jesus Cristo, isso deve acontecer só pela graça divina. Lê-se em
Efésios 2.8,9: “Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto
não vem de vós; é dom de Deus; não de obras, para que ninguém
se glorie”. Se o arminianismo fosse verdadeiro, então a salvação
não seria pela graça; ela seria merecida pela escolha livre do
homem caído. Isso não é o que a Bíblia ensina. Jesus mesmo
ensinou: “Ninguém pode vir a mim se o Pai, que me enviou, não o
trouxer” (Jo 6.44).
Uma última coisa precisa ser estudada a respeito da “vontade livre”
do homem. Na teologia arminiana, para o homem ser livre, nada
pode determinar suas escolhas; elas devem ser completamente
espontâneas. Mas isso é impossível! Não existe uma ação não
causada. Toda escolha que o homem faz é causada por algo (isto é,
alguma disposição interior), de outra forma ele não poderia escolher.
O conceito da escolha não causada contradiz a si mesmo. Nenhuma
escolha pode ser completamente espontânea.
Além disso, se o conceito arminiano de vontade livre for levado à
conclusão lógica, então seria pecaminoso pregar o evangelho ao
homem caído. Por quê? Pois seria uma tentativa de fazer com que
ele se voltasse para Cristo — uma violação de sua vontade livre. A
definição calvinista de vontade livre, discutida acima, é a única
posição coerente com o ensino da Bíblia.

T E :

Os homens nascem em pecado


“Respondeu Jesus: Em verdade, em verdade te digo: quem não
nascer da água e do Espírito não pode entrar no reino de Deus. O
que é nascido da carne é carne; e o que é nascido do Espírito é
espírito. Não te admires de eu te dizer: importa-vos nascer de novo.”
(Jo 3.5-7)
Os homens estão espiritualmente mortos no pecado
“Viu o S que a maldade do homem se havia multiplicado na
terra e que era continuamente mau todo desígnio do seu coração.”
(Gn 6.5) “E o S aspirou o suave cheiro e disse consigo
mesmo: Não tornarei a amaldiçoar a terra por causa do homem,
porque é mau o desígnio íntimo do homem desde a sua mocidade;
nem tornarei a ferir todo vivente, como fiz.” (Gn 8.21) “Este é o mal
que há em tudo quanto se faz debaixo do sol: a todos sucede o
mesmo; também o coração dos homens está cheio de maldade,
nele há desvarios enquanto vivem; depois, rumo aos mortos.” (Ec
9.3) “Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e
desesperadamente corrupto; quem o conhecerá?” (Jr 17.9)
“Porque de dentro, do coração dos homens, é que procedem os
maus desígnios, a prostituição, os furtos, os homicídios, os
adultérios, a avareza, as malícias, o dolo, a lascívia, a inveja, a
blasfêmia, a soberba, a loucura. Ora, todos estes males vêm de
dentro e contaminam o homem.” (Mc 7.21-23) “O julgamento é este:
que a luz veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do
que a luz; porque as suas obras eram más.” (Jo 3.19) “Por isso, o
pendor da carne é inimizade contra Deus, pois não está sujeito à lei
de Deus, nem mesmo pode estar. Portanto, os que estão na carne
não podem agradar a Deus.” (Rm 8.7,8) “Ora, o homem natural não
aceita as coisas do Espírito de Deus, porque lhe são loucura; e não
pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente.” (1Co
2.14) “Todas as coisas são puras para os puros; todavia, para os
impuros e descrentes, nada é puro. Porque tanto a mente como a
consciência deles estão corrompidas.” (Tt 1.15)
Os homens são escravos do pecado
“Vós sois do diabo, que é vosso pai, e quereis satisfazer-lhe os
desejos. Ele foi homicida desde o princípio e jamais se firmou na
verdade, porque nele não há verdade. Quando ele profere mentira,
fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso e pai da mentira.” (Jo
8.44) “Naquele tempo, estáveis sem Cristo, separados da
comunidade de Israel e estranhos às alianças da promessa, não
tendo esperança e sem Deus no mundo.” (Ef 2.12) “Disciplinando
com mansidão os que se opõem, na expectativa de que Deus lhes
conceda não só o arrependimento para conhecerem plenamente a
verdade, mas também o retorno à sensatez, livrando-se eles dos
laços do diabo, tendo sido feitos cativos por ele para cumprirem a
sua vontade.” (2Tm 2.25,26) “Sabemos que somos de Deus e que o
mundo inteiro jaz no Maligno.” (1Jo 5.19)
“Replicou-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo: todo o que
comete pecado é escravo do pecado.” (Jo 8.34)
“Porque, quando éreis escravos do pecado, estáveis isentos em
relação à justiça.” (Rm 6.20)

Todos os homens estão debaixo do reinado do pecado


“Que é o homem, para que seja puro? E o que nasce de mulher,
para ser justo? Eis que Deus não confia nem nos seus santos; nem
os céus são puros aos seus olhos, quanto menos o homem, que é
abominável e corrupto, que bebe a iniquidade como a água!” (Jó
15.14-16) “Se observares, S , iniquidades, quem, Senhor,
subsistirá?” (Sl 130.3) “Quem pode dizer: Purifiquei o meu coração,
limpo estou do meu pecado?” (Pv 20.9)
“Não há homem justo sobre a terra que faça o bem e que não
peque.” (Ec 7.20)
“Todos nós andávamos desgarrados como ovelhas; cada um se
desviava pelo caminho, mas o S fez cair sobre ele a
iniquidade de nós todos.” (Is 53.6) “Mas todos nós somos como o
imundo, e todas as nossas justiças, como trapo da imundícia; todos
nós murchamos como a folha, e as nossas iniquidades, como um
vento, nos arrebatam.” (Is 64.6) “Que se conclui? Temos nós
qualquer vantagem? Não, de forma nenhuma; pois já temos
demonstrado que todos, tanto judeus como gregos, estão debaixo
do pecado; como está escrito: Não há justo, nem um sequer, não há
quem entenda, não há quem busque a Deus; todos se extraviaram,
à uma se fizeram inúteis; não há quem faça o bem, não há nem um
sequer”. (Rm 3.9-12) “Se dissermos que não temos pecado
nenhum, a nós mesmos nos enganamos, e a verdade não está em
nós.” (1Jo 1.8)
“Se dissermos que não temos cometido pecado, fazemo-lo
mentiroso, e a sua palavra não está em nós.” (1Jo 1.10)

Os homens são totalmente incapazes de se arrepender do


pecado para a salvação à parte do Espírito
“As tuas palavras têm sustentado aos que tropeçavam, e os joelhos
vacilantes tens fortificado.” (Jó 14.4)
“Pode, acaso, o etíope mudar a sua pele ou o leopardo, as suas
manchas? Então, poderíeis fazer o bem, estando acostumados a
fazer o mal.” (Jr 13.23) “Ninguém pode vir a mim se o Pai, que me
enviou, não o trouxer; e eu o ressuscitarei no último dia.” (Jo 6.44)
“E prosseguiu: Por causa disto, é que vos tenho dito: ninguém
poderá vir a mim, se, pelo Pai, não lhe for concedido.” (Jo 6.65)
“Ora, o homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus,
porque lhe são loucura; e não pode entendê-las, porque elas se
discernem espiritualmente.” (1Co 2.14)
P :
1. Qual é o primeiro pecado registrado na Bíblia?
2. Que efeito o primeiro pecado surtiu sobre o resto da
humanidade?
3. Por que o primeiro pecado é chamado “original”? Por que se trata
de uma questão legal?
4. Qual é a diferença entre calvinismo e arminianismo na questão da
“depravação total do homem”?
5. Um homem pode, como pecador, praticar boas obras para a sua
salvação?
6. O que se quer dizer com a expressão “cativeiro da vontade” ou “a
vontade do homem está em escravidão ao pecado”?
7. O homem é um ser autônomo de acordo com a Escritura?
Explique.
4. Eleição divina ou decisão humana?

Os arminianos ensinam que o homem, não Deus, decide a respeito


da questão da salvação. Eles sustentam, com efeito, que Deus
escolhe quem o escolhe. Ele ratifica as escolhas dos homens; a
eleição deles é condicional.
Já o calvinismo alega que a eleição é incondicional. Ela não se
baseia em nada “previsto” no homem. Trata-se de uma obra
inteiramente de Deus. A doutrina da eleição é parte da doutrina mais
ampla da soberania divina absoluta, discutida no capítulo 2.
Há vários conceitos errôneos concernentes ao ensino do calvinismo
com respeito à eleição. Primeiro, a eleição não é a salvação. A
eleição precede a salvação. O Pai elegeu certas pessoas para a
salvação em Cristo desde toda a eternidade. Paulo escreveu:
“[Deus] nos [os santos eleitos] escolheu, nele [em Cristo], antes da
fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis perante
ele” (Ef 1.4). A eleição é uma ação que aconteceu antes da história,
enquanto a salvação ocorre na história. A última se dá quando o
indivíduo confessa a Cristo como Salvador e Senhor (Rm 10.9,10).
Em segundo lugar, eleger não significa “ratificar” como no
arminianismo; antes, significa “selecionar ou escolher entre”. Dessa
forma, quando falamos que Deus elege e salva, referimo-nos ao que
Deus faz, não o homem. Deus escolhe seus eleitos. Todos os
homens são dignos da morte eterna, mas Deus elegeu certo número
deles para a salvação antes da fundação do mundo.
Terceiro, como foi aludido acima, a eleição divina não se deve à sua
presciência ou ao pré-conhecimento de certos homens o
escolherem ou não. A Confissão de fé de Westminster declara:
“Embora Deus sabia tudo quanto pode ou há de acontecer em todas
as circunstâncias inimagináveis, ele não decreta coisa alguma por
havê-la previsto como futura, ou como coisa que haveria de
acontecer sob tais e tais condições”.[10]
Como já vimos, toda a raça humana é culpada do pecado de Adão.
Todos os homens nascem mortos no pecado e são incapazes de
fazer algo agradável a Deus (Ef 2.1; Rm 8.7,8; Sl 51.5; 58.3). Eles
não têm a capacidade de escolher a Deus. Deus os escolhe.
Eis uma diferença séria entre o calvinismo e o arminianismo. De
acordo com o último, Deus, com sua capacidade de previsão, olhou
nos corredores do tempo e observou todas as pessoas que
escolheriam a salvação em Jesus Cristo. Contando com essa
presciência divina, ele então ratificou a escolha que certos homens
fizeram dele.
Romanos 8.29 é a passagem clássica que lida com a questão da
presciência divina: “Porquanto aos que de antemão conheceu,
também os predestinou para serem conformes à imagem de seu
Filho”. O entendimento arminiano da presciência nesse versículo é o
mesmo de Paulo? O apóstolo menciona apenas o conhecimento
divino de antemão? De forma alguma! O versículo 28, que precede
o versículo em questão, nos dá a resposta: “Sabemos que todas as
coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles
que são chamados segundo o seu propósito”. Toda a ordem da
salvação, encontrada em Romanos 8.28-30, gira em torno da
palavra “propósito” no versículo 28. E o propósito é de Deus, não do
homem. Isso é da maior importância.
O que, então, a palavra presciência significa? Ela é quase sinônimo
de “amar de antemão”. Observe que em Gênesis 4.1 lemos isso:
“Adão conheceu sua esposa Eva”. Aqui a palavra “conhecer” é
usada para descrever o relacionamento íntimo entre marido e
mulher. O mesmo uso é encontrado em Lucas 1.34, onde Maria diz
ao anjo Gabriel que ela nunca “conheceu” (lit., no texto grego) um
homem; isto é, ela nunca havia se relacionado sexualmente com
alguém. Em Mateus 7.23, ao falar de alguns incrédulos, Jesus disse:
“Então, lhes direi explicitamente: nunca vos conheci. Apartai-vos de
mim, os que praticais a iniquidade”.
O Senhor quer dizer que ele nunca soube quem eram aqueles
homens? Como Jesus Cristo, o governante soberano do universo,
que dá vida e fôlego a toda a humanidade, não sabe quem são
essas pessoas? Isso é possível? Claro que não! Significa que ele
nunca os amou com amor salvador.
O termo conhecer, usado nesse sentido, designa o relacionamento
íntimo existente entre Deus e os eleitos, baseado só na sua graça
eletiva. Com respeito ao uso bíblico de presciência em Romanos
8.9, John Murray escreveu: “Significa ‘aqueles sobre os quais ele
colocou seu interesse’ ou ‘aqueles que ele conheceu desde a
eternidade com deleite e afeição que distinguem’, e é quase
equivalente a ‘aos que de antemão amou’”.[11] James Boice
observou que na Escritura: “A palavra pré-conhecimento nunca é
usada com referência a acontecimentos ou ações — mas sempre
com referência a pessoas, cuja vida é afetada por esse pré-
conhecimento, e não o contrário”.[12]
Sem dúvida, a eleição ocorre de acordo com a presciência, mas não
segundo alguma previsão. Obviamente, todo cristão afirmará que
Deus, o Mestre soberano do universo, conhece todas as coisas e,
dessa forma, conhece todas as coisas de antemão. Deus conhece
todas as coisas porque ele é o Criador de tudo, e todas as coisas
existem de acordo com sua vontade soberana que as decretou. Ele
conhece e tem presciência de todas as coisas desde toda a
eternidade porque ele é Deus e preordenou, ou decretou, tudo que
acontecerá. De forma lógica, insistir que Deus apenas conhece o
futuro ao olhar para ele equivale a insistir que Deus não é soberano.
Tal, sem dúvida, não é o Deus da Bíblia. O que então é eleição?
Boettner escreve:
O fato de Deus escolher determinados indivíduos para a
salvação, antes da fundação do mundo, se deve unicamente à
sua vontade soberana. A eleição que ele fez de certos
pecadores não se baseia no conhecimento prévio de uma
resposta ou de um ato de obediência (como a fé, o
arrependimento, etc.) da parte dos pecadores. Ao contrário,
Deus concede a fé e o arrependimento a toda pessoa eleita.
Essas obras resultam da eleição divina, não a causam. Assim, a
eleição não é determinada nem condicionada por alguma virtude
ou obra meritória que Deus previu no homem. Os eleitos, de
acordo com a soberania divina, são movidos pelo Espírito Santo
a aceitar Jesus. Portanto, a causa fundamental da salvação não
é a decisão do pecador de aceitar a Cristo, e sim a eleição do
pecador por Deus.[13]
Há várias passagens da Escritura que apoiam a doutrina calvinista
da eleição divina. Efésios 1.4, um dos versículos mais fortes na
Bíblia sobre o assunto, já foi citado antes. Lê-se nele que Deus fez a
escolha desde a eternidade. Da mesma forma, em 2
Tessalonicenses 2.13,14 Paulo declarou: “Entretanto, devemos
sempre dar graças a Deus por vós, irmãos amados pelo Senhor,
porque Deus vos escolheu desde o princípio para a salvação, pela
santificação do Espírito e fé na verdade, para o que também vos
chamou mediante o nosso evangelho, para alcançardes a glória de
nosso Senhor Jesus Cristo”. Mais uma vez, Deus escolheu os
tessalonicenses, não o inverso.
Em Atos 13 lemos sobre as atividades missionárias de Paulo em
Antioquia da Pisídia (v. 13-52). Quando os gentios ouviram a
mensagem de salvação somente em Jesus Cristo eles se
alegraram: “Regozijavam-se e glorificavam a palavra do Senhor, e
creram todos os que haviam sido destinados para a vida eterna” (v.
48). Observe que quem creu havia sido escolhido por Deus para
crer.
Em Romanos 9.10-13, Paulo ensinou que mesmo antes de Jacó e
Esaú nascerem, ou terem feito algo bom ou mau, Deus escolheu o
primeiro e rejeitou o último. Por qual razão? “Para que o propósito
de Deus, quanto à eleição, prevalecesse” (v. 11). A pergunta natural
é: “Há injustiça da parte de Deus?” (v. 14); “De modo nenhum”, diz
Paulo: (v. 14). “Pois ele [Deus] diz a Moisés: Terei misericórdia de
quem me aprouver ter misericórdia e compadecer-me-ei de quem
me aprouver ter compaixão. Assim, pois, não depende de quem
quer ou de quem corre, mas de usar Deus a sua misericórdia” (v.
15,16). Quão mais óbvio o apóstolo poderia deixar isso? A eleição
divina é incondicional.
Em Apocalipse 17.8 lê-se sobre “cujos nomes não foram escritos no
Livro da Vida desde a fundação do mundo” (v. tb. 13.8). Devem ser
observadas várias coisas na passagem. Primeira, alguns nomes já
foram escritos no Livro da Vida antes da fundação do mundo e
alguns não. Algum será adicionado? Nenhum! Algum será perdido?
Nenhum! Os eleitos e os não eleitos foram predeterminados desde a
eternidade. O número deles é absolutamente imutável. Deve-se
observar que isso é verdade no calvinismo e no arminianismo.
Ora, no esquema arminiano, se Deus prevê todos os que o
escolherão e ratifica a escolha deles ao lhes escrever o nome no
Livro da Vida, pode alguém mais ser salvo além daqueles a quem
Deus previu? Sem dúvida não! Fosse possível, então Deus deixaria
de ser Deus. Algo teria escapado do seu conhecimento. Assim, não
existe diferença na questão do número de eleitos e não eleitos,
salvos e não salvos, no arminianismo ou calvinismo. O número foi
estabelecido desde a eternidade. Ninguém pode mudá-lo. A única
diferença é que Deus faz a escolha. Ou Deus salva os homens por
eleição para Jesus Cristo, ou os homens salvam a si mesmos por
desejarem Jesus Cristo por si mesmos. A Bíblia afirma que Deus é o
autor da salvação: “Ao S pertence a salvação!” (Jn 2.9). Em
João 1.12,13 lemos: “Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o
poder de serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que creem no
seu nome; os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da
carne, nem da vontade do homem, mas de Deus”.

T E :
Deus tem um povo eleito
“Eis que os céus e os céus dos céus são do S , teu Deus, a
terra e tudo o que nela há. Tão somente o S se afeiçoou a
teus pais para os amar; a vós outros, descendentes deles, escolheu
de todos os povos, como hoje se vê.” (Dt 10.14,15) “Feliz a nação
cujo Deus é o S , e o povo que ele escolheu para sua
herança.” (Sl 33.12) “Bem-aventurado aquele a quem escolhes e
aproximas de ti, para que assista nos teus átrios; ficaremos
satisfeitos com a bondade de tua casa — o teu santo templo.” (Sl
65.4) “Tudo me foi entregue por meu Pai. Ninguém conhece o Filho,
senão o Pai; e ninguém conhece o Pai, senão o Filho e aquele a
quem o Filho o quiser revelar.” (Mt 11.27) “Porque muitos são
chamados, mas poucos, escolhidos.” (Mt 22.14)
“Não fará Deus justiça aos seus escolhidos, que a ele clamam dia e
noite, embora pareça demorado em defendê-los?” (Lc 18.7)
“Sabemos que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que
amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu
propósito. Porquanto aos que de antemão conheceu, também os
predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de
que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E aos que
predestinou, a esses também chamou; e aos que chamou, a esses
também justificou; e aos que justificou, a esses também glorificou.”
(Rm 8.28-30) “Quem intentará acusação contra os eleitos de Deus?
É Deus quem os justifica.” (Rm 8.33)
“Paulo, servo de Deus e apóstolo de Jesus Cristo, para promover a
fé que é dos eleitos de Deus e o pleno conhecimento da verdade
segundo a piedade.” (Tt 1.1) “A eles foi revelado que, não para si
mesmos, mas para vós outros, ministravam as coisas que, agora,
vos foram anunciadas por aqueles que, pelo Espírito Santo enviado
do céu, vos pregaram o evangelho, coisas essas que anjos anelam
perscrutar.” (1Pe 1.12)
É Deus quem escolhe os indivíduos para a salvação pela graça
“Não fostes vós que me escolhestes a mim; pelo contrário, eu vos
escolhi a vós outros e vos designei para que vades e deis fruto, e o
vosso fruto permaneça; a fim de que tudo quanto pedirdes ao Pai
em meu nome, ele vo-lo conceda.” (Jo 15.16) “Querendo ele
percorrer a Acaia, animaram-no os irmãos e escreveram aos
discípulos para o receberem. Tendo chegado, auxiliou muito aqueles
que, mediante a graça, haviam crido.” (At 18.27) “E não ela
somente, mas também Rebeca, ao conceber de um só, Isaque,
nosso pai. E ainda não eram os gêmeos nascidos, nem tinham
praticado o bem ou o mal (para que o propósito de Deus, quanto à
eleição, prevalecesse, não por obras, mas por aquele que chama),
já fora dito a ela: O mais velho será servo do mais moço. Como está
escrito: Amei Jacó, porém me aborreci de Esaú. Que diremos, pois?
Há injustiça da parte de Deus? De modo nenhum! Pois ele diz a
Moisés: Terei misericórdia de quem me aprouver ter misericórdia e
compadecer-me-ei de quem me aprouver ter compaixão. Assim,
pois, não depende de quem quer ou de quem corre, mas de usar
Deus a sua misericórdia. Porque a Escritura diz a Faraó: Para isto
mesmo te levantei, para mostrar em ti o meu poder e para que o
meu nome seja anunciado por toda a terra. Logo, tem ele
misericórdia de quem quer e também endurece a quem lhe apraz.
Tu, porém, me dirás: De que se queixa ele ainda? Pois quem jamais
resistiu à sua vontade? Quem és tu, ó homem, para discutires com
Deus?! Porventura, pode o objeto perguntar a quem o fez: Por que
me fizeste assim? Ou não tem o oleiro direito sobre a massa, para
do mesmo barro fazer um vaso para honra e outro, para desonra?
Que diremos, pois, se Deus, querendo mostrar a sua ira e dar a
conhecer o seu poder, suportou com muita longanimidade os vasos
de ira, preparados para a perdição, a fim de que também desse a
conhecer as riquezas da sua glória em vasos de misericórdia, que
para glória preparou de antemão, os quais somos nós, a quem
também chamou, não só dentre os judeus, mas também dentre os
gentios?.” (Rm 9.10-24) “Nos predestinou para ele, para a adoção
de filhos, por meio de Jesus Cristo, segundo o beneplácito de sua
vontade.” (Ef 1.5) “Pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus
para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que
andássemos nelas.” (Ef 2.10) “Porque vos foi concedida a graça de
padecerdes por Cristo e não somente de crerdes nele.” (Fp 1.29)
“Entretanto, devemos sempre dar graças a Deus por vós, irmãos
amados pelo Senhor, porque Deus vos escolheu desde o princípio
para a salvação, pela santificação do Espírito e fé na verdade, para
o que também vos chamou mediante o nosso evangelho, para
alcançardes a glória de nosso Senhor Jesus Cristo.” (2Ts 2.13,14)
P :
1. Qual é a diferença entre a visão arminiana e calvinista da eleição
divina?
2. Eleição é salvação? Explique.
3. A eleição ocorre de acordo com a presciência ou previsão? O que
a Bíblia ensina e qual é a diferença entre essas duas visões?
4. O que se quer dizer com o termo “presciência”?
5. A expiação realizada por Jesus

