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Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução.

Título do Original: Patanjali’s Yoga Sutras Revolution.


1ª edição - © 2018 Giridhari Das.
Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução parcial ou total
deste livro.
Para mais informações sobre Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução
e Giridhari Das, visite: www.giridhari.com.br

ISBN:

Tradução: Thiago Costa Braga (Bhagavan Dasa)


Ilustrações: Bruna Lima (Bindu Mādhava Devi Dasi)
Ilustração na página 75: Pedro Luis (@pedroluiss)
Capa: Mateus Dias (Narada Muni Dasa)
Revisão: Susan Seidenberg e Robson Silva da Silva
Diagramação: Jeferson Rocha

COLETIVO
EDITORiAL
Selo oficial do Coletivo Editorial

visite-nos na internet:
www.coletivoeditorial.com.br
Todos os direitos reservados. O texto desta tradução não pode ser reproduzido todo ou em parte, por
qualquer meio, sem prévia e formal autorização dos proprietários dos direitos autorais.
Sumário
Prefácio. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
Samadhi-pada. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
Sadhana-pada. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73
Vibhuti-pada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 113
Kaivalya-pada. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 137
Conclusão. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 159
Sobre o autor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 163
Prefácio
Por que nos darmos ao trabalho de lermos um livro de 2000 anos
atrás sobre mente e bem-estar? O mundo está mudando muito de-
pressa, e a ciência está nos trazendo novas descobertas acerca do fun-
cionamento do cérebro, psicologia positiva e estudos sobre bem-estar.
Então, por que olhar para trás?
Eu argumentaria que devemos olhar para trás porque muito da
informação pioneira que transforma a vida das pessoas hoje tem suas
raízes na antiga ciência do yoga. Muito antes do tempo de Jesus, yogis
reconheceram a necessidade humana por sentido, paz e clareza men-
tal, e transcendência; compreenderam o valor de se ter foco, e estuda-
ram e praticaram mindfulness e meditação. Os ensinamentos dos yogis
guiaram praticantes por séculos, e há mais de trinta anos inspiram
pesquisas nos campos de psicologia positiva e neurociência.
Existem dois livros fundamentais na tradição do yoga: os Yoga Su-
tras, de Patanjali, e a Bhagavad-gita, falada por Krishna. Considera-se
que os Yoga Sutras datam de 2000 anos atrás; a Bhagavad-gita é muito
mais antiga do que isso.
Esses dois livros, juntamente com o Srimad-Bhagavatam, foram as
obras que me inspiraram a dedicar minha vida ao caminho do auto-
aperfeiçoamento e autorrealização em yoga. Em meu livro de 2017,
O Caminho 3T, explico o que é o yoga e apresento o caminho em sua
completude.

7
Meu propósito para esta versão dos Yoga Sutras de Patanjali é ofe-
recer uma apresentação simples e prática desse antigo texto. Os Yoga
Sutras podem ser difíceis de se decifrar, para não falar sobre colocá-los
em prática, mas espero que você considere este livro tanto útil quanto
fácil de entender. Contei com a ajuda de meu mestre espiritual, Hri-
dayananda Das Goswami, e do amplo estudo dos Yoga Sutras feito por
Edwin F. Bryant, e também me valho de meus vinte e cinco anos de
experiência vivendo e ensinando essa grande ciência da mente e do
espírito.
Esta é minha segunda versão dos Yoga Sutras. A primeira versão,
publicada em 2006, se baseou na tradução e explicações dadas por
meu mestre espiritual. Agora, com tudo o que aprendi desde então,
sinto que é a hora de apresentar uma nova versão, compartilhando
minhas próprias vivências e aprendizados. Quero compartilhar espe-
cialmente aspectos-chave do meu trabalho que se provaram efetivos
no aprimoramento da qualidade de vida das pessoas.
Existem muitas coisas que podemos fazer para tornar nossa vida me-
lhor, e como isso envolve apenas você e sua mente, há igual oportuni-
dade para todos nós. Qualquer um pode aprender e, pouco a pouco,
aplicar o conhecimento e as técnicas para se fazer isso em sua própria
vida. Com menos esforço do que você esperaria, você pode obter muitos
resultados. Esta tradição do yoga aponta tanto a causa do nosso sofri-
mento como os meios para solucionarmos a questão.
O mundo está despertando para esse conhecimento. A ciência o está
estudando. Seus poderosos conceitos, capazes de mudar a vida de seus
praticantes, estão sendo introduzidos nos negócios, na educação, no go-
verno e em todas as esferas da vida privada. Espero que este livro ajude
você a descobrir e aplicar um pouco desse conhecimento notável.

8
Introdução

O que é um sutra?

Sutra é um termo sânscrito que significa “linha”, “fio” ou “filamen-


to”. É também um gênero da literatura védica que apresenta conheci-
mento em uma forma condensada. Os Yoga Sutras são uma apresenta-
ção concisa do yoga, segundo o grande sábio Patanjali.
Em virtude de sua natureza por vezes enigmática, sutras são tradi-
cionalmente acompanhados por comentários que explicam seus sig-
nificados, daí quase todo sutra neste livro ser seguido de comentários
e explicações, para ajudar você a desenvolver sua compreensão dos
conceitos de Patanjali e como eles podem ajudar você a viver uma vida
melhor.

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Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

Os Yoga Sutras descrevem a essência do yoga – seus elementos prá-


ticos, obstáculos, resultados intermediários e a meta final.

Como os Yoga Sutras são apresentados?

Os Yoga Sutras se dividem em quatro capítulos, chamados padas.


Samadhi-pada: O primeiro passo é samadhi, o estágio final de ilu-
minação. Visto que samadhi é o passo final, você talvez julgue curioso
que isso conste na primeira parte do livro, mas isso não é incomum
em textos de yoga. Krishna faz algo similar na Bhagavad-gita – descre-
ve primeiro o estado mais elevado. O texto subsequente, então, ajuda
o leitor a compreender como esse estado é alcançado e provê outras
informações úteis sobre o processo. Este capítulo começa descrevendo
primeiro o ponto básico do que é a consciência, após o que explica
como a perfeição é atingida e, por fim, o estado último de perfeição.
Sadhana-pada: O segundo passo diz respeito à prática necessária
para se atingir o samadhi. Essa prática se chama sadhana. Imagine esta
cena: Um estudante está sentado diante de Patanjali, tendo acabado
de ouvir o primeiro capítulo, mas ele ainda não entende como alguém
pode atingir o samadhi. “Meu caro mestre”, ele pede, “poderia, por fa-
vor, explicar mais minuciosamente como se pratica yoga para se atingir
o samadhi?” Patanjali, então, descreve o processo em detalhes.
Então, o primeiro capítulo contém o estado final do yoga, e este
segundo capítulo começa com o básico. Um exame atento revela que,
neste capítulo, Patanjali, como Krishna na Bhagavad-gita, descreve
dois processos separados: um mais genérico e prático, que chamo de
Caminho da Vida Iluminada, e outro, mais específico, para quem de-
seja seguir o caminho do yoga exclusivamente meditativo.

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Introdução

Vibhuti-pada: O terceiro passo começa delineando os estágios


finais do yoga exclusivamente meditativo e, em seguida, descreve os
superpoderes (vibhutis) que podem ser obtidos. A maior parte do ca-
pítulo soa como um guia para se obter superpoderes, explicando como
cada poder é obtido conforme o yogi direciona seu foco mental eleva-
do para diferentes objetos ou partes do corpo.
Kaivalya-pada: O quarto e último passo é, mais uma vez, a perfei-
ção, desta vez descrita pela palavra kaivalya, que pode significar “união
perfeita” ou “isolamento”. Visto que a palavra yoga significa “união” e
o objetivo do yoga é isolar a consciência da matéria, ambos os signi-
ficados são bastante oportunos. Neste capítulo, existem alguns fatos-
-chave acerca do processo de yoga e descrições de como é a perfeição
em yoga.
Juntando tudo, há 196 sutras no livro: 51 no primeiro capítulo, 55
no segundo, 56 no terceiro, e 34 no quarto.

Como esta versão é apresentada?

Cada sutra é acompanhado de uma tradução simples, mas que


abarca todo o conteúdo do sutra. Tentei encontrar um equilíbrio entre
uma tradução literal, que pode ser mais fiel ao sânscrito porém mais
difícil de se ler e entender, e uma tradução mais livre, que pode ser
mais fácil de se ler porém pode ser mais as palavras do autor do que de
Patanjali. Tentei me manter próximo ao texto original, mas, ao mesmo
tempo, deixar clara a ideia para o leitor.
Minha meta aqui é tornar os Yoga Sutras tão práticos quanto possí-
vel. Os comentários se destinam a esclarecer o texto original e lhe for-
necer conhecimento em dois níveis. O primeiro nível é simplesmente

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Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

entender o que o sutra quer dizer, expandindo o significado e explican-


do os conceitos por trás dele. O segundo, sempre que possível mostra-
rei a você como colocar em prática cada sutra para melhorar a sua vida.
O objetivo aqui é tornar a leitura dos sutras uma experiência agra-
dável e útil. Quero que você desfrute da leitura e descubra as muitas
maneiras incríveis pelas quais este texto pode revolucionar sua vida.
O mundo precisa de uma revolução da consciência. Temos que
mudar a maneira como vivemos e como lidamos uns com os outros
e com o meio ambiente. Neste livro, você verá como o yoga pode nos
prover a estrutura para essa revolução.

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Samadhi-pada

1. Agora, instruções acerca do yoga.


Embora bastante simples de se entender, este primeiro sutra tem
um sentido oculto, que extrapola os termos sânscritos utilizados por
Patanjali. Ele está indicando sutilmente que sua obra não se trata de
um texto qualquer, senão que é um tratado de peso sobre o conheci-
mento e a prática do yoga.
Nos Sutras, Patanjali tem por fon-
te milhares de anos de conhecimento
e prática de yoga. Ele certamente tinha
familiaridade com a Bhagavad-gita, o
texto sobre yoga mais importante e fa-
moso, falado por Krishna, e também
com a filosofia espiritual dos Upa-
nishads. E ele era versado em Sankhya,
outra escola clássica da Índia, centrada
no estudo da realidade e da consciência.

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Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

Patanjali escreveu os Sutras em uma época em que o budismo era


prevalecente na Índia, e ele também refuta indiretamente algumas das
declarações budistas.
Em resumo, esta é uma obra séria sobre a filosofia e a prática do
yoga, composta por um mestre entendido e experiente.

2. Yoga significa controlar as flutuações da mente.

Se a ideia de escrever um tratado sútrico é ser conciso, por que não


resumir todo o livro em poucas palavras? É isso que Patanjali faz aqui
ao definir yoga em três palavras – mente, giros e controle –, fazendo
deste o sutra mais importante do livro.
Yoga diz respeito à mente. Toda a nossa experiência de vida depen-
de de nossa mente, e não da realidade externa. Neurologistas confir-
marão esse fato, embora rejeitem a palavra “mente” e falem, em seu
lugar, de “cérebro”. É essa mente/cérebro que cria uma interpretação
da realidade física. Mesmo coisas básicas como cores, cheiros e sons
não são nada senão criações de nossos cérebros – além disso, a cada
momento, estamos interpretando apenas pequenos recortes da reali-
dade que nos rodeia. Isso pode parecer estranho e até um pouco per-
turbador, como em alguns filmes aterrorizantes de ficção científica em

14
Samadhi-pada

que você descobre que você está vivendo em uma cápsula conectada a
um computador. Contudo, o fato indiscutível é que o estado de nossa
mente é o fator determinante da qualidade e dos frutos de nossa vida.
Eis a grande dádiva do yoga: nos ensinar que podemos controlar nos-
sa mente e que, fazendo isso, podemos atingir estados cada vez mais
altos de bem-aventurança e paz, independente da realidade externa.
Em O Caminho 3T, demonstrei como isso pode ser alcançado de
uma maneira fácil e sistemática:

Yoga é um caminho holístico de autoaperfeiçoamento e autorrea-


lização com cinco campos de perfeição principais, mais sugestões de
estilo de vida para garantir o progresso.

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Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

Tudo começa com jnana: conhecimento ou sabedoria. Um encon-


tro com um mestre espiritual e o estudo de livros de yoga, como os
Yoga Sutras, a Bhagavad-gita, os Upanishads e o Srimad-Bhagavatam,
provêm a base para o avanço. O yoga é firmemente alicerçado no co-
nhecimento do mundo ao redor de nós, na realidade metafísica, na
consciência e na natureza de Deus. Isso é apresentado como uma ciên-
cia espiritual na forma de práticas e técnicas que conferem resultados
específicos, e dentro de um corpo de filosofia inteiramente consisten-
te. Em resumo, o yoga é um caminho de autoaprimoramento e autor-
realização que faz sentido e funciona.
Com este jnana, o yogi é guiado ao aspecto mais elevado do yoga,
bhakti. Bhakti é uma palavra sânscrita especial para “devoção”. Bhakti
é identificado nos Yoga Sutras como a perfeição do samadhi (Sutra
2.45), o aspecto mais elevado da perfeição ióguica. Similarmente, na
Bhagavad-gita, Krishna diz que bhakti é a forma mais elevada de yoga
e o ingrediente-chave para a perfeição espiritual. O Srimad-Bhagava-
tam é quase inteiramente dedicado a explicar as diferentes formas de
devoção e as diferentes formas de Deus, para expressar que bhakti é a
expressão máxima da existência espiritual, sendo Krishna seu objeto
derradeiro. Como bhakti é o aspecto mais elevado do yoga, também
pode ser o mais difícil de se experimentar ou mesmo entender. É por
isso que muitos, mesmo dentro da comunidade do yoga, não têm
interesse na profunda krishna-bhakti ou se sentem desencorajados a
adentrar esse campo, visto que exige sério estudo (jnana), prática de
meditação especializada todos os dias, e profundas mudanças em sua
visão de mundo.
Jnana e bhakti constituem o componente espiritual do yoga. Exis-
tem três outros componentes, ou campos de perfeição, que auxiliam

16
Samadhi-pada

o yogi a alcançar o autoaprimoramento, trazendo resultados imediatos


de bem-estar. São eles: mindfulness, dharma e paz interior.
Mindfulness é um termo moderno para um aspecto-chave dessa an-
tiga prática de yoga. Em resumo, significa estar ciente, estar consciente
de sua consciência, e ser capaz de experimentar um pensamento, sen-
sação ou ação externa com toda a sua atenção. Mais importante do
que isso, significa estar no aqui e agora, resistindo ao ímpeto da mente
de escorregar para o passado, dando-se a lamentações, ou pular para o
futuro, fantasiando sobre o que seria necessário para, por fim, ser feliz.
A verdadeira chave para a felicidade é simplesmente viver a vida, agora
mesmo. O segredo é treinar o seu cérebro para focar no que você está
fazendo em cada momento, focar o máximo possível em suas ações, e
não nos resultados de suas ações.
Isso nos faz chegar ao próximo campo de perfeição: dharma. A
questão que obviamente vem à tona em relação a termos foco é: “Em
qual ação devemos focar nossa mente?” Dharma é um conceito rico, e
a palavra tem muitos significados, mas o foco principal é no dharma
como aquilo que precisa ser feito – essência e dever. Dever é algo que
pode ser imposto; a essência não pode. Dharma, portanto, é aquele
dever nascido de quem você realmente é, de sua natureza. Não é uma
imposição externa ou social. É o que você precisa fazer, em qualquer
dado momento, para ser a melhor pessoa que você pode ser. É fazer
a coisa certa na hora certa. Ser dhármico é mais do que simplesmente
fazer o que é bom ou evitar uma conduta danosa ou violenta, embora
isso certamente esteja incluído no conceito, e não se pode reduzir isso
a uma lista do que se deve evitar. O dharma é fluídico, vivo e sensível
aos diferentes aspectos de sua vida. Grandes mudanças no seu dharma
podem ocorrer, literalmente, de um segundo para o outro.

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Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

Uma maneira de entender o dharma é refrasear os clássicos dizeres:


“Não pergunte o que o mundo pode fazer por você, mas pergunte o
que você pode fazer pelo mundo.” Dharma é aquela ação que é exigida
de você, a cada momento, para que você possa ser, da melhor maneira
possível, quem você realmente é.
O último campo de perfeição é encontrar a paz interior: criar uma
harmonia interna e equilíbrio através de estar atento e controlar suas
emoções, motivações e desejos. Isso envolve colocar em prática téc-
nicas confirmadas pela psicologia e pela neurociência para ampliar
a positividade e reduzir as emoções negativas. Das muitas emoções
positivas, a gratidão é mais destacada. Seus efeitos positivos para o
bem-estar foram ricamente documentados pela ciência. Das emoções
negativas a serem refreadas, a ira é a mais destrutiva. Temos o poder
de cultivar ativamente nosso estado mental interno para garantirmos
maior clareza e felicidade.
Estes cinco campos de perfeição – mindfulness, dharma, paz inte-
rior, jnana e bhakti – exigem um esforço consciente, diário e ativo,
mas eles recompensarão fartamente quem invista neles. E eles se nu-
trem uns aos outros – avançar em um ajuda a avançar nos demais. O
poder transformador de aplicar-se nesses cinco campos de perfeição
não fica para trás do que chamaríamos de “milagre”.
Todos esses cinco campos de perfeição dizem respeito à mente – o
seu foco, o seu esforço para manter-se coerente com você mesmo, o
seu mapa mental ou visão de mundo. Todavia, os yogis eram cientes
do ciclo de retroalimentação mente-corpo. O que sua mente faz afeta
o seu corpo, e o que acontece com seu corpo afeta sua mente. Então,
junto das informações acerca da mente e de técnicas para aprimorar o

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Samadhi-pada

estado mental, que caem nesses cinco campos de perfeição do Cami-


nho 3T, há importantes sugestões para o estilo de vida.
Patanjali mencionará (entre outros) limpeza, não violência, come-
dimento sexual e simplicidade como aspectos necessários e fundamen-
tais da prática de yoga. Isso implica que um yogi sério deve adotar
estas escolhas cruciais de estilo de vida, como ter uma dieta de base
vegetal, ser sóbrio, casto, limpo e levar uma vida livre de consumismo
e desordem. Essas e outras sugestões de estilo de vida ampliam a paz e
a clareza da mente e maximizam nosso potencial para avançarmos nos
cinco campos.