O calvinismo defende que a expiação realizada por Jesus Cristo foi


suficiente para salvar todos os homens, mas eficiente para redimir
apenas os eleitos de Deus — aqueles a quem o Pai escolheu desde
a eternidade (Ef 1.4). Dessa forma, a eficácia da expiação foi
limitada. Como Boettner observou: “Foi uma obra objetiva realizada
na história para remover todas as barreiras legais contra quem ela
foi aplicada”.[14] Os calvinistas afirmam, com a Escritura, que o
Espírito de Deus aplica de forma subjetiva os méritos da expiação
realizada por Jesus ao coração das pessoas por quem o Salvador
morreu.
Os arminianos há muito acusam os calvinistas de limitar o poder da
expiação. Essa acusação é falsa. A fé histórica ensina que a
expiação realizada por Jesus cumpre exatamente o que Deus
decretou. O Senhor Jesus Cristo declarou: “Todo aquele que o Pai
me dá, esse virá a mim; e o que vem a mim, de modo nenhum o
lançarei fora. Porque eu desci do céu, não para fazer a minha
própria vontade, e sim a vontade daquele que me enviou. E a
vontade de quem me enviou é esta: que nenhum eu perca de todos
os que me deu; pelo contrário, eu o ressuscitarei no último dia” (Jo
6.37-39).
Como vimos, o calvinismo ensina que o caráter da expiação é
limitado ou particular. A limitação, contudo, não está no poder da
salvação, mas em seu propósito. Os cristãos reformados sustentam
a limitação da expiação na eficácia, não na suficiência. Isto é, o
sacrifício expiatório de Cristo é suficiente para salvar todos, mas é
eficiente para salvar só os eleitos. Não existe carência de poder.
Da mesma forma, os calvinistas ensinam que todos os homens se
beneficiam de maneira indireta da expiação. Eles são recipientes do
que tem sido chamado “a bondade de Deus” (o tratamento gracioso
de Deus para com toda a humanidade, declarado em Mt 5.45 e 1Tm
4.10) pelo fato de a expiação realizada por Jesus reverter os efeitos
da queda. A suficiência plena da expiação é a base da oferta
universal do evangelho (Jo 3.16; Mt 11.28-30). Os calvinistas
também creem que a expiação é suficiente para a redenção do
mundo caído (Cl 1.20), embora ela não abarque todas as pessoas
do mundo. Isto é, Deus não deixou o mundo no estado caótico (Gn
3.14-19; Rm 8.19-25); antes, Cristo veio para reverter os efeitos da
queda sobre o todo o cosmo.
A expiação realizada por Jesus é também universal no sentido de
visar “todos os tipos de homens”. Isto é, ele morreu por homens de
todas as nações, tribos e línguas. Em Apocalipse 5.9, lemos: “E
entoavam novo cântico, dizendo: Digno és de tomar o livro e de
abrir-lhe os selos, porque foste morto e com o teu sangue
compraste para Deus os que procedem de toda tribo, língua, povo e
nação”. Este é o mundo de homens por quem Cristo morreu (cf. 1Jo
2.2; Jo 11.51,52). É o mundo sem distinção! O mundo em que “não
pode haver judeu nem grego; nem escravo nem liberto; nem homem
nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus” (Gl 3.28).
Mas não se trata do mundo sem exceção, como no universalismo —
ou seja, em que todos serão salvos. Há uma grande diferença entre
suficiência e eficiência.
Os cristãos reformados entendem ser Deus absolutamente
soberano, e que realizará todos os seus propósitos. Eles também
reconhecem que Deus não desejou salvar todos os homens (Mt
25.31-46; Ap 20.11-15). Os calvinistas concluem dessa forma, por
meio da Escritura, que Cristo não morreu para salvar todos os
homens.
Como Cristo poderia dizer que nenhum daqueles a quem o Pai lhe
deu se perderia, a menos que ele tivesse morrido por eles? Além
disso, como ele poderia realizar a vontade do Pai se falhasse em
salvar quem lhe foi dado pelo Pai? É realmente concebível que
Cristo tenha vertido seu sangue por quem já estava no céu no
momento da expiação (p. ex., Esaú ou Faraó; cf. Rm 9.10-18)?
De modo geral, os arminianos contestam o argumento acima ao
afirmar que, embora Cristo tenha morrido por todos os homens, eles
ainda precisam crer (isto é, confiar na obra consumada do Messias).
Em outras palavras, a obra expiatória foi realizada, e os pecados da
humanidade perdoados, mas o homem deve aceitar isso por si
mesmo. Isto, contudo, não é coerente com a Bíblia.
Lê-se em 2 Coríntios 5.18,19: “Ora, tudo provém de Deus, que nos
reconciliou consigo mesmo por meio de Cristo e nos deu o
ministério da reconciliação, a saber, que Deus estava em Cristo
reconciliando consigo o mundo, não imputando aos homens as suas
transgressões, e nos confiou a palavra da reconciliação”. Como
pode Deus não imputar as transgressões de homens caídos por
causa da expiação realizada por Jesus, e ainda assim enviar muitos
para o inferno? Om arminianos responderiam: Incredulidade!
Contudo, a incredulidade não é uma transgressão que não deveria
ser imputada a eles? Ou talvez precisemos dizer que a morte de
Cristo não pretendia perdoar todos os pecados de todos os homens,
mas apenas alguns pecados. Que diremos? Alguns ou todos?
Os arminianos se encontram em um dilema teológico. Ou todos os
pecados (incluindo a incredulidade) foram expiados e ninguém se
perderá, ou nem todos os pecados foram expiados e todos os
homens precisarão dar conta de alguns pecados e, dessa forma,
ninguém será salvo. Esse é um problema sério e insolúvel na visão
arminiana da expiação realizada por Jesus.
O conhecimento correto da doutrina bíblica da justificação ajudará
no entendimento da natureza da expiação realizada por Jesus. A
justificação define a importância salvadora da obra de Cristo em
favor de seu povo. Trata-se de um termo legal que se refere ao fato
de Deus declarar (em vez de tornar) os homens justos (v. o
Apêndice C, Justificação pela fé). A justificação é imputada, não
comunicada ou infundida. Quando Cristo realizou a expiação pelo
pecado na cruz, ele morreu de uma vez por todas pelos pecados, e
apenas uma vez, como expressou o apóstolo Pedro: “Pois também
Cristo morreu, uma única vez, pelos pecados, o justo pelos injustos,
para conduzir-vos a Deus; morto, sim, na carne, mas vivificado no
espírito” (1Pe 3.18).
O trabalho necessário e exigido para a justificação de pecadores
perdidos foi completado nessa ocasião. Ele foi/é um fait accompli
(fato consumado).
Portanto, nada pode mudar o status legal da pessoa por quem
Cristo morreu na expiação. O autor de Hebreus escreveu: “Com
efeito, nos convinha um sumo sacerdote como este, santo,
inculpável, sem mácula, separado dos pecadores e feito mais alto
do que os céus, que não tem necessidade, como os sumos
sacerdotes, de oferecer todos os dias sacrifícios, primeiro, por seus
próprios pecados, depois, pelos do povo; porque fez isto uma vez
por todas, quando a si mesmo se ofereceu” (7.26,27). E outra vez:
“[Cristo] entrou no Santo dos Santos, uma vez por todas, tendo
obtido eterna redenção” (9.12). Observe que a redenção foi obtida
na obra expiatória do Senhor Jesus.
Ora, se a obra de Cristo na cruz foi aceita por Deus para a
justificação de pecadores, e Deus declarou legalmente que não
levará em conta as transgressões das pessoas por quem Cristo
morreu, como elas podem se perder? Aqueles por quem o Senhor
Jesus morreu serão necessariamente salvos. A expiação foi
realizada por todos os pecados dessas pessoas, incluindo a
incredulidade delas. Se ele morreu por todos os homens, então
todos serão salvos. Ou o pecado deles foi expiado ou não. Como
pode o Deus perfeitamente justo prometer uma coisa e não cumprir?
Que tipo de Deus é esse? Com certeza não é o Deus da Escritura
Sagrada. A doutrina calvinista da expiação limitada é a única
resposta. Cristo expiou os pecados dos eleitos.
O arminianismo ensina que Cristo não veio morrer em favor de
certos homens; antes, ele tornou a salvação possível a todos os
homens. Mas, como já vimos, não é esse o ensino da Bíblia. Lê-se
em Mateus 1.21: “Ele [Cristo] salvará o seu povo dos pecados
deles”. Lucas 19.10 declara: “Porque o Filho do Homem veio buscar
e salvar o perdido”. Em 1 Timóteo 1.15, Paulo escreveu: “Fiel é a
palavra e digna de toda aceitação: que Cristo Jesus veio ao mundo
para salvar os pecadores”. O Senhor Jesus não veio tornar a
salvação possível; ele veio salvar.
Várias passagens bíblicas ensinam a doutrina calvinista da expiação
limitada de Cristo. Algumas já foram mencionadas. Em Mateus 1.21
lemos que Cristo veio salvar seu povo dos pecados deles. Em
Hebreus 9.12, vemos que a obra sacrificial de Cristo obteve
redenção eterna para os pecados dos eleitos. Em Efésios 5.25 e
Atos 20.28 Paulo declarou que Cristo morreu por seu corpo, a igreja.
O próprio Jesus ensinou que a expiação se limitava às suas
ovelhas. Em João 10, o Senhor afirmou que suas ovelhas lhe ouvem
a voz (v. 3,27); elas o conhecem (v. 14). Elas são as pessoas por
quem ele entregou sua vida (v. 11,15). Ele não morreu por quem
não confia nele; esse não é sua ovelha (v. 26). J. Gresham Machen
certa vez disse: “Quando Cristo decide salvar um povo, ele o salva”.
[15]
Talvez o argumento mais forte em favor da visão calvinista da
expiação limitada provenha da doutrina bíblica da apropriação. De
acordo com ela, as três pessoas da Deidade triúna sempre
trabalham em perfeita harmonia. Em outras palavras, um membro
da Trindade não pode se envolver em obra contrária às obras das
outras duas pessoas. Se isso fosse possível, não teríamos um Deus
em três pessoas; antes, seriam três pessoas e três deuses
separados — uma antiga heresia. A Bíblia nos ensina que Deus não
é de confusão (1Co 14.33). Existe uma relação harmoniosa de ação
na Trindade. Todos os membros sempre estão em perfeito acordo
entre si.
Sendo este o caso, não é possível afirmar ter Cristo morrido em
favor dos pecados de todos os homens. Isto é, o Pai escolheu
apenas algumas pessoas para serem salvas (Ef 1.4); o Espírito
regenera e sela apenas um certo número de indivíduos (Tt 3.56; Ef
1.13,14); e o Filho redime apenas esse mesmo número definido (Ef
1.7). Essas pessoas são as únicas por quem Jesus morreu — os
eleitos de Deus.
Os arminianos contestam os versículos da Escritura acima com
outros, como 1 Timóteo 2.3-6: “Deus [...] deseja que todos os
homens sejam salvos [...] Cristo Jesus, homem, o qual a si mesmo
se deu em resgate por todos”; e 2 Pedro 3.9: “Ele [Deus] é
longânimo para convosco, não querendo que nenhum pereça,
senão que todos cheguem ao arrependimento”. Contudo, quando
esses versículos são estudados no próprio contexto, eles não
ensinam a expiação universal. Na primeira passagem Paulo apenas
afirmou que Deus deseja que todos os tipos de homens, isto é,
judeus e gentios, sejam salvos (cf. 1Tm 2.1,2,7; e Rm 3.29). Em 2
Pedro 3.9 a mensagem é direcionada a quem faz parte da igreja.
Assim, Pedro defendeu de fato a doutrina da expiação limitada.
Deus não é tardio para com suas promessas — ele deseja que
todos os membros do seu corpo, a igreja, cheguem ao
arrependimento. Nenhum deles perecerá.
Outras passagens da Escritura apontadas pelos arminianos em
apoio à expiação universal são as que contêm a expressão “todo o
que”. Em João 3.16, por exemplo, lemos: “Porque Deus amou ao
mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo
o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna”.
Ora, os calvinistas estão em plena concordância com os arminianos
aqui — “todo o que” vier a Cristo será salvo (cf. Jo 6.37). O
problema reside no fato que João 3.16 e outras passagens como
essa não dizerem nada sobre quem é capaz de vir a Cristo. Já o
texto de João 6.44 é muito explícito: “Ninguém pode vir a mim se o
Pai, que me enviou, não o trouxer”. Os versículos “todo o que” não
ensinam a expiação universal.
Todos os que veem a Cristo o fazem de modo voluntário. A questão
não é se eles veem voluntariamente, mas sim o que os tornou
dispostos a vir? Foi Deus ou algo inerente no homem? A Bíblia diz
que Deus é o autor da salvação e da disposição do homem de vir a
Cristo.
Os autores deste livro opinam que a doutrina da expiação limitada é
a mais difícil dos cinco pontos do calvinismo para a aceitação
arminiana. É interessante que os arminianos também sustentam
uma forma de expiação limitada. David Steele e Curtis Thomas
escreveram: Os arminianos também limitam a obra expiatória de
Cristo, mas se trata de uma expiação de natureza muito diferente.
Eles afirmam que a obra salvadora de Cristo foi designada para
tornar possível a salvação de todos os homens sob a condição de
que creiam; todavia, a morte de Cristo em si não assegura ou
garante em verdade a salvação de ninguém.
Pelo fato de nem todos os homens serem salvos pela obra
redentora de Cristo, deve-se admitir certa limitação. Ou a
expiação é limitada ao ser designada para assegurar a salvação
de alguns pecadores, e não de outros, ou ela é limitada no
sentido de não pretender assegurar a salvação de ninguém, e
designada apenas para tornar possível que Deus perdoe
pecadores sob a condição de que eles creiam. Em outras
palavras, deve-se limitar o desígnio da extensão (não foi
pretendida para todos) ou da eficácia (não assegura a salvação
de ninguém). Como Boettner observa de maneira hábil: para os
calvinistas a expiação é como uma ponte estreita que atravessa
todo o rio, para os arminianos é como uma grande ponte que se
estende só até a metade do caminho.[16]
Na verdade, o arminianos despersonalizam a expiação e a tornam
impotente.
A questão perante nós é: Por quem Cristo morreu?
Existem apenas quatro respostas possíveis:
1. Cristo morreu por todos os pecados de todos os homens; se essa
é a resposta correta à nossa pergunta, então, necessariamente,
todos os homens serão salvos. Isso é inescapável. Já vimos que
Cristo obteve a redenção eterna para as pessoas por quem ele
morreu. A Bíblia ensina que os indivíduos por quem Cristo morreu
serão legalmente declarados justos. Eles serão justificados; seus
pecados serão perdoados. Essa é a doutrina do universalismo,
refutada pela Palavra de Deus. Mateus 25.31-46 e Apocalipse
20.11-15, e outras passagens também, falam do juízo final, quando
pessoas serão enviadas ao inferno (v. esp. Mt 25.41,46).
2. Ele morreu por alguns dos pecados de todos os homens: se essa
é a resposta, então todos os homens devem pagar o preço dos
pecados não expiados pela morte de Cristo. Todavia, a Bíblia ensina
que mesmo um único pecado contra o Deus eterno merece a
punição eterna (Tg 2.10; Gl 3.10).
3. Ele não morreu por nenhum pecado de ninguém: sendo esse
fosse o caso, então obviamente ninguém poderia ser salvo. Ou seja,
os pecados das pessoas salvas deveriam ser expiados por elas
mesmas.
4. Ele morreu por todos os pecados de alguns homens: essa é a
única resposta concebível. Vimos que a Bíblia ensina o conceito da
expiação repetidas vezes. As pessoas por quem Cristo morreu, e só
elas, serão salvas. Elas são os indivíduos escolhidos pelo Pai desde
a eternidade (Ef 1.4); são aqueles a quem o Espírito regenera e sela
(Tt 3.5,6; Ef 1.13,14); eles são as pessoas redimidas pelo Filho (Ef
1.7).
Steele e Thomas escreveram:
O calvinismo histórico ou tradicional afirma com coerência que a
obra redentora de Cristo foi definitiva em desígnio e realização:
ela pretendia realizar a satisfação plena por pecadores
específicos e, de fato, assegurou a salvação desses indivíduos
e de ninguém mais. A salvação conquistada por Cristo para seu
povo compreende todos os elementos envolvidos em levá-lo ao
relacionamento correto com Deus, incluindo os dons da fé e do
arrependimento. Cristo não morreu só para tornar possível Deus
perdoar pecadores. Nem Deus deixou à mercê dos pecadores a
eficiência da obra de Cristo ou não. Ao contrário, todos as
pessoas por quem Cristo se sacrificou serão salvas
infalivelmente. A redenção, portanto, objetivava cumprir o
proposito eletivo de Deus.[17]

T E :
Cristo morreu pelos pecados de seu povo — não pelos pecados
de todas as pessoas no mundo
“Ela dará à luz um filho e lhe porás o nome de Jesus, porque ele
salvará o seu povo dos pecados deles.” (Mt 1.21)
“Tal como o Filho do Homem, que não veio para ser servido, mas
para servir e dar a sua vida em resgate por muitos.” (Mt 20.28)
“Rodearam-no, pois, os judeus e o interpelaram: Até quando nos
deixarás a mente em suspenso? Se tu és o Cristo, dize-o
francamente. Respondeu-lhes Jesus: Já vo-lo disse, e não credes.
As obras que eu faço em nome de meu Pai testificam a meu
respeito. Mas vós não credes, porque não sois das minhas ovelhas.
As minhas ovelhas ouvem a minha voz; eu as conheço, e elas me
seguem. Eu lhes dou a vida eterna; jamais perecerão, e ninguém as
arrebatará da minha mão. Aquilo que meu Pai me deu é maior do
que tudo; e da mão do Pai ninguém pode arrebatar.” (Jo 10.24-29)
“Nem considerais que vos convém que morra um só homem pelo
povo e que não venha a perecer toda a nação. Ora, ele não disse
isto de si mesmo; mas, sendo sumo sacerdote naquele ano,
profetizou que Jesus estava para morrer pela nação e não somente
pela nação, mas também para reunir em um só corpo os filhos de
Deus, que andam dispersos. Desde aquele dia, resolveram matá-lo.”
(Jo 11.50-53) “Tendo Jesus falado estas coisas, levantou os olhos
ao céu e disse: Pai, é chegada a hora; glorifica a teu Filho, para que
o Filho te glorifique a ti, assim como lhe conferiste autoridade sobre
toda a carne, a fim de que ele conceda a vida eterna a todos os que
lhe deste. E a vida eterna é esta: que te conheçam a ti, o único
Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste. Eu te glorifiquei
na terra, consumando a obra que me confiaste para fazer; e, agora,
glorifica-me, ó Pai, contigo mesmo, com a glória que eu tive junto de
ti, antes que houvesse mundo. Manifestei o teu nome aos homens
que me deste do mundo. Eram teus, tu mos confiaste, e eles têm
guardado a tua palavra. Agora, eles reconhecem que todas as
coisas que me tens dado provêm de ti; porque eu lhes tenho
transmitido as palavras que me deste, e eles as receberam, e
verdadeiramente conheceram que saí de ti, e creram que tu me
enviaste. É por eles que eu rogo; não rogo pelo mundo, mas por
aqueles que me deste, porque são teus; ora, todas as minhas coisas
são tuas, e as tuas coisas são minhas; e, neles, eu sou glorificado.
Já não estou no mundo, mas eles continuam no mundo, ao passo
que eu vou para junto de ti. Pai santo, guarda-os em teu nome, que
me deste, para que eles sejam um, assim como nós.” (Jo 17.1-11)
“Atendei por vós e por todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo
vos constituiu bispos, para pastoreardes a igreja de Deus, a qual ele
comprou com o seu próprio sangue.” (At 20.28) “Bendito o Deus e
Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos tem abençoado com
toda sorte de bênção espiritual nas regiões celestiais em Cristo,
assim como nos escolheu, nele, antes da fundação do mundo, para
sermos santos e irrepreensíveis perante ele; e em amor nos
predestinou para ele, para a adoção de filhos, por meio de Jesus
Cristo, segundo o beneplácito de sua vontade, para louvor da glória
de sua graça, que ele nos concedeu gratuitamente no Amado, no
qual temos a redenção, pelo seu sangue, a remissão dos pecados,
segundo a riqueza da sua graça, que Deus derramou
abundantemente sobre nós em toda a sabedoria e prudência,
desvendando-nos o mistério da sua vontade, segundo o seu
beneplácito que propusera em Cristo, de fazer convergir nele, na
dispensação da plenitude dos tempos, todas as coisas, tanto as do
céu como as da terra; nele, digo, no qual fomos também feitos
herança, predestinados segundo o propósito daquele que faz todas
as coisas conforme o conselho da sua vontade, a fim de sermos
para louvor da sua glória, nós, os que de antemão esperamos em
Cristo.” (Ef 1.3-12) “Maridos, amai vossa mulher, como também
Cristo amou a igreja e a si mesmo se entregou por ela, para que a
santificasse, tendo-a purificado por meio da lavagem de água pela
palavra, para a apresentar a si mesmo igreja gloriosa, sem mácula,
nem ruga, nem coisa semelhante, porém santa e sem defeito.” (Ef
5.25-27) “Por isso mesmo, ele é o Mediador da nova aliança, a fim
de que, intervindo a morte para remissão das transgressões que
havia sob a primeira aliança, recebam a promessa da eterna
herança aqueles que têm sido chamados.” (Hb 9.15) “Assim
também Cristo, tendo-se oferecido uma vez para sempre para tirar
os pecados de muitos, aparecerá segunda vez, sem pecado, aos
que o aguardam para a salvação.” (Hb 9.28) “E entoavam novo
cântico, dizendo: Digno és de tomar o livro e de abrir-lhe os selos,
porque foste morto e com o teu sangue compraste para Deus os
que procedem de toda tribo, língua, povo e nação.” (Ap 5.9)
P :
1. O que o calvinismo ensina sobre a suficiência da expiação
realizada por Jesus?
2. Como a expiação realizada por Jesus é eficiente?
3. Cristo morreu por todos os pecados de todos os homens?
4. Qual é o dilema que envolve os arminianos com respeito à
expiação universal?
5. Como a “doutrina da expiação” é afetada pela “doutrina da
justificação”?
6. Qual é a doutrina da apropriação?
6. Chamando os homens a Cristo