3. Então, o observador se absorve em sua natureza verdadeira.

O que acontece quando a mente está completamente controlada


em yoga?
A meta final do yoga é simplesmente deixar de existir? É parar de
pensar e se tornar destituído de consciência, como uma pedra ou pe-
daço de madeira? Não. Patanjali explica: o que acontece é que você
finalmente passa a ser você – seu eu verdadeiro e eterno.
Patanjali escolhe o termo observador para identificar o eu, para en-
fatizar a continuidade da cognição, para deixar claro que a meta do
yoga é purificar e otimizar nosso estado de existência consciente, e não
o destruir ou o reduzir a nada.

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Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

Na Bhagavad-gita, Krishna deixa isso ainda


mais claro ao explicar a natureza eterna da alma
e enfatizar que a perfeição do yoga é ir para Ele,
existir eternamente em consciência pura em
outro reino, além da matéria – Sua morada.
O yoga abraça a vida, a consciência e o amor. A meta do yoga é
remover os obstáculos para se atingir a perfeição em tais coisas, para se
viver belamente. O problema não é a vida, não é ter consciência, mas,
sim, o que nos distancia da experiência de nossa natureza verdadeira.
O yoga pode limpar processos e hábitos mentais que encobrem nossa
consciência e nossa verdadeira natureza eterna e imaterial.

4. De outro modo, o observador se identificará com as


flutuações da mente.

É muito fácil nos identificarmos com o significado deste sutra.


Quando não estamos em yoga, nos identificamos com qualquer coisa
que a mente esteja jogando em nós. Deixamos a vida nos levar, como
um barco sem remo, influenciados por nossas experiências passadas,

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Samadhi-pada

pressão de colegas, propagandas, incontáveis desejos de satisfazer nos-


sos sentidos materiais e, principalmente, por nos identificarmos com
nosso corpo, ignorantes de nossa verdadeira natureza eterna, ignoran-
tes da existência e da natureza de Deus, e da existência de um reino
transcendental, além da matéria.
Como resultado, nos limitamos. Não temos ciência de nossa ha-
bilidade de moldarmos nossa experiência de vida além do que nos é
dado pelas circunstâncias externas. Ou pior: ignoramos nosso com-
pleto potencial de ir além desta vida e das experiências disponíveis na
plataforma mundana.

5. Existem cinco categorias de flutuações mentais, e são


aflitivas ou não.
Este sutra marca o começo de uma seção sobre as flutuações men-
tais. Considere esta seção uma descrição analítica de nossa mente.
Grande parte dos Yoga Sutras soa como um tratado de psicologia.
A seção começa declarando que as funções, ou flutuações, da
mente serão apresentadas em cinco categorias básicas. Mais im-
portante do que isso, todas as cinco são facas de dois gumes. Em
outras palavras, qualquer um de seus estados mentais pode ser ajus-
tado e será ou útil ou prejudicial para sua iluminação, para seu
progresso em yoga.
Então, a boa notícia é que você já tem tudo que precisa para pro-
gredir em yoga. A má notícia é que você tem que ser vigilante o tem-
po todo. Como Patanjali declara mais adiante, a todo momento você
está ou avançando ou regredindo em seu caminho rumo à iluminação
bem-aventurada – não existe meio termo ou tempo de espera.

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Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

6. As cinco categorias são: 1) Perceber as coisas corretamente,


2) perceber as coisas incorretamente, 3) imaginar, 4) dormir,
e 5) lembrar.
Patanjali separa nossos estados mentais em cinco categorias sim-
ples. Qualquer outra função mental estaria inclusa em alguma dessas.

7. Os objetos podem ser corretamente percebidos através de


percepção sensorial direta, lógica e/ou uma fonte confiável.
Como você pode julgar a veracidade de algo que você conhece?
Esta lista de três meios válidos para se obter uma informação correta é
universalmente aceita na filosofia indiana, e não apenas pela tradição
do yoga, e muito menos apenas por Patanjali.
A lista está ordenada do pior para o melhor. A percepção sensorial
direta é a maneira mais falível de se perceber o que é uma coisa, a
lógica proporciona resultados melhores, e a informação oriunda de
um perito, de uma autoridade ou de uma testemunha perfeitamente
confiável é a melhor.
A percepção sensorial direta se sujeita a erros. Qual o tamanho do
Sol? Quando você olha para ele, não parece muito grande. Em um
eclipse, percebemos a Lua como se fosse tão grande quanto o Sol. O
clássico exemplo de uma miragem, quando o calor distorce o ar e faz
com que pareça água a certa distância, é outro exemplo. Espetáculos
de mágica se baseiam em nossa incapacidade de perceber as coisas
diretamente. Filmes e imagens tratadas com Photoshop se valem de
outros recursos para enganar nossos sentidos.
A lógica é mais confiável. Todos os dias, o Sol nasce no oriente e
se põe no ocidente, de modo que é possível concluir que ele conti-
nuará repetindo esse padrão. As montanhas são sólidas e imóveis, e

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Samadhi-pada

os pássaros voam. Então, sabemos que um pássaro se moverá, mas


as montanhas e colinas não. Todos morrem, então sei que morrerei
também.
Uma fonte perita e autorizada é o mais confiável. Nós natural-
mente depositamos confiança nas palavras de um médico e de um
cientista, bem como na testemunha de nossos membros familiares e
amigos próximos. Uma pessoa experiente e confiável pode nos dar
informações sólidas que, de outro modo, não conseguiríamos obter.
Esse tipo de evidência se estende à literatura sagrada na tradição do
yoga. Na verdade, diz respeito principalmente a isso. Textos como os
Upanishads, a Bhagavad-gita e os Yoga Sutras são fontes autorizadas da
mais elevada ordem. O conteúdo dos mesmos é aceito por instrutores
na tradição do yoga como confiáveis e corretos. Milhões de pratican-
tes, ao longo de milhares de anos – incluindo eu – experimentaram a
credibilidade desses textos.

8. Os objetos são percebidos incorretamente pelo


conhecimento falso.
Nossa percepção da realidade é filtrada, colorida e distorcida tanto
por nossas experiências passadas quanto por nosso foco atual. Pesqui-
sas demonstram que experienciamos uma visão altamente seletiva da
realidade. O primeiro passo para se lidar com isso é se tornar ciente
do fenômeno.
Em psicologia, o termo utilizado para se descrever tal coisa é “ceguei-
ra por falta de atenção”. O experimento mais famoso, que se tornou um
vídeo muito acessado no YouTube, demonstrava como as pessoas deixa-
vam de ver uma pessoa vestida de gorila passando bem diante da câmera

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Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

porque estávamos focados em contar o número de vezes que jogadores


estavam passando a bola de basquete um para o outro.
Se não podemos ver uma pessoa vestida de gorila bem diante de
nós, imagine quantas outras coisas não percebemos ao nosos redor.
Isso acontece porque o nosso cérebro tem mecanismos para poupar
energia. Processar informações é um trabalho árduo, daí nosso cére-
bro pré-selecionar o que ele processará, reduzindo significativamente
a quantidade de dados que terá que processar. Pense nisso como um
filtro de SPAM. Assim como o seu programa de e-mail automatica-
mente separa o que ele julga que você não quer ver, facilitando sua na-
vegação por sua caixa de entrada; seu cérebro, de igual modo, mostra
para você apenas a parte da realidade de que você precisa estar ciente.
E assim como você não está ciente do que o seu filtro de SPAM está
fazendo e que regras o regem, você também não está ciente de quais
filtros exatamente operam e que informações estão sendo escondidas
de você pelo seu cérebro.
Você, no entanto, pode mudar isso. Você pode aprender como re-
gras são criadas por seus filtros inconscientes. Seus filtros são deter-
minados por seus objetivos conscientes e visão de mundo atual, ou,
usando outro termo importante da psicologia, seu mapa mental.
Os participantes no experimento do gorila tinham o objetivo cons-
ciente de contar o número de vezes que a bola era passada. Esse foco
criou um filtro. A instrução, se verbalizada, seria mais ou menos assim:
“Caro cérebro, tudo que quero saber é quantas vezes a bola é passada
de um jogador a outro. Não me diga mais nada.” O cérebro, então,
cumpre a tarefa zelosamente. Como resultado, a maioria dos parti-
cipantes nunca “viu” o gorila, apesar de ele estar bem diante de seus
olhos.

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Samadhi-pada

Quando estamos de mau humor, criamos um filtro de negativida-


de. Dizemos ao cérebro: “Caro cérebro, estou para baixo. O mundo
está conspirando contra mim. Por favor, me mostre como estou certo
em relação a isso. Me ajude a provar para mim mesmo e para o mundo
como a vida é sofrida, apontando para mim tudo o que está errado.”
O cérebro, então, nos ajuda primorosamente a vermos problemas e
desespero por toda parte, fazendo com que soframos ainda mais, fi-
quemos mais enraizados nessa visão de mundo, o que, então, fortalece
ainda mais nosso filtro negativo.
Contudo, podemos alterar o sistema. É como se pudéssemos clicar
em nossas “configurações” e assumir controle manual dos filtros. Um
exemplo documentado disso é o uso de diários de gratidão. Um diário
de gratidão é o exercício simples de todos os dias escrever entre três e
cinco coisas pelas quais somos gratos. Isso talvez pareça insignificante,
mas estudos demonstram que isso tem um efeito marcante no que diz
respeito a elevar o bem-estar das pessoas. Por quê? Porque um novo
filtro é colocado em ação: “Caro cérebro, tenho que escrever coisas
pelas quais sou grato. Então, estou procurando por coisas boas em
minha vida, pelas quais posso agradecer. Por favor, registre momentos
positivos no meu dia a fim de que eu tenha algo para escrever em meu
diário de gratidão.” Agora, conforme você segue com sua vida, você
começa a notar as coisas boas. Isso faz de você alguém muito positivo.
À medida que você se torna positivo, você vê mais coisas positivas e
interpreta mais coisas como sendo positivas, e assim por diante.
Em uma escala mais ampla, temos que trazer à nossa atenção cons-
ciente importantes considerações acerca da vida: Quem sou eu? Onde
estou? Qual é a meta da vida? Existe mais da realidade do que meus
olhos alcançam? Deus existe?

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Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

Essas perguntas existenciais não são meras curiosidades. Não são


apenas bons questionamentos para refletir em uma aula de filosofia ou
em torno de uma fogueira com os amigos. São pilares de como percebe-
mos a realidade e, como tal, definimos nossos filtros, os quais, por sua
vez, definem nossa experiência de vida e bem-estar. Você esteja ciente
disso ou não, você tem uma resposta contínua para essas perguntas, e
elas estão moldando sua vida, suas escolhas e seu mapa mental.
Quando esses pilares da nossa identidade e nossa visão de mundo
estão errados, percebemos a realidade de maneira errada. Em conse-
quência disso, nós sofremos.

9. Imaginação é o resultado de se usar palavras sem um


objeto real.
Podemos distinguir duas categorias nesta terceira fundação da
mente: 1) metáforas e 2) uso criativo de nossas experiências.
Metáforas são figuras de linguagem que nos ajudam a entender a
vida. Um exemplo clássico são os dizeres de Shakespeare “O mundo
inteiro é um palco, e todos os homens e mulheres, meramente atores”.
O mundo não é exatamente um palco, e nós não somos todos atores
de fato, mas Shakespeare está fazendo uma comparação que é tanto
inteligível como útil.
O segundo uso dessa função mental é uma que utilizamos com
muita frequência: criar realidades alternativas em nossa mente, com
base em nossas experiências. Porque vimos montanhas e vimos ouro,
podemos imaginar montanhas de ouro.
Consciente ou inconscientemente, imaginamos nosso futuro com
toda escolha que fazemos. Quando você decide se pintará seu quarto
de amarelo ou de verde, você está visualizando como cada um ficaria

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Samadhi-pada

e, com base em sua visão, você pode experienciar o que cada um trará
para você em termos de sensações.
Pesquisas demonstram que nosso corpo reage em muitos níveis às
nossas escolhas. Você saliva ao receber a escolha de comer algo delicio-
so. Você sente seu estômago comprimir-se quando você pensa em algo
repugnante. Nossas escolhas não se baseiam em cálculos objetivos,
embora possamos pensar assim. Nossos processos para fazermos es-
colhas são viscerais e refletem reações fisiológicas, por vezes impercep-
tíveis para nossa consciência, mas registrados por nosso inconsciente,
assim influenciando o resultado.
Em O Caminho 3T, aponto que a raiz de todo o nosso sofrimento se
baseia no uso irrestrito dessa habilidade. Nós nos perdemos em um para-
digma de fantasia, constantemente repensando como nosso futuro deve
ser, a ponto de perdermos o presente, a vida acontecendo aqui e agora.
Esse foco em como a vida deveria ser, em vez de como ela é, gera desejos
ilimitados, resultando em infindável ansiedade, frustração e desânimo.

10. Sonho é a experiência de coisas irreais.

Enquanto dormimos, experimentamos todos os tipos de situações,


mas não há questão de se discutir se elas são percebidas correta ou

27
Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

incorretamente; a experiência em si é a única coisa real. Mesmo o


sono profundo e sem sonho é, em si, uma experiência, visto que você
acorda e se sente revigorado e renovado graças a isso.
Sonhos são uma oportunidade para olhar para dentro de seu in-
consciente. A auto-observação é uma parte integral do caminho do
yoga. Quanto melhor você se conhece, mais você pode afinar suas fun-
ções mentais para maximizar seu potencial e evitar armadilhas. Tão
logo você acorde, tente se ater à sua experiência de sonhos por um ou
dois minutos – veja o que você pode tirar disso e o que pode aprender
sobre você mesmo.
No Srimad-Bhagavatam, o grande sábio cósmico chamado Nara-
da Muni descreve um tipo especial de sonho que yogis têm, no qual
queimam karma por rapidamente absorverem as lições do que, em
seus estados despertos, seriam experiências ao longo de muitos anos.
Um yogi pode experimentar todo um casamento no sono de uma noi-
te e assimilar as profundas realizações que viriam disso. Ou a pessoa
pode experimentar viver em grande luxo e acordar com a profunda
realização de que tais prazeres superficiais não significam nada para a
alma. Essas são experiências reais que o sujeito recebeu na forma de
“karmas-sementes” para serem vividos nesta ou em outra vida, mas
que frutificam e são experimentados no reino sutil do sono, poupando
o yogi de prolongar sua existência encarnado.
Em um texto ainda mais esotérico, o Caitanya-caritamrta, encon-
tramos um tipo ainda mais raro de sonho, no qual o próprio Deus
aparece para uma grande alma a fim de lhe dar instruções diretas,
o que acontece, em geral, na forma de uma missão específica a ser
cumprida.

28
Samadhi-pada

Muitos praticantes espirituais experimentaram visões de Deus e do


guru em seus sonhos. Contudo, com base em minha própria expe-
riência, em quase todos os casos isso é apenas o eu inconsciente do
sonhador usando a imagem figurativamente.
Sonhos são frequentemente mencionados na literatura sagrada por
outro motivo: para apontar quão facilmente nós cometemos a tolice
de aceitar a ilusão como realidade. Toda noite, vivemos sonhos ricos
em toda sorte de experiências, de amor a terror, com animais, pessoas,
coisas e lugares. E, no nosso sonho, aceitamos essa experiência como
realidade. É apenas quando acordamos que nos damos conta de que
nossos sonhos não eram reais, que nosso estado desperto é mais claro
e lúcido e que faz mais sentido.
Bem, assim como acordamos todos os dias de uma realidade de
sonho para nosso estado desperto mundano, o estado regular; de igual
modo, quando praticamos yoga, somos capazes de novamente desper-
tar para nosso estado de existência último: a realidade transcendental.
Assim como, ao acordar, você se dá conta de como seus sonhos eram
ilusórios; igualmente, ao se despertar espiritualmente, você entenderá
a natureza ilusória da vida mundana e que existe outro nível de reali-
dade, o reino transcendental, conhecido no ocidente como “o reino
de Deus”. Trata-se do nível derradeiro de realidade, além da existência
mundana, similar a um sonho, que experimentamos em nossos corpos
materiais. Se isso é difícil de aceitar, basta você pensar no sonho de sua
última noite (não é preciso ir mais longe do que isso) para recordar
quão facilmente você aceita ilusão como realidade, repetidas vezes.
Outra importante realização a ser extraída dos sonhos é em re-
lação à nossa existência última além da matéria, seja em sonho, so-
nho profundo ou em nosso estado desperto mundano. Segundo o

29
Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

Srimad-Bhagavatam (11.13.32), “por lembrar e contemplar a sucessão


dos estados desperto, em sono e em sono profundo, a entidade viva
pode compreender que ela é uma só ao longo dos três estágios de cons-
ciência e é transcendental”. Você lerá que essa consciência transcen-
dental é referida como “o quarto estágio”, o quarto e último estágio
de consciência.
Alguns comentários tradicionais dos Yoga Sutras consideram que
esta quarta flutuação mental se refere exclusivamente ao sono profun-
do e sem sonhos, a experiência mental de não ter experiência alguma.
Sugerem que os sonhos são uma subcategoria da próxima e derradei-
ra função mental: a memória. Contudo, os sonhos são diferentes da
percepção correta ou incorreta da realidade, e diferem da imaginação.
Eles nos oferecem uma experiência diferente de uma realidade alter-
nativa. Isso, por sua vez, nos provê realizações válidas e conhecimento
útil, o que, então, se torna uma parte de quem somos e ajuda a moldar
como vemos e interpretamos a vida. Sonhos não são mero sinônimo
de lembranças de eventos que aconteceram em nossa vida no passado.

11. Memória é a retenção das experiências de objetos


previamente percebidos.
Sua mente está mudando constantemente. Cada momento, cada ex-
periência e cada pensamento mudam quem você é. Quer você retenha
uma memória vívida de uma experiência, quer não, sua mente é muda-
da por todo momento de existência e toda informação interiorizada, às
vezes drasticamente, às vezes imperceptivelmente. Isso não é defendido
apenas pela tradição do yoga, mas também pela neurociência.
O maior perigo que a memória pode nos ocasionar vem na for-
ma da lamentação. Com muita frequência, nos tornamos vítimas de

30
Samadhi-pada

nossos traumas passados, incapazes de processá-los positivamente para


o nosso crescimento. Emoções ficam enterradas, o que pode nos levar
a adoecermos física e mentalmente.
Nosso mapa mental pode ser distorcido por um trauma. Nós nos
ligamos a uma experiência traumática e redefinimos nossa autoima-
gem e nossa visão de mundo, tingindo a realidade negativamente por
causa de nossa experiência. Isso impacta o nosso bem-estar, fortale-
cendo emoções negativas, como depressão, desespero e raiva. Nós ati-
ramos sal na terra de nosso jardim da paz interior, impedindo que
emoções positivas criem raízes.
Nós temos não apenas a habilidade de superar um trauma, mas de
crescer com ele. O termo para isso é “crescimento pós-traumático”.
Aqueles que crescem a partir de um trauma podem encontrar opor-
tunidades. Essas pessoas pensam de uma maneira progressiva em vez
de ficarem presas na lamentação do que houve. Não é uma questão de
ignorar a dor ou negar o ocorrido; o ponto é aceitar o que aconteceu e
usar o poder da experiência para alçar novos voos e descobrir recursos
inexplorados em nós.
A memória deve nos tornar sábios. Podemos aprender com nossos
erros – e, sejamos sinceros, nós cometemos erros todos os dias. Con-
tudo, para aprendermos com eles, temos que parar e refletir. Temos
que reservar um tempo em nossa rotina diária para contemplar nossas
ações, emoções e motivações, bem como a maneira como afetam nos-
so bem-estar. Isso não apenas ajudará você a se conhecer melhor; isso
ajudará você a tirar o máximo proveito do que você viveu até agora.
A memória tem o poder de reforçar uma experiência ou menta-
lidade específica. Quando você se lembra conscientemente de quais
valores você tem, você reforça sua dedicação a ser fiel a eles. Quando

31
Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

você se lembra da importância de seus relacionamentos significativos,


você encontra a determinação para lhes dar a energia que merecem. E
quando você se lembra de suas metas espirituais e de sua identidade
espiritual – e de Deus –, você fortalece sua determinação de permane-
cer fixo no caminho do yoga e investir em seu eu superior.

12. Você pode pacificar as flutuações da mente por prática e


desapego.

Este sutra é a primeira sugestão de Patanjali de como se praticar


yoga. Ele estabelece dois conceitos fundamentais: prática e desapego,
ambos os quais são mencionados por Krishna na Bhagavad-gita (6.35).
Prática, em yoga, se chama sadhana, e seus detalhes serão apresen-
tados no segundo capítulo. Em O Caminho 3T, estabeleço um guia
amplo para essa prática, com uma prática espiritual diária mais es-
pecífica. Sem prática diária, sem sadhana, não há possibilidade de se
avançar em yoga.
Desapego é uma qualidade crucial no caminho do yoga. Isso pode
soar frio, como “simplesmente não ligamos para nada”. Contudo, de-
sapego é a habilidade de aceitar a realidade como ela é e focar em suas
ações, não nas reações que você experimenta. Desapego significa que

32
Samadhi-pada

você está focado no interno, e não no externo – focado em seu próprio


estado mental, em suas metas, seu objetivo, suas motivações e seus
feitos. O desapego surge do entendimento profundo de que você só
pode controlar você mesmo, seus próprios pensamentos, suas próprias
ações, e não o resto do mundo, e certamente nenhuma outra pessoa
ou os atos dela. Devemos nos focar naquilo que podemos controlar. A
nossa felicidade é determinada por nós, por quão bem estamos agin-
do, e não por coisas fora do nosso controle.
Desapego não significa que você não se importa ou que, pior ain-
da, que você não ama. Ao contrário, você não pode amar se você é
apegado. O desapego lhe dá a liberdade para amar puramente, inte-
ressado apenas no que é o melhor para o seu amado. Na medida em
que você não é desapegado, nessa medida você não pode amar com
pureza. Suas expectativas de retorno pelo seu amor e por seu serviço
maculam a relação.
Por fim, o desapego lhe dá liberdade para se transformar, para vi-
ver a versão nova e mais radiante de si mesmo, sendo lapidada por
seu sadhana. Se você quer crescer e expandir sua consciência, esteja
preparado para mudar. Muita coisa mudará! Seus hábitos, incluindo
sua dieta, sobriedade e visão sobre o sexo, mudarão, e, com isso, você
dará consigo gravitando novos ambientes sociais, novas metas de vida,
talvez uma nova carreira. Contudo, para tudo isso acontecer, você tem
que se desapegar do que está acontecendo em sua vida agora.

13. Prática significa esforçar-se para estabilizar a mente.


Yoga requer prática, e prática significa esforçar-se em direção à meta
de controlar as flutuações da mente. Pesquisas demonstram que temos
mais de setenta mil pensamentos por dia. Qualquer um que já tenha

33
Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

sentado para meditar sabe o quanto é difícil pacificar a mente. Mesmo


Arjuna, que ouve a Bhagavad-gita ser falada por Krishna, aponta que
considera o controle da mente como mais difícil do que controlar os
ventos. Existe uma solução fácil? Infelizmente, não. É preciso esforço.
A boa notícia é que podemos experimentar os benefícios a cada passo.
E mesmo uma mente um pouco mais pacífica é melhor do que uma
mente turbulenta.
Para tornarmos a mente firme e pacífica, precisamos nos valer das
ferramentas que estão ao alcance de nossas mãos. Temos que trabalhar
a partir de diferentes ângulos, como recomendo em O Caminho 3T.
Da dieta à meditação, do trabalho ao lazer, do mindfulness a bhakti, a
todo momento você pode aplicar uma combinação diferente de técni-
cas para avançar em yoga.

14. Essa prática é bem estabelecida quando é realizada muito


bem, sem interrupção e por um tempo bastante longo.

Há muito me sinto atraído pela praticidade do yoga. A mensagem


básica é que você recebe o que merece. Você quer avançar? Trabalhe
por isso! Aqui estão as especificações:
Primeiro, tem que ser feito corretamente. Dedique tempo a apren-
der o que lhe é necessário e, então, pratique com amor e com atenção

34
Samadhi-pada

aos detalhes. Adote sua prática com determinação. Adote o princípio


Kaizen: tente, todos os dias, fazer isso apenas um pouquinho melhor.
Toda vez que meditar, tente meditar com apenas um pouquinho mais
de foco. Todos os dias, tente estar um pouco mais afinado com seu
dharma, um pouco mais no aqui e agora. Tente experimentar mais
bhakti e fazer de Deus apenas um pouco mais presente em sua vida.
Constantemente buscar fazer isso um pouco melhor dará alegria à sua
vida e, com o tempo, é possível fazer considerável progresso.
Segundo, você não pode parar. A vida é seu campo de prática de
yoga. Você vive em yoga. Não se trata de uma religião para você prati-
car aos domingos ou em ritos de passagem. Não se trata de um exercí-
cio para as terças e quintas à noite. Yoga é sintonizar seu cérebro para
viver melhor a cada momento. Tudo que vem até você, tudo que você
está fazendo, está aí para você praticar e avançar em yoga.
Por fim, seja paciente. Vai levar tempo. Na Bhagavad-gita, Krishna
fala sobre isso levar vidas! Contudo, antes que você se sinta desenco-
rajado, lembre-se de que Krishna também diz que a prática acontece
com alegria. A cada momento em que você está no seu melhor, inde-
pendente do que seja o seu melhor agora, é um bom momento. Você
sentirá a alegria, a recompensa, de atingir seu máximo potencial. E,
então, vai ficando melhor. Conforme você progride, independente de
quão lentamente, você alcança níveis cada vez mais elevados de bem-
-estar, força, foco e alegria.
Mas tenha cuidado: se você parar de investir energia, você não con-
tinuará adiante automaticamente; você rolará montanha abaixo. Nos-
sos dolorosos hábitos do passado, vícios, egoísmo e apegos surgirão
novamente. Até que você dê consigo realmente liberto, não habitando
mais um corpo material neste universo, você não está fora de perigo.

35
Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

Tanto a literatura sagrada quanto a história de gurus famosos nos úl-


timos cinquenta anos demonstram que esse é o caso. Independente
de quão avançado ele ou ela seja, de quão grande seja seu carisma, de
quanto poder tenha obtido ao longo de uma vida inteira de prática,
se um yogi abaixa sua guarda, as velhas ervas daninhas da ignorância
crescem novamente.

15. Desapego é o poder mental para resistir ao desejo por


objetos sensoriais, percebidos ou não.
Jamais me esquecerei de uma conversa que tive com um grande
bhakti-yogi, Sridhara Maharaja, discípulo do lendário mestre Swami
Prabhupada. Ele era um renunciante e acabara de chegar do Rio de
Janeiro, cidade famosa, é claro, por suas praias repletas de belas mu-
lheres usando biquínis minúsculos, e fui afortunado o bastante para
o receber em minha casa em Brasília. Eu estava começando minha
vida espiritual à época e, além de curioso, eu era bastante “perdido”
e carente de boa etiqueta. Eu, então, lhe perguntei como ele se sentia
vendo todas aquelas mulheres e se aquilo não o perturbava. Ele riu e
respondeu: “Eu tenho sangue vermelho em minhas veias”. Então, me
explicou que, embora a beleza e a atração delas fossem registradas
em sua mente, não havia desejo por sexo. O objeto do sentido era
registrado, mas não decorria nenhum desejo de agir. Você não fica
cego – eu agora compreendo –, senão que você apenas fica mais sá-
bio, você entende melhor.
Verdadeiro desapego não vem de se isolar dos objetos dos sentidos,
de se trancar em um ashram ou em uma caverna. Não vem de odiar
os objetos dos sentidos, como podemos ver em renunciantes imatu-
ros que menosprezam as mulheres. Verdadeiro desapego vem de se

36
Samadhi-pada

entender os prós e os contras de qualquer experiência dos sentidos, e


compreender que os contras sempre pesam mais do que os prós. Não
se trata de repressão artificial; é um sereno entendimento das coisas
por vir e do verdadeiro preço de sair do seu dharma em nome de pra-
zer dos sentidos. Apoiando essa mentalidade está o prazer verdadeiro e
constantemente experimentado de satisfazer sua natureza real.
Aprendi que existem basicamente duas coisas que realmente satis-
fazem o verdadeiro você: serviço e conexão.
Frequentemente me lembro da santa Madre Teresa dizendo: “O
fruto da oração é o amor, e o fruto do amor é o serviço”. Serviço é
amor em ação. O amor não tem sentido se não conduz a pessoa a fazer
algo pelo amado.
Tudo que você faz pode ser feito no espírito de amor. Toda ação
pode ser uma expressão do seu desejo por servir alguém e de servir a
si mesmo no sentido de preservar seu bem-estar físico e mental. Os
detalhes do que esse serviço implica são revelados por seu dharma.
Quando você trata as pessoas como pessoas, e não como objetos
ou máquinas para satisfazer suas necessidades, você experimenta o
sentimento de conexão. Mesmo as menores trocas, como dizer bom
dia a alguém no elevador, são oportunidades para se conectar e expe-
rimentar esse link alma-alma – em relacionamentos mais profundos e
significativos, isso é ainda mais real.
Swami Prabhupada resumiu isso bem quando disse que as pessoas
querem alguém para amar e algo para fazer.
Conforme você aprende a viver a vida experimentando a pro-
funda satisfação de servir e se conectar, a atração por obter prazer de
fora, mediante desfrute dos sentidos, diminui proporcionalmente.
Você logo chega ao ponto de ficar satisfeito com o prazer que vem

37
Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

naturalmente da execução do seu dharma. Você se sente preenchido e


realizado com o ato simples, porém profundo, de viver genuinamente.
Isso é desapego.

16. Depois da renúncia, vem a completa indiferença pela vida


material. Isso nasce pela percepção direta da alma pessoal.
Este sutra descreve a perfeição espiritual. Conforme progredimos
no yoga, chegamos à experiência de nossa verdadeira natureza espiri-
tual. Vivemos e sentimos como almas, e não como corpos materiais.
Avanço traz o entendimento profundo de que nossa natureza pessoal
– nossos valores, metas e a habilidade para amar, pensar e escolher –
não brota de nosso corpo, de nosso cérebro, mas de nosso eu eterno e
imaterial. Isso é a percepção direta da alma pessoal.
Uma vez que você entenda e experimenta sua verdadeira natureza es-
piritual, você não precisa mais da existência material. Você naturalmen-
te supera a necessidade de um corpo material, e há muito descontinuou
o desejo por situações ou prazeres mundanos. Você já não precisa mais
da experiência artificial e ilusória da vida neste universo, visto que você
já está experimentando sua verdadeira vida para além disso.
Este sutra está declarando que o controle da mente, a prática de
yoga, é concluído quando você não está mais envolvido com a vida
material. Nesse estágio, você não se vê mais como seu corpo ou pensa
que a vida exige a matéria, tendo entendido e experimentado que a
vida existe em outro nível: em pura transcendência. O yogi desperta
para a vida de trocas amorosas puras com outras almas puras e com a
Alma Suprema, Deus, em um reino além deste universo. Assim como
seu sonho é interrompido quando você acorda e se lembra de sua iden-
tidade, o sonho/pesadelo da vida humana é igualmente interrompido

38
Samadhi-pada

quando nos recordamos completamente de nossa existência espiritual


pessoal e verdadeira.

17. Os quatro estágios de obtenção do foco perfeito


(samadhi) são: 1) foco na matéria, 2) foco no aspecto sutil
da matéria, 3) foco na habilidade de perceber a realidade e 4)
foco na existência, na experiência de “eu sou.”

Aquilo em que você se foca determina a qualidade de sua vida.


Aqui está uma breve descrição dos diferentes níveis de foco que você
pode alcançar:
Nenhum foco é “não sair da sua cabeça”, no sentido daquela ru-
minação cansativa de acontecimentos passados, preocupações futuras,
assuntinhos triviais e os atos alheios. Um estudo de Harvard, de 2010,
demonstrou que uma mente distraída é uma mente infeliz. Sem foco,
a mente se perde no tempo e no espaço, pulando de uma coisa a outra
por associação, sem nenhum benefício discernível.
O primeiro nível de foco é no trabalho em mãos. Foco na rea-
lidade física bem diante de você. Esse é o grande passo, e um dos

39
Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

conceitos-chave em O Caminho 3T. Traga sua atenção para o melhor


que você pode fazer agora mesmo. Se é andar de bicicleta, ande de
bicicleta com consciência. Experimente isso por completo. Se é es-
crever uma proposta comercial, faça isso. Para o que quer que você
esteja fazendo, traga sua mente com você – sua mente inteira. Isso
traz uma imediata noção de bem-estar. Dezenas de milhares de estu-
dos confirmam o impacto positivo e efetivo do mindfulness. Mesmo
os primeiros minutos de prática dão a você uma percepção direta de
sua utilidade.
O segundo nível é ser capaz de focar na experiência, na realidade
metafísica do que está acontecendo em sua vida. É adicionar uma
nova camada de foco. Tomemos o ato de caminhar como exemplo.
Foco zero significa caminhar sem prestar atenção ao ato de caminhar.
Você está “voando”; pensamentos divagam por toda parte. Você está
com sorte se não tropeçar e cair, cruzar o caminho de um carro ou
dar com a cabeça em um poste. O primeiro nível de foco é caminhar
com consciência, em mindfulness. Você traz sua atenção para o ato
de caminhar, para o aqui e agora. Você está atentamente colocando
um pé após o outro e está consciente do seu corpo e do que o cerca.
Esse segundo nível é focar, adicionalmente, na experiência de cami-
nhar com consciência. Qual a sensação? Explore o que você sente, esse
estado mental.
Explore sua habilidade de invocar sentimentos e emoções à sua
vontade, sem que sejam engatilhados por eventos reais ou imaginá-
rios. Utilize sua habilidade de focar, seu treinamento de mindful-
ness, para examinar seu estado mental, para estar constantemente

40
Samadhi-pada

ciente do jardim interno de suas emoções e motivações. Em O


Caminho 3T, chamo esse campo de perfeição de “paz interior” – a
habilidade de monitorar, perceber e moldar a realidade sutil de
nossa psicologia.
O terceiro nível é conscientizar-se de sua habilidade de perceber
os níveis um e dois. Em outras palavras, ser capaz de focar em sua
percepção da realidade, tanto interna quanto externa. Esteja ciente de
que você está observando, vendo. Com essa experiência, você pode
entender que você não é seus pensamentos ou suas emoções. Você não
precisa se identificar com nenhum pensamento ou emoção passando
por sua cabeça. Tais coisas não são você. Esteja ciente de seus pensa-
mentos e de suas emoções, mas os deixe ir. Dê a si mesmo sessões pla-
nejadas de análise psicológica para examinar e identificar emoções do
passado que ficaram presas, da época em que você estava cometendo
o erro de se identificar com suas emoções. Passe por grandes eventos
e relacionamentos de destaque em sua vida, e examine os sentimentos
que invocam, para se certificar de que eles podem ir embora agora. Se
desfaça dessa bagagem inútil e dolorosa.
Por fim, esteja ciente de que você existe puramente. Cogito ergo
sum foi a famosa conclusão de Descartes. “Penso, logo existo.” Além
de toda matéria, além até mesmo da habilidade de perceber a maté-
ria, você pode experimentar sua existência eterna. Você é consciência.
Com o poder da consciência, você se torna consciente de qualquer
coisa em que você possa focar, mas o mais importante é estar ciente
de que você simplesmente é. Patanjali usa o termo “estado de ser”: o
estado de estar ciente de existir.