No estudo sobre o calvinismo vimos que Deus é soberano sobre


todas as coisas no universo, incluindo a salvação ou reprovação do
homem. Todos os homens, mulheres e crianças nascidos no mundo
estão mortos no pecado e por isso são incapazes de fazer algo para
merecer a salvação. Se eles haverão de ser salvos, Deus precisa
salvá-los. Em sua vontade soberana, Deus escolheu desde a
eternidade, por sua graça, algumas pessoas para serem salvas por
meio da fé em Jesus Cristo. Elas são as pessoas por quem Cristo
morreu.
Todos os indivíduos escolhidos pelo Pai e dados ao Filho serão
salvos; isto é, eles virão a Cristo em arrependimento e fé e ele os
receberá em seu reino (Jo 6.37). Eles virão ao Filho porque são
irresistivelmente atraídos pelo Pai (Jo 6.44). Em outras palavras,
uma vez que Deus regenera o coração dos eleitos (Jo 3.3-8), então
não mais odeiam a luz e amam as trevas (Jo 3.19). Antes, os
regenerados confiarão em Jesus Cristo como Senhor e Salvador (Jo
3.21).
A Bíblia afirma que o poder regenerador do Espírito Santo é tão
grande que não pode ser resistido. Os gerados do alto (os que
nasceram de novo) são novas criaturas em Cristo (2Co 5.17). Em
João 6, Jesus disse: “Todo aquele que o Pai me dá, esse virá a mim
[...] todo aquele que da parte do Pai tem ouvido e aprendido, esse
vem a mim [...] O espírito é o que vivifica [...] Por causa disto, é que
vos tenho dito: ninguém poderá vir a mim, se, pelo Pai, não lhe for
concedido” (v. 37,45,63,65). Da mesma forma, lê-se em Salmos
110.3: “Apresentar-se-á voluntariamente o teu povo, no dia do teu
poder”. Isso é graça irresistível e salvadora.
Assim, como os homens são chamados a Cristo? A resposta é
simples — de acordo com a Escritura! Isso significa que não
devemos adotar a metodologia humanista no evangelismo. Por
exemplo, os “apelos”[18] para as pessoas irem à parte da frente da
igreja e receber Jesus são antibíblicos. Não existe uma única
convocação assim em toda a Escritura. A ideia de que se deve fazer
“apelos” para as pessoas serem salvas barateia as doutrinas da
graça e apresenta um evangelho truncado.
Nem devemos apresentar doutrinas antibíblicas aos descrentes em
eventos evangelísticos. Expressões piegas como: “Deus te ama e
tem um plano maravilhoso para a sua vida” e/ou “Deus morreu por
você” são impróprias. Já vimos que Cristo não morreu para salvar
todos os homens, e que Deus não “tem um plano maravilhoso” para
quem rejeita o evangelho.
Como os calvinistas chamam os homens para se aproximarem de
Cristo? Eles o fazem ao pregar o evangelho apresentado na Palavra
de Deus. Os cristãos reformados sabem não ser sua função salvar
ninguém. A tarefa cristã consiste em apresentar com fidelidade a
verdade do Cristo crucificado ao incrédulo como se vê em 1
Coríntios 2.1,2: “Eu, irmãos, quando fui ter convosco, anunciando-
vos o testemunho de Deus, não o fiz com ostentação de linguagem
ou de sabedoria. Porque decidi nada saber entre vós, senão a Jesus
Cristo e este crucificado”.
O mandato da Grande Comissão dado pelo Senhor à igreja é uma
ordem de natureza totalmente abrangente: “Ide, portanto, fazei
discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do
Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas
que vos tenho ordenado” (Mt 28.19,20). Qualquer apresentação do
evangelho que falhe em enfatizar todo o conselho de Deus — tudo
que Cristo nos deu em sua Palavra — não passa de uma versão
antibíblica do evangelismo. A salvação consiste em muito mais que
apenas “ganhar almas”.
O verdadeiro evangelismo convoca ao arrependimento, à fé e
mudança radical de estilo de vida. Lemos em 1 Pedro 1.2 que os
cristãos verdadeiros são os “eleitos, segundo a presciência de Deus
Pai, em santificação do Espírito, para a obediência e a aspersão do
sangue de Jesus Cristo”. Tiago escreveu: “Portanto, despojando-vos
de toda impureza e acúmulo de maldade, acolhei, com mansidão, a
palavra em vós implantada, a qual é poderosa para salvar a vossa
alma” (1.21). Paulo registrou: “Mas revesti-vos do Senhor Jesus
Cristo e nada disponhais para a carne no tocante às suas
concupiscências” (Rm 13.14).
O pecado contínuo e o cristianismo bíblico não se misturam. Em
nenhum lugar a Bíblia ensina que Deus aceita os homens “como
eles são”. Deus aceita os quebrantados — de coração compungido
e contrito (Sl 51.17; Is 57.15) —, os que tremem diante de sua
Palavra (Is 66.2).
A Bíblia ensina existir o chamado de caráter duplo para os homens
virem a Cristo. O primeiro é denominado chamado externo ou
exterior. Esse é a mensagem que chega a todos os ouvintes da
pregação do evangelho. Jesus chamou todos os homens para virem
a ele em Mateus 11.28-30: “Vinde a mim, todos os que estais
cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o
meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de
coração; e achareis descanso para a vossa alma. Porque o meu
jugo é suave, e o meu fardo é leve”. (É digno de nota que Cristo
pregou a doutrina da eleição nos versículos 25-27, logo antes de
estender o chamado exterior ou externo.) O calvinismo afirma a
existência de três elementos essenciais no chamado externo:
1. A apresentação bíblica de Jesus Cristo como o Filho de Deus
encarnado: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e
o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as
coisas foram feitas por intermédio dele, e, sem ele, nada do que foi
feito se fez” (Jo 1.1-3); “E o Verbo se fez carne e habitou entre nós,
cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do
unigênito do Pai” (Jo 1.14).
2. O chamado ao arrependimento por causa do pecado e a
convocação à fé para aceitar a Cristo como Salvador e Senhor:
“Respondeu-lhes Pedro: Arrependei-vos, e cada um de vós seja
batizado em nome de Jesus Cristo para remissão dos vossos
pecados, e recebereis o dom do Espírito Santo” (At 2.38).
3. A promessa de perdão dos pecados só em Cristo; Jesus Cristo é
o único caminho ao Pai: “Respondeu-lhe Jesus: Eu sou o caminho,
e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim” (Jo
14.6). “E não há salvação em nenhum outro; porque abaixo do céu
não existe nenhum outro nome, dado entre os homens, pelo qual
importa que sejamos salvos” (At 4.12).
Como foi declarado, o chamado externo ou geral chega a todos os
homens que ouvem a mensagem do evangelho, mesmo aos que
Deus escolheu condenar. Entretanto, esse chamado é resistível.
Muitos que ouvem o evangelho o rejeitam para sua condenação.
O segundo chamado é o chamado eficaz. Ele é irresistível, pois o
Espírito de Deus regenera o coração do pecador para que ele
receba a convocação e venha a Cristo. O chamado interno é feito
apenas aos eleitos, e não pode ser rejeitado; ele sempre resulta na
conversão. Boettner escreveu: “O Espírito graciosamente leva o
pecador eleito a cooperar, crer, arrepender-se e ir a Cristo de
maneira espontânea e voluntária. Portanto, a graça de Deus é
invencível; redunda sempre na salvação daquele a quem ela é
estendida”.[19]
Sobre o assunto do chamado eficaz, a Confissão de fé de
Westminster declara: Todos aqueles que Deus predestinou para a
vida, e só esses, é ele servido, no tempo por ele determinado e
aceito, chamar eficazmente, pela sua Palavra e pelo seu Espírito,
tirando-os, por Jesus Cristo, daquele estado de pecado e morte em
que estão por natureza, e transpondo-os para a graça e salvação.
Isso ele faz iluminando o seu entendimento espiritualmente e
salvadoramente, a fim de compreenderem as coisas de Deus,
tirando-lhes os seus corações de pedra e dando-lhes coração de
carne, renovando as suas vontades e determinando-as, pela sua
onipotência, para aquilo que é bom, e atraindo-os eficazmente a
Jesus Cristo, mas de maneira que eles vêm mui livremente, sendo
para isso dispostos pela sua graça.
Essa vocação eficaz é só da livre e especial graça de Deus, e
não de qualquer coisa prevista no homem, que nisso é
inteiramente passivo, até que, vivificado e renovado pelo
Espírito Santo, fica habilitado a responder a ela e a receber a
graça nela oferecida e comunicada.[20] (V. tb: Confissão de fé de
Londres (batista), 1689, Cap. 10, Seções 1 e 2).
Observe que a Confissão de Westminster enfatiza corretamente a
pregação da Palavra no chamado eficaz. Deus escolheu esse meio
como a forma normal da atração das pessoas a Cristo. Paulo
escreveu na epístola aos Romanos: “Pois não me envergonho do
evangelho, porque é o poder de Deus para a salvação de todo
aquele que crê [...] E, assim, a fé vem pela pregação, e a pregação,
pela palavra de Cristo” (1.16; 10.17). Em 1 Coríntios 1.18,21, o
apóstolo declarou: “Certamente, a palavra da cruz é loucura para os
que se perdem, mas para nós, que somos salvos, poder de Deus
[...] Visto como, na sabedoria de Deus, o mundo não o conheceu por
sua própria sabedoria, aprouve a Deus salvar os que creem pela
loucura da pregação”.
Quando a Palavra de Deus é pregada ao eleito, Deus, em seu
tempo perfeito, o atrai com graça, por seu Espírito, ao
relacionamento salvador com Jesus Cristo. Isso é confirmado por
várias passagens bíblicas, duas das quais são notórias. Em 1
Tessalonicenses 1.5, Paulo registrou: “Porque o nosso evangelho
não chegou até vós tão somente em palavra, mas, sobretudo, em
poder, no Espírito Santo e em plena convicção”. Em 2
Tessalonicenses 2.13, o apóstolo afirmou: “Deus vos escolheu
desde o princípio para a salvação, pela santificação do Espírito e fé
na verdade”. Observe que, em cada caso, o Espírito de Deus aplica
com eficácia a verdade da mensagem do evangelho ao coração do
pecador eleito e o atrai a Cristo.
Deve-se observar, além disso, que o chamado eficaz é irresistível
porque os santos são chamados à união com Cristo: “Fiel é Deus,
pelo qual fostes chamados à comunhão de seu Filho Jesus Cristo,
nosso Senhor” (1Co 1.9). Essa união é espiritual: “Mas aquele que
se une ao Senhor é um espírito com ele” (1Co 6.17; cf. Jo 15.18;
Rm 6.5).
O entendimento da doutrina da união do crente com Jesus Cristo,
ignorada muitas vezes, é muito importante. Observe que os cristãos
são: 1. Escolhidos em Cristo: “Assim como nos escolheu, nele,
antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis
perante ele; e em amor” (Ef 1.4).
2. Abençoados com todas as bênçãos espirituais em Jesus:
“Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos tem
abençoado com toda sorte de bênção espiritual nas regiões
celestiais em Cristo” (Ef 1.3).
3. Predestinados à adoção como filhos por meio de Cristo: “Nos
predestinou para ele, para a adoção de filhos, por meio de Jesus
Cristo, segundo o beneplácito de sua vontade” (Ef 1.5).
4. Redimidos por Jesus: “No qual temos a redenção, pelo seu
sangue, a remissão dos pecados, segundo a riqueza da sua graça”
(Ef 1.7).
5. Selados pelo Espírito Santo em Cristo: “Em quem também vós,
depois que ouvistes a palavra da verdade, o evangelho da vossa
salvação, tendo nele também crido, fostes selados com o Santo
Espírito da promessa” (Ef 1.13).
6. Vivificados e espiritualmente ressuscitados por Jesus: “E estando
nós mortos em nossos delitos, nos deu vida juntamente com Cristo,
pela graça sois salvos, e, juntamente com ele, nos ressuscitou, e
nos fez assentar nos lugares celestiais em Cristo Jesus” (Ef 2.5,6).
7. Aperfeiçoados em Cristo: “Porquanto, nele, habita, corporalmente,
toda a plenitude da Divindade. Também, nele, estais aperfeiçoados.
Ele é o cabeça de todo principado e potestade” (Cl 2.9,10).
8. A vida do crente está oculta em Jesus: “Porque morrestes, e a
vossa vida está oculta juntamente com Cristo, em Deus” (Cl 3.3).
9. Quando o cristão more, ele morre em Cristo: “Pois, se cremos
que Jesus morreu e ressuscitou, assim também Deus, mediante
Jesus, trará, em sua companhia, os que dormem. Ora, ainda vos
declaramos, por palavra do Senhor, isto: nós, os vivos, os que
ficarmos até à vinda do Senhor, de modo algum precederemos os
que dormem. Porquanto o Senhor mesmo, dada a sua palavra de
ordem, ouvida a voz do arcanjo, e ressoada a trombeta de Deus,
descerá dos céus, e os mortos em Cristo ressuscitarão primeiro”
(1Ts 4.14-16).
10. E, finalmente, o cristão é fisicamente ressuscitado e glorificado
por Jesus: “Porque, assim como, em Adão, todos morrem, assim
também todos serão vivificados em Cristo” (1Co 15.22). “Ora, se
somos filhos, somos também herdeiros, herdeiros de Deus e
coerdeiros com Cristo; se com ele sofremos, também com ele
seremos glorificados” (Rm 8.17).
Nas palavras de John Murray:
A união com Cristo é um tema muito amplo. Ela abarca cada
palmo da salvação, desde a fonte inicial, na eleição eterna de
Deus, até a realização final, na glorificação dos eleitos. Ela não
é só uma fase da aplicação da redenção; de fato, sustenta todos
os aspectos da redenção, na realização e aplicação. A união
com Cristo liga todos esses aspectos, ao assegurar que Cristo a
aplicará e comunicará a todos os comprados por sua redenção.
[21]
Como então a igreja chama os homens a Cristo? Ao pregar com
fidelidade todo o conselho de Deus e não só uma versão truncada
dele. Deus prometeu à igreja que, quando ela for fiel na
proclamação da Palavra, ele a tornará eficaz: “Assim será a palavra
que sair da minha boca: não voltará para mim vazia, mas fará o que
me apraz e prosperará naquilo para que a designei” (Is 55.11).