41
Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

18. Outra maneira é praticar o término de todas as flutuações


da mente, momento no qual apenas impressões subliminares
permanecem.

Há dois caminhos no yoga: o caminho da vida iluminada e o cami-


nho de pura meditação.
O caminho da vida iluminada consiste em viver uma vida “nor-
mal” de trabalho, lar, família, amigos e comunidade, mas na prática
de controlar e direcionar a mente, em yoga. Isso significa ter uma vida
dhármica, em conexão divina com o aqui e agora. Ou, nas palavras de
Krishna na Bhagavad-gita, uma vida “como uma oferenda a Mim”. O
caminho da vida iluminada é claramente a principal recomendação na
Bhagavad-gita e no Srimad-Bhagavatam. Em O Caminho 3T, detalho
esse processo em suas muitas facetas.
O outro caminho é o caminho da pura meditação. Na Bhagavad-
-gita, chama-se dhyana-yoga. Aqui nos Yoga Sutras, é descrito como
astanga-yoga, o caminho do yoga de oito partes. Uma considerável
parte dos Yoga Sutras é devotada a essa prática. Para isso, o yogi tem
que abrir mão da vida “normal”. Mesmo hoje, encontramos yogis que

42
Samadhi-pada

vivem em cavernas ou na floresta, perto de um rio sagrado, longe da


civilização. Neste caminho, o yogi tem que passar o dia todo, pelo resto
de sua vida, em meditação, interrompendo isso apenas para comer
frugalmente alguns alimentos selvagens e dormir um pouco. Devido à
natureza penosa dessa prática, quase ninguém a adota. Na atualidade,
essa prática é praticamente extinta. Em tempos remotos, yogis medi-
tavam por tanto tempo e com tamanha intensidade que obtinham o
poder de manipular a matéria com a mente. Esses superpoderes serão
descritos no terceiro capítulo.
Menciono isso aqui porque uma interpretação desses dois sutras,
1.17 e 1.18, é que um se refere ao caminho da meditação exclusiva,
e o outro, à prática constante de viver uma vida iluminada. Em um,
atinge-se o samadhi por se focar a mente com cada vez mais apuro; no
outro, atinge-se pela prática de constantemente tentar viver cada vez
mais em yoga, a cada momento.

19. Alguns alcançam completo foco nos aspectos sutis da


realidade material e vivem uma existência descorporificada.
Algum conhecimento prévio em relação à alma e à natureza mate-
rial é necessário para melhor entender este sutra.
Do ponto de vista védico, a vida é o sintoma da alma e nada tem
a ver com a matéria. As almas assumem corpos devido às suas flutu-
ações, mas, em momento algum, a existência da alma depende do
corpo. É o contrário. O corpo precisa da alma para existir. Sem ela, o
corpo começa a se decompor e se funde novamente na natureza. An-
tes de atingir a perfeição espiritual, a alma pode experimentar a vida
apenas em um corpo ou outro. Quando o tempo de um corpo acaba,
a alma tem que prosseguir em outro corpo.

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Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

Corpos são feitos de energia material, mas a energia material não é


tão simples assim. Como os cientistas modernos descobriram, a natu-
reza material pode existir em formas sutis, que são muito distantes das
manifestações “sólidas” da realidade, como pedras, toras, terra, vento
e fogo. Krishna explica na Bhagavad-gita que elementos super-sutis da
realidade existem na forma do que traduzimos como “mente”, “inte-
ligência” e “falso ego”. Tais coisas não são apenas conceitos; são ele-
mentos reais da realidade física, exatamente como a água. Obviamente,
é algo muito difícil de se conceituar, visto que vai muito além da expe-
riência direta dos nossos sentidos. Você não pode cheirar, ver, ouvir ou
tocar a mente, a inteligência e o falso ego. O máximo que você pode
conseguir é perceber a existência desses elementos sutis porque você de
fato tem uma mente, uma inteligência e um falso ego bem agora.
O éter é o aspecto mais sutil da natureza ainda perceptível por nos-
sos sentidos regulares. Pode ser traduzido como “vácuo”, e você pode
percebê-lo pelo espaço que ele ocupa. Se houver um vácuo perfeito
dentro de uma garrafa, você pode mensurar o espaço que o vácuo
ocupa. A mente é ainda mais sutil e não pode ser mensurada de modo
algum. A inteligência é mais sutil do que a mente, e o falso ego é o
aspecto mais sutil da realidade. O falso ego é a identificação da alma
com a matéria. A inteligência é como explorar e interpretar o mundo
com essa identificação. Para isso, é preciso uma mente para coordenar
os sentidos e os pensamentos, o que, então, requer um corpo grosseiro
para se interagir com a realidade material mais densa: sólidos, líqui-
dos, energia radiante, gases e vácuo.
Os corpos, então, são compostos de todos os elementos da natu-
reza material, desde o falso ego aos sólidos. Contudo, nem todos os
corpos são assim.

44
Samadhi-pada

Fantasmas, por exemplo, têm corpos feitos apenas dos elementos


sutis: mente, inteligência e falso ego. É por isso que, em geral, você
não os pode ver e eles não podem tocá-lo, mas podem atravessar pa-
redes, flutuar etc.
Outras criaturas cósmicas existem em formas descorporificadas e
sutis similares – até mesmo corpos feitos exclusivamente de inteligên-
cia e falso ego.
O que este sutra está declarando é que um yogi talvez fique preso,
acidentalmente, em semelhante corpo caso, enquanto segue o cami-
nho do yoga de exclusiva meditação, foque sua mente por inteiro no
aspecto sutil da energia material, em vez de focar-se em sua forma
espiritual verdadeira. A tradição do yoga chega ao ponto de declarar
por quanto tempo esse estado durará, de acordo com o elemento sutil
da matéria em que a alma fixe sua consciência. Quem fixa sua mente
na inteligência, por exemplo, fundindo-se nisso, permaneceria em tal
estado por 100 mil períodos de Manu. Um período de Manu equivale
a 310 milhões de anos terrestres, de modo que tal yogi ficaria nesse
estado por 31 trilhões de anos – 31 trilhões de anos bem pacíficos,
é verdade, mas não é a meta final do yoga. Tal yogi, por fim, teria de
retornar a um corpo físico grosseiro e tentar mais uma vez.

20. A perfeição é atingida por meio de fé, esforço vigoroso,


memória, transe e discernimento.
Quer o yogi esteja seguindo o caminho de uma vida iluminada,
quer o caminho da pura meditação, Patanjali sugere que existem cinco
elementos, ou passos, nesse procedimento.
Primeiramente, vem a fé. Tudo o que fazemos precisa de fé. Não
conseguimos sair da cama se não temos fé de que fazer isso será melhor

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Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

do que ficar na cama. A palavra “fé”, aqui, é usada no sentido de se es-


colher nosso curso de ação na crença de que isso nos dará os resultados
esperados. Essa fé nos dá a clareza mental necessária para sabermos o
que queremos e qual será a nossa estratégia.
Uma vez que um caminho de vida tenha sido escolhido, precisa-
mos nos aplicar a ele com vigor e intrepidez. Quanto mais elevada a
meta, mais precisamos ser determinados. “Empurrar com as coxas”
não funcionará. E a meta do yoga é a mais elevada de todas – bem-
-aventurança última e ficar livre de todo sofrimento para sempre! Tra-
ta-se de algo muito sublime, e não barato, e não poderemos ter tais
coisas sem pagar seu preço. Contudo, é possível, se nos aplicarmos
com empenho e intensidade.
Memória, aqui, significa manter a meta em mente. No yoga, o
maior desafio é continuar tentando, a cada momento. Nossa tendên-
cia é dormirmos no volante e seguirmos com a vida em esquecimento
de nossa natureza espiritual última, nossos objetivos mais altos. Na
linguagem do Caminho 3T, nós rapidamente escorregamos de volta
para o “paradigma de fantasia”, perdendo contato com a realidade.
Nossa mente se condiciona a viver em lamentação e ansiedade, e é
preciso muito esforço para continuar trazendo de volta a mente para o
aqui e agora, para o seu dharma, para sua identidade espiritual e Deus.
Na Bíblia, encontramos a recomendação de “orar e vigiar”. Se você
estiver alerta, “vigilante”, relembrando sua meta ióguica, você pode
avançar.
Com os três elementos anteriores em jogo, você pode, então, ex-
perienciar o samadhi, transe, ou completa absorção em sua natureza
divina.

46
Samadhi-pada

Por fim, conforme você acumula momentos de samadhi, você, um


dia, cruzará a linha de chegada: viveka – discernimento –, que, aqui,
significa a habilidade de diferenciar perfeitamente entre sua natureza
espiritual verdadeira e a matéria, ou, utilizando termos sânscritos, dis-
tinguir entre purusha e prakriti. Neste ponto, você não precisa mais es-
tar em nenhum tipo de corpo material, em virtude do que não precisa
viver nunca mais no mundo material. Você está pronto para reassumir
sua vida na morada de Deus, de realidade pura e transcendental.

21. Para quem pratica com intensidade, a meta está próxima.

22. Quão próxima depende do nível de prática, podendo ser


leve, moderada ou extrema.
Um aspecto bonito da espiritualidade do yoga é exatamente o
quanto é prática e pé no chão. Não é apenas uma questão de crenças
e esperança. Seu avanço é mensurado pelo quanto você está manten-
do sua mente sob controle e vivendo sua verdadeira natureza, a cada
instante. O resultado é claramente experimentado. Você vivencia sua
prática de yoga. Quanto tempo você gastou no aqui e agora? Quantas
vezes você foi vitimado por sentimentos de cobiça e lamentação? Ao
longo do dia, o quanto você estava consciente de sua natureza como
uma entidade eterna e imaterial? Quanto de equanimidade você tem
experienciado? Você tem visto todos os seres vivos como iguais a você?
Quanto você esteve conectado com Deus durante o dia? Esses são
típicos indicadores do seu avanço, os quais você pode avaliar e decidir
em qual você precisa trabalhar melhor para progredir.

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Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

23. A perfeição é obtida por devoção ao Senhor.

Patanjali não tem entre seus objetivos apresentar uma elaborada te-
ologia em seus Yoga Sutras, deixando isso para textos como a Bhagavad-
-gita e o Srimad-Bhagavatam, mas ele enfatiza, sim, a meta final do
yoga e a técnica mais poderosa do yoga: bhakti, a devoção ao Senhor.
A perfeição do yoga é obtida por uma combinação de esforço pessoal e
graça divina. Se você não fizer nada, você não fará nenhum progresso
espiritual. Contudo, é contraditório falar de buscar a perfeição espi-
ritual sem Deus, dado que a perfeição espiritual é atingir o estado de
conexão (yoga) com Deus.
Aqui estão algumas razões pelas quais bhakti é tão importante:

1. Como Krishna explica na Bhagavad-gita, somos todos partes


dEle. Para entendermos nossa verdadeira natureza última,
temos que entender Deus.
2. Deus, por definição, controla tudo. Se queremos superar
a influência da ilusão e controlar nossa mente, nos cabe
solicitar a ajuda daquele que tem completo controle sobre
tais coisas.

48
Samadhi-pada

3. Todo conhecimento e toda habilidade vêm de Deus. Se quer-


emos a habilidade e o conhecimento para avançarmos em
yoga, esses necessariamente virão de Deus, de qualquer for-
ma, motivo pelo qual é mais amoroso e efetivo se pedirmos
por eles pessoalmente.
4. Bhakti é o único aspecto do yoga que continuaremos exper-
imentando além de nosso corpo material e de nossa existên-
cia física no universo.
5. Vimos no sutra 1.19 o perigo de errarmos o alvo e meditar-
mos em algo diferente do espírito puro. Quando meditamos
em Deus – em Seu santo nome, em Suas instruções, em Suas
atividades, em Sua forma –, esse perigo não existe, visto que
tudo isso é, por definição, puramente espiritual. Bhakti, por-
tanto, confere de imediato uma prática de yoga de alto nível,
independente de avanço prévio.

Todas as outras práticas, incluindo escolhas de estilo de vida no


yoga e em torno do yoga, existem para apoiar e promover bhakti. E
bhakti ajuda todas as outras práticas.

24. O Senhor é único – intocado por problemas, karma,


resultados do karma e influências de comportamento
inconsciente.
Existem duas principais conclusões equivocadas a que podemos
chegar em relação a Deus: 1) Deus não existe e 2) nós somos Deus
porque Deus é apenas energia (brahman, fonte energética, luz divina
etc.), tal como nós.

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Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

Que Deus existe é aceito como um pressuposto na tradição do


yoga. O yoga existe como um meio para se entender Deus e O alcançar.
Que Deus é necessário é algo explicado racionalmente. A natureza,
os atributos e a posição especial de Deus também são explicados por
completo.
O segundo erro, o entendimento confuso de que a alma seria Deus,
é aqui abordado. Qualquer yogi pode entender o imenso desafio dian-
te dele na forma de avançar em yoga. Aqui, Patanjali apresenta uma
pequena lista de nossos desafios, nos contrastando com o Senhor, que
não tem tais desafios.
No caminho do yoga, existem amontoados de problemas de todos
os tipos para o aspirante a yogi. Desde uma mente agitada até dores
corpóreas, há o que parece ser uma interminável sequência de pro-
blemas enfrentados pelo praticante. Patanjali declara, porém, que o
Senhor é o único livre de todos os problemas.
O karma nos ata ao nosso corpo e ao mundo de ilusão. Parar de
acumular karma é a primeira meta do yoga, descrita como karma-yoga.
É por isso que esse é o primeiro tipo de yoga apresentado em detalhes
por Krishna na Bhagavad-gita. Contudo, o Senhor, Patanjali declara,
é o único a não possuir karma.
Uma vez que tenhamos parado de acumular karma, ainda temos
que lidar com as montanhas de “karmas sementes”, karmas ainda por
frutificarem, isto é, os resultados de ações cármicas do passado. Depois
de descrever karma-yoga, Krishna descreve jnana-yoga, o yoga do co-
nhecimento e da sabedoria, como a técnica para eliminar esse tipo de
reação cármica futura. Contudo, o Senhor, Patanjali declara, é o único
no ponto de não ter resultados futuros para o karma.

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Samadhi-pada

Por fim, somos profundamente influenciados por nosso incons-


ciente. A neurociência nos ensina que até mesmo as decisões mais
simples, como escolher entre suco de laranja ou de maçã, acontecem
em um nível inconsciente, e até mesmo em um nível visceral, fora do
que podemos perceber. Tudo o que fazemos é influenciado por forças
inconscientes, ou, nos valendo da linguagem dos Yoga Sutras, por nos-
sos samskaras, ou registros subliminares. Contudo, o Senhor, Patanjali
declara, é o único no ponto de não ter essa influência inconsciente.
Um yogi deve, portanto, entender que jamais foi, é ou será Deus.
As almas são muito numerosas; Deus é único. A alma é divina, mas a
alma não é Deus. Somos unos com Deus em um sentido, mas somos,
simultaneamente, diferentes em outro.

25. O Senhor possui incomparável onisciência.


Deus, como a fonte de tudo, também é a fonte de todo o conheci-
mento, de modo que Ele naturalmente sabe tudo.
Ele também é onipresente. Sua natureza infinita permite que Ele
esteja completamente presente em todos os lugares ao mesmo tempo.
Através disso, Ele também pode conhecer tudo.
Deus é livre de defeitos, em consequência do que Sua percepção
jamais se equivoca, tampouco Sua memória se sujeita a falhas. Porque
Ele é ilimitado, Sua capacidade de armazenar e reaver informações
desconhece limites.
Como Deus é não-nascido, primordial e sempre existente, e jamais
se sujeita a problemas ou ao karma, jamais houve um tempo em que
Ele tenha estado em ilusão ou tenha estado limitado em algum senti-
do, então Suas habilidades para obter conhecimento jamais estiveram
comprometidas.

51
Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

Visto que Deus está em nosso coração, Ele tem plena ciência de
todos os nossos pensamentos e desejos já manifestos, nesta vida e em
todas as outras, assim nos conhecendo melhor do que nós algum dia
poderíamos nos conhecer.
E dado que o Senhor tem inteligência infinita e poder de proces-
samento infinito, Ele pode compilar essa informação para chegar a
um infinito número de conclusões sobre a realidade, e pode predizer
o futuro.
Independente do alto nível de intuição ou onisciência que um yogi
talvez sonhe alcançar, jamais será algo comparável ao do Senhor. A
alma e Deus são bastante diferentes no tocante a isso.