T E :
A salvação é operada no pecador pela obra de Deus Espírito
Santo, não pelo homem.
“O S , teu Deus, circuncidará o teu coração e o coração de tua
descendência, para amares o S , teu Deus, de todo o coração
e de toda a tua alma, para que vivas.” (Dt 30.6) “Dar-vos-ei coração
novo e porei dentro de vós espírito novo; tirarei de vós o coração de
pedra e vos darei coração de carne. Porei dentro de vós o meu
Espírito e farei que andeis nos meus estatutos, guardeis os meus
juízos e os observeis.” (Ez 36.26,27) “Dar-lhes-ei um só coração,
espírito novo porei dentro deles; tirarei da sua carne o coração de
pedra e lhes darei coração de carne.” (Ez 11.19) “Por aquele tempo,
exclamou Jesus: Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra,
porque ocultaste estas coisas aos sábios e instruídos e as revelaste
aos pequeninos. Sim, ó Pai, porque assim foi do teu agrado. Tudo
me foi entregue por meu Pai. Ninguém conhece o Filho, senão o
Pai; e ninguém conhece o Pai, senão o Filho e aquele a quem o
Filho o quiser revelar.” (Mt 11.25-27) “Mas vós, continuou ele, quem
dizeis que eu sou? Respondendo Simão Pedro, disse: Tu és o
Cristo, o Filho do Deus vivo. Então, Jesus lhe afirmou: Bem-
aventurado és, Simão Barjonas, porque não foi carne e sangue que
to revelaram, mas meu Pai, que está nos céus.” (Mt 16.15-17)
“Ninguém pode vir a mim se o Pai, que me enviou, não o trouxer; e
eu o ressuscitarei no último dia. Está escrito nos profetas: E serão
todos ensinados por Deus. Portanto, todo aquele que da parte do
Pai tem ouvido e aprendido, esse vem a mim.” (Jo 6.44,45)
“Contudo, há descrentes entre vós. Pois Jesus sabia, desde o
princípio, quais eram os que não criam e quem o havia de trair. E
prosseguiu: Por causa disto, é que vos tenho dito: ninguém poderá
vir a mim, se, pelo Pai, não lhe for concedido.” (Jo 6.64,65) “Mas, a
todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos
de Deus, a saber, aos que creem no seu nome; os quais não
nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do
homem, mas de Deus.” (Jo 1.12,13) “A isto, respondeu Jesus: Em
verdade, em verdade te digo que, se alguém não nascer de novo,
não pode ver o reino de Deus. Perguntou-lhe Nicodemos: Como
pode um homem nascer, sendo velho? Pode, porventura, voltar ao
ventre materno e nascer segunda vez? Respondeu Jesus: Em
verdade, em verdade te digo: quem não nascer da água e do
Espírito não pode entrar no reino de Deus. O que é nascido da
carne é carne; e o que é nascido do Espírito é espírito. Não te
admires de eu te dizer: importa-vos nascer de novo. O vento sopra
onde quer, ouves a sua voz, mas não sabes donde vem, nem para
onde vai; assim é todo o que é nascido do Espírito.” (Jo 3.3-8) “Não
por obras de justiça praticadas por nós, mas segundo sua
misericórdia, ele nos salvou mediante o lavar regenerador e
renovador do Espírito Santo.” (Tt 3.5)
P :
1. O homem é capaz de resistir ao poder regenerador do Espírito
Santo? Explique.
2. Por que as igrejas reformadas não fazem “apelos” no
evangelismo?
3. O que é o chamado externo do evangelho?
4. O que se quer dizer com a expressão chamado eficaz do
evangelho?
5. O que vem primeiro: a regeneração ou a fé? Explique.
7. Perseverança, ou uma vez salvo sempre
salvo?
É possível para a pessoa salva pela graça cair da graça? O
arminianismo responde de forma positiva, o calvinismo de modo
negativo. De acordo com a teologia arminiana, a salvação decorre
dos esforços combinados de Deus e do homem. Deus toma a
iniciativa, mas o homem deve responder. A resposta é o fator
determinante na salvação. Como o homem determinou, por si
mesmo, vir a Cristo, então ele pode também, de forma deliberada,
afastar-se de Cristo e cair da graça.
De acordo com a teologia reformada e calvinista, o Deus triúno é o
único Autor da salvação — do princípio ao fim. Dessa forma, uma
vez que alguém tenha de fato nascido de novo, essa pessoa jamais
poderá cair da graça: o poder de Deus a guarda até o fim. Lê-se na
Confissão de fé de Westminster: Os que Deus aceitou no seu Bem-
amado, chamou eficazmente e santificou pelo seu Espírito, não
podem decair do estado de graça, nem total, nem finalmente, mas,
com toda a certeza, hão de perseverar nesse estado até o fim, e
serão eternamente salvos.
Essa perseverança dos santos não depende do livre-arbítrio
deles, mas da imutabilidade do decreto da eleição, procedente
do livre e imutável amor de Deus Pai, da eficácia do mérito e
intercessão de Jesus Cristo, da permanência do Espírito e da
semente de Deus neles, e da natureza do pacto da graça; de
todas essas coisas vêm a sua certeza e infalibilidade.
Eles, porém, pelas tentações de Satanás e do mundo, pela força
da corrupção neles restante e pela negligência dos meios de
preservação, podem cair em graves pecados e, por algum
tempo, continuar neles; incorrem, assim, no desagrado de Deus,
entristecem o seu Santo Espírito e, de algum modo, vêm a ser
privados das suas graças e confortos; têm o seu coração
endurecido e a sua consciência ferida; prejudicam e
escandalizam os outros e atraem para si juízos temporais.[22] (V.
tb.: Confissão de fé de Londres (batista), 1689, Cap. 17, Seções
1-3).
A Confissão de Westminster afirma que os crentes são guardados
na fé pelo poder do Deus triúno; todavia, eles são responsáveis em
perseverar. O cristianismo não é fatalista. O homem não é um robô;
antes, ele é portador da imagem do Deus altíssimo. O homem deve
perseverar, mas em todo o momento ele deve reconhecer que a
graça divina o preserva até o fim. Em Filipenses 1.6, Paulo
escreveu: “Estou plenamente certo de que aquele que começou boa
obra em vós há de completá-la até ao Dia de Cristo Jesus”. Adiante,
em 2.12b,13, ele declarou: “Desenvolvei a vossa salvação com
temor e tremor; porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer
como o realizar, segundo a sua boa vontade”. E em Salmos 37.28,
lemos: “O S [...] não desampara os seus santos; serão
preservados para sempre”.
Em João 10.27-29, o Senhor Jesus declarou: “As minhas ovelhas
ouvem a minha voz; eu as conheço, e elas me seguem. Eu lhes dou
a vida eterna; jamais perecerão, e ninguém as arrebatará da minha
mão. Aquilo que meu Pai me deu é maior do que tudo; e da mão do
Pai ninguém pode arrebatar”. Observe que é Cristo quem dá às
ovelhas (crentes) a vida eterna, e é o Pai e o Filho que prometem às
ovelhas que elas nunca perecerão; a vida eterna é delas em Cristo
(v. 28,29). Todavia, o crente é responsável por ouvir a Palavra de
Cristo e ser obediente a ele (v. 27).
A Confissão de Westminster também diz que a doutrina da
perseverança não significa que os verdadeiros crentes não sofrerão
provas e tribulação. Nem significa que os santos não cairão algumas
vezes em pecados sérios. Esses pecados, deve-se acrescentar,
trarão o juízo temporário divino. Mas os verdadeiros cristãos
acabarão voltando-se para Deus e tendo a comunhão com ele
restaurada. O Rei Davi é um exemplo dessa verdade.
Davi era um homem segundo o coração de Deus (At 13.22).
Todavia, ele caiu em profundo pecado com Bate-Seba — a mulher
de Urias, o hitita (2Sm 11). Quando o rei foi confrontado pelo pecado
por Natã, o profeta, ele se arrependeu e recebeu o perdão divino
(2Sm 12.13). Contudo, ele ainda teve que experimentar os juízos
temporários como consequência dos pecados. O texto de 2 Samuel
12.14-20.26 é o comentário divino sobre esse fato.
Outra forte razão para aderir à doutrina da perseverança dos santos
é a doutrina da adoção — decorrente dessa. A Bíblia ensina que
quem veio a Cristo e foi justificado também foi adotado e participa
de numa relação filial com o Pai. Essa pessoa conta com o privilégio
de chamá-lo aba —termo aramaico que reflete intimidade,
equivalente à palavra portuguesa “papai” (Rm 8.15; Gl 4.5). James I.
Packer escreveu: “O que é o cristão? A questão pode ser
respondida de muitas formas, mas a resposta mais rica que
conheço é: o cristão é alguém que tem a Deus por Pai”.[23]
É importante observar que a Bíblia ensina a realidade presente da
adoção. Lemos em 1 João 3.1,2: “Vede que grande amor nos tem
concedido o Pai, a ponto de sermos chamados filhos de Deus; e, de
fato, somos filhos de Deus. Por essa razão, o mundo não nos
conhece, porquanto não o conheceu a ele mesmo. Amados, agora,
somos filhos de Deus”. Adoção na família de Deus não é algo pelo
que o crente deve esperar; ele já é filho agora. A Confissão de fé de
Westminster declara: A todos os que são justificados, é Deus
servido, em seu único Filho Jesus Cristo e por ele, tornar
participantes da graça da adoção, pela qual eles são recebidos no
número dos filhos de Deus e gozam da liberdade e dos privilégios
deles, têm sobre si o nome dele, recebem o Espírito de adoção, têm
acesso, com confiança, ao trono da graça, e são habilitados a
clamar: “Abba, Pai”; eles são tratados com comiseração, protegidos,
supridos e por ele corrigidos, como por um pai; nunca, porém,
abandonados, mas selados para o dia da redenção, e herdam as
promessas, como herdeiros da eterna salvação.[24] (V. tb.: Confissão
de fé de Londres (batista), 1689, Cap. 12, Seção 1).
Observe que a Confissão de fé de Westminster enfatiza o cuidado
paternal do Deus todo-poderoso para com quem já participa da
relação filial consigo. Essa pessoa lhe pertence; é seu filho; ele
nunca a lançará fora. Ela perseverará!
A partir do que foi estudado acima, deveria ser óbvio que a doutrina
calvinista da perseverança dos santos não equivale ao sentido da
expressão “uma vez salvo, sempre salvo”. Essa doutrina
pseudocristã afirma que quem fez a profissão de fé é salvo. A
pessoa pode viver como quiser — realmente não importa, pois “uma
vez salvo, sempre salvo”.
Um dogma importante da doutrina “uma vez salvo, sempre salvo” é
o conceito de que Cristo pode ser o Salvador de alguém e ao
mesmo tempo não ser seu Senhor. Esse ensino é prevalente em
especial em círculos dispensacionalistas. A Bíblia de Estudo
Scofield, por exemplo, alega que há dois tipos de cristãos: o
espiritual e o carnal (cf. as notas de Scofield sobre 1Co 2.14). O
último não se rende ao senhorio de Cristo, mas é salvo.
Outro teólogo dispensacionalista, Charles Ryrie, declarou: “A
questão é simplesmente esta: alguém precisa fazer de Cristo o
Senhor de sua vida ou estar disposto a fazê-lo para ser salvo?”. A
resposta de Ryrie é ![25]
Esse tipo de teologia está longe de ser bíblica. A mera profissão de
fé não salva ninguém. A teologia reformada, com a Palavra de
Deus, sempre manteve que a falta de comprometimento com o
senhorio de Cristo na vida constitui a ausência da fé salvadora.
Arthur W. Pink escreveu: “Ninguém pode receber Jesus como
Salvador e rejeitá-lo como Senhor”.[26] Buswell disse que a fé
salvadora: “Não é [...] credulidade que não questiona, mas a reação
positiva de todo o ser do homem em direção a Jesus Cristo como
Filho de Deus”.[27]
Vimos que Paulo admoestou os filipenses a “desenvolver a [sua]
salvação com temor e tremor”. Então em Romanos 10.9: “Se, com a
tua boca, confessares Jesus como Senhor e, em teu coração, creres
que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo”. Isso é
teologia do senhorio.
Da mesma forma, Pedro chama os santos a “com diligência cada
vez maior, confirmar a [sua] vocação e eleição” (2Pe 1.10). O autor
de Hebreus afirma que quem não “busca a santificação” não verá o
Senhor (12.4). Em Lucas 6.46, o Senhor Jesus Cristo perguntou:
“Por que me chamais Senhor, Senhor, e não fazeis o que vos
mando?”. Essas passagens advertem fortemente contra uma visão
de fé salvadora que negue o senhorio de Cristo.
Vários exemplos bíblicos demonstram que a mera profissão de fé
não torna ninguém cristão. Em Atos 8 lemos sobre Simão, o Mago,
que fez uma profissão de fé em Cristo (v. 13). Mas no final do
capítulo ele se afastou de Deus (v. 20,21). Sua profissão era
espúria.
Outro exemplo é o de Demas, que trabalhou no ministério do
evangelho durante alguns anos com Paulo e Lucas (v. Cl 4.14; Fm
24). Mais tarde, porém, ele abandonou o cristianismo pelas coisas
do mundo (2Tm 4.1). Steele e Thomas escreveram: A doutrina da
perseverança dos santos não ensina que todos os que professam a
fé cristã chegarão com certeza ao céu. Os santos — os separados
pelo Espírito — perseveram até o fim. Os crentes — os recipientes
da fé viva e verdadeira em Cristo — estão seguros e salvos nele.
Muitos que professam crer cairão, mas eles não caem da graça pois
nunca estiveram nela. Os crentes verdadeiros caem em tentações, e
cometem pecados graves, mas esses pecados não fazem com que
percam a salvação ou sejam separados de Cristo.[28]
Isso de forma alguma implica que o calvinismo ensine que as obras
merecem a salvação. Nada poderia estar mais longe da verdade.
Em Efésios 2.8,9, Paulo afirmou: “Porque pela graça sois salvos,
mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus; não de obras,
para que ninguém se glorie”.
A teologia reformada mantém, com Paulo, que a justificação decorre
só da graça por meio da fé em Cristo. Martinho Lutero chamou essa
doutrina de “a doutrina pela qual a igreja cai ou permanece de pé”.
Calvino a chamou de “dobradiça da Reforma”.[29]
Contudo, o calvinismo concorda com a conclusão de Paulo na
passagem de Efésios 2.8-10. Lê-se no versículo 10: “Pois somos
feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais
Deus de antemão preparou para que andássemos nelas”. As boas
obras, diz o apóstolo, não merecem a salvação, mas elas
necessariamente aparecerão se alguém foi verdadeiramente salvo.
Elas são obras de necessidade, não de mérito (Tg 2.26). O grito de
batalha da Reforma era o da “justificação pela graça por meio só da
fé, mas não da fé que anda sozinha”. As boas obras
necessariamente seguirão a fé salvadora.
Uma observação a ser feita é que a doutrina da perseverança dos
santos não existe de forma isolada. Ela é parte da ampla obra de
salvação de Deus em todos e cada um dos seus filhos eleitos.
Boettner observou: Esta não é uma doutrina isolada, e sim parte
necessária do sistema teológico calvinista. As doutrinas da eleição e
da graça eficaz implicam logicamente na salvação segura de quem
recebe essas bênçãos. Se Deus escolheu, de maneira absoluta e
incondicional, determinadas pessoas para a vida eterna, e se o
Espírito aplica a essas pessoas os benefícios da redenção com
eficácia, então a conclusão iniludível é que essas pessoas serão
salvas para sempre.[30]
Por último, a doutrina da perseverança dos santos garante que os
cristãos verdadeiramente nascidos de Deus alcançarão o estágio
final da salvação que consiste na glorificação. John Murray
escreveu: A glorificação é a fase final da aplicação da redenção. É a
conclusão do processo iniciado pelo chamado eficaz. Na verdade, é
a conclusão de todo o processo de redenção, pois significa alcançar
o objetivo para o qual o eleito de Deus foi predestinado de acordo
com o propósito eterno do Pai, e envolve a consumação da
redenção garantida e assegurada pela obra vicária de Cristo.[31]
A glorificação ocorre em dois estágios:
1. Quando o crente morre, Cristo o leva para a glória (Jo 14.1-3). Lá
ele estará com todos os santos (Hb 12.22), e presente com o
Senhor para sempre (2Co 5.8). Esse estágio ocorrerá sem o corpo
ressurreto.
2. Há o segundo estágio que alcança a glória ainda maior. Ele
ocorrerá no dia final, quando o Senhor Jesus Cristo retornar para
iniciar o reino de glória. Nesse dia, os cristãos serão revestidos com
seu corpo da ressurreição: “E, quando este corpo corruptível se
revestir de incorruptibilidade, e o que é mortal se revestir de
imortalidade (1Co 15.54). Paulo mencionou isso de maneira mais
completa em 1 Coríntios 15.20-58 e 1 Tessalonicenses 4.13-17.
A Confissão de fé de Westminster declara no Capítulo 32, Seções 1-
3: Os corpos dos homens, depois da morte, convertem-se em pó e
vêm a corrupção; mas as suas almas (que nem morrem nem
dormem), tendo uma substância imortal, voltam imediatamente para
Deus que as deu. As almas dos justos, sendo então aperfeiçoadas
na santidade, são recebidas no mais alto dos céus onde vêm a face
de Deus em luz e glória, esperando a plena redenção dos seus
corpos; e as almas dos ímpios são lançadas no inferno, onde
ficarão, em tormentos e em trevas espessas, reservadas para o
juízo do grande dia final. Além destes dois lugares destinados às
almas separadas de seus respectivos corpos as Escrituras não
reconhecem nenhum outro lugar.
No último dia, os que estiverem vivos não morrerão, mas serão
mudados; todos os mortos serão ressuscitados com os seus
mesmos corpos e não outros, posto que com qualidades
diferentes, e ficarão reunidos às suas almas para sempre.
Os corpos dos injustos serão pelo poder de Cristo ressuscitados
para a desonra, os corpos dos justos serão pelo seu Espírito
ressuscitados para a honra e para serem semelhantes ao
próprio corpo glorioso dele.

T E :
Deus salva o seu povo para a eternidade e eles não perdem a
sua salvação.
“Mas agora, assim diz o S , que te criou, ó Jacó, e que te
formou, ó Israel: Não temas, porque eu te remi; chamei-te pelo teu
nome, tu és meu. Quando passares pelas águas, eu serei contigo;
quando, pelos rios, eles não te submergirão; quando passares pelo
fogo, não te queimarás, nem a chama arderá em ti. Porque eu sou o
S , teu Deus, o Santo de Israel, o teu Salvador; dei o Egito por
teu resgate e a Etiópia e Sebá, por ti.” (Is 43.1-3) “Porque os montes
se retirarão, e os outeiros serão removidos; mas a minha
misericórdia não se apartará de ti, e a aliança da minha paz não
será removida, diz o S , que se compadece de ti.” (Is 54.10)
“Farei com eles aliança eterna, segundo a qual não deixarei de lhes
fazer o bem; e porei o meu temor no seu coração, para que nunca
se apartem de mim.” (Jr 32.40) “Porque Deus amou ao mundo de tal
maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê
não pereça, mas tenha a vida eterna.” (Jo 3.16) “Em verdade, em
verdade vos digo: quem ouve a minha palavra e crê naquele que me
enviou tem a vida eterna, não entra em juízo, mas passou da morte
para a vida.” (Jo 5.24) “Declarou-lhes, pois, Jesus: Eu sou o pão da
vida; o que vem a mim jamais terá fome; e o que crê em mim jamais
terá sede. Porém eu já vos disse que, embora me tenhais visto, não
credes. Todo aquele que o Pai me dá, esse virá a mim; e o que vem
a mim, de modo nenhum o lançarei fora. Porque eu desci do céu,
não para fazer a minha própria vontade, e sim a vontade daquele
que me enviou. E a vontade de quem me enviou é esta: que
nenhum eu perca de todos os que me deu; pelo contrário, eu o
ressuscitarei no último dia. De fato, a vontade de meu Pai é que
todo homem que vir o Filho e nele crer tenha a vida eterna; e eu o
ressuscitarei no último dia.” (Jo 6.35-40) “Em verdade, em verdade
vos digo: quem crê em mim tem a vida eterna.” (Jo 6.47)
“As minhas ovelhas ouvem a minha voz; eu as conheço, e elas me
seguem. Eu lhes dou a vida eterna; jamais perecerão, e ninguém as
arrebatará da minha mão. Aquilo que meu Pai me deu é maior do
que tudo; e da mão do Pai ninguém pode arrebatar. Eu e o Pai
somos um.” (Jo 10.27-30) “Já não estou no mundo, mas eles
continuam no mundo, ao passo que eu vou para junto de ti. Pai
santo, guarda-os em teu nome, que me deste, para que eles sejam
um, assim como nós. Quando eu estava com eles, guardava-os no
teu nome, que me deste, e protegi-os, e nenhum deles se perdeu,
exceto o filho da perdição, para que se cumprisse a Escritura.” (Jo
17.11,12) “Porquanto aos que de antemão conheceu, também os
predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de
que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E aos que
predestinou, a esses também chamou; e aos que chamou, a esses
também justificou; e aos que justificou, a esses também glorificou.”
(Rm 8.29,30) “Quem nos separará do amor de Cristo? Será
tribulação, ou angústia, ou perseguição, ou fome, ou nudez, ou
perigo, ou espada? Como está escrito: Por amor de ti, somos
entregues à morte o dia todo, fomos considerados como ovelhas
para o matadouro. Em todas estas coisas, porém, somos mais que
vencedores, por meio daquele que nos amou. Porque eu estou bem
certo de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os
principados, nem as coisas do presente, nem do porvir, nem os
poderes, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra
criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo
Jesus, nosso Senhor.” (Rm 8.35-39) “O Senhor me livrará também
de toda obra maligna e me levará salvo para o seu reino celestial. A
ele, glória pelos séculos dos séculos. Amém!” (2Tm 4.18) “Por isso
mesmo, ele é o Mediador da nova aliança, a fim de que, intervindo a
morte para remissão das transgressões que havia sob a primeira
aliança, recebam a promessa da eterna herança aqueles que têm
sido chamados.” (Hb 9.15) “Porque, com uma única oferta,
aperfeiçoou para sempre quantos estão sendo santificados.” (Hb
10.14)
“Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que, segundo
a sua muita misericórdia, nos regenerou para uma viva esperança,
mediante a ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos, para uma
herança incorruptível, sem mácula, imarcescível, reservada nos
céus para vós outros que sois guardados pelo poder de Deus,
mediante a fé, para a salvação preparada para revelar-se no último
tempo.” (1Pe 1.3-5).
“E o testemunho é este: que Deus nos deu a vida eterna; e esta vida
está no seu Filho. Aquele que tem o Filho tem a vida; aquele que
não tem o Filho de Deus não tem a vida. Estas coisas vos escrevi, a
fim de saberdes que tendes a vida eterna, a vós outros que credes
em o nome do Filho de Deus.” (1Jo 5.11-13) “Também sabemos que
o Filho de Deus é vindo e nos tem dado entendimento para
reconhecermos o verdadeiro; e estamos no verdadeiro, em seu
Filho, Jesus Cristo. Este é o verdadeiro Deus e a vida eterna.” (1Jo
5.20)
P :
1. De acordo com a teologia arminiana, por que o homem é capaz
de perder a salvação?
2. O que o calvinismo ensina sobre a salvação eterna?
3. Qual é a diferença entre as doutrinas de “perseverança” e “uma
vez salvo sempre salvo”?
4. O que se quer dizer por salvação do senhorio e por que isso é
importante?
5. Quais são os dois estágios de glorificação? Explique.
8. Providência divina ou humanismo cristão?

Já estudamos a doutrina da soberania divina no capítulo 2. Vimos


que Deus é soberano sobre cada porção da criação; ele controla
todas as áreas da vida. Nada acontece fora da vontade decretiva da
Deidade triúna. A Bíblia ensina que Deus criou todas as coisas que
já foram ou serão criadas (Gn 1; Cl 1.16; Hb 11.3). Ele fez isso no
período de seis dias de Gênesis 1. Contudo, Deus não criou o
universo e então o abandonou, permitindo assim que ele
funcionasse por conta própria. Antes, ele guia e dirige todas as
coisas de modo soberano, fazendo-as chegar ao destino designado.
A teologia arminiana sustenta que Deus está no controle absoluto
de algumas coisas, mas ele não governa todos os detalhes do
universo. Por exemplo, o arminianismo ensina que o homem está no
controle do próprio destino espiritual. Isso é um pouco mais que
uma forma de humanismo cristão.
Já o calvinismo afirma que Deus está no controle absoluto de cada
parte do universo, mesmo dos mínimos detalhes: “[Ele] faz todas as
coisas conforme o conselho da sua vontade” (Ef 1.11). O que
estamos estudando aqui é a doutrina da providência de Deus.
Louis Berkhof escreveu: “Providência divina é a ação pela qual Deus
preserva todas as suas criaturas, opera em tudo que se passa no
mundo e dirige todas as coisas para o fim determinado”.[32]
A Confissão de fé de Westminster afirma: Deus, o grande criador de
todas as coisas, sustenta, orienta, dispõe e governa todas as
criaturas, ações e coisas, desde a maior até a menor, pela sua mui
sábia e santa providência, segundo a sua infalível presciência e o
livre e imutável conselho de sua própria vontade, para o louvor da
glória de sua sabedoria, poder, justiça, bondade e misericórdia.[33]
(V. tb.: Confissão de fé de Londres (batista), 1689, Cap. 5, Seção 1.)
A teologia calvinista declara existirem três elementos envolvidos na
providência divina: preservação, concorrência e governo.
1. Preservação é a obra contínua da Deidade triúna para sustentar
todas as coisas. O universo existe por causa de Deus e continua a
existir por seu divino poder. Tudo da criação é dependente
totalmente de Deus: “Sustentando [ele, Cristo] todas as coisas pela
palavra do seu poder” (Hb 1.33); “Ele [Cristo] é antes de todas as
coisas. Nele, tudo subsiste” (Cl 1.17); “Se Deus pensasse apenas
em si mesmo e para si recolhesse o seu espírito e o seu sopro, toda
a carne juntamente expiraria, e o homem voltaria para o pó” (Jó
34.14,15).
2. Concorrência é a obra de Deus pela qual ele coopera com toda a
criação, fazendo-a agir de acordo com sua vontade soberana. Deus
é a primeira causa de todas as coisas; todavia, ele usa causas
secundárias (p. ex., as forças da natureza, a vontade do homem)
para cumprir seus propósitos. Essas causas secundárias de forma
alguma atuam de maneira independente de Deus; antes, estão em
completa concorrência com seu plano: “Dispões as trevas, e vem a
noite [...] Os leõezinhos rugem pela presa e buscam de Deus o
sustento [...] Envias o teu Espírito, eles são criados, e, assim,
renovas a face da terra” (Sl 104.20,21,30).
3. Governo é a obra de Deus pela qual ele governa todas as coisas
de modo contínuo, de forma que elas respondem de fato ao
propósito de sua existência. O escopo do governo divino é universal.
Ele é Rei do universo, e governa todas as coisas nele de acordo
com seu bom propósito: “No céu está o nosso Deus e tudo faz como
lhe agrada” (Sl 115.3); “Aleluia! Pois reina o Senhor, nosso Deus, o
Todo-Poderoso” (Ap 19.6).
Em resumo, o calvinismo afirma que o Senhor Deus todo-poderoso
reina e controla toda a história; trata-se de sua história. Falamos
disso no capítulo 2, mas é necessário mencioná-lo de novo. A
providência de Deus é inclusiva: 1. Todo o universo é controlado por
Deus: “Nos céus, estabeleceu o S o seu trono, e o seu reino
domina sobre tudo” (Sl 103.19).
2. O mundo físico é governado por ele: “Fazes crescer a relva para
os animais e as plantas, para o serviço do homem, de sorte que da
terra tire o seu pão” (Sl 104.14).
3. Ele também governa sobre o mundo espiritual: “Aquele que a
seus anjos faz ventos, e a seus ministros, labareda de fogo” (Hb
1.7).
4. Deus governa sobre o reino animal: “Observai as aves do céu:
não semeiam, não colhem, nem ajuntam em celeiros; contudo,
vosso Pai celeste as sustenta. Porventura, não valeis vós muito
mais do que as aves?” (Mt 6.26).
5. A mão de Deus dirige os assuntos das nações: “Multiplica as
nações e as faz perecer; dispersa-as e de novo as congrega” (Jó
12.23).
6. Deus preside cada parte da vida, da concepção no ventre até a
morte: “Os teus olhos me viram a substância ainda informe, e no teu
livro foram escritos todos os meus dias, cada um deles escrito e
determinado, quando nem um deles havia ainda” (Sl 139.16).
7. Deus controla até mesmo o que parece contingente: “A sorte se
lança no regaço, mas do S procede toda decisão” (Pv 16.33).
8. Deus protege os justos de modo soberano. Opera todas as coisas
para o bem deles: “Sabemos que todas as coisas cooperam para o
bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados
segundo o seu propósito” (Rm 8.28).
9. Deus satisfaz todas as necessidades dos eleitos: “E o meu Deus,
segundo a sua riqueza em glória, há de suprir, em Cristo Jesus,
cada uma de vossas necessidades” (Fp 4.19).
10. A providência divina traz respostas à oração: “Pedi, e dar-se-
vos-á; buscai e achareis; batei, e abrir-se-vos-á [...] Ora, se vós, que
sois maus, sabeis dar boas dádivas aos vossos filhos, quanto mais
vosso Pai, que está nos céus, dará boas coisas aos que lhe
pedirem?” (Mt 7.7,11).
11. Deus pune os ímpios: “Fará chover sobre os perversos brasas
de fogo e enxofre, e vento abrasador será a parte do seu cálice” (Sl
11.6).
A doutrina da providência não nos conduz ao dogma hipercalvinista
do fatalismo (v. cap. 10); nem ensina que Deus é o autor do pecado
(v. cap. 9). Antes, ela nos dá o consolo de que Deus está no
controle absoluto de tudo que ocorre no universo. Nada acontece
por acaso. O povo de Deus pode descansar na certeza de que seu
Pai governa soberanamente tudo e todos. Lê-se no Artigo XIII da
Confissão belga: Cremos que o bom Deus, depois de ter criado
todas das coisas, não as abandonou, nem as entregou ao acaso ou
à sorte, mas as orienta e governa conforme a sua santa vontade, de
tal maneira que neste mundo nada acontece sem a sua
determinação. Contudo, Deus não é o autor, nem pode ser acusado
dos pecados que são cometidos, pois o seu poder e a sua bondade
são tão grandes e incompreensíveis que ele ordena e faz a sua obra
perfeitamente e com justiça, mesmo que os demônios e os ímpios
ajam injustamente. E não queremos investigar curiosamente as
obras dele (que ultrapassam o entendimento humano) além da
nossa capacidade de entender. Porém, adoramos humilde e
piedosamente a Deus em seus justos julgamentos, que nos estão
escondidos, contentando-nos em ser discípulos de Cristo, para
aprender somente o que ele nos revelou na sua Palavra, sem
ultrapassar esses limites.
Essa doutrina nos traz um inexprimível consolo, desde que
somos ensinados que nada nos acontece por acaso, mas pela
determinação de nosso bondoso Pai celestial, que zela por nós
com cuidado paternal, mantendo todas as criaturas de tal modo
sob o seu poder que nenhum fio de cabelo (pois estes estão
todos contados) e nenhum pardal cairá em terra sem o
consentimento de nosso Pai, em quem confiamos totalmente,
pois sabemos que ele reprime os demônios e todos os nossos
inimigos, e que eles, sem a sua permissão, não podem nos
prejudicar.

T E :
“Pelo que Davi louvou ao Senhor perante a congregação toda e
disse: Bendito és tu, Senhor, Deus de Israel, nosso pai, de
eternidade em eternidade. Teu, Senhor, é o poder, a grandeza, a
honra, a vitória e a majestade; porque teu é tudo quanto há nos
céus e na terra; teu, Senhor, é o reino, e tu te exaltaste por chefe
sobre todos. Riquezas e glória vêm de ti, tu dominas sobre tudo, na
tua mão há força e poder; contigo está o engrandecer e a tudo dar
força.” (1Cr 29.10-12) “Jurou o S dos Exércitos, dizendo:
Como pensei, assim sucederá, e, como determinei, assim se
efetuará. Quebrantarei a Assíria na minha terra e nas minhas
montanhas a pisarei, para que o seu jugo se aparte de Israel, e a
sua carga se desvie dos ombros dele. Este é o desígnio que se
formou concernente a toda a terra; e esta é a mão que está
estendida sobre todas as nações. Porque o S dos Exércitos o
determinou; quem, pois, o invalidará? A sua mão está estendida;
quem, pois, a fará voltar atrás?” (Is 14.24-27) “Lembrai-vos das
coisas passadas da antiguidade: que eu sou Deus, e não há outro,
eu sou Deus, e não há outro semelhante a mim; que desde o
princípio anuncio o que há de acontecer e desde a antiguidade, as
coisas que ainda não sucederam; que digo: o meu conselho
permanecerá de pé, farei toda a minha vontade; que chamo a ave
de rapina desde o Oriente e de uma terra longínqua, o homem do
meu conselho. Eu o disse, eu também o cumprirei; tomei este
propósito, também o executarei.” (Is 46.9-11) “Ele, que é o
resplendor da glória e a expressão exata do seu Ser, sustentando
todas as coisas pela palavra do seu poder, depois de ter feito a
purificação dos pecados, assentou-se à direita da Majestade, nas
alturas.” (Hb 1.3) “Pois, nele, foram criadas todas as coisas, nos
céus e sobre a terra, as visíveis e as invisíveis, sejam tronos, sejam
soberanias, quer principados, quer potestades. Tudo foi criado por
meio dele e para ele. Ele é antes de todas as coisas. Nele, tudo
subsiste.” (Cl 1.16,17)
P :
1. O que se quer dizer por providência divina?
2. Por que o arminianismo deve ser considerado pouco mais que
uma forma de “humanismo religioso”?
3. Quais são os três elementos da providência divina?
4. Liste as onze áreas sobre as quais a providência de Deus
governa (apresentadas neste capítulo).
5. O que é fatalismo e como ele se distingue do calvinismo?
6. De que forma o arminianismo é similar ao fatalismo?
9. Deus é o autor do pecado?

Muitas vezes surge diante de nós essa questão a respeito do


calvinismo. Formula-se o argumento da seguinte forma: “Se Deus
está no controle absoluto do universo, preordenando todas as
coisas, e o pecado existe no mundo, então Deus deve ser o autor do
pecado”. Mas isso não se segue biblicamente.
Que prova temos de que pelo fato de Deus preordenar ou decretar
que algo ocorra (p. ex., o pecado), então ele deve forçar os agentes
morais livres a executá-lo? John Gerstner observou: “Não
consideramos impossível que Deus possa predestinar a
concretização de um ato por meio da escolha deliberada de
indivíduos específicos”.[34] Lemos na Confissão de fé de
Westminster: Desde toda a eternidade, Deus, pelo muito sábio e
santo conselho da sua própria vontade, ordenou livre e
inalteravelmente tudo quanto acontece, porém de modo que nem
Deus é o autor do pecado, nem violentada é a vontade da criatura,
nem é tirada a liberdade ou contingência das causas secundárias,
antes estabelecidas.
A onipotência, a sabedoria inescrutável e a infinita bondade de
Deus, de tal maneira se manifestam na sua providência, que
esta se estende até a primeira queda e a todos os outros
pecados dos anjos e dos homens, e isto não por uma mera
permissão, mas por uma permissão tal que, para os seus
próprios e santos desígnios, sábia e poderosamente os limita, e
regula e governa em uma múltipla dispensarão mas essa
permissão é tal, que a pecaminosidade dessas transgressões
procede tão somente da criatura e não de Deus, que, sendo
santíssimo e justíssimo, não pode ser o autor do pecado nem
pode aprová-lo.[35] (V. tb.: Confissão de fé de Londres (batista),
1689, Cap. 3, Seção 1; e Cap. 5, Seção 4).
Não há dúvida de que o pecado é parte do plano de Deus na
história. Nenhum cristão nega isso. De fato, como diz a Confissão
de Westminster, o pecado ocorreu na história como parte do decreto
divino. Os cristãos reformados afirmam, de acordo com a Bíblia, que
Deus preordenou o pecado. Ora, se o pecado estivesse fora do
plano divino, então precisaríamos declarar que Deus não controla
todas as coisas, e que algumas coisas acontecem à parte de sua
vontade soberana.
Se fosse assim, então o pecado, ou o que trouxe o pecado ao
mundo, seria mais poderoso que Deus. Quanto da história então
estaria fora do plano preordenado por Deus? A queda de Adão, a
crucificação de Jesus Cristo, etc., seriam acontecimentos que
precisaríamos concluir estar fora da vontade divina.
Uma coisa útil a ser lembrada é que a Bíblia distingue a vontade
secreta da vontade revelada, ou preceptiva, de Deus. Em
Deuteronômio 29.29, lemos: “As coisas encobertas pertencem ao
S , nosso Deus, porém as reveladas nos pertencem, a nós e a
nossos filhos, para sempre, para que cumpramos todas as palavras
desta lei”. Moisés declarou aqui que não podemos conhecer o
conselho secreto de Deus; há muitas coisas que ele não escolheu
nos dizer. Não detemos o conhecimento exaustivo. Mas Deus nos
outorgou a Bíblia (a vontade revelada), pela qual devemos viver.
Essa é a vontade divina à qual temos a responsabilidade de
obedecer.
A Escritura ensina que as vontades secreta e revelada de Deus
operam em perfeita harmonia. Por exemplo, em Atos 2.23, lemos
que Jesus foi “entregue pelo determinado desígnio e presciência de
Deus”; todavia, Pedro disse: “Vós o matastes, crucificando-o por
mãos de iníquos”. Observe que a crucificação de Cristo ocorreu de
acordo com o propósito preordenado de Deus — sua vontade
secreta. Mas ele realizou isso por meio da ação de ímpios — que
violaram a vontade revelada (isto é, o sexto mandamento), pois
assassinaram um homem inocente [Cristo].
Deus não deixou a salvação dos eleitos ao acaso. Ele decretou que
ela ocorreria “na plenitude dos tempos” e a executou de forma que
não pode ser considerado o autor do pecado. Deus foi a causa
primeira, enquanto os homens são as causas secundárias. Só as
causas secundárias pecam.
Outro exemplo é encontrado no relato de Gênesis de José e seus
irmãos. Os últimos, em ódio contra o irmão mais novo, o venderam
como escravo no Egito (37.12-36). Esse foi um ato premeditado da
parte dos irmãos. Todavia, em Gênesis 45.8, José afirmou: “Assim,
não fostes vós que me enviastes para cá [Egito], e sim Deus”. Mais
adiante lemos: “Vós [os irmãos], na verdade, intentastes o mal
contra mim; porém Deus o tornou em bem” (50.20). O Deus
Altíssimo tinha um plano e o realizou por meio das ações humanas
pecaminosas. Ele havia enviado José ao Egito para que seu povo
tivesse alguém para o ajudar no período da fome. O Deus de Israel
estava envolvido de forma real na ação dos irmãos, mas
permaneceu sem pecado em todo o relato.
Surgiram várias tentativas antibíblicas de lidar com a questão da
existência do mal:
1. Finitismo: essa visão rejeita a onipotência ou soberania de Deus.
O Deus da Bíblia é reduzido a pouco mais que um ser finito, alguém
que está fazendo o melhor que pode. Afinal, existem outras forças
(más) no mundo iguais em poder a Deus. Satanás e a Deidade
triúna são apanhados numa luta cósmica. Felizmente, Deus
vencerá.
2. Fatalismo: o futuro de todas as coisas foi predeterminado por
Deus (ou alguma força sobrenatural) de tal modo que o homem não
tem nenhuma responsabilidade. A liberdade de escolha é ilusória.
De acordo com essa teoria, o homem não pode ser considerado
responsável. Isso é fatalismo ou hipercalvinismo.
3. Negação do mal: esse ponto de vista rejeita a realidade do mal, o
que torna sua explicação desnecessária. O mal é ilusório; ele não
existe. Mary Baker Eddy, fundadora da seita chamada Ciência
Cristã, adota essa posição. Ela escreveu: “O mal não tem nenhuma
realidade. Ele não é uma pessoa, nem lugar ou coisa, mas
simplesmente uma crença, uma ilusão de sentido material”.[36]
Como deveria ser óbvio a todo cristão, nenhuma dessas posições
conta com fundamento bíblico. Elas são tentativas humanistas de
lidar com a questão da existência do mal no mundo, à parte do
plano preordenado de Deus.
Qual é a natureza do mal? Agostinho ensinou que ele é apenas
privação do bem. Ele escreveu: “Pois o mal não tem nenhuma
natureza positiva; a perda do bem recebeu o nome de mal”.[37] Isto
é, Deus é o Criador de todas as coisas boas (Gn 1.31). Ele não
criou o mal. O mal é apenas o oposto do bem, como as trevas
consistem na ausência da luz. (Observe que Agostinho não negou
que o pecado seja uma força poderosa no mundo — o que
equivaleria a quase concordar com Mary Baker Eddy. Ele afirmou
que o pecado não procede da mão criativa de Deus; ele é o oposto
do bem procedente de Deus.) A Bíblia fala dessa maneira. Como
vimos, Deus decretou todas as coisas que virão a acontecer. Nada
está fora do seu propósito soberano, incluindo-se o pecado. Mas o
decreto referente ao pecado é permissivo. Isto é, trata-se de um
decreto que torna o pecado uma certeza, mas ele não é produzido
por um ato divino direto. Como na crucificação de Cristo, Deus a
preordenou, mas homens iníquos, de maneira livre e de todo o
coração, a executaram. Deus é o autor dos agentes morais livres:
eles são os autores do pecado. (Observe: em Jo 8.44, Jesus chama
Satanás de autor do pecado.) Além disso, o conceito calvinista não
defende que o decreto de permitir o pecado, o mal, etc., é um mero
decreto permissivo; isto é, Deus permite que suas criaturas pequem
como se estivesse a dizer: “Ah, tudo bem, afinal garotos serão
sempre garotos...”. Deus abomina o pecado. O pecado contraria sua
natureza. Entretanto, de acordo com sua vontade perfeita e secreta
ele considerou adequado decretar o pecado como parte de seu
plano para a história.
Alguns descrentes, como David Hume,[38] argumentam que a
existência do pecado, da dor e do mal no mundo nega o que a Bíblia
alega como verdade sobre Deus. Dada a existência do pecado, da
dor e do mal, Hume afirma: 1. Ou Deus não é poderoso o suficiente
para eliminá-lo — nesse caso, ele não é onipotente;
2. Ou ele é a causa do mal, ou não é benevolente ou suficiente para
causar sua cessação — dessa forma, ele não é um Deus bom.
Mas esse argumento não lida com vários fatos bíblicos:
1. Como resultado do decreto divino, o pecado entrou no mundo
como um ato de rebelião contra Deus, não como um ato direto da
parte dele (Gn 3).
2. Nem toda dor, todo sofrimento, etc., é necessariamente
pecaminoso. Por exemplo, os pais algumas vezes precisam punir os
filhos, não por causa de uma intenção perversa, mas para treiná-los
para seu próprio bem. Deus age da mesma maneira com seus filhos
(cf. Hb 12.3-11).
3. Deus nos disse que um dia ele eliminará o pecado por completo.
A segunda vinda de Jesus iniciará o Dia do Juízo para alguns e o
Reino de glória para outros (Mt 25.31-46; 2Ts 1.5-10; 2Pe 3.3-13; Ap
20.11-15; 21-22).
É interessante que Agostinho, em um argumento ad hominem,
declarou que a existência do mal no mundo não refuta de forma
alguma a existência do Deus da Bíblia. Antes, ele substancia o fato
de Deus ser verdadeiro. Como vimos, o mal não pode existir à parte
do bem; ele é a privação do bem. Portanto, a existência do mal
necessita da existência do bem, o que por sua vez requer o padrão
do bem: Deus e sua Palavra.[39]
O cristão nunca deve imaginar compreender a mente divina de
forma exaustiva. “As coisas de Deus, ninguém as conhece, senão o
Espírito de Deus” (1Co 2.11). Sua vontade secreta não é para nós
conhecermos; somos responsáveis pela vontade revelada,
encontrada na Escritura (Dt 29.29).
Embora não disponhamos do conhecimento exaustivo de como
Deus usa o mal no mundo para realizar seus propósitos, sabemos
que seus caminhos são perfeitos e devemos confiar que ele fará o
melhor em todos os momentos. Com certeza o Deus infinito, santo,
bom e todo-sábio tem um propósito bom para o mal, a dor e o
sofrimento que existem.
Por que Deus decretou o pecado? A resposta última é “para sua
própria glória” (Ef 1.11; Rm 11.33-36). Mas ignoramos a razão
escolhida por Deus para demonstrar assim sua glória. Algumas
coisas estão ocultas no conselho secreto do Altíssimo. Nas palavras
de John Murray: Não nos cabe examinar as razões do seu [de Deus]
conselho não revelado. É o nosso dever nos curvarmos em humilde
adoração e dizer: “Não fará justiça o Juiz de toda a terra?”. E se
estivermos dispostos a dizer: “Por que me fizeste assim?”, devemos
nos lembrar da resposta inspirada: “Quem és tu, ó homem, para
discutires com Deus? Porventura, pode o objeto perguntar a quem o
fez: Por que me fizeste assim?”. Não podemos conhecer
perfeitamente o Todo-Poderoso.[40]

T E :
“Assim, não fostes vós que me enviastes para cá, e sim Deus, que
me pôs por pai de Faraó, e senhor de toda a sua casa, e como
governador em toda a terra do Egito.” (Gn 45.8) “As coisas
encobertas pertencem ao S , nosso Deus, porém as reveladas
nos pertencem, a nós e a nossos filhos, para sempre, para que
cumpramos todas as palavras desta lei.” (Dt 29.29) “A glória de
Deus é encobrir as coisas, mas a glória dos reis é esquadrinhá-las.”
(Pv 25.2)
“Varões israelitas, atendei a estas palavras: Jesus, o Nazareno,
varão aprovado por Deus diante de vós com milagres, prodígios e
sinais, os quais o próprio Deus realizou por intermédio dele entre
vós, como vós mesmos sabeis; sendo este entregue pelo
determinado desígnio e presciência de Deus, vós o matastes,
crucificando-o por mãos de iníquos; ao qual, porém, Deus
ressuscitou, rompendo os grilhões da morte; porquanto não era
possível fosse ele retido por ela.” (At 2.22-24) “Porque
verdadeiramente se ajuntaram nesta cidade contra o teu santo
Servo Jesus, ao qual ungiste, Herodes e Pôncio Pilatos, com
gentios e gente de Israel, para fazerem tudo que a tua mão e o teu
propósito predeterminaram.” (At 4.27,28)
P :
1. Deus preordenou a queda do homem no pecado?
2. Isso significa que Deus é o autor do pecado? Explique.
3. O que se quer dizer por causas secundárias?
4. Quais são os três conceitos antibíblicos do mal apresentados no
capítulo?
5. Deus usa o mal para seus próprios propósitos a fim de realizar
sua vontade? Explique.
10. Calvinismo, hipercalvinismo e
arminianismo
No livro analisamos de forma breve três sistemas teológicos:
calvinismo, hipercalvinismo e arminianismo. O foco, por certo, ficou
no primeiro: o que cremos ser o mais bíblico. A teologia calvinista ou
reformada enfatiza a soberania absoluta de Deus sobre cada parte
do universo, da menor à maior. Destacamos em particular a área da
soteriologia: a doutrina da salvação.
Nosso estudo mostrou que a Bíblia ensina ser o homem caído em
sentido ético (legal) totalmente depravado. Isso não significa que o
homem não seja um agente moral livre; significa que ele tem total
incapacidade a respeito das questões espirituais. O homem caído
está morto em pecado e incapaz de fazer qualquer coisa agradável
a Deus. Ele não consegue alcançar a Deus. Deus é o único autor da
salvação. Ele elegeu, por sua vontade soberana, quem será salvo.
Nosso estudo também revelou que a morte do Senhor Jesus Cristo
consistiu na expiação dos pecados dos eleitos de Deus. Sua obra
sacrifical mereceu a salvação dos eleitos. As pessoas escolhidas
pelo Pai, e por quem o Filho morreu, são trazidas de forma
irresistível a Cristo pelo Pai. Elas são chamadas à união com o
Filho. São regeneradas pelo Espírito Santo, de forma que
responderão ao chamado do evangelho. Os três membros da
Trindade sempre trabalham em perfeita harmonia entre si.
Assim que o indivíduo chega a Cristo para ser salvo, com toda a
certeza perseverará até o fim. Ele nunca cairá de forma
permanente, pois o poder de Deus o guarda até a glorificação final.
A graça divina é eficaz in toto. A salvação é do Senhor do princípio
ao fim.
O hipercalvinismo e o arminianismo erram nas respectivas tentativas
de lidar com a doutrina bíblica da soteriologia. Os dois sistemas são
diametralmente opostos. Os erros do primeiro estão em uma
direção, e os erros do último em outra. O hipercalvinismo, como o
nome indica, é uma perversão do calvinismo. Ele ultrapassa (hiper)
o ensino do calvinismo, vai muito além. Destaca a soberania divina
na eleição ao excluir a responsabilidade humana. Na tentativa de
exaltar a honra e a glória de Deus, o hipercalvinismo enfatiza de tal
forma a eleição e graça irresistível que acaba por eliminar a
necessidade de evangelizar. A vontade secreta de Deus é tão
acentuada que se ignora a vontade revelada. O resultado é uma
visão truncada do calvinismo. Duas coisas precisam ser
mencionadas. Primeira, devemos deixar claro que a eleição não é
salvação! A eleição é para Cristo, em quem está a salvação.
Portanto, crer que pelo fato de Deus ter elegido um povo e que este
povo é salvo pelo ato eletivo, por meio do qual será então
irresistivelmente levado a Deus, é uma perversão do calvinismo
bíblico. Segunda, deve-se observar também que na história recente
alguns teólogos buscaram estabelecer o hipercalvinismo como uma
manifestação do supralapsarianismo. Ou seja, o conceito
supralapsário da ordem lógica dos decretos de Deus demanda a
crença hipercalvinista. Isso não é verdade! Ao longo da história, o
supralapsarismo consistiu na visão de João Calvino e muitos outros
teólogos calvinistas.
Já o arminianismo acentua a habilidade do homem no estado caído
em detrimento da soberania divina. No esquema arminiano, o
homem não é totalmente depravado. Ele ainda conta com a
capacidade de responder ao chamado do evangelho. Enquanto os
calvinistas ensinam que a regeneração precede a fé, os arminianos
alegam o oposto. Uma vez que o homem responda, com fé, ao
chamado do Espírito, então Deus lhe regenerará o coração. Como
vimos, isso não está em sintonia com a revelação bíblica. A
incapacidade total significa incapacidade total (v. Rm 8.78; 1Co
2.14). É importante observar que a Bíblia ensina ser a fé salvadora
um dom de Deus (Ef 2.89). A fé é fruto do Espírito (Gl 5.22). Mas
nem todos os homens têm a fé salvadora (2Ts 3.2).
O arminianismo aparece sob muitas sombras e cores; isto é, há
visões diferentes no próprio sistema. Contudo, o arminianismo puro
defende o seguinte: 1. O homem não perdeu a capacidade de
responder com fé ao evangelho. Ele não está morto no pecado.
2. A eleição é condicionada pela resposta humana ao chamado do
evangelho, e se fundamenta na previsão divina, ou reconhecimento,
de como o homem responderá.
3. A expiação realizada por Jesus tem caráter universal. Ou seja,
Cristo morreu por todas as pessoas que já viveram.
4. A graça de Deus no chamado eficaz do evangelho é resistível. A
vontade do homem se eleva acima do poder da vontade divina.
5. As pessoas regeneradas podem cair da graça. Mais uma vez, o
poder humano sobrepuja a capacidade divina de salvar.
Esperamos que seja óbvio o quão distante o hipercalvinismo e o
arminianismo estão do que a Bíblia ensina. O calvinismo é o único
sistema verdadeiro à Palavra de Deus. A teologia reformada alega
que o Deus triúno da Escritura é soberano na salvação do princípio
ao fim. Todavia, de acordo com a Bíblia, o calvinismo mantém que o
homem é um ser responsável e moral. Nenhuma das duas doutrinas
deve excluir a outra. Ambas são verdades bíblicas.
Fechamos o capítulo com uma breve olhadela na história do
calvinismo. O sistema doutrinário que carrega o nome de João
Calvino não foi originado por ele. Já se afirmou antes que o
calvinismo é um mero apelido pelo qual os teólogos reformados se
referem aos dogmas ensinados por toda a Escritura. Ao longo da
história, a igreja cristã tem sido predominantemente calvinista.
Os calvinistas afirmam que o principal teólogo da igreja do primeiro
século foi o apóstolo Paulo. Cremos que este livro documentou a
contento o fato de a doutrina apostólica ser a da teologia reformada.
O segundo e terceiro séculos não produziram um tratado de teologia
sistemática per se, mas os escritos do período patrístico revelam
fortes inclinações ao calvinismo. As doutrinas desses primeiros anos
foram desenvolvidas mais tarde, nos dias de Agostinho de Hipona
(354-430 d.C.), uma das maiores mentes teológicas e filosóficas já
concedidas por Deus à igreja. Agostinho era tão fortemente
calvinista que João Calvino referiu a si mesmo como um teólogo
agostiniano.
A teologia de Agostinho predominou na igreja durante mil anos.
Nesse período da Idade Média (400-1500 d.C.), vários calvinistas (p.
ex., John Wycliffe e Jan Hus) apareceram no cenário teológico.
Embora muitos não percebam, Tomás de Aquino era calvinista em
vários pontos de sua teologia. Por exemplo, Tomás era
predestinacionista.
Com a chegada dos séculos 16 e 17, a igreja entrou no período da
Reforma. Não há dúvida de que homens como Martinho Lutero,
Ulrico Zuínglio, Heinrich Bullinger, Martin Bucer, João Calvino,
Teodoro Beza, John Knox, François Turrettini, e uma centena de
outros, defendiam as doutrinas básicas delineadas neste livro.
Os puritanos ingleses eram fortemente calvinistas. Homens como
Thomas Cartwright, Thomas Goodwin, John Owen, John Bunyan,
John Milton, Thomas Manton, John Flavel, Richard Sibbes, John
Howe (entre outros) adotaram esse sistema teológico. Os
arminianos eram a minoria entre os protestantes.
Os grandes credos reformados foram formulados nesse período. A
Confissão escocesa (1560), Confissão belga (1561), Catecismo de
Heidelberg (1563), Segunda confissão helvética (1566), Os trinta e
nove artigos de religião (da Igreja da Inglaterra, 1562, 1571),
Cânones do Sínodo de Dort (1619), Confissão de fé de Westminster
(1647), Declaração de Savoy (1658), Fórmula helvética de consenso
(1675), e a Confissão de fé londrina (batista) (1689), são todos
credos calvinistas.
O século 18 viu calvinistas tais como John Gill, George Whitefield e
Jonathan Edwards usados poderosamente por Deus. Os séculos 19
e 20 trouxeram outros calvinistas para o primeiro plano. Charles H.
Spurgeon, Charles A. Hodge, William Carey, Archibald Alexander,
Abraham Kuyper, R. L. Dabney, James P. Boice, James H.
Thornwell, Archibald A. Hodge, Benjamin B. Warfield, J. Gresham
Machen, Gordon H. Clark, Arthur W. Pink e uma multidão de outros
expoentes das principais denominações, sustentaram as doutrinas
da teologia reformada. Charles H. Spurgeon certa feita escreveu: O
que eu prego, então, não é novidade; nenhuma nova doutrina.
Adoro proclamar essas doutrinas fortes e antigas, chamadas pelo
nome de , mas elas são, de modo real e seguro, a
verdadeira revelação divina como ela se encontra em Cristo Jesus.
Por essa verdade eu faço uma peregrinação ao passado, e vejo, pai
após pai, confessor após confessor, mártir após mártir, em pé para
me cumprimentar. Fosse eu pelagiano, ou alguém que cresse na
doutrina do livre-arbítrio, eu teria de andar por vários séculos
totalmente só. Aqui ou ali um herege sem nenhum caráter poderia
surgir e me chamar de irmão. Todavia, ao me apoderar dessas
coisas para serem meu padrão de fé, vejo as terras dos anciãos
com meus irmãos na fé — contemplando multidões que confessam
o mesmo que eu, e reconhecem ser essa a religião da própria igreja
de Deus.[41]