26. Porque não é limitado pelo tempo, o Senhor é o guru até


mesmo dos anciões.
Ninguém é igual ou superior ao Senhor. Todos os outros, até mes-
mo os grandes instrutores que moldaram a história, são subservientes
ao guru de todos os gurus, o Senhor. Não apenas Deus é a fonte de
todo o conhecimento, mas Sua existência perfeita é primordial.

27. A sagrada sílaba om representa-O.

O som sagrado mais simples a representar o Senhor é o om. Deus


também possui inumeráveis santos nomes, tais como Krishna, Rama,
Narayana e Vishnu, na tradição do yoga, e Javé e Alá, nas tradições
abraâmicas.

52
Samadhi-pada

Os nomes de Deus são tão poderosos quanto o próprio Deus. Com


efeito, não existe diferença entre Deus e Seu santo nome. O nome de
Deus tem o poder de limpar nossa identificação errônea com a ma-
téria e nos conectar a Ele, tal como se estivéssemos em Sua presença
pessoal. Então, por entoar o nome de Deus, você entra em comunhão
direta com Ele, de acordo com a pureza e o foco de sua entoação. Essa
maneira simples de entrar em contato com Deus proporciona grandes
bênçãos e auspiciosidade para sua vida.
Os nomes invocam uma conexão mais poderosa com Deus, pois
se referem a uma das formas pessoais específicas de Deus, enquanto a
sílaba om é mais genérica.
Esses sutras sobre o Senhor demonstram, entre outras coisas, que
Deus não deve ser entendido como mera energia, fonte energética ou
luz. Considerar que Deus é apenas luz não é algo aceito em nenhuma
escola de pensamento indiano, com exceção da versão do vedanta de
Shankara, que é numericamente menor e tem um impacto cultural
menos significativo do que a tradição do vedanta vaishnava. Existem
seis escolas de pensamento na tradição espiritual indiana, e apenas
uma pequena parte de uma delas, aquela proposta por Shankara, de-
fende a fusão da alma com Deus após a liberação.
Apesar disso, no ocidente, porque o yoga e a espiritualidade in-
diana chegaram com concepções predominantemente indianas e com
base em Shankara, vemos um predomínio do conceito de Deus como
energia. Isso também se deve ao fato de que aqueles buscando por
essas tradições no ocidente frequentemente rejeitaram seu background
cristão ou muçulmano, que tinha uma concepção pessoal de Deus.
Aceitar Deus como mera energia, fonte energética ou luz é subes-
timar Deus. Em O Caminho 3T, explico a diferença dos conceitos de

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Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

pessoal e impessoal. Também apresento argumentos da tradição do


yoga para explicar os dois conceitos e as irracionalidades do conceito
de Deus como mera energia.
Tratar Deus como energia é como encontrar sua alma gêmea e usar
essa pessoa apenas para esquentar seu pé à noite, ignorando comple-
tamente a pessoa e utilizando apenas o calor que emana de seu corpo.
É como usar a pessoa mais incrível que você jamais sonhou encontrar
apenas para carregar seu celular, à moda Matrix, usando sua energia
bioelétrica, mas jamais falando com ela.
Se você deu o passo de aceitar a existência de algo superior, não
pare no conceito de “apenas energia”. Continue pesquisando, use seu
cérebro, e pratique as técnicas necessárias para alcançar o aspecto mais
elevado do yoga, a verdadeira bhakti.

28. Pratique meditação mântrica (japa) com essa sílaba,


focando sua atenção no significado dela.
Japa é o termo sânscrito para “meditação mântrica”. A meditação
mântrica consiste em manter seu foco na recitação suave de um mantra.
Como em qualquer meditação, a meta é cessar os outros pensamentos
ou, no mínimo, ignorar outros pensamentos, levando sua atenção para
o objeto de meditação, que, nesse caso, é o som do mantra.
A japa é frequentemente realizada com contas de meditação, que
ajudam a mente a se focar.
A japa é a forma mais tradicional de meditação. É a meditação que
pratico desde meados dos anos 90 e a que recomendo a todos os meus
alunos. Japa é algo mencionado explicitamente tanto nos Yoga Sutras
quanto na Bhagavad-gita, onde Krishna diz que é a melhor forma de
yajna, uma oferenda e um meio de conexão com o divino.

54
Samadhi-pada

Qual mantra utilizar na japa deve ser cuidadosamente considerado.


Aqui, Patanjali defende o uso do mais simples de todos os mantras, a
sílaba om, como um meio para se meditar no Senhor.
Use sua inteligência crítica para escolher um mantra. Se sua meta
é conquistar uma união amorosa com o Senhor, que é a meta do yoga,
então você deve utilizar um mantra que contenha os santos nomes
do Senhor ou a sílaba om, e não os nomes de deuses da natureza ou
outras deidades menores. Você, então, deve se esforçar por entender
a que aspecto de Deus esse nome se refere; isso dirigirá sua conexão
para Deus e determinará o humor de sua espiritualidade. Ganesha e
Shiva não são a mesma coisa. Shiva e Krishna não são o mesmo ser.
Narayana e Krishna não são a mesma forma de Deus. Cada nome se
refere ou a um ser completamente diferente ou a uma forma diferente
de Deus. Não aceite mantras cegamente. Aprenda mais, estude e en-
tenda o que você está fazendo. Patanjali, aqui, diz: “Foque sua atenção
no significado” do mantra. Mantras não são todos iguais, e até mesmo
diferentes formas e nomes de Deus não são a mesma coisa. Existem
importantes sutilezas a serem aprendidas para sintonizar precisamente
suas práticas e metas espirituais.
Você não estará trabalhando sua natureza como uma alma espiri-
tual caso escolha mantras que não têm nenhum elemento transcen-
dental, como mantras das tradições budistas, os quais não aderem aos
conceitos de realidade espiritual, alma eterna ou Deus. Você talvez
pacifique sua mente, ajude seu corpo e se torne uma pessoa melhor
– mas você não estará avançando no yoga como apresentado nos Yoga
Sutras ou na Bhagavad-gita.
E você não fará nenhum progresso espiritual com a noção moderna
de repetir afirmações positivas ou palavras de poder, tais como “sou

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Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

forte” ou “sou bonito”, e chamar tais coisas de mantra. Não estou


dizendo que essas declarações não possam ser positivas ou úteis, ou
que tenham que ser evitadas; estou dizendo apenas que não trarão os
mesmos resultados de se entoar mantras que nos conectam diretamen-
te a Deus. Se você quer usar essa técnica para ajudar você a mudar
sua mentalidade, eu recomendaria que você também reserve tempo
para uma prática de japa profundamente espiritual. Solucionar um
problema é bom, mas erradicar a raiz de todos os problemas é melhor.
O mantra que eu uso e recomendo é o mantra Hare Krishna:

Hare Krishna, Hare Krishna


Krishna Krishna, Hare Hare
Hare Rama, Hare Rama
Rama Rama, Hare Hare

Ele é conhecido como o maha-mantra, o que significa “o grande”


mantra. É amplamente reconhecido como o mais poderoso de todos
os mantras na tradição do yoga. A primeira palavra, Hare, é uma invo-
cação a Radha, o aspecto feminino de Deus. Krishna é um nome de
Deus que significa “o todo-atrativo”. E Rama, outro nome de Deus,
significa “a fonte de toda bem-aventurança”. Esses são os três sons
sagrados do maha-mantra. Os mestres de bhakti-yoga explicam que o
maha-mantra é um meio poderoso para se estabelecer uma conexão
com Deus na postura de obter serviço amoroso e proteção divina. Este
mantra conecta você com a doçura e intimidade de Deus como Krishna,
o orador da Bhagavad-gita e mestre de todos os mestres do yoga.

56
Samadhi-pada

29. Essa prática resulta em autorrealização e supera todos os


obstáculos.
Aqui, Patanjali está se referindo ao princípio geral de se submeter
ao Senhor, embora também seja possível dizer que a referência é ao
processo de japa. Na verdade, é a mesma coisa, visto que uma japa
focada em Deus é um dos principais meios para nos refugiarmos no
Senhor.
O ponto é claro: a devoção a Deus, ou bhakti, é uma técnica abso-
lutamente poderosa que confere perfeição e autorrealização e também
remove todos os obstáculos em seu caminho espiritual.
Bhakti, deste modo, é tanto o meio quanto a meta. É o meio para
se atingir a perfeição e a meta final da união em amor com o Senhor.
É por isso que é tão efetivo.

30. Os obstáculos são aquelas coisas que distraem a mente, e


são os seguintes: doença, falta de interesse, dúvida, descuido,
falta de desapego, preguiça, uma visão equivocada da vida,
não obter uma base firme e falta de estabilidade.
Essa é uma lista de situações temporárias que impedem que o yogi
mantenha seu foco sereno e estável (samadhi).
Permanecer saudável é uma das escolhas de estilo de vida mais im-
portantes para um yogi. Um corpo doente cria uma mente doente.
Dores e doenças não casam bem com meditação. Para aqueles no ca-
minho do yoga exclusivamente meditativo, tais coisas fazem a prática
realmente parar. Para quem está no caminho de uma vida iluminada,
são mais desafios a serem superados, com lições a serem aprendidas em
relação a desapego e tolerância. Contudo, em ambos os casos, cultivar
o melhor estado de saúde possível é importante no caminho do yoga.

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Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

Apatia, falta de interesse e preguiça significam que não somos capa-


zes de levar nossa prática a sério. Em tal estado, não dirigiremos nosso
tempo e nossa energia para mantermos nosso estado mental de yoga.
Essa apatia, ou preguiça, é frequentemente causada por dúvida, fal-
ta de desapego ou uma visão equivocada da vida. Quando carecemos
de informações apropriadas quanto à nossa natureza, quanto à vida e
quanto ao que é bom para nós, haverá dúvidas do que fazermos em
relação a nós mesmos. Quando temos dúvidas, ficamos sem objetivo e
determinação. Nesse estado, nós frequentemente nos apegamos a coi-
sas ou situações que atualmente temos em nosso domínio e, portanto,
não temos o poder de deixar nossa zona de conforto e alcançar estados
de consciência novos e mais elevados.
Com nossa mente assim destituída de clareza, perdemos nossa força de
vontade. Não temos estabilidade, porque não temos um caminho deline-
ado ou meta estabelecida. Quando perdemos nosso objetivo e determina-
ção, retornamos para o padrão de atividades superficiais e insignificantes.

58
Samadhi-pada

Como explicado anteriormente, o yoga atua em várias frentes. De


cuidar de sua saúde, passando por estudo da sabedoria do yoga, até
trabalhar em sua bhakti – tudo está conectado. Falhar em uma área
enfraquecerá a qualidade de sua prática e terá uma influência negativa
em sua habilidade de atuar nas demais.

31. Esses obstáculos são acompanhados pelo seguinte:


sofrimento, depressão, tremores corpóreos e respiração
irregular.
Todos nós queremos evitar o sofrimento. Você poderia dizer que a
própria razão para se adotar o yoga (ou, digamos, qualquer caminho
para a liberação) é a pessoa se tornar para sempre livre do sofrimento.
Não há como se livrar do sofrimento enquanto ainda corporificado,
ou, mais precisamente, enquanto ainda nos identificamos com o cor-
po. Por isso, o sofrimento é aqui colocado no topo da lista do que
acontece quando somos confrontados com obstáculos na obtenção da
perfeição do yoga.
Depressão e melancolia surgem quando fantasiamos em relação ao
futuro ou pensamos em relação ao passado. Pelo cultivo de desejos
mundanos, ou, em uma terminologia mais científica, “metas extrín-
secas”, nos configuramos para a infelicidade. Primeiramente, se dese-
jamos algo no futuro, nós automaticamente ficamos infelizes por não
ter isso ainda. Segundo, se o nosso desejo é frustrado, nós natural-
mente ficamos desapontados. E, terceiro, mesmo quando nossa meta
extrínseca é alcançada, ainda experimentamos um pouco de tristeza
conforme o sentimento positivo se dispersa e não somos capazes de
ignorar que qualquer coisa que acaso tenhamos conquistado é tempo-
rária e limitada. Se não formos capazes de evitar completamente essa

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Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

mentalidade, que chamo de “paradigma de fantasia”, estamos fadados


à infelicidade e à frustração.
Tremores corpóreos e respiração irregular são perturbações fisioló-
gicas que afetariam o yogi exclusivamente meditativo, mas não o yogi
da vida iluminada. Apesar de qualquer coisa, deve sempre ser uma
prioridade para o yogi buscar a melhora de seu bem-estar físico.

32. A prática da “verdade única” afastará esses problemas.


Uma vez que este verso encerra a seção sobre Isvara, o Senhor, po-
demos concluir que a categoria única de realidade (tattva, verdade)
sendo aqui mencionada é Deus como a fonte de todas as outras verda-
des ou, usando um termo filosófico, “a verdade absoluta”.
Na filosofia indiana, existem três tattvas, categorias fundamentais
de existência, ou verdades. Pense nisso como três caixas em que você
pode colocar tudo o que existe. Um tattva é da energia material. Tudo
que é material, toda “coisa” física e real no universo, entra nessa cate-
goria. Outro tattva contém as inumeráveis almas individuais – todos
nós, quer aconteça de estarmos presos em um corpo material, quer
estejamos libertos. E, por fim, existe o tattva de Deus. Nessa caixa, há
apenas um item: o Senhor. Ao sugerir a “prática da verdade única”,
Patanjali está repetindo a instrução que iniciou esta seção: “Pratique a
devoção ao Senhor e você atingirá a perfeição.”
Para resumir a seção teológica dos Yoga Sutras, podemos declarar,
com plena convicção, que, independente do caminho escolhido, seja o
caminho de exclusiva meditação, seja o caminho da vida iluminada, o
yogi tem que, em última instância, focar toda a sua atenção em bhakti,
a devoção ao Senhor. Bhakti é o estado mais elevado e final do yoga,
como confirmado tanto por Patanjali quanto pela Bhagavad-gita.

60
Samadhi-pada

O yogi que escolhe desconsiderar Deus e a prática de bhakti está


embarcando em uma viagem muito longa, e não conseguirá ser bem-
-sucedido até que coloque bhakti em seu devido lugar, como a prática
ióguica mais elevada e o propósito espiritual derradeiro.

33. Clareza mental virá para quem 1) é amigável com quem


está feliz, 2) demonstra compaixão para com quem está
sofrendo, 3) experimenta alegria em relação à piedade e 4)
negligencia a impiedade.
Nesta seção, Patanjali levanta o tópico da clareza mental, que é um
estado mental necessário para o yoga.
Em nossa vida cotidiana, nós raramente experimentaremos uma
meditação intensa e profunda, mas devemos buscar viver um estado
de clareza mental. Isso quer dizer ter a visão necessária para saber o
que é bom para você e o que não é, o que deve ser feito e o que deve
ser evitado, e, em linhas gerais, ter um mapa mental lúcido. Esse mapa
mental deve lhe mostrar tanto a dimensão espiritual quanto a dimen-
são material da vida, revelar Deus e a presença de Deus em tudo e em
todos, e grifar a importância de buscar o bem-estar alheio. Sem clareza
mental, nos fadamos a um sem-fim de erros e frustrações.
A receita para clareza mental apresentada neste sutra é bastante sim-
ples. Primeiro, devemos apreciar e nos aproximar daqueles que já têm
clareza mental, aqui classificados como “os felizes”. Devemos buscar a
companhia deles por qualquer meio necessário – na forma de contato
pessoal, livros, canais de vídeos, malas diretas e mídias sociais. Quanto
mais você aprecie e copie as qualidades dos felizes, mais felizes você ficará.
Segundo, devemos praticar a compaixão, que, aqui, tem o sentido
de ajudar outros a viverem melhor. Conforme você vive seu despertar

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Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

espiritual, lembre-se de quem ainda dorme, deixando passar a vida. Ao


mesmo tempo que progride, ajude outros que estão para trás. Faça isso
sem orgulho e você se beneficiará no processo.
Por último, tome uma atitude positiva em relação a viver piedosa-
mente. Comprometa-se e trabalhe para ser piedoso, veraz e gentil, bem
como fazer a coisa certa, e viver seu dharma. Ao mesmo tempo, Patanjali
alerta, permaneça indiferente à impiedade. Não julgue, não fique dando
sermões, e não se considere superior aos outros. Não busque por defeitos
no comportamento dos outros. Aqui está uma regra simples para evitar
se tornar um aborrecimento: dê conselhos apenas a quem lhe peça ou a
quem esteja sob seus cuidados. Deixe que as leis da física e as leis do país
limitem o que os outros fazem. Não é preocupação sua. Foque em você
mesmo. Há muito para trabalhar e aprimorar bem ali, garanto a você.

34. Ou se obtém através de exercícios respiratórios.


A neurociência confirma a influência que técnicas respiratórias têm
sobre o cérebro. Há muitas técnicas, que variam o tempo para inala-
ção, retenção e exalação. Basicamente, entretanto, respirações simples
e profundas são o segredo. Uma respiração lenta e profunda, estudos
demonstram, acalma a mente. E o mais importante: uma vez que sua
amídala, seu cérebro animal, tome conta, a respiração é praticamente
a única coisa que acalmará você. Pânico, raiva, medo, batimento car-
díaco acelerado e pressão alta são todos sintomas de que sua amídala
está a todo vapor, o que pode ser pacificado por respirações lentas e
profundas. Ao longo do dia, tente estar ciente de sua respiração, e
quando o fizer, se presenteie com uma respiração lenta e profunda e
veja seu cérebro suavizar-se e afiar-se ao mesmo tempo – é a clareza
mental vindo à tona.

62
Samadhi-pada

35. Ou se obtém por se meditar em um objeto dos sentidos.

Este sutra descreve uma técnica comum de mindfulness. Mind-


fulness também tem sido confirmado pela neurociência como sendo
uma poderosa ferramenta para ampliar o foco e a paz mental. A prática
consiste em depositar sua completa atenção em qualquer objeto dos
sentidos e reter sua atenção ali o máximo que possa e com o máximo de
qualidade. Mesmo poucos minutos dessa prática beneficiarão você. Sua
mente para de voar pelo tempo e pelo espaço, a incessante falação inter-
na é silenciada, e a bela luz da consciência pode irradiar. Quanto mais
você pratique, melhor você se torna, e maior será sua qualidade de vida.

36. Ou se obtém por se manter um estado mental iluminado


e livre de dor.
À proporção que a mente se pacifica pelas diferentes práticas de
yoga e escolhas de estilo de vida, o brilho de nossa natureza vem à
tona. O estado de ser natural da alma é luz e alegria. Afinal, se você
não é o seu corpo, mas um ser espiritual eterno, qual é a dificuldade?
O que existe que possa deixá-lo para baixo? A resposta é nada, exce-
to sua própria visão equivocada da realidade – ilusão. O comentador
dos Yoga Sutras do século 5, Vyasa, diz que devemos atuar com nossa
inteligência focada em nosso chakra cardíaco. Uma interpretação mo-
derna dessa instrução seria atuar com amor. Deixe o amor guiar suas

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Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

ações e suas palavras. Deixe o amor permear seus planos e sua visão de
mundo. Você já experimentou isto antes: quando você atua com amor,
você naturalmente se sente iluminado e livre de dor. O esforço por
manter esse elevado estado de consciência é o yoga em prática.

37. Ou se obtém quando a mente está livre de desejos futuros.


Esse é um conceito-chave; não há como evitá-lo. Se você anseia por
resultados futuros, desejando os prazeres que alguma coisa ou aconte-
cimento no futuro lhe proporcionará supostamente, você está fora do
vagão do yoga. À proporção que você está cultivando essa mentalidade,
você experimentará uma combinação de ansiedade, estresse, medo,
inveja, frustração e uma multidão de outras emoções desagradáveis.
Na linguagem do Caminho 3T, isso é o “paradigma de fantasia”, que
insisto que você evite.
Quando sentir que isso está acontecendo, interrompa o processo.
Não seja arrastado pelo ímpeto de previsões emotivas, a sensação do
corpo induzida por drogas que experimentamos quando sonhamos
com um prazer futuro. A euforia que experimentamos com as previ-
sões afetivas não é muito diferente de uma “viagem” de droga; parece
bastante prazeroso na hora, mas a sensação rapidamente passa e você
fica em uma situação pior do que estava antes, frustrado e infeliz com
a realidade, esperando pela próxima vez que viajará. Enquanto isso,
você está fracassando no empenho de viver a vida como ela é; você está
deixando a vida passar. Respire fundo e traga sua mente de volta para
o aqui e agora, para o seu dharma em mãos. Recobre sua harmonia
com a realidade e você novamente experimentará a paz e o bem-estar
de uma mente estável.

64
Samadhi-pada

38. Ou se obtém quando a mente tem conhecimento obtido


a partir de sonhos e sono.
A experiência de dormir é frequentemente utilizada na literatura
sagrada do yoga para nos ajudar a melhor entendermos e lidarmos
com a nossa realidade mundana e a realidade além dela, a realidade
transcendental última.
Em relação a isso, é importante melhor entendermos os três níveis
de realidade que podemos experimentar: o mundo onírico, o mundo
material e o reino transcendental do Divino.
Praticamente todas as noites, você entra em outro nível de rea-
lidade – um mundo de sonho. Esse mundo não é feito da mesma
constituição do mundo material. A água nos seus sonhos não é H2O;
é feita de outra coisa. Seu corpo nos seus sonhos não tem, na verdade,
nenhuma célula de real. Apesar disso, você experimenta personalidade
individual, variadas formas e cores, interações com outras pessoas e
coisas, e diferentes sensações. E enquanto você está sonhando, você
acredita nisso; é a sua realidade, a vida como você a conhece, enquanto
o sonho dure. Em seguida, você acorda.
Ao acordar, você se conscientiza de que o que parecia real foi, na
verdade, apenas um sonho. Você, agora, está no mundo material. Você
naturalmente conclui que a realidade quando desperto é o que é “real”.
Contudo, o yoga está convidando você a acordar mais uma vez,
desta vez do mundo material, e perceber que existe um terceiro nível
de realidade: o reino transcendental. Isso, alegam os textos védicos, é
o mundo derradeiro e o único mundo verdadeiramente real. Essa rea-
lidade está além do samsara, alcançada através do portal do samadhi e
pela prática do yoga.

65
Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

39. Ou se obtém por meditar em qualquer coisa que você


prefira.
Como a ciência agora confirma, o ato da meditação pacifica a men-
te, independente do que alguém escolha como o objeto da meditação.
Isso significa simplesmente focar a mente em qualquer coisa, seja algo
tão transcendental quanto o som do santo nome de Deus, seja algo tão
mundano quanto um ponto na parede. O ato de silenciar a infindável
falação mental e experimentar a consciência tão puramente quanto
possível é algo, em si mesmo, benéfico.
Existe, porém, uma distinção: Como Patanjali aponta aqui, você
pode obter todos os benefícios fisiológicos da meditação ao focar sua
mente em qualquer ponto, independente do que seja, mas você só pode
obter benefício espiritual, no sentido mais estrito da palavra, quando
o foco é espiritual. Pode-se ter por foco a sílaba om, o maha-mantra
Hare Krishna, ou diretamente no próprio Deus, visualizando-O no
coração como Paramatma, como recomendado na Bhagavad-gita, nos
Yoga Sutras e em muitos outros textos sagrados. Quando você escolhe
um foco transcendental para sua meditação, você tem tudo a ganhar e
nada a perder. Você obterá os mesmos benefícios mentais e físicos, mas
com o bônus do despertar espiritual.

40. O yogi domina desde a menor partícula até a totalidade


da matéria.
Uma vez que a mente tenha sido perfeitamente pacificada em yoga,
o yogi não tem nada a temer. Ele domina toda a existência material,
visto que não é mais dependente dela. Nenhuma combinação de even-
tos externos pode perturbar o yogi consumado – nem mesmo a des-
truição de seu corpo físico.

66
Samadhi-pada

Em relação a isso, há uma história divertida sobre Alexandre, o


Grande, e um yogi. É dito que Alexandre, o Grande, aproximou-se
desse yogi em uma floresta, após ter conquistado muitas regiões, com o
desejo de levar um yogi consigo de volta para a Macedônia. O yogi re-
cusou o pedido dele, o que fez Alexandre encolerizar-se. Ele ameaçou
matar o yogi, enquanto, vaidoso, se declarava como sendo o grande rei
Alexandre. O yogi disse que não tinha medo da morte, dado que ele
jamais poderia morrer; apenas seu corpo poderia ser destruído. O yogi,
então, olhou nos olhos de Alexandre e disse: “Você não é rei nenhum.
Você é um escravo do meu escravo!” Atônito diante das palavras do
yogi, Alexandre lhe pediu que se explicasse. O yogi respondeu: “Eu
conquistei completamente a ira, logo a ira é minha escrava. Porque
você muito facilmente cedeu à ira, você é escravo dela. Deste modo,
você é escravo do meu escravo.”
Uma pena que o yogi não tenha voltado com Alexandre. Você con-
segue imaginar quão maravilhoso teria sido para o yoga espiritual se
tivesse sido ensinado na Grécia antiga? Isso poderia ter mudado o cur-
so da história.

41. Samapatti é completa absorção em meditação. Isso acontece


quando a influência das flutuações da mente enfraquece. Nesse
estado, a mente se torna como uma joia transparente, que é
colorida por qualquer coisa em que se foque, seja o observador,
o instrumento da visão ou o que é visto.
Samapatti é completa visão em qualquer coisa, incluindo o eu que
está fazendo a meditação, o órgão sensorial sendo utilizado para per-
ceber o objeto em questão, ou a coisa em si. Esses ensinamentos rela-
tivos a samapatti nos revelarão os diferentes níveis de foco e meditação

67
Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

superintensos. Eles são, em termos práticos, inalcançáveis por alguém


que não esteja seguindo o caminho da exclusiva meditação por déca-
das a fio, mas, independente disso, nos dão um vislumbre do poder da
mente humana quando altamente treinada.

42. O primeiro estágio é conhecido como savitarka-


samapatti: meditação misturada com consciência física,
com noções da palavra utilizada para descrever o objeto, seu
significado e conhecimento prévio relativo a isso.
Em um estágio, o meditador não consegue focar exclusivamente
no objeto da meditação. A palavra associada ao objeto emerge em sua
consciência, bem como o significado da palavra e todo conhecimento
ligado ao objeto. O entendimento é que a meditação é embaçada pela
presença e influência dessas informações obtidas anteriormente.

43. O segundo estágio é conhecido como nirvitarka-


samapatti: meditação sem impressões passadas, sem qualquer
uso da memória; o objeto da meditação agora brilha apenas
na mente.
No estágio dois, o objeto da meditação existe por si mesmo na
mente do meditador. Nenhuma palavra ou pensamento previamente
acumulado correspondente ao objeto vem à tona.

44. O terceiro estágio e o quarto são conhecidos como


savichara e nirvichara samapatti, e podem ser explicados da
mesma forma, com o foco, agora, sendo na natureza sutil do
objeto de meditação.
Os estágios de número três e quatro são como os estágios um e
dois no sentido de se ter o uso de palavras, significados e experiências

68
Samadhi-pada

passadas em relação ao objetivo e, então, não ter tais coisas. Porém,


o foco agora é tão profundo que o meditador não está percebendo o
objeto em si, mas a natureza fundamental do objeto.
Por exemplo, se um yogi está meditando em uma pedra, seu foco
não será mais na pedra em si, mas nos componentes minerais da pe-
dra, então nas moléculas da pedra e, por fim, na composição energé-
tica subatômica da pedra.
Não se sinta desencorajado. Essas pessoas não faziam mais nada,
dedicando-se por décadas. Comparar esses mestres dos estados so-
brenaturais da mente com um de nós é pior do que comparar um
campeão olímpico com um sujeito sedentário. Lembre-se: o caminho
de yoga que eles estavam seguindo era completamente diferente. Você
pode alcançar grande sucesso no caminho que é recomendado e prati-
cável por todos os nós, o caminho de viver uma vida iluminada, como
descrito em O Caminho 3T.

45. A natureza sutil de um objeto não deixa marca visível.


Conforme o yogi se aprofunda mais e mais em sua meditação,
penetra além do aspecto energético da realidade e percebe as causas
subjacentes da realidade em si. Isso é similar à ideia do “mundo das
formas” proposta por Platão, em que o conceito de um cavalo, o cava-
lo ideal, existe além de todos os cavalos reais transitando de um lado
a outro. No yoga, o estado mais sutil e derradeiro da matéria se chama
ahankara.
“Que graça há em tal coisa?”, você talvez pergunte. Bem, a ideia é
que, à proporção que você progride nessa forma de meditação, você
experimenta estados cada vez mais puros de sattva, os quais natural-
mente conferem grande júbilo ao yogi.

69
Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

De acordo com a filosofia indiana, sattva é a mais elevada das três vi-
brações, ou cordas, que formam a matéria como um todo. A partir dessas
três, surgem todas as outras formas de matéria e energia material.
Interessante apontar que sattva completamente puro equivale à
energia espiritual, a energia transcendental, a fonte de perfeita bem-a-
venturança para a alma.
Então, com o uso de qualquer objeto na matéria, o yogi pode usar
seu foco de imensa precisão para remover as camadas cada vez mais
sutis do objeto de realidade física, em direção a uma percepção cada
vez mais pura de sattva. É capaz de destilar a essência da realidade com
o poder da meditação e, com isso, experimentar níveis cada vez mais
elevados de pacífica bem-aventurança ligada a sattva.
Isso não é algo tão distante de nós. Você provavelmente já experi-
mentou um gosto dessa paz bem-aventurada mesmo com uma prática
de meditação ou mindfulness no nível iniciante. Mesmo sem ter ciên-
cia da complexidade envolvida, imagino que todos experimentam a
felicidade de um momento em paz, de uma mente serena. Os yogis,
aqui descritos, estão fazendo algo similar, porém em uma escala muito
maior. Eles experimentam bem-aventurança por horas a fio, em vez
dos nossos poucos instantes.

46. Essas formas de samapatti são samadhi com semente.


“Semente”, aqui, se refere à matéria. Mesmo yogis avançados, com
tais incríveis habilidades descritas acima, sempre tinham algum ligeiro
envolvimento com a consciência mundana, como visto pelo fato de
que seu foco de meditação era em um objeto do mundo material.
A palavra “semente” sugere que tais yogis avançados ainda têm o po-
tencial de se emaranharem na vida corpórea e cair de seu estado de

70
Samadhi-pada

felicidade e paz cósmica. Esses yogis no estado de sabija samadhi, ou


samadhi com semente, ainda não estão completamente libertos. Assim
como náufragos que conseguiram o milagre de nadarem e boiarem por
incontáveis quilômetros, porém não chegaram à praia, eles ainda po-
dem ser tragados novamente para o oceano de nascimentos e mortes.

47. A bem-aventurança do eu interior surge na clareza


mental perfeita.
Esse é o santo graal do yoga. Além de qualquer processo de pensa-
mento mundano, na clareza mental perfeita, o yogi experiencia a alma
e a graça da bem-aventurança espiritual. O yogi não está mais apenas
curtindo a paz do reino sutil e etéreo da matéria. Agora, o yogi trans-
cendeu a matéria e experimenta a realidade espiritual.

48. Nesse estado, a sabedoria transmite os princípios


subjacentes da existência.
Esse estado perfeito de consciência revela a verdade fundamental
da realidade. O yogi é agraciado com uma sabedoria onipotente, capaz
de expor a essência de tudo o que existe. O fim dos enganos e das ilu-
sões. Tudo está esclarecido. Tudo está perfeito.

49. Esse estado perfeito de samadhi tem um foco diferente


daquele de razão e estudo escritural por causa de sua
característica única.
O yoga exige o uso de todas as três fontes de conhecimento: 1)
autoridade, 2) razão e 3) percepção direta. Em última instância, tendo
aprendido tudo que havia para ser aprendido com a escritura e com
o guru, tendo refletido por completo todas as questões mediante a
razão, resta ao sujeito experimentar níveis mais e mais elevados de

71
Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

consciência diretamente. Conhecimento textual e razão guiarão você


na direção certa, mas o amor e a realidade espiritual última têm de ser
experimentados diretamente.

50. As impressões mentais criadas nesse estado de sabedoria


obstruem impressões mundanas.
A experiência espiritual substitui a experiência material. A vida
espiritual, amorosa e teocêntrica predomina sobre a vida material,
egocêntrica e carente. Na Bhagavad-gita, Krishna descreve a experi-
ência espiritual como sendo “um gosto superior”. Esse gosto superior
de existência espiritual, verdade e sabedoria derrotam o pensamento
mundano inferior. O conhecimento escritural, as palavras do guru e
a razão são todos muito bons. Todavia, até que você saboreie a bem-
-aventurança da existência espiritual pessoalmente, você não se con-
vencerá verdadeiramente.

51. Quando até isso cessa, tudo cessa, e o estado último do


samadhi sem semente é alcançado.
A meta final é atingida após zeloso e gradual cultivo de cada vez
mais experiências espirituais diretas. É chegada uma hora em que o
yogi concluiu o processo de obstruir todas as impressões mundanas,
egoístas e ilusórias, e experimenta exclusivamente bem-aventurança
espiritual e visão espiritual perfeita e desobstruída. Em termos de
bhakti, o yogi, agora, está constantemente e cem por cento focado em
Deus. Com atenção indesviável, o yogi está sempre conectado consigo
mesmo e com o eu superior, Deus, e vê Deus em tudo e em todos.
Nesse ponto, não existe perigo de queda. O yogi obteve a liberação de
toda a existência material, para sempre.

72
Sadhana-pada

1. Yoga em ação consiste em comportamento nobre, estudo


e devoção a Deus.
Aqui, encontramos o clássico caminho tríplice do yoga – três cam-
pos a serem explorados para elevação da própria consciência e, conse-
quentemente, redução do sofrimento.
“Comportamento nobre” é uma tradução para a palavra tapa. Tra-
ta-se das escolhas que você faz na vida e como você vive. Diz respeito
a escolher não o que é imediatamente mais agradável aos seus sentidos
ou ao seu orgulho, mas o que é melhor, a longo prazo, para o seu
eu mais profundo. Isso é um fator determinante em tornar sua vida
melhor. Autorresponsabilidade: você tem que assumir completa res-
ponsabilidade pela qualidade de sua vida. Da dieta ao sexo, de suas
companhias para se divertir aos hábitos que você tem, é preciso ter
uma visão de longo prazo, com seu bem-estar duradouro como o guia
para todas as suas escolhas.
Em seguida, temos svadhyaya, que se refere ao estudo que guiará
seu autoaprimoramento e autorrealização. Para fazer as decisões corre-
tas, você precisa de conhecimento. Informação é poder, e quanto mais
informação você tem sobre a vida e sobre as funções da sua mente,
mais poder você tem para alcançar paz e felicidade. Isso significa co-
nhecimento em dois níveis: prático e metafísico – conhecimento para
ajudar você a lidar com este mundo, e conhecimento para moldar seu

73
Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

caminho espiritual. Utilizo a palavra “sabedoria” no tocante a isso para


enfatizar que esse é o tipo de conhecimento que mudará positivamen-
te como você reage e lida com a vida.
Por último, há isvara-pranidhana (devoção). Devoção a Deus é a
prática mais poderosa no yoga. É a chave para o sucesso e o objeto do
sucesso ao mesmo tempo – o meio e o fim. Por causa disso, também
é o mais difícil de ser acessado e, uma vez ativado, o mais difícil de se
utilizar com inteligência.
Vemos que muitas pessoas não conseguem nem mesmo abordar
a devoção, tendo desenvolvido, como aconteceu comigo no passado,
uma aversão por todo esse tópico. Muitas pessoas, de outro modo
inteligentes, não se agradam da devoção a Deus em razão do com-
portamento menos do que ideal de muitos que não apenas expressam
abertamente sua devoção a Deus, mas cujas piores características são
alimentadas por essa devoção. A devoção confere poder. Contudo, o
poder nas mãos erradas produz dor.
Tenho a esperança de que a apresentação pacífica, inclusivista e
inteligente da espiritualidade neste antigo caminho substitua gradual-
mente as expressões incivilizadas de devoção a Deus que vemos hoje
– e a opressão, ódio e violência que manifestam.
Essas três práticas se auxiliam mutuamente. Avançar em uma ajuda
você a melhor praticar a outra.