P :
1. O que é hipercalvinismo?
2. De que forma o hipercalvinismo se assemelha ao arminianismo?
3. Defina as diferenças entre calvinismo e arminianismo ao
comparar cinco pontos básicos: 1) Depravação total, 2) eleição, 3)
expiação, 4) chamado e 5) salvação eterna.
Apêndice A: Uma exposição do arminianismo
John Owen
A alma do homem, por causa da corrupção da natureza, não só está
obscurecida com uma névoa de ignorância, pela qual é incapacitada
de compreender a verdade divina, mas também está armada com
preconceito e oposição contra algumas partes dela por serem muito
elevadas ou muito contrárias a alguns falsos princípios que ela
formulou para si mesma. Como o desejo de autossuficiência foi a
primeira causa dessa enfermidade, ela ainda possui essa
presunção; por nada luta mais que pela independência de qualquer
poder supremo que possa ajudar, impedir ou controlá-la em suas
ações. Essa é a raiz de amargura de onde procedem todas as
heresias e contendas que têm perturbado a igreja, concernente ao
poder humano de produzir a própria felicidade, e da isenção da
providência ampla do Deus todo-poderoso. Todas as ruidosas
disputas da razão carnal contra a Palavra de Deus chegam ao final
neste ponto: as primeiras e principais partes, na disposição das
coisas deste mundo, devem ser atribuídas a Deus ou ao homem? A
maioria dos homens reivindica a preeminência para si, por meio de
exclamações que assim deve ser, ou então Deus é injusto ou seus
caminhos são desiguais. Homem algum desejou erigir essa Babel
com mais ânsia que os arminianos — os modernos patronos cegos
da autossuficiência humana. Todas as inovações deles na doutrina
recebida das igrejas reformadas objetivam e tendem a um desses
dois fins: P , tentar isentar-se da jurisdição divina — livrar-se
do domínio supremo de sua providência que a tudo governa; não
viver nem se mover nele, mas contar com um poder independente e
absoluto em todas as suas ações, de modo que a ocorrência de
todas as coisas de seu interesse possam contar com nada além do
acaso, da contingência e da própria vontade — uma tentativa muito
nefasta e sacrílega! Para esse fim, eles: 1. Negam a eternidade e
imutabilidade dos decretos de Deus. Sendo esses estabelecidos,
eles temem ser impedidos de fazer algo cuja realização foi
determinada por seu conselho. Se os propósitos da Força de Israel
são eternos e imutáveis, o ídolo deles do livre-arbítrio deve ser
limitado, e sua independência prejudicada. Assim preferem afirmar
que os decretos divinos são temporários e mutáveis; sim, que ele na
verdade os muda de acordo com as muitas variáveis observadas em
nós: uma concepção extremamente selvagem, contrária à natureza
pura de Deus e destrutiva dos seus atributos.
2. Questionam a presciência ou pré-conhecimento de Deus; pois se
são conhecidas de Deus todas as suas obras desde o princípio, se
ele certamente conhece todas as coisas que virão a acontecer, isso
parece fazer todas as ações deles ocorrerem de modo infalível, o
que invade o grande território de sua nova deusa, a contingência.
Não, isso destronaria totalmente a rainha do céu, e induziria um tipo
de necessidade em tudo que se faz; assim, nada ocorreria senão o
que Deus sabe de antemão. Ora, negar essa presciência destrói a
própria essência da Divindade, e puro ateísmo será declarado.
3. Depõem a providência do Rei das nações que a tudo governa,
negando seu poder enérgico e eficaz, de transformar o coração,
governar os pensamentos, determinar as vontades e dispor das
ações dos homens, concedendo-lhe nada além de um poder e
influência gerais, limitados e usados de acordo com a inclinação e
vontade de todo agente particular; tornam o Deus Todo-Poderoso
alguém que deseja coisas que não ocorrerão, um espectador ocioso
da maioria das coisas que acontecem no mundo: a falsidade de
cujas afirmações será provada.
4. Negam o poder irresistível e incontrolável da vontade de Deus,
afirmando que muitas vezes ele deseja e pretende com seriedade o
que não pode realizar, e assim seus objetivos são frustrados; não,
embora ele deseje, e de fato pretenda salvar todos os homens, está
inteiramente no poder deles se Deus salvará alguém ou não; caso
contrário, o ídolo deles, o livre-arbítrio, seria apenas uma deidade
pobre, se Deus pudesse, como e quando quisesse, cruzar seu
caminho e lhe resistir em seu domínio. A natureza corrupta ainda
está pronta, quer de forma nefasta, com Adão, para tentar ser como
Deus, ou a pensar por tolice que ele é totalmente semelhante a nós
— salmo 1; algo que incomoda a todos os homens que não
aprenderam a submeter suas frágeis vontades à vontade todo-
poderosa de Deus, e cativar seu entendimento à obediência da fé.
S , limpar a natureza humana da pesada imputação de ser
pecaminosa, corrompida, astuta para fazer o mal, porém incapaz de
fazer o bem; e assim de reivindicar para si mesmos o poder e a
capacidade de fazer todo o bem que Deus pode exigir com justiça
que seja feito por eles no estado em que se encontram — tornando-
se diferentes dos outros que não farão bom uso das investiduras de
sua natureza; de forma que a primeira e principal parte na obra de
sua salvação pode ser atribuída a eles mesmos: um orgulhoso
empreendimento luciferiano! Para esse fim, eles: 1. Negam a
doutrina da predestinação que afirma ter Deus escolhido alguns
homens, antes da fundação do mundo, para que sejam santos e
obtenham a vida eterna pelo mérito de Cristo, para o louvor de sua
gloriosa graça, — qualquer predestinação que possa ser a fonte e
causa da graça ou glória —, determinando as pessoas, de acordo
com o bom propósito de Deus, sobre quem elas serão concedidas.
Essa doutrina torna a graça divina especial a única causa de todo o
bem que está mais no eleito que nos réprobos; que torna a fé obra e
dom divinos, com diversas outras coisas, que demostrariam seu
ídolo não ser nada, de nenhum valor. Assim, que heresia corrupta
eles colocaram em seu lugar.
2. Negam o pecado original e seu demérito; sendo entendido da
maneira correta, ele demostraria com facilidade que, não obstante
todo o trabalho do ferreiro, do carpinteiro e do pintor, o ídolo
construído não passa de um bloco imprestável; será descoberta não
apenas a impotência de fazer o bem que está em nossa natureza,
mas também que temos.
3. Caso atribuamos a repugnância à lei de Deus à nossa natureza
humana, eles sustentarão que isso também estava em Adão quando
foi criado, e dessa forma procede do próprio Deus.
4. Negam a eficácia do mérito da morte de Cristo — tanto que Deus
pretendeu por sua morte redimir sua igreja, ou adquirir para si um
povo santo; como também que Cristo, por sua morte, mereceu e
adquiriu para nós graça, fé, justiça e poder para obedecer a Deus,
no cumprimento da condição do novo pacto. Não, isso claramente
levantaria uma arca para quebrar o pescoço do Dagom deles; pois,
“que louvor”, dizem eles, “pode ser devido a nós mesmos por crer,
se o sangue de Cristo tiver conquistado que Deus nos conceda fé?”.
5. Dentre os que nunca ouviram falar do Salvador, eles concederão
a alguns obter a salvação completa sem Cristo, se Cristo reivindicar
essa participação na salvação do seu povo, dos que nele creem. De
fato, em nada eles avançam seu ídolo para mais próximo do trono
de Deus do que por meio dessa blasfêmia.
6. Tendo assim roubado a Deus, a Cristo e sua graça, eles adornam
seu ídolo do livre-arbítrio com muitas propriedades gloriosas de
forma alguma devida a ele.
7. Não só reivindicam para a sua deidade nova e recém-criada um
poder salvador, como também afirmam que ela é muito ativa e
operativa na grande obra de nos salvar a alma: a. Ao nos preparar
do modo correto para a graça de Deus, e nos dispor de tal maneira
que ela passa a se dever a nós.
b. Na operação eficaz de nossa conversão junto com ela [...] e
assim, finalmente, com muito trabalho e labor, eles colocaram um
altar para seu ídolo no santo templo, à mão direita do altar de Deus,
e nele oferecem sacrifício. No final, nem tudo para Deus, nem tudo
para o livre-arbítrio. Que o sacrifício de louvor, por todas as coisas
boas, seja dividido entre eles.
Apêndice B: O calvinismo nos EUA
Loraine Boettner
Ao estudarmos a influência exercida pelo calvinismo como força política na
história dos Estados Unidos da América do Norte, deparamo-nos com uma
das páginas mais brilhantes da história calvinista. O calvinismo chegou à
América do Norte no barco Mayflower. Bancroft, o mais proeminente dos
historiadores americanos, declarou que os peregrinos eram “calvinistas do
sistema mais rigoroso”.[42] John Endicott, o primeiro governador do
Masschusetts Bay Colony, John Wintrop, o segundo governador dessa
colônia, Thomas Hooker, o fundador de Connecticut, John Davenport, o
fundador da colônia New Haven, e Roger Williams, o fundador da colônia de
Rhode Island eram todos calvinistas. William Penn foi discípulo dos
huguenotes. Estima-se que dos 3 milhões de americanos que viviam no
tempo da Revolução, 900 mil eram de origem escocesa ou de descendência
escocesa e irlandesa; 600 mil eram puritanos ingleses e 400 mil eram da
Igreja Reformada da Holanda ou da Alemanha. Além do mais, os episcopais
tinham uma confissão de fé calvinista nos Os trinta e nove artigos de religião;
e muitos dos huguenotes franceses também vieram para esta terra. Portanto,
vemos que em torno de um terço da população colonial foi educada na escola
de Calvino. Na história do mundo, nunca houve uma nação fundada por
pessoas como essas. Além do mais, elas não vieram à América do Norte com
o propósito primário de desenvolver interesses comerciais, e sim por conta de
suas profundas convicções religiosas. É como se as perseguições religiosas
em vários países da Europa servissem de modo providencial para selecionar
as pessoas mais progressistas e ilustres e levar a bom termo a colonização
da América do Norte. Seja como for, admite-se de forma geral que os
ingleses, os escoceses, os alemães e os holandeses foram as pessoas da
mais marcante influência na Europa. Além disso, devemos ter em mente que
os puritanos, que compunham a maior parte dos habitantes da Nova
Inglaterra, trouxeram consigo o protestantismo calvinista, e eram fiéis adeptos
das doutrinas dos grandes reformadores, que sentiam uma grande repulsa ao
formalismo e à opressão, na igreja e no Estado. O calvinismo seguiu como a
teologia prevalente na Nova Inglaterra em todo o período colonial.
Com essa tela de fundo, não nos causará surpresa descobrir que os
presbiterianos desempenharam um papel muito importante na Revolução. O
historiador Bancroft escreveu: “A influência exercida pela religião na
Revolução de 1776 veio de forma direta dos presbiterianos. O fruto dos
princípios foram semeados pelo presbiterianismo do Velho Mundo em seus
filhos: os puritanos da Inglaterra, os covenanters da Escócia, os huguenotes
da França, os calvinistas da Holanda e os presbiterianos de Ulster”. Tão
apaixonados e agressivos eram os presbiterianos no zelo pela liberdade, que
a guerra era conhecida na Inglaterra como “a religião presbiteriana”. Um
fervoroso colono, partidário do rei Jorge III escreveu em uma carta: “Eu
atribuo a culpa de todos esses extraordinários acontecimentos aos
presbiterianos. Eles têm sido a causa principal de todas estas manifestações
malditas. Eles sempre se opõem e sempre se oporão ao governo por causa
do inquieto e turbulento espírito antimonárquico que os caracteriza em todos
os lugares”.[43] Quando a notícia desses “extraordinários acontecimentos”
chegou à Inglaterra, o primeiro-ministro Horatio Walpole disse no Parlamento:
“Nossa prima América escapou com um pastor presbiteriano” (John
Witherspoon, presidente de Princeton, signatário da Declaração de
Independência).
A história declara com eloquência que a democracia dos Estados Unidos
nasceu do cristianismo e que esse cristianismo não é nada menos que o
calvinismo. O grande conflito revolucionário resultante na formação da nação
foi levado a bom termo principalmente por calvinistas dentre os quais muitos
foram educados na escola estritamente presbiteriana de Princeton. Esta
nação é a sua dádiva a todos os que amam a liberdade.
J. R. Sizoo afirmou: “Quando, por fim, se conseguiu que Cornwallis
retrocedesse e se rendesse em Yorktown, quase todos os coronéis do
exército colonial, exceto um, eram presbíteros da Igreja Presbiteriana. Mais da
metade de todos os soldados e oficiais do exército dos EUA, durante a
Revolução, eram presbiterianos”.[44]
O testemunho de Emilio Castelar, o famoso estadista, orador e erudito
espanhol, é interessante e de grande valor. Castelar havia sido professor de
Filosofia na Universidade de Madri antes de entrar na política, e foi nomeado
presidente da República estabelecida pelos liberais em 1873. Como católico
romano, ele odiava Calvino e o calvinismo. Afirmou: “Era necessário que o
movimento republicano surgisse da moralidade mais austera que a de Lutero,
a saber, de Calvino, e uma igreja mais democrática que a da Alemanha, a
saber, a de Genebra. A democracia anglo-saxônica teve como fundamento o
livro da sociedade primitiva — a Bíblia. Essa democracia é o produto de uma
rigorosa teologia apreendida pelos poucos refugiados cristãos nas lúgubres
cidades da Holanda e Suíça, onde a vetusta figura de Calvino ainda lança sua
sombra [...] uma democracia que permanece serena em sua grandeza,
constituindo a parte mais nobre, moral e ilustre da raça humana”.[45]
Motley disse: “Na Inglaterra, as sementes da liberdade incorporadas no
calvinismo e preservadas ao longo dos anos de prova e, por fim, estavam
destinadas a espalhar-se e a produzir as mais fartas colheitas da liberdade
em repúblicas que ainda não haviam nascido”.[46] “Os calvinistas fundaram as
democracias da Inglaterra, Holanda e dos Estados Unidos”. E anexa: “As
liberdades políticas da Inglaterra, da Holanda e dos Estados Unidos se devem
mais aos calvinistas que a qualquer outro grupo de homens”.[47]
Merece nossa consideração o testemunho de outro famoso historiador, o
francês Hippolyte Taine, que não mantinha nenhum credo religioso pessoal.
Com respeito aos calvinistas, ele disse: “Esses homens são os verdadeiros
heróis da Inglaterra. Foram eles que a fundaram, e isto apesar da corrupção
dos Stewards; e conseguiram tal façanha pelo exercício do dever, pela prática
da justiça, pelo trabalho assíduo, pela defesa do direito, pela resistência à
opressão, pela conquista da liberdade e pela repressão do vício. Eles
fundaram a Escócia e os Estados Unidos da América do Norte; e hoje estão,
através dos seus descendentes, fundando a Austrália e colonizando o
mundo”.[48]
No livro, The Creed of Presbyterians [O credo dos presbiterianos], Egbert W.
Smith formula uma pergunta com referência aos colonos dos Estados Unidos:
“Onde estes aprenderam os imortais princípios dos direitos do homem, da
liberdade humana, da igualdade e da autonomia sobre os quais cimentaram
sua república e que são hoje a glória distintiva dessa civilização da América
do Norte? Eles os aprenderam na escola de João Calvino. Ali o mundo
moderno os aprendeu. É isso que nos ensina a história”.[49]
Passemos agora a considerar a influência exercida pela Igreja Presbiteriana
na formação da República nos Estados Unidos. Na afirmação do dr. W. H.
Roberts, em um discurso que pronunciara diante da Assembleia Geral, “foi por
três quartos do século, a única representante neste continente de governo
republicano, como se encontra organizado hoje na nação”, e acrescenta:
“Desde 1706 até o início da Revolução, a única instituição existente que
representava nossa organização política nacional atual era o Sínodo Geral da
Igreja Presbiteriana da América do Norte. Só ela, entre as organizações
coloniais, eclesiásticas e políticas, exerceu autoridade derivada dos próprios
colonos sobre as comunidades espalhadas por todas as colônias desde a
Nova Inglaterra até a Geórgia. É preciso lembrar-se de que as colônias, nos
séculos 17 e 18, ainda que dependentes da Inglaterra, eram independentes
entre si. Até 1774, ainda não existia um corpo como o Congresso Continental.
A condição religiosa do país era semelhante à condição política. As igrejas
congregacionais da Nova Inglaterra não estavam vinculadas umas às outras,
e à parte do governo civil careciam de poder. Nas colônias, a Igreja Episcopal
ainda não estava organizada, e seu sustento e ministério dependiam da Igreja
da Inglaterra; além disso, estava saturada de uma intensa lealdade à
monarquia britânica. Até 1771, a Igreja Reformada holandesa ainda não tinha
uma organização eficiente e independente, e a Igreja Reformada alemã não
chegou a alcançar essa condição até 1793. As igrejas batistas eram
organizações separadas, as metodistas eram quase desconhecidas e os
quacres eram pacifistas”.
Delegados das igrejas presbiterianas se reuniam a cada ano no Sínodo Geral,
e a igreja veio a ser, como nos informa o dr. Roberts, “uma fonte de união e
reciprocidade entre grandes setores da população das colônias divididas”.
Portanto, porventura causa estranheza que sob a sua influência os
sentimentos de verdadeira liberdade, da mesma forma que os princípios do
evangelho puro, fossem pregados ao longo de todo o território desde Long
Island até Carolina do Sul, e que, sobretudo, o espírito de unidade entre as
colônias começasse a se fazer sentir? É incalculável a influência que essa
república eclesiástica exerceu no que diz respeito à origem da nação, sendo
ela, desde 1706 a 1774, a única representante no continente de instituições
republicanas bem desenvolvidas. Os Estados Unidos da América do Norte
devem muito à mais antiga das repúblicas americanas, a Igreja Presbiteriana”.
[50]
Certamente isto não significa que a Igreja Presbiteriana fosse a única fonte da
qual foram obtidos os princípios sobre os quais se fundou dita República; no
entanto, afirma-se que os princípios que aparecem nos Padrões de
Westminster foram o principal fundamento: “A Igreja Presbiteriana foi a
primeira que ensinou, praticou e sustentou nesta terra a forma de governo em
concordância com o qual a República foi organizada” (Roberts).
No início da luta revolucionária, os ministros e igrejas presbiterianas se
encontravam ao lado dos colonos, e Bancroft atribui a eles o primeiro passo
para a independência.[51] O Sínodo que se reuniu na Filadélfia em 1775 foi o
primeiro corpo religioso a expressar aberta e publicamente o desejo de se
separar da Inglaterra. O referido Sínodo exortou quem se encontrava sob sua
jurisdição a não deixarem de contribuir, de todas as formas, com a promoção
do fim a que se propuseram, e instou com eles a orar pelo Congresso que
então se encontrava reunido.
Naquele tempo, a Igreja Episcopal estava ainda unida à Igreja da Inglaterra;
portanto, se opunha à Revolução. No entanto, um número considerável de
pessoas dentro dessa igreja lutava com intensidade pela independência,
participando com suas riquezas e influência. Vale dizer que George
Washington, o comandante em chefe dos exércitos dos Estados Unidos, “o
pai da nossa pátria”, era membro dessa igreja. O próprio Washington assistiu
aos cultos celebrados pelos seus capelães (que eram ministros das distintas
igrejas), e ordenou a todos os seus homens que assistissem a eles. Além
disso, em certa ocasião, doou 40 mil dólares com o fim de estabelecer um
colégio presbiteriano em seu estado natal, que em reconhecimento à sua
doação se chamou Washington College.
N. S. McFetridge lançou luz sobre outro importante acontecimento durante o
período revolucionário. Visando a maior exatidão e inteireza, lançaremos mão
do privilégio de citá-lo extensamente. “Outro fator importante no movimento de
independência”, diz ele, “foi o que se conhece como a Declaração de
Mecklenburg. Esta foi proclamada pelos presbiterianos escoceses e
irlandeses da Carolina do Norte em 20 de maio de 1775, ou seja, um ano
antes da redação da Declaração de Independência. Esta foi a cordial
saudação dos escoceses e irlandeses aos valorosos irmãos do Norte, e seu
intrépido desafio ao poder da Inglaterra. Os presbiterianos escoceses e
irlandeses seguiram bem de perto o desenvolvimento da luta entre as colônias
e a coroa, e ao ouvir a declaração apresentada pelo Congresso ao rei,
declarando às colônias em franca rebelião, estimaram que era o tempo de
expressar abertamente seu sentimento. Como consequência, organizaram um
grupo representativo em Charlotte, Carolina do Norte, que, por decisão
unânime, declarou os colonos livres e independentes, e também declarou
que, desse momento em diante, todas as leis e comissões do rei ficavam
invalidadas”. E continua: Na Declaração aparecem resoluções como as que seguem:
“Pela presente, dissolvemos os vínculos políticos que nos têm unido à pátria mãe, e por
esse meio ficamos eximidos de toda lealdade à coroa britânica. Pela presente, declaramo-
nos um povo livre e independente; somos, e por direito devemos ser, uma associação
soberana e autônoma, sob o controle único do nosso Deus e do governo geral do
Congresso; e para a apresentação dessa associação, comprometemos solenemente nossa
cooperação e até mesmo a própria vida, nossas fortunas e a nossa sagrada honra”. Esta
assembleia se compunha de 27 calvinistas tenazes, dos quais uma terça parte se
compunha de presbíteros da Igreja Presbiteriana, inclusive o presidente e o secretário; e
um deles era ministro presbiteriano. O homem que redigiu esse famoso e importante
documento foi o secretário, Efrain Brevard, presbítero regente da Igreja Presbiteriana,
graduado do Colégio de Princeton. Bancroft registrou que essa Declaração foi “de fato uma
declaração em pé de igualdade com um sistema completo de governo”.[52] A Declaração
foi enviada ao Congresso em Filadélfia por mãos de um mensageiro especial, e foi
publicada no Cape Fear Mercury, distribuída por todo o país. Também foi remetida com
toda rapidez à Inglaterra, onde causou grande comoção.
A identidade de sentimento e a similaridade de expressão entre essa Declaração e a
grande Declaração escrita por Jefferson não podiam passar desapercebidas do
historiador; por isso Tucker, em seu livro, Life of Jefferson [Vida de Jefferson], disse:
“Todos podiam perceber que um desses escritos foi copiado do outro”. No entanto, é
óbvio que Brevard não poderia ter “copiado” do documento de Jefferson, já que ele
escreveu o seu mais de um ano antes. Portanto, Jefferson, em consonância com seu
biógrafo, teria tomado de “empréstimo” de Brevard. No entanto, este foi um plágio tão
proveitoso, que o mundo o perdoará sem reservas. Ao corrigir a primeira cópia da
Declaração, pode-se observar em várias partes que Jefferson apagou as palavras
originais e intercalou as que aparecem originalmente na Declaração de Mecklenberg.
Ninguém poderá nutrir dúvida de que Jefferson tinha diante de si as resoluções de
Brevard enquanto escrevia sua imortal Declaração.[53]
A notável semelhança entre os princípios expressos na Forma de Governo da
Igreja Presbiteriana e os expostos na Constituição dos Estados Unidos da
América do Norte produziu um grande volume de comentários. O dr. E. W.
Smith se expressa nestes termos: Quando os pais da nossa República se sentaram
para redigir um sistema de governo popular e representativo, a sua tarefa não foi difícil
como alguns têm suposto, porque eles já tinham um modelo pelo qual se guiar.[54]
Caso se pergunte a um cidadão comum dos Estados Unidos da América do Norte
quem foi o fundador da sua pátria, o autor da nossa grande república, pode ser que o
mesmo não saiba responder. Podemos imaginar o seu assombro ao ouvir a resposta
dada a esta pergunta pelo famoso historiador alemão, Ranke, um dos mais
destacados eruditos dos tempos modernos. Ranke escreveu: “João Calvino foi, de
fato, o fundador virtual dos Estados Unidos”.[55]
Jean-Henri M. D’Aubigné, cuja história da Reforma constitui um clássico,
escreveu: “Calvino foi o fundador da mais grandiosa das repúblicas. Os
puritanos que deixaram sua pátria no reinado de James I e chegaram às
áridas terras da Nova Inglaterra, fundando populosas e poderosas colônias,
foram seus filhos; e a nação americana, que tão rapidamente temos visto
crescer, ostenta por pai o humilde reformador das margens do lago Leman”.
[56]
O dr. Egbert W. Smith afirma: “Estes princípios revolucionários de liberdade e
autocracia republicana, expostos e incorporados no sistema de Calvino, foram
semeados nos Estados Unidos, onde produziram uma colheita farta; e quem
foram os semeadores? Sem dúvida, foram os calvinistas. Apesar de soar
estranho aos ouvidos de alguns as palavras de Ranke, a relação vital que
existe entre Calvino e o calvinismo, por um lado, e a fundação das instituições
livres dos Estados Unidos, por outro lado, os historiadores de todos os países
e de todos os credos reconhecem e sustentam esse fato”.[57]
Tudo isso é entendido com clareza e reconhecido com imparcialidade por
historiadores perspicazes e filosóficos da estirpe de Bancroft, o qual, ainda
que longe de ser calvinista, considera Calvino “o pai dos Estados Unidos”, e
anexa: “Quem não honra a memória e respeita a influência de Calvino,
conhece bem pouco a origem da liberdade nos Estados Unidos”.
Podemos apreciar ainda mais claramente a veracidade dos testemunhos
citados antes quando nos lembramos de que dois terços da população na
época da Revolução foram instruídos na escola de Calvino, e quando nos
recordamos de que forma tão unida e entusiástica os calvinistas lutaram pela
causa da independência.
Na época da Revolução quase não havia metodistas nos Estados Unidos; e,
de fato, a Igreja Metodista só foi organizada oficialmente na Inglaterra em
1784, ou seja, três anos depois de terminada a Revolução. John Wesley,
ainda que um homem bom e nobre, era um membro do Partido Conservador e
adepto da não-resistência política. Embora tenha escrito contra a “rebelião”
americana, aceitou o afortunado resultado. McFetridge afirmou: “Os
metodistas eram uma pequena minoria nas colônias quando teve início a luta
pela independência. Em 1773, afirmavam ter cerca de 160 membros. Seus
ministros eram quase todos ingleses e fiéis partidários da coroa e opostos à
independência. Portanto, quando a guerra teve início, eles fugiram do país.
Suas ideias políticas naturalmente concordavam com as do grande líder, John
Wesley, que se valia de todo o poder da sua eloquência e influência contra a
independência das colônias.[58] Wesley, não obstante, não podia prever que
os Estados Unidos independentes seriam o campo onde sua nobre igreja
haveria de recolher as mais fartas colheitas e que naquela Declaração, à qual
ele se opôs com tanta insistência, jazia a segurança das liberdades dos seus
seguidores”.[59]
As grandes lutas pela liberdade civil e religiosa na Inglaterra e nos Estados
Unidos foram fomentadas e inspiradas pelo calvinismo, e levadas a bom
termo, em grande medida, pelos calvinistas. Mas, como a maioria dos
historiadores nunca estudou o calvinismo a fundo, jamais nos deram um relato
verídico e completo do que o dito credo fez nesses países. Faz-se necessária
a luz da investigação histórica para demonstrar como os antepassados nos
dois países creram e se pautaram pelos princípios calvinistas. Vivemos na
época em que se tem ignorado em grande medida os serviços dos calvinistas
na fundação dos Estados Unidos, razão da tamanha dificuldade para debater
o tema sem dar a impressão de que aqui se faz um mero encômio ao
calvinismo. Todavia, é possível, com toda a confiança, render honra ao credo
que produziu tão doces frutos e ao qual os Estados Unidos da América do
Norte tanto devem.
O
Ainda que não exista conexão orgânica entre a liberdade civil e a religiosa,
não obstante elas possuem uma forte afinidade entre si; e onde uma não
existe, tampouco a outra poderá prevalecer por muito tempo. A história
manifesta com eloquência que a religião de um povo depende de sua
liberdade ou de sua escravidão. As doutrinas que sustentam e os princípios
que adotam são, portanto, de suprema importância, já que se tornarão a base