74
Sadhana-pada

Aqui está uma representação gráfica que uso em O Caminho 3T:

Seu estado de consciência é representado por um triângulo no


meio. O triângulo é formado pelo grau de avanço em cada um dos
três campos. Quanto mais elevado o estado de consciência, melhor
você se sente. Falando em termos práticos, a felicidade é o referen-
cial de avanço. Quanto mais você se trabalhe, mais você experimenta
bem-aventurança – ananda. Quanto mais perturbada e trevosa for sua
consciência, mais você experimentará dor – klesha.
Samadhi é a perfeição atingida quando você domina todos os três.
Aqui, a palavra utilizada é prema: amor espiritual puro, o estado de
existência final e mais perfeito.

2. Seu propósito é trazer o samadhi à tona e reduzir a dor.


Todas as nossas dores são autoimpostas. Mesmo a dor física é pro-
cessada pela mente; se a mente é desativada, a dor deixa de existir.
Nossas ansiedades, medos e outras emoções negativas diárias que nos

75
Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

causam dor são completamente virtuais. Essa dor existe apenas porque
nos programamos para senti-las e, então, permitimos que nossa mente
habite nelas. Conforme progredimos em yoga, aprendemos a processar
a vida de maneiras cada vez mais inteligentes e menos dolorosas.
Poucas pessoas entendem que espiritualidade significa ter uma vida
melhor bem aqui e agora mesmo. Tendemos a associar onde vivemos,
nosso status material, nossas carreiras e as coisas que temos à qualidade
de nossa vida. Pensamos, portanto, que, para ter uma vida melhor, é
necessário mudar todas essas coisas, e que termos uma vida espiritual
implica não ter uma carreira, família ou posses. Mas não é nada disso.
Nós temos principalmente que mudar nossa mente, porque é ali que
estão os problemas.

3. Essa dor se manifesta na forma de ignorância, equívoco


da natureza do eu, criação de fantasias em relação ao futuro,
aversão e medo da morte.

4. Da ignorância vêm todas as outras formas de dor, sejam


dormentes, fracas, esporádicas ou completamente manifestas.
Este é um ponto-chave da espiritualidade oriental: todo sofrimento
nasce da ignorância. O conceito é simples: se você sabe como viver,
você será feliz. Se você não sabe, você cometerá erros e sofrerá. Se você
andar pelo escuro, você certamente topará com um móvel ou com a
parede, ou tropeçará em alguma coisa. Isso é bastante diferente do
conceito abraâmico do bem contra o mal. Isso traz a luta para você. É
apenas você. Você é o seu único inimigo. Dê-se ao trabalho de apren-
der, coloque isso em prática e você estará em uma posição segura.

76
Sadhana-pada

5. Ignorância significa considerar o impermanente como


permanente, o impuro como puro, a infelicidade como
felicidade, e o não-eu como o eu.
A natureza da alma é pura, jubilosa e permanente. Isso é o que real-
mente somos. Somos seres que existem eternamente, puros de coração
e em felicidade ilimitada. Essa é a boa notícia.
A má notícia é que, neste momento, devido à nossa ignorância,
estamos um pouco confusos. Não temos certeza em relação a quem
somos. Pensamos que somos o corpo material, algo claramente desti-
tuído de permanência.
Como estamos apegados a este corpo, nosso coração não pode ser
puro. Nós nos identificamos com as demandas do corpo, as limitações
físicas e uma mentalidade “ganhar ou perder” nascida de competição
e sobrevivência. No plano espiritual e metafísico, não existe escassez.
Quanto mais você dá amor, mais você recebe. Quanto mais você é
justo, mais há justiça. Contudo, na dimensão material, se você dá
um pouquinho, você fica com um pouquinho a menos. Se você com-
partilha uma tigela de arroz, você tem uma tigela de arroz a menos.
Quanto mais nos identificamos com a matéria, mais nos tornamos
insignificantes.
À proporção que nosso coração se suja com o egoísmo, ficamos
infelizes. Trata-se de um fato curioso, porém inescapável, da vida:
quanto mais você se preocupa com suas próprias necessidades, mais
sofredor você se torna.
Quando dissipamos a névoa da confusão, começando por reflexões
profundas acerca de quem realmente somos, mudamos como vivemos
a vida e naturalmente nos tornamos cada vez mais felizes.

77
Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

6. Uma concepção errônea em relação à natureza do eu é


considerar o olho e o poder da visão como sendo iguais.
Patanjali descreve poeticamente nossa identificação equivocada
com o corpo grosseiro dando o exemplo do olho e do poder de visão.
O olho é feito de matéria. É algo físico. O olho não vê de fato. Ver
é uma atividade da vida. Coisas mortas não veem. A vida é um sinto-
ma da alma. O poder de ver pertence ao eu metafísico eterno.
Em resumo, não confunda o eu com o olho.

7. Fantasiar o futuro nasce do apego ao prazer superficial.


Uma vez que você entenda errado quem você é, você se equivocará em
relação ao que fará você feliz. Apesar de esmagadoras evidências de nossa
própria vida e de pesquisas no campo da psicologia, economia, história e
sociologia, continuamos como uma sociedade fundamentada no maior
dos erros: buscamos a felicidade de fora para dentro e no futuro.
A vida não diz respeito ao que você tem; diz respeito a como você
a vive. E a pior maneira de viver sua vida é focando em coisas, espe-
cialmente quando estão no futuro. Mesmo se você tiver o negócio
que você deseja, o carro que você cobiçou, a casa dos sonhos que você
planejou e um barriga “de tanquinho” para mostrar aos outros, nada
disso fará você feliz. Coisas não fazem você feliz. É o que você faz com
as suas coisas, como você vive sua vida, bem aqui e agora mesmo, que
faz você feliz ou não. Isso é tão verdadeiro que, por fim, você pode
acabar sendo alguém que anda de ônibus, vive em um apartamento de
um quarto e é barrigudo e, ainda assim, ser mais feliz e mais realizado
do que os moradores dos Hamptons, os príncipes sauditas e os jet sets
internacionais. Eu chamo isso de “sabedoria de cartoon”, porque é algo
tão óbvio que até mesmo os desenhos infantis explicam isso.

78
Sadhana-pada

Correr atrás de desejos e fantasiar em relação ao futuro certamente


lhe trarão variados níveis de ansiedade, baixo amor próprio, medo e
inveja. Em algum nível, você ficará frustrado e confuso.
Persistimos nesse apego doloroso ao prazer mundano e superficial,
ignorando que existe uma opção melhor, uma maneira melhor de vi-
vermos nossa vida: focados em nosso dharma no aqui e agora, em
conexão divina.

8. Aversão nasce do sofrimento.


Uma vez que a mente está na superfície da vida, nós naturalmente
desenvolveremos um vai e vem de apego e aversão, raga e dvesa. Ou
você quer que algo aconteça ou você quer que algo NÃO aconteça.
Quando vivemos dessa maneira, não existe paz. Ao contrário, expe-
rimentamos avidez e ansiedade. Existe o problema extra de que algo
pelo qual nutrimos apego pode, mais tarde, se tornar objeto de nossa
aversão, ou vice-versa. Qualquer um que se casou e se divorciou pode
entender esse princípio.

9. O medo da morte afeta até mesmo o sábio. É algo


profundamente arraigado.
É preciso imenso avanço espiritual, ou um foco incrível no dever,
para não se temer a morte. É como se fôssemos programados para te-
mer a morte. Independente de qualquer coisa, a morte virá, e é melhor
estarmos preparados para ela. São dizeres batidos, mas é sempre bom
lembrar: a única certeza que temos na vida é a morte. A morte sua e
de todos os demais.
É saudável contemplar a natureza impermanente de nossos corpos.
Nunca pense saber quanto tempo você e seus entes queridos ainda têm
nesta encarnação.

79
Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

Prepare-se para a morte hoje, porque hoje pode ser o seu último
dia. Tenha segurança em relação à sua identidade espiritual e seu des-
tino no pós-morte.
Também recomendo que não mantenha em ordem apenas suas
questões, mas também, e especialmente, seus relacionamentos. Deixe
todos no seu círculo íntimo saberem que você os ama e resolva quais-
quer desentendimentos o mais cedo possível. Pergunte a si mesmo:
“E se eu tivesse que partir agora?” Algum arrependimento? Algo pelo
que você imploraria por mais um dia, semana ou mês para resolver?
Então, faça agora.

10. Todas essas formas de dor são sutis e deixam de existir


quando o eu retorna ao seu estado original.
A boa notícia é que a dor é uma ilusão que afeta apenas quem está
materialmente corporificado. Quando alguém se libertou da matéria,
através do yoga, todas as suas dores são destruídas para sempre.
A natureza da existência pura é pura bem-aventurança.

11. A meditação elimina esses estados mentais dolorosos.


Quanto mais meditamos na natureza de nosso sofrimento e suas
raízes, mais podemos mudar nosso estilo de vida para evitar nos ma-
chucarmos. Somente nós somos o agente de nosso sofrimento. Assim,
temos o poder de pará-lo.

12. Essas dores estão na raiz de nosso karma e são


experimentadas nesta vida e em vidas futuras.
Todo envolvimento com a matéria é movido por essas cinco dores,
começando com a ignorância e a identificação errônea com o corpo
material. Toda a nossa existência no mundo material e no ciclo de

80
Sadhana-pada

nascimentos e mortes é causada por nossa mente estar aflita diante


desses equívocos.
Isso, por sua vez, nos coloca sob a Lei do Karma, onde o nível
dhármico de cada ação determina a qualidade material da reação que
teremos que experimentar. Quanto mais você esteja afinado com seu
dharma, melhor o seu karma.
Todavia, karma é karma. Certamente é melhor ter bom karma do
que karma ruim, mas isso é como dizer que é melhor estar em prisão
domiciliar, com tornozeleiras eletrônicas, do que estar na cadeia. Para
a alma, karma é sempre uma fonte interminável de sofrimento.
A sub-meta do yoga, portanto, é se livrar do karma.

13. Enquanto a raiz exista, amadurece com um tipo de


nascimento, uma determinada duração de vida, e uma certa
experiência de vida.

Enquanto a alma tenha karma, é forçada a permanecer no mundo


material para experienciá-lo. Para isso, precisa de um corpo material,
seja um corpo celestial, sutil e luminoso, ou o corpo de um inseto ou
animal aquático no planeta Terra. Cada corpo vem com uma duração
predeterminada de vida, e todo um conjunto de experiências e situa-
ções pelas quais a alma tem que passar para aprender com seus erros
passados ou para se beneficiar de seus bons atos pretéritos.

81
Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

É digno de menção que, embora um certo tipo de vida possa ser


predeterminado pelo karma acumulado anteriormente, a qualidade de
sua experiência de vida cabe inteiramente a você.
Você pode estar vivendo o bom karma de ter fama, riqueza e be-
leza, mas vivendo em constante ansiedade, medo e avidez. Ou você
pode ter uma série de desafios, como baixa renda, deficiências físicas e
um governo ruim, mas aprender a usá-los para o seu progresso e viver
uma vida feliz.
O poder de viver bem não depende do seu karma, mas, isto sim, de
como você escolhe experimentar a vida.

14. Esses resultados são causados por feitos bons e ruins, e


seus frutos são o prazer e a dor.
Feitos bons são ações de acordo com o dharma. Feitos ruins são
ações opostas ao dharma. Um gera bom karma, e o outro, karma
ruim. Bom karma cria situações prazerosas, e karma ruim cria situa-
ções difíceis.
Agora é tarde demais para você mudar o karma que lhe cabe nesta
vida. Contudo, aqui está o que você pode fazer:

1. Maximize seu bom karma seguindo bem seu dharma, e


honre tudo de bom que aconteça a você fazendo o seu melhor
em resposta a isso.
2. Minimize seu bom karma usando a adversidade para crescer
como pessoa e se desapegue da vida material.
3. Aprimore cada vez mais a qualidade de sua vida ajustando
sua mente e aplicando as técnicas apresentadas neste livro e
em O Caminho 3T.

82
Sadhana-pada

4. Leve a sério sua autorrealização em yoga e se livre de todo


karma nesta vida a fim de que você jamais tenha que renascer.

Deste modo, você pode ter uma ótima vida agora e se libertar
quando sua hora chegar.

15. Quem teve um despertar espiritual pode entender que só


existe sofrimento neste mundo, devido às reações cármicas,
dores, impressões passadas e agitação mental.

Um peixe fora d’água jamais pode ser feliz. E neste exato momen-
to, somos peixes fora d’água. Somos indivíduos eternos e brilhantes
presos na cilada de um mundo feito de matéria sem vida. Estamos
sob o controle estrito das leis da natureza, atados pelo tempo. Do nas-
cimento à morte, sofremos dores de incontáveis formas. Impressões
passadas permanecem em nossa mente, distorcendo nossa conduta e
nos proporcionando ainda mais sofrimento. E, como se tudo isso não
bastasse, nossa mente está sempre agitada, flutuando sem parar, não
nos dando um minuto de paz.
Buscar pela iluminação é a única medida inteligente. E a boa no-
tícia é que, no caminho da iluminação, vem a redução de todos os
problemas supracitados e um aumento da paz e da felicidade. A vida
fica melhor a cada passo na escada do yoga.

83
Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

16. Evite o sofrimento que ainda está por vir.


Este é o compassivo conselho de todos no caminho espiritual: você
não precisa sofrer incessantemente. Aja agora e o sofrimento pode acabar.

17. Confundir quem vê com o que é visto é a fonte de todo


sofrimento.

Quem vê é a alma. O que é visto é a matéria. Duas energias com-


pletamente diferentes. Um ponto básico enfatizado no yoga é compre-
ender a existência de ambos e saber como diferenciá-los. Nós, almas
viventes, temos que nos apartar da matéria morta, a matéria sem vida.

18. O que pode ser visto é iluminação, atividade e inércia,


que formam os sentidos e toda a criação material. Isso
existe por um de dois propósitos: proporcionar a liberação
espiritual e proporcionar desfrute material.
Este é um rápido resumo de como o yoga vê o
mundo material em torno de nós. Por trás de toda
a matéria, estão as três vibrações, ou cordas, conhe-
cidas como gunas, brevemente mencionadas no co-
mentário ao sutra 1.45. Ali, apresentei sattva como
sendo a forma mais pura de matéria; aqui, é referida
como “iluminação”. Rajas, aqui, é referido como
“atividade”. Rajas leva à perturbação dos outros

84
Sadhana-pada

modos, a agitação que traz mudanças à tona. E tamas é referida aqui


como “inércia”. É escuridão e estagnação. Nos livros O Caminho 3T e
Guia Completo da Bhagavad-gita, você encontrará uma explicação mais
detalhada dos gunas.

Esses três gunas são os tijolos de toda a realidade material. Assim


como as três cores primárias são utilizadas para criar todas as cores,
todas as manifestações da matéria e a experiência material são criadas
a partir desses três. Isso é o que é visto.
E quem vê, a alma, pode usar essa energia para um de dois propó-
sitos: 1) cometer a tolice de buscar desfrute material ou 2) sabiamente
buscar pela liberação espiritual.
Buscar por gozo material simplesmente não funciona. Eu tentei.
Você tentou. Todos nós tentamos tal coisa vezes e mais vezes, por in-
contáveis milênios. Tudo que nossa mente consegue é ficar agitada e
ansiosa, machucada e frustrada. Nós, então, morremos.
O plano B é se sentar e refletir um pouco. Tente descobrir o que
está acontecendo e por que ninguém está satisfeito. Perceba quem re-
almente somos e onde realmente estamos. Você, então, terá seu mo-
mento “aha!” e sua jornada espiritual terá começado. Desse ponto
em diante, você continuará usando a energia material, os gunas, mas
para um fim mais nobre e sábio: para se livrar deles. Assim como
vacinas são feitas utilizando o vírus ou a bactéria que causa a doença,
você também criará a solução para a doença dos gunas (a existência

85
Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

material) utilizando os gunas. E como um bônus do tratamento, você


vive uma vida cada vez melhor, mais feliz e mais pacífica. Uma situa-
ção em que todos ganham.

19. A energia material pode ser categorizada como específica,


não-específica, marcada e não-marcada.
Este sutra se refere à complexa metafísica da filosofia indiana, especi-
ficamente do sankhya. Você não pode ver os gunas, mas, dos gunas, sur-
gem coisas que você pode ver e tocar. Deste modo, os sábios de sankhya
classificaram a realidade em diferentes níveis, do mais sutil, referido nes-
te sutra como “não-marcado”, até o mais visível, o “específico”.