sobre a qual a estrutura da sua vida e do seu governo haverão de repousar.
Nesse sentido, o calvinismo tem sido revolucionário, já que tem ensinado a
igualdade natural dos homens, e a sua tendência essencial tem sido a de
destruir toda distinção de classe e toda presunção de superioridade baseada
em riquezas e privilégios adquiridos. Pelo amor à liberdade, os calvinistas se
converteram em combatentes das distinções artificiais que colocam alguns
homens acima dos demais.
Em sentido político, o calvinismo é a principal fonte do governo republicano
moderno. O calvinismo e o republicanismo estão relacionados entre si como
causa e efeito; e, onde um povo possui o primeiro, o segundo prontamente se
desenvolverá. O próprio Calvino sustentou que a igreja, sob a égide de Deus,
era uma república espiritual; isso demonstra seu caráter teoricamente
republicano. James I conhecia muito bem os efeitos do calvinismo, quando
afirmou: “O presbiterianismo e a monarquia são tão afins como o são Deus e
o diabo”. Bancroft menciona o “caráter político do calvinismo, o qual os
monarcas daquela época com unanimidade e com juízo distintivo
consideravam republicanismo”. Outro historiador americano, John Fiske,
escreveu: “Seria difícil superestimar o que a humanidade deve a João
Calvino. O pai espiritual de Coligny, de Guilherme, o Taciturno, e de Cromwell
deve ocupar o primeiro lugar entre os maiores chefes de estado da
democracia moderna. A promulgação dessa teologia foi um dos passos mais
importantes já dados pela humanidade rumo à liberdade individual”.[60] Emilio
Castelar, o líder dos espanhóis liberais, afirmou que “a democracia anglo-
saxônica é o produto de uma teologia severa aprendida nas cidades da
Holanda e da Suíça”. Buckle, no livro History of Civilization [História da
civilização], registrou: “Em essência, o calvinismo é democrático” (I, 669). E
De Tocqueville, um hábil escritor político, o denomina “religião democrática e
republicana”.[61]
Esse sistema não só inspirou em seus seguidores o espírito de liberdade, mas
também os preparou de modo prático para seus direitos e deveres como
homens livres. Além disso, deu a cada congregação o direito de eleger os
próprios oficiais e dirigir os próprios assuntos. Fiske a considera “uma das
escolas mais efetivas que já existiu no treinamento de homens para a
administração do governo autônomo local”.[62] A liberdade espiritual é a fonte
e o sustentáculo de todas as outras liberdades; portanto, não nos deve causar
surpresa quando passamos a conhecer que os princípios norteadores desses
homens nos assuntos eclesiásticos também moldaram suas ideias políticas.
Por instinto, preferiram o governo representativo e resistiram com obstinação
a todo governante injusto. Uma vez derrotado o despotismo religioso, o
despotismo civil não pode prevalecer por muito tempo.
Poderíamos dizer que a república espiritual fundada por Calvino repousa
sobre quatro princípios básicos. Estes foram resumidos por um eminente
estadista e jurista inglês, sir James Stephen, da seguinte maneira: “Esses
princípios foram: Em primeiro lugar, que a vontade do povo era a única fonte
legítima do poder dos governantes; em segundo lugar, que o poder era
delegado pelo povo aos governantes por meio de eleições, nas quais todo
homem adulto podia exercer o direito ao voto; em terceiro lugar, que na esfera
eclesiástica o clero e o laicato tinham o direito de exercer autoridade igual e
forma coordenada; e, em quarto lugar, que nenhuma aliança ou dependência
mútua, ou qualquer outra relação definida, deveria existir entre a igreja e o
estado”.[63]
O princípio da soberania divina, quando foi aplicado aos assuntos do governo,
demonstrou ser de grande importância. Deus, o governante supremo, é
soberano; toda autoridade exercida pelo homem se deve ao fato de lhe ter
sido conferida espontaneamente por Deus. As Escrituras, por conterem
eternos princípios normativos para todas as idades e para todas as pessoas,
foram tomadas como a autoridade final. As seguintes palavras das Escrituras
declaram que o estado é uma instituição divinamente estabelecida: “Todo
homem esteja sujeito às autoridades superiores; porque não há autoridade
que não proceda de Deus; e as autoridades que existem foram por ele
instituídas. De modo que aquele que se opõe à autoridade resiste à
ordenação de Deus; e os que resistem trarão sobre si mesmos condenação.
Porque os magistrados não são para temor, quando se faz o bem, e sim
quando se faz o mal. Queres tu não temer a autoridade? Faze o bem e terás
louvor dela, visto que a autoridade é ministro de Deus para o teu bem.
Entretanto, se fizeres o mal, teme; porque não é sem motivo que ela traz a
espada; pois é ministro de Deus, vingador, para castigar o que pratica o mal.
É necessário que lhe estejais sujeitos, não somente por causa do temor da
punição, mas também por dever da consciência. Por esse motivo, também
pagais tributos, porque são ministros de Deus, atendendo, constantemente, a
este serviço. Pagai a todos o que lhes é devido: a quem tributo, tributo; a
quem imposto, imposto; a quem respeito, respeito; a quem honra, honra” (Rm
13.1-7).
No entanto, cabe dizer que nenhum tipo de governo, seja democracia ou
república ou monarquia, foi considerado divinamente estabelecido para uma
época ou povo em particular, ainda que o calvinismo mostrasse preferência
pelo sistema republicano. “Qualquer que fosse o sistema de governo”, diz H.
H. Meeter, “fosse monarquia ou democracia ou qualquer outra forma, em cada
caso o governante (ou os governantes) teria que atuar como representante de
Deus, e administrar os assuntos do governo em conformidade com as leis
divinas. Esse princípio fundamental fornece, ao mesmo tempo, o mais
elevado incentivo para a preservação da lei e da ordem entre os cidadãos
que, por amor a Deus, deveriam render obediência aos poderes superiores,
sem importar quais fossem. Daqui o calvinismo deduz um governo altamente
estável”. E continua: No entanto, em contrapartida, o mesmo princípio da soberania
divina serviu também como poderosa defesa da liberdade dos cidadãos contra os
governantes despóticos. Quando os governantes não faziam caso da vontade divina,
menosprezavam os direitos dos governados e se tornavam abusivos, os cidadãos, em
razão da responsabilidade para com Deus, o Soberano, tinham o privilégio e o dever de
recusar a obediência, e até mesmo, caso fosse necessário, destituir o déspota por meio
das autoridades menores estabelecidas por Deus para a proteção dos direitos do povo.[64]
As ideias calvinistas sobre o governo e os governantes foram expostas com
habilidade por J. C. Monsma no seguinte parágrafo: “Os governos são
instituídos por Deus mediante a instrumentalidade do povo. Nenhum
imperador ou presidente tem em si mesmo poder inerente; qualquer poder
que possua, a autoridade que exerça, é poder e autoridade derivados da
suprema Fonte divina; portanto, o que tais governantes possuem, na
realidade não é poder, e sim a justiça, e justiça que provém da eterna Fonte
de justiça. Daí é muito fácil para os calvinistas respeitarem as leis e
ordenanças do governo. Se o governo fosse apenas questão de um grupo de
homens obrigados a satisfazer os desejos da maioria popular, os calvinistas,
por seu profundo amor à liberdade, prontamente se rebelariam. Mas, como
sua firme crença é que por trás do governo está Deus, em vez de se rebelar,
se prostra diante dele com profunda reverência. Nesta convicção jaz também
a razão fundamental desse profundo e quase fanático amor à liberdade,
incluindo a liberdade política, sempre característico do calvinismo genuíno.
Para os calvinistas, o governo é servo de Deus e, portanto, todos os oficiais,
como homens, estão no mesmo plano que os seus súditos; e em nenhum
sentido podem se considerar superiores. Por essa mesma razão, os
calvinistas preferem o governo do tipo republicano. A soberania de Deus, o
caráter derivativo dos poderes do governo e a igualdade dos homens não
encontra expressão mais clara e eloquente em nenhuma outra forma de
governo”.[65]
A teologia calvinista exalta o único Soberano e exige que todos os outros
soberanos se prostrem diante de sua majestosa presença. Portanto, o direito
divino dos reis e os decretos infalíveis dos papas não puderam prevalecer
entre pessoas que atribuíam soberania apenas a Deus. Mas ainda que essa
teologia exalte a Deus infinitamente como o Governante onipotente do céu e
da terra e demande que todos os homens se prostrem diante dele, não
obstante também incrementa a dignidade do indivíduo e ensina que todos os
homens são iguais. Os calvinistas, por temerem a Deus, não temem ninguém.
E sabendo que ele o escolheu, nos conselhos eternos, e o destinou para as
glórias celestiais, possui algo que dissipa a tendência de render favores aos
homens, e opaca o brilho de toda a grandeza terrena. Se a orgulhosa
aristocracia traça sua linhagem através das gerações de antepassados de
elevada estirpe, ainda com maior orgulho, os calvinistas apontam para o livro
da vida que registra a mais nobre concessão de direitos decretada desde a
eternidade pelo Rei dos reis. Os calvinistas, pela linhagem superior a qualquer
linhagem terrena, na realidade são os verdadeiros nobres, os nobres do céu,
filhos e sacerdotes de Deus, coerdeiros com Cristo, e reis e sacerdotes
divinamente ungidos e consagrados. Infunda-se à mente e ao coração do
homem a verdade da soberania de Deus, e será como se introduzisse ferro no
sangue. A fé reformada se rende ao serviço muito valioso ao ensinar aos
indivíduos seus direitos.
O arminianismo, pela tendência aristocrática radical, se contrasta de maneira
impressionante com as tendências democráticas e republicanas inerentes à fé
reformada. Nas igrejas presbiterianas e reformadas, o presbítero vota no
presbitério, no sínodo ou na assembleia geral em completa igualdade com
seu pastor; nas igrejas arminianas, por sua vez, o poder jaz em grande
medida nas mãos do clero e é bem pouca a autoridade da parte do laicato. O
sistema episcopal finca o pé no governo hierárquico. O arminianismo e o
catolicismo romano (que quase é arminiano) vicejam sob governos
monárquicos, mas o calvinismo acha sua vida limitada ali. O romanismo, por
sua vez, não viceja em uma república, mas ali o calvinismo se expande. No
plano civil, o governo eclesiástico aristocrático tende à monarquia, enquanto o
governo eclesiástico republicano tende à democracia. McFetridge diz: “O
arminianismo é desfavorável à liberdade civil, e o calvinismo é desfavorável
ao despotismo. Os governantes despóticos dos tempos antigos puderam dar-
se conta da verdade dessas premissas; e, reclamando o direito divino dos
reis, temiam o calvinismo e o republicanismo”.[66]
Apêndice C: A justificação só pela fé
Kenneth G. Talbot & W. Gary Crampton
O teólogo americano Charles A. Hodge escreveu certa vez:
Como o homem pode ser justo perante Deus? A resposta dada
a essa pergunta decide o caráter de nossa religião, e, se
adotada na prática, nosso destino futuro. Dar a resposta errada
significa confundir o caminho para o céu. É errar onde o erro é
fatal, pois não pode ser corrigido. Se Deus requer uma coisa, e
nós apresentamos outra, como podemos ser salvos? Se ele
revelou um método no qual ele pode ser justo e justificar o
pecador, e rejeitamos esse método e insistimos em buscar um
caminho diferente, como podemos esperar ser aceitos? A
resposta, portanto, que é dada a questão acima, deve-se
ponderar com seriedade por todos os que assumem o ofício de
mestres religiosos e por todos os dependentes de suas
instruções.[67]
Dr. Hodge está certo. Se quisermos salvaguardar a pureza da
mensagem do evangelho, devemos ser cuidadosos em evitar a má
representação da doutrina da justificação, pois ela é central para a
fé cristã e a existência da igreja de Jesus Cristo. Este apêndice
tenta lidar com o assunto.
A doutrina da justificação só pela graça (sola gratia), por meio só da
fé (sola fide), só em Cristo (solus Christus), estava no próprio cerne
da Reforma. Martinho Lutero a chamava o artigo pelo qual a igreja
cai ou permanece de pé. João Calvino se referiu a ela como a
dobradiça da Reforma.[68] A Igreja Católica Romana, no Concílio de
Trento (1546-1563), reconheceu essa doutrina como a diferença
central entre o protestantismo e o catolicismo romano. Embora essa
doutrina seja o dogma central do cristianismo, o catolicismo romano
decaiu mediante sua rejeição.
Em sentido básico, há cinco visões principais, diferentes e
conflitantes a respeito da doutrina da justificação só pela fé:
liberalismo, neo-ortodoxia, antinomismo, catolicismo romano e
evangelicalismo bíblico.[69] A primeira visão, o liberalismo teológico,
nega a necessidade da fé em Jesus Cristo para a justificação,
mesmo que os outros quatro pontos de vista aleguem a
necessidade da profissão de fé em Cristo como Salvador. O
liberalismo é a religião da justiça pelas obras; sem levar em
consideração o que for necessário à salvação, isso pode ser obtido
pelos esforços da própria pessoa. O ensino desse ponto de vista
claramente não é bíblico.
Em segundo lugar temos a neo-ortodoxia, o movimento teológico
que denuncia o liberalismo e o evangelicalismo bíblico, e tenta
preencher a lacuna entre os métodos previamente mencionados.
Trata-se de uma tentativa fracassada. No ensino neo-ortodoxo, há a
suposta necessidade da fé em Jesus Cristo para a salvação, mas há
uma grande ambiguidade quanto a quem é Cristo. Ele é
verdadeiramente Deus, a segunda pessoa da Trindade, ou é apenas
um homem? Em quem devemos colocar a confiança? Por não
existir a resposta definitiva a essa pergunta na neo-ortodoxia, somos
aparentemente deixados com um paradoxo lógico a respeito da fé e
do objeto da fé. Além disso, a neo-ortodoxia ensina que a fé
salvadora não é necessariamente seguida de boas obras. Alguém
pode genuinamente professar fé em Jesus Cristo sem sua vida ser
transformada a ponto de viver em conformidade com a Palavra de
Deus. A neo-ortodoxia promove um falso evangelho; portanto, não é
o cristianismo bíblico.
Em terceiro lugar está a doutrina do antinomismo,
predominantemente encontrada hoje no dispensacionalismo
(embora não restrita a ele), que alega crer na justificação só pela fé
e só em Jesus Cristo. Os antinomistas também enfatizam a
natureza “fiduciária” da fé salvadora em Jesus Cristo, revelada na
Escritura. Algumas explicações são necessárias a respeito do
significado da natureza da fé “fiduciária”.
Primeiro, nem toda fé é fé justificadora. A Bíblia menciona vários
tipos de fé, sendo apenas um deles a fé genuína e que justifica. A fé
histórica é um tipo de fé que não justifica. Tudo que está envolvido
nela é o assentimento histórico às alegações de veracidade do
evangelho. Como o texto de Tiago 2.19 ensina, mesmo os demônios
possuem esse tipo de fé: “Crês, tu, que Deus é um só? Fazes bem.
Até os demônios creem e tremem”. A Escritura também se refere à
fé temporal, que não justifica. Esse tipo de fé não dura; pode
persistir por um tempo, mas desaparece nos tempos de
perseguição. Vemos esse ensino em Mateus 13.20,21: “O que foi
semeado em solo rochoso, esse é o que ouve a palavra e a recebe
logo, com alegria; mas não tem raiz em si mesmo, sendo, antes, de
pouca duração; em lhe chegando a angústia ou a perseguição por
causa da palavra, logo se escandaliza”. Há também a fé miraculosa,
que crê em milagre ou até mesmo os realiza, como em 1 Coríntios
13.1,2: “Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se
não tiver amor, serei como o bronze que soa ou como o címbalo que
retine. Ainda que eu tenha o dom de profetizar e conheça todos os
mistérios e toda a ciência; ainda que eu tenha tamanha fé, a ponto
de transportar montes, se não tiver amor, nada serei”. Paulo nos diz
que mesmo o anticristo pode realizar tais “prodígios de mentira” (2Ts
2.9). Essa também não é a fé que justifica.
O Breve catecismo de Westminster afirma de forma muito clara: A
“fé em Jesus Cristo é uma graça salvadora, pela qual o recebemos
e confiamos só nele para a salvação, como ele nos é oferecido no
evangelho”.[70] A fé bíblica aceita e crê na Palavra de Deus como a
verdade divina a respeito de seu Filho. É esse tipo de fé que une o
crente a Cristo, com base em sua pessoa e obra. Somos informados
em João 7.38: “Quem crer em mim, como diz a Escritura, do seu
interior fluirão rios de água viva”. É esse o tipo de fé pela qual um
pecador é justificado perante Deus, conforme ensinado pelo
apóstolo Paulo em Romanos 3.22-26: “justiça de Deus mediante a
fé em Jesus Cristo, para todos [e sobre todos] os que creem; porque
não há distinção, pois todos pecaram e carecem da glória de Deus,
sendo justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a
redenção que há em Cristo Jesus, a quem Deus propôs, no seu
sangue, como propiciação, mediante a fé, para manifestar a sua
justiça, por ter Deus, na sua tolerância, deixado impunes os
pecados anteriormente cometidos; tendo em vista a manifestação
da sua justiça no tempo presente, para ele mesmo ser justo e o
justificador daquele que tem fé em Jesus”.
Na fé justificadora o crente se apropria e descansa só em Cristo
como Mediador em todos os seus ofícios, baseado no testemunho
divino da Palavra. Portanto, o cristianismo ortodoxo ensina que a fé
justificadora envolve três elementos: conhecimento (notitia),
assentimento (assensus) e confiança (fiducia). Não é suficiente
conhecer a verdade sobre Jesus Cristo; nem é suficiente só assentir
às reinvindicações de veracidade do evangelho (como na fé
histórica), não importa quão essenciais sejam. A fé salvadora é
também a que aquiesce de todo coração ao Cristo revelado na
Escritura. A conversão bíblica envolve o compromisso de toda a
alma. A fé justificadora dá a resposta fiducial (isto é, que confia) às
promessas do evangelho. Como ensinou o Senhor Jesus Cristo em
Mateus 10.22, trata-se da fé que persevera até o fim: “Aquele,
porém, que perseverar até ao fim, esse será salvo”. Essa fé não
deposita a confiança em sinais e maravilhas (Jo 6.26-29). É a fé que
produz fruto espiritual, “frutificando a trinta, a sessenta e a cem por
um” (Mc 4.20) Em geral isso é ensinado, e de maneira correta, pelos
antinomistas.
Qual é o erro do antinomismo? Está na visão defeituosa da
necessidade de boas obras. A negação da necessidade de boas
obras no processo de santificação, após a justificação, equivale à
negação da fé salvadora genuína, pois a “fé sem obras é morta” (Tg
2.26). Não dizemos que os antinomistas se opõem às boas obras.
Na verdade, muitos deles são zelosos por elas.
Todavia, quando essa escola afirma que pode ocorrer a justificação
pela fé sem boas obras “necessárias” (diferente de meritórias), ela
invalida a doutrina da justificação pela fé, pois a fé não operosa não
é a fé justificadora. O antinomismo, então, é outro evangelho.
Em quarto lugar temos o catolicismo romano. Primeiro, enquanto no
cristianismo bíblico a “justificação é um ato da livre graça de Deus,
no qual ele perdoa todos os nossos pecados, e nos aceita como
justos diante de si, somente por causa da justiça de Cristo a nós
imputada, e recebida só pela fé”,[71] no romanismo a justificação é
infundida no crente, pelo que ele se torna justo.[72] O crente, então,
pode perder o estado de justificação ao cair da fé. Essa é uma visão
falsa da justificação. Segundo, no romanismo o indivíduo é
justificado pela fé acrescida de obras.[73] As boas obras meritórias
são necessárias para completar a fé; as obras precedem a
justificação, em vez de segui-la. As obras tornam-se fundamentais
para a justificação; elas não são boas obras “necessárias” que
adornam a fé viva e demonstram que o indivíduo foi “aceito” por
Deus; antes, são boas obras meritórias necessárias para sermos
“aceitos” por Deus. Portanto, o pecador crente é capaz de alcançar
a própria justificação; ele conquista sua salvação. Este é um ensino
fatalmente errôneo e absolutamente um outro evangelho.
Em quinto lugar temos o cristianismo evangélico, que ensina a
justificação só pela graça, por meio só da fé, só em Cristo. A
doutrina da justificação é admiradamente ensinada pela Confissão
de fé de Westminster: Os que Deus chama eficazmente, também
livremente justifica. Esta justificação não consiste em Deus infundir
neles a justiça [como no catolicismo romano], mas em perdoar os
seus pecados e em considerar e aceitar as suas pessoas como
justas. Deus não os justifica em razão de qualquer coisa neles
operada ou por eles feita, mas somente em consideração da obra
de Cristo; não lhes imputando como justiça a própria fé, o ato de
crer ou qualquer outro ato de obediência evangélica, mas
imputando-lhes a obediência e a satisfação de Cristo, quando eles o
recebem e se firmam nele pela fé, que não têm de si mesmos, mas
que é dom de Deus.
A fé, assim recebendo e assim se firmando em Cristo e na
justiça dele, é o único instrumento de justificação; ela, contudo
não está sozinha na pessoa justificada, mas sempre anda
acompanhada de todas as outras graças salvadoras; não é uma
fé morta, mas obra por amor.[74]
É claro que, quando os teólogos de Westminster falam da
justificação só pela fé, eles não dizem que a fé seja em algum
sentido meritória. A fé é o que une alguém a Cristo, o único que
salva. Ter fé significa confiar em Cristo, o único que justifica.
A justificação é pela graça de Deus (sola gratia), por meio só da fé
(sola fide). A Confissão de Westminster ensina claramente que a fé
é “o único instrumento da justificação”, não a causa dela. Além
disso, a justificação é forense; isto é, trata-se de um ato ou
declaração legal de Deus. A justificação é imputada, não infundida.
Como Paulo ensinou em 2 Coríntios 5.21, a justiça que justifica é
alheia; é a justifica de Cristo: “Aquele [Cristo] que não conheceu
pecado, ele [Deus] o fez pecado por nós; para que, nele, fôssemos
feitos justiça de Deus”. O pecador culpado é “declarado” justo, em
Cristo, por Deus. Deveríamos considerar cuidadosamente também o
que a posição evangélica e reformada ensina, como observado em
2 Coríntios 5.21 e na Confissão de fé de Westminster, ou seja, que
existe uma dupla imputação que ocorre na justificação.
A justiça de Cristo é imputada aos eleitos, embora ao mesmo tempo
seus pecados são imputados a Cristo. Não é suficiente que os
pecadores eleitos sejam perdoados (e seus pecados retirados), eles
devem também ser declarados justos quando a justiça perfeita de
Cristo lhes é imputada. Nas palavras do Breve catecismo de
Westminster, na justificação Deus não só “perdoa todos os nossos
pecados”, mas também “nos aceita como justos diante de si,
somente por causa da justiça de Cristo a nós imputada, e recebida
só pela fé”.[75]
O cristianismo bíblico também ensina que a fé salvadora genuína
envolve a resposta fiduciária a Jesus Cristo como Salvador e
Senhor. Como explica o Catecismo maior de Westminster: A fé
justificadora é a que salva. É operada pelo Espírito e pela Palavra
de Deus no coração do pecador que, sendo por eles convencido do
seu pecado e miséria e da sua incapacidade, e das demais
criaturas, para o restaurar desse estado, não somente aceita a
verdade da promessa do Evangelho, mas recebe e confia em Cristo
e na sua justiça, que lhe são oferecidos no Evangelho, para o
perdão de pecados e para que a sua pessoa seja aceita e reputada
justa diante de Deus para a salvação.[76]
Além do mais, como ensinou a Confissão de fé de Westminster
(citada acima), o evangelismo bíblico mantém que, embora a
justificação seja só pela graça, por meio só da fé, só em Cristo, a fé
justificadora “não está sozinha na pessoa justificada, mas sempre
anda acompanhada de todas as outras graças salvadores; não é
uma fé morta, mas obra por amor”. Isto é, a fé salvadora produzirá
boas obras: “a raiz dos justos produz o seu fruto” (Pv 12.12). A fé
justificadora não significa a fé acrescida de obras (como no
catolicismo romano), nem a fé sem obras (como no
antinomianismo); trata-se da fé operante. As obras, contudo, não
são obras de mérito, mas de necessidade, pois “a fé sem obras é
morta” (Tg 2.26).
A fé salvadora “necessariamente” produzirá boas obras, pois, como
explicou João Calvino, a justificação e a santificação são
inseparáveis. A santificação flui por necessidade da justificação:
Cristo a ninguém justifica, a quem, ao mesmo tempo, não santifique
[...] Portanto, faz-se evidente quão verdadeiro é que somos
justificados não sem as obras, contudo nem por meio das obras,
porque na participação de Cristo, na qual consiste toda nossa
justiça, não se contém menos a santificação que a justiça [...] o
Senhor graciosamente justifica os seus, para que, ao mesmo tempo,
os restaure à verdadeira justiça, mediante a santificação de seu
Espírito.[77]
Ao enfatizar mais a necessidade de boas obras, Calvino comentou:
Pois embora as obras de modo algum concorram para a causa
da justificação, quando os eleitos filhos de Deus foram
justificados graciosamente pela fé, suas obras, ao mesmo
tempo, foram tidas por justas por essa mesma liberalidade
graciosa. Assim, ainda permanece verdadeiro que a fé sem
obras justifica, embora isto necessite de prudência e uma sã
interpretação; pois esta proposição, de que a fé sem obras
justifica, é verdadeira e, todavia, falsa, segundo os diferentes
sentidos que ela porta. É falsa a proposição de que a fé sem
obras justifica por si mesma, porque a fé sem obras é nula.[78]
Devemos distinguir a justificação da santificação, mas nunca
devemos separá-las. A justificação é um ato da livre graça de Deus
baseado na imputação da justiça de Cristo aos pecadores eleitos.
Trata-se de um ato único, de uma vez por todas, pelo qual Deus
perdoa os pecadores eleitos. Já a santificação é um processo. É um
ato contínuo da livre da graça de Deus. O Catecismo maior de
Westminster explica a diferença da seguinte forma: Ainda que a
santificação seja inseparavelmente unida com a justificação,
contudo elas diferem nisto: na justificação Deus imputa a justiça de
Cristo, e na santificação o seu Espírito infunde a graça e dá forças
para a exercer. Na justificação o pecado é perdoado, na santificação
ele é subjugado; aquela liberta a todos os crentes igualmente da ira
vingadora de Deus, e isto perfeitamente nesta vida, de modo que
eles nunca mais caem na condenação; esta não é igual em todos os
crentes e nesta vida não é perfeita em crente algum, mas vai
crescendo para a perfeição.[79]
No ato forense da justificação, Deus perdoa todos os pecados dos
eleitos, livrando-os igualmente de sua ira. Na justificação, todos os
membros do povo de Deus são declarados justos e adotados em
sua família. Eles nunca podem cair de novo no estado de
condenação (isto é, não podem perder seu status legal perante
Deus, pois Cristo é o fiador legal por meio de quem eles foram
plenamente perdoados e recebidos na família de Deus). Já no
processo de santificação, o remanescente do pecado é subjugado
na vida do crente. Embora esse processo nunca seja perfeito nesta
vida (isto é, é completado apenas no estado de glória), os crentes
buscam de todo o coração alcançar o estado de perfeição ao
mortificar o pecado (fazendo o pecado morrer) e andar nos
caminhos da justiça por amor ao nome de Cristo.
Sobre os autores
O Rev. Kenneth Gary Talbot, Ph.D., Th.D. é presidente do Whitefield
Theological Seminary e serve como professor de Teologia e Apologética. Dr.
Talbot é ministro ordenado da Reformed Presbyterian Church General
Assembly e atualmente pastoreia a Christ Presbyterian Church de Lakeland,
Flórida. Ele reside em Lakeland, Flórida, com sua esposa (Phyllis) e filha
(Alyssa). É o autor do livro Confirmação da nossa fé sobre a visão reformada
dos sacramentos.
O Rev. W. Gary Crampton, Th.D., Ph.D. é ministro ordenado da Reformed
Presbyterian Church General Assembly. Dr. Crampton serve como professor
de Sistemática e Teologia Exegética no Whitefield Theological Seminary. Ele é
o autor de diversos livros, entre eles O escrituralismo de Gordon Clark e
Cristo, o Mediador. Atualmente reside em Glenn Allen, Virgínia, com sua
esposa (Ann).

[1] Calvin and Augustine, p. 476.


[2] Spurgeon’s Autobiography, vol. I, p. 172.
[3] The Reformed Faith, p. 2.
[4] Hyper-Calvinism and the Call of the Gospel, p. 5.
[5] Cap. 3, Seção 1.
[6] Cap. 3, Seção 1. Apesar da referência idêntica, as obras são diferentes: a primeira é
presbiteriana e a segunda batista. [N. do R.]
[7] The Reformed Faith, p. 26.
[8] Cap. 9, Seção 3.
[9] Livro de oração comum brasileiro (Recife: Diocese do Recife — Comunhão Anglicana,
2008), p. 628. Disponível em: https://www.anglicananobrasil.com/on/loc-livro-de-oracao-
comum/; acesso em: 14 abr. 2020.
[10] Cap. 3, Seção 2.
[11] On The Epistle To The Romans (NIC), p. 317.
[12] Foundations of The Christian Faith, p. 514.
[13] The Reformed Faith, p. 26.
[14] Ibid., p. 13.
[15] Citado em: J.O. Buswell, Systematic Theology, vol. II, p. 145.
[16] The Five Points of Calvinism, p. 39, 40.
[17] Ibid., p. 39.
[18] Os “apelos” aqui referidos consistem na prática de convocar com insistência os não
cristãos presentes aos cultos para que se aproximem de onde o pregador está e “aceitem
Jesus”. Nessas ocasiões podem ser usadas as mais diversas “ajudas”: música ambiental
especial, argumentos carregados de emocionalismo, ameaças, promessas de bênçãos não
bíblicas. Tenta-se “oferecer” a salvação em Jesus por meios nada condizentes com as
Escrituras. [N. do R.]
[19] The Reformed Faith, p. 27.
[20] Cap. 10, Seções 1 e 2.
[21] Redemption: Accomplished and Applied, p. 165.
[22] Cap. 17, Seções 1-3.
[23] Knowing God, p. 181.
[24] Cap. 12, Seção 1.
[25] Basic Theology, p. 337-9.
[26] Present Day Evangelism, p. 14-5.
[27] Systematic Theology, vol. II, p. 176.
[28] The Five Points of Calvinism, p. 56
[29] John Gerstner, Jonathan Edwards: A Mini-Theology, p. 69.
[30] The Reformed Doctrine of Predestination, p. 182.
[31] Redemption: Accomplished and Applied, p. 174.
[32] Manual of Christian Doctrine, p. 111.
[33] Cap. 5, Seção 1.
[34] A Predestination Primer, p. 26.
[35] Cap. 3, Seção 1; Cap. 5, Seção 4.
[36] Miscellaneous Writings, p. 21.
[37] City of God, vol. XI, p. 9.
[38] Dialogues Concerning Natural Religion, Part 10.
[39] City of God, vol. XII, p. 3.
[40] Redemption: Accomplished and Applied, p. 174.
[41] Eleição. Sermão pregado em 2 de setembro de 1855 na Capela de New Park Street.
[42] History of the United States, vol. I, p. 463.
[43] Presbyterians and the Revolution, p. 49.
[44] They Seek a Country, J. G. Slosser, editor, p. 155.
[45] Harper’s Monthly, June and July, 1872.
[46] The United Netherlands, vol. III, p. 121.
[47] Ibid., vol. IV, p. 548, 547.
[48] English Literature, vol. II, p. 472.
[49] Ibid., p. 121.
[50] Discurso sobre “The Westminster Standards and the Formation of the American
Republic”.
[51] History of the United States, vol. X, p. 77.
[52] U. S. History, vol. VIII, p. 40.
[53] Calvinism in History, p. 85-8.
[54] The Creed of Presbyterians, p. 142.
[55] Ibid., p. 119.
[56] Reformation in the Time of Calvin, vol. I, p. 5.
[57] The Creed of Presbyterians, p. 132.
[58] Bancroft, U. S. History, vol. VII, p. 261.
[59] Calvinism in History, p. 74.
[60] Begnnings of New England, p. 58.
[61] Democracy, vol. I, p. 384.
[62] Beginnings of New England, p. 59.
[63] Lectures on the History of France, p. 415.
[64] The Fundamental Principles of Calvinism, p. 92.
[65] What Calvinism Has Done for America, p. 6.
[66] Calvinism in History, p. 21.
[67] Justification by Faith Alone, p. 1
[68] John Gerstner, Jonathan Edwards: A Mini Theology, p. 69.
[69] John Gerstner, Primitive Theology: The Collective Primers of John H. Gerstner, p. 264-
90.
[70] Resposta 86.
[71] Ibid., resposta 33.
[72] Philip Schaff, org., The Creeds of Christendom, vol. II, p. 112.
[73] Ibid., p. 112, 115.
[74] Cap. 11, Seções 1 e 2.
[75] Resposta 33.
[76] Resposta 72.
[77] Institutas da religião cristã, III:16:1; III:3:19.
[78] Comentários, Ezequiel 18.14-17. Tradução de Valter Graciano Martins.
[79] Resposta 77.

Você também pode gostar