20. Quem vê é o poder de ver. Embora pura, a alma pode ver


as imagens da mente.
Como quem vê e o que é visto interagem? Através da mente. A
alma não está interagindo com a energia material. Apenas nosso corpo
e a mente estão interagindo com o mundo ao redor de nós. E nós es-
tamos testemunhando isso apenas através de imagens em nossa mente.

21. A energia material existe somente por causa da alma.

O único propósito da realidade material é servir às almas em sua


busca seja pela experiência material, seja pela liberação. Em termos

86
Sadhana-pada

teístas, Deus criou este mundo para nós. Não nós humanos neste pla-
neta Terra, mas “nós” como todos os seres vivos em todas as espécies em
todos os cantos deste e de outros universos. A matéria não tem consci-
ência, em virtude do que ela não tem um propósito em si mesma.

22. Embora a energia material deixe de existir para um yogi


liberado, continua a existir para outras almas ainda presas
no mundo material.
Embora um prisioneiro possa ter sido liberto após ter cumprido
sua pena, a prisão continua a existir para os demais detentos.

23. Quando quem vê e o que é visto ficam juntos, a natureza


e o poder de ambos se revelam.
A alma pode compreender sua natureza e seu poder em compara-
ção com a matéria morta. E a natureza e o poder da energia material
só podem ser percebidos pela alma.

24. Eles se juntam por causa da ignorância.


Por que estamos aqui? O yoga é inflexível na declaração de que a
ignorância conduz a todos os outros sofrimentos. Contudo, pouco
se fala sobre como tudo isto começou. Por que me tornei ignorante?
Quando? Como?
Se somos pessoas viventes eternas, somos possuidores da qualidade
divina do livre-arbítrio. Não há sentido em falar de uma pessoa sem
livre-arbítrio; isso seria um robô. Sem livre-arbítrio, não pode haver
amor. O amor é destituído de significado se não é opcional. Para exis-
tir a opção de amar, tem de existir a opção de não amar.
Nenhuma pessoa sã gostaria de ficar rodeada por robôs em
vez de pessoas de verdade. Imagine ter um cônjuge e filhos, todos

87
Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

simplesmente robôs programáveis, fazendo tudo que você quer. Isso


seria assustador.
Deus não é alguém medonho. Mil anos atrás, Anselmo definiu
Deus como “aquele depois de quem nada mais grandioso pode ser
pensado.” Um Deus não-medonho é claramente mais grandioso do
que um Deus medonho.
Então, presumindo que Deus não é assustador, faz sentido o en-
tendimento de que Ele não gostaria de Se cercar de robôs bajuladores.
Como você, Ele prefere estar cercado de pessoas amorosas de verda-
de, que estão ali porque escolheram estar, em reciprocidade e bem-
-aventurança. Isso é, basicamente, a definição aceita em geral para a
morada de Deus em todas as tradições teístas, incluindo o yoga.
Nesse cenário, o que aconteceria se uma alma decidisse não ficar
ali? É preciso que exista uma alternativa para tornar válida a escolha
de estar ali. E se eu não quiser estar por perto de Deus? E se eu tiver
outros planos? Isso é uma possibilidade, mesmo que não aconselhável.
É necessário, portanto, que exista uma realidade em que a alma
possa viver suas fantasias em variados graus de esquecimento de Deus.
Deus bondosamente provê isso na criação do mundo material. É
por isso que estamos aqui.
Você fica apenas se quiser. E tão logo você mude de ideia, você
pode ir embora. Enquanto você está aqui, a Lei do Karma opera de
modo que você receba o que lhe é devido segundo você use seu livre-
-arbítrio, o que é perfeitamente justo. Quando você recobre sua sani-
dade e entenda que, por definição, Deus é a pessoa mais atrativa na
criação e que ficar junto dEle (e dEla) é o melhor a se fazer, você pode
fazê-lo. Krishna significa “o todo-atrativo”. Alcançar o samadhi é sim-
plesmente descartar essa ideia estranha de que seria melhor esquecer

88
Sadhana-pada

Deus e viver por conta própria em uma espécie de fantasia autocentra-


da, cometendo o erro de identificar o eu como sendo o corpo.
Uma vez que isso acabe, a ignorância é rapidamente dissipada e
você se torna liberto.

25. Quando acaba a ignorância, a matéria e o espírito se


desvinculam, conferindo perfeita liberdade à alma.

A Bíblia nos diz que o conhecimento nos libertará. O conheci-


mento exerce um papel essencial na espiritualidade do yoga também.
Quanto mais você busque entender quem você é, onde você está e o
que está acontecendo no mundo, maiores as chances de você viver
bem. E quando você cavar realmente muito fundo, você certamente
se tornará espiritual e, então, devocional.

26. Para findar a ignorância, é preciso sempre cultivar a


percepção que distingue o espírito e a matéria: viveka.
Para ser bem-sucedido no yoga, temos que treinar nossa mente a
se focar no que é real e melhor para nós. O que é melhor para nós é
mantermos nossa mente no aqui e agora, focados em fazer o nosso
dharma. E o que é real é que somos almas espirituais, distintos da ma-
téria, vivendo fora do nosso estado natural de existência.
Como fazemos isso? A resposta simples é que fazemos isso fazendo
isso! Simplesmente traga sua mente de volta para isso toda vez que ela

89
Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

escorregue para outra coisa. Não há atalhos. Nenhum passe de mágica


ou bênção cósmica irá centrá-lo na vida. Nenhum retiro de três meses
ou seminário de $3.000 lhe dará esse poder. Você tem apenas que con-
tinuar tentando, dia após dia. Se sua mente escapulir, traga-a de volta.
Simples assim, e difícil também.

27. Essa sabedoria é desenvolvida em sete estágios.


No comentário mais antigo dos Yoga Sutras conhecido por nós, o
sábio chamado Vyasa (que significa “o editor”) descreve os sete está-
gios da sabedoria do yoga:

1. Conhecer a fonte do sofrimento.


2. Erradicar a fonte do sofrimento.
3. Entender a diferença entre o eu eterno e a inteligência.
4. Obter viveka.
5. Não precisar mais usar a razão ou a inteligência para praticar
viveka.
6. Tornar-se livre de um corpo material.
7. Obter sua completa existência espiritual.

28. Pela prática de yoga, as impurezas são destruídas, e a luz


do conhecimento brilha, revelando viveka.
É digno de menção que logo antes do fa-
moso verso dos oito membros do yoga (astanga-
-yoga), Patanjali enfatiza o propósito da prática
de yoga, viveka, para explicar a diferença entre a
alma e o corpo, a matéria e o espírito.

90
Sadhana-pada

29. Os oito membros do yoga são yama, niyama, asana,


pranayama, recolhimento, concentração, meditação e
samadhi.
Escolhi manter os nomes de cinco dos oito membros no sânscrito
original, visto que esses termos não são apenas centrais no yoga, mas
também se tornaram relativamente bem conhecidos e entendidos por
entusiastas modernos do yoga.

30. Os yamas são não-violência, veracidade, não-roubar,


castidade e não-possessividade.

Desapego e conduta decente são as bases para avanço na vida. Não


faz muito sentido se preocupar com posturas e exercícios respiratórios,
e o que dizer de meditação e devoção, se não pudermos, antes de qual-
quer coisa, sermos seres humanos decentes.
A mãe de todos os códigos de conduta é ahimsa: não-violência.
É a lei moral suprema que dita todas as outras observâncias morais.

91
Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

Não-violência significa jamais ferir desnecessariamente uma criatura


inocente. Isso se aplica a todos os seres vivos, dos humanos aos insetos.
Ahimsa não significa jamais usar violência ou ferir. Uma pergun-
ta frequentemente apresentada por estudantes de yoga diz respeito
a Krishna, na Bhagavad-gita, incitar Arjuna a lutar em uma batalha
sangrenta, agravada pelo fato de que Arjuna lutaria contra seus pró-
prios membros familiares. Krishna tem um propósito ao fazer isso. Ele
queria ensinar que, na execução do dharma pessoal, às vezes o uso da
violência é necessário. No caso de Arjuna, um guerreiro e general, não
havia dúvidas. A violência é a expressão do dever dele. Contudo, não
havia violação do código de ahimsa, pois a violência era tanto necessá-
ria como ética. Era preciso restabelecer o governo legítimo usurpado
por seu primo cruel, Duryodhana. E era ético porque todos os pre-
sentes eram soldados por profissão, dispostos a matarem e morrerem
como parte de seu dharma brutal, porém necessário. O mundo sem-
pre precisa de homens e mulheres dhármicos dispostos a usarem a força
para combater e deter aqueles que usam a violência para fins egoístas e
cruéis. Para aqueles entre nós que não são soldados nem estão envolvi-
dos de outra forma com imposições da lei, no entanto, raramente exis-
te a necessidade de violência, exceto em raras situações de autodefesa.
Em termos práticos, a maior expressão de ahimsa para os yogis é
adotar uma dieta de base vegetal. Tanto como uma expressão de cons-
ciência superior como por causa disso, matar animais inocentes para
o prazer da própria língua se torna intolerável. Isso é agravado pelo
entendimento de que o abate de animais para fins alimentares é a
principal causa da destruição ecológica do planeta e que comer carne
é um dos maiores fatores em algumas das principais causas de morte,
como doenças cardíacas e câncer.

92
Sadhana-pada

Veracidade se baseia no princípio simples de que, para alcançar a


verdade, é preciso praticá-la. Mentir e enganar é algo negativo, mesmo
se, em raros casos, possam ser necessárias para a execução do próprio
dharma. Como distinguir? Simples: faça o teste de ahimsa. Mentir e
enganar irá machucas desnecessariamente uma pessoa ou animal ino-
cente? Então, você não deve fazer isso. Não mentir ou enganar trará
prejuízo para uma pessoa inocente? Então, você deve mentir e enganar.
Não roubar não exige explicações. Contudo, mais uma vez, o prin-
cípio de ahimsa entra em cena. Você deve roubar segredos e equipa-
mentos de um malfeitor na esperança de derrotá-lo? Sim, é claro, se
esse for o seu dharma. Mas você deve roubar de pessoas inocentes por
interesses pessoais? Claro que não.
Castidade significa ter controle sobre seus órgãos sexuais e usá-los
apenas quando apropriado. Quando? Há variadas opiniões, mas uma
descrição geral é restringir o sexo a uma união sagrada. E por que
isso? Por causa de ahimsa. Filhos nascidos fora de uma união sagrada
frequentemente sofrem com a falta de seu pai, ou, em alguns casos,
da mãe, ou ambos. Mães abandonadas e que têm que criar seus filhos
sozinhas sofrem mais do que as mães que têm parceiros amorosos para
lhes dar apoio. E a sociedade, estatísticas do mundo inteiro apontam,
sofre com o comportamento antissocial de filhos sem pai ou mãe.
Não-possessividade é um tipo de desapego. Significa estar ciente de
que tudo que você possui é um empréstimo, e que nada é realmente
seu. Qualquer coisa que você tem pode ser tirada de você em um pis-
car de olhos, e não é, de modo algum, parte de você. Se você tem algo
em sua posse, utilize para aprimorar os seus dharmas. Se você não tem
mais tal coisa em sua posse, tudo bem também. Isso não implica em
não ter cuidado com suas posses, não ser grato por elas ou não tomar

93
Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

as medidas necessárias para protegê-las. Significa apenas não se iden-


tificar com alguma propriedade a ponto de sentir que ela define quem
você é ou que sua felicidade depende de tê-la.

31. Esses yamas são um grande voto. Eles se aplicam a


todos, sempre. Não se limitam por ocupação, tempo, lugar e
circunstância não os limitam.
Patanjali não deixa margem de dúvidas quando o assunto são os
yamas. Eles não são negociáveis. Nenhum aspirante a yogi pode pro-
gredir sem levar a sério esse “grande voto”.
Não é possível construir uma casa com fundações fracas. Ela irá des-
moronar. Os yamas são a fundação da nossa prática de yoga. Desapego e
comportamento humano decente são necessários para termos o mínimo
de paz mental e foco exigidos para descobrirmos o poder da mente.

32. Os niyamas são limpeza, satisfação, coragem, estudo dos


textos sagrados, e devoção a Deus.

94
Sadhana-pada

Yama se refere a contenção. Significa não fazer algo que, de outro


modo, você faria. Os niyamas, por sua vez, dizem respeito a coisas que
têm que ser feitas, as quais, de outro modo, você não faria.
Limpeza está no topo da lista dos niyamas. Isso se deve ao fato de
que a limpeza ativa sattva. Se a mente é dominada por sattva, o yogi
experimentará paz, foco e níveis elevados de clareza mental – todos os
ingredientes necessários para o avanço espiritual.
A limpeza externa é conquistada ao tomarmos medidas práticas
para cultivarmos a higiene onde vivemos e trabalhamos, bem como a
higiene de nossas roupas e do nosso corpo. A limpeza interna é con-
quistada ao, antes de tudo, cultivarmos um humor amistoso – um
comportamento positivo e solícito – para com todos. Na busca de
uma limpeza interna ainda maior, o yogi evita meticulosamente senti-
mentos de inveja, orgulho, vaidade, ira, ciúmes e ódio.
A prática apropriada do yoga naturalmente tem por consequência
essa limpeza interna. Enquanto nos focamos em fazer o nosso melhor
e expressar a nossa essência e nosso dharma em conexão espiritual
amorosa, nenhuma semente é plantada para frutificar em ansiedade,
ciúmes ou vaidade.
Satisfação é algo que também surgirá naturalmente desta prática.
Se alguém não se foca em metas externas e realizações materiais, mas,
sim, em como responde ao que a vida traz, a satisfação está em suas
mãos. É fácil ficar satisfeito simplesmente por fazer o seu melhor, de
acordo com sua natureza. Por outro lado, é impossível ficar satisfeito
quando você está preso no paradigma de fantasia, esperando que a
realidade externa fique em determinada configuração para ser feliz.

95
Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

Note que os três últimos itens de niyama são os mesmos que defi-
nem o yoga em ação, do sutra 2.1, e você pode consultar esse sutra e a
explicação desses termos-chave ali registrada.
A única diferença é que, no sutra 2.1, a palavra tapa foi traduzi-
da mais livremente como “vida nobre”. Ela diz respeito à postura de
constantemente priorizar seu eu superior e ter por meta o progresso
espiritual, em vez do prazer imediato dos sentidos. A tradução mais
comum, porém desastrada, dessa palavra sânscrita é “austeridade”.
Para esse sutra, optei por traduzi-lo como “coragem”. Outras tradu-
ções possíveis seriam “força”, “determinação” e “caráter resoluto”. É
o poder de manter-se no seu caminho apesar das dificuldades. Signi-
fica ter sempre a recompensa em vista. A vida não é fácil, e tentar se
iluminar enquanto lida com ela é ainda mais difícil. A mente é forte
e impetuosa. Moldar sua mente pelo poder da prática e da pureza
exigirá muitíssima coragem, dado que se trata de um empenho árduo
e para a vida toda.
Os yamas e niyamas são os alicerces do yoga. Eles nos auxiliam em
direção a uma vida de moral superior, conduta zelosa, desapego, satis-
fação, limpeza e coragem transformadas em transcendentais pelos dois
componentes mais essenciais do yoga: estudo das escrituras (jnana) e
devoção a Deus (bhakti).

33. Quando perseguido por uma mentalidade destrutiva, o


yogi tem que ativar sua inteligência espiritual.

96
Sadhana-pada

34. Mentalidade destrutiva diz respeito àquilo que é contrário


aos yamas e niyamas. O yogi ativa sua inteligência espiritual
ao se lembrar de que, quando uma ação é motivada por
essa mentalidade destrutiva, sempre resultará em contínuo
sofrimento e ignorância. Qualquer envolvimento com tais
ações, por qualquer motivo, é degradante. Não importa se a
ação é desempenhada pessoalmente, ordenada a alguém ou
meramente permitida. E não importa se a ação degradante
tem por gatilho a cobiça, a ira ou a ilusão, tampouco se é
leve, moderada, ou extrema em intensidade.
Patanjali não deixa escapatória. Este sutra, que soa como um con-
trato legal, insiste que o praticante de yoga leve a sério os yamas e
niyamas. Não há nenhuma condição de alguém os evitar ou se esqui-
var deles, nem mesmo indiretamente.
Um yogi sincero deve dar ouvidos a este sério alerta se deseja avan-
çar. Tenho a experiência, tanto como praticante quanto como profes-
sor, de que Patanjali não está exagerando. Os yamas e niyamas são um
resumo de todo o processo de yoga, e abandonar qualquer parte deles
resultará em um fracasso parcial ou completo.

35. Inimizades são dissipadas na presença de um yogi


estabelecido em não-violência.
Patanjali, agora, listará os benefícios de cada um dos yamas e
niyamas. Nosso humor afeta os outros. Quanto mais poderosa for a
nossa mente, maior o efeito. Avançar em yoga é bom não apenas para
nós mesmos, mas também para todos ao nosso redor.

97
Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

36. Quando a verdade é estabelecida, as ações do yogi e os


resultados dessas ações são firmes.
A verdade é sólida. Mentiras facilmente desmoronam. Quanto
mais verdadeiros e verazes nos tornarmos, mais nossas ações terão uma
base firme e, consequentemente, mais os resultados serão garantidos
e duradouros. A vida já é complicada o bastante sem o malabarismo
de mentiras.

37. Quando se para de roubar, todas as riquezas se manifestam.


Quando você se firma no princípio da honestidade, você natural-
mente irradia bondade e confiança, o que, por sua vez, atrai pessoas
gentis e abre portas para seus negócios e seu trabalho.

38. Quando se estabelece a castidade, o yogi ganha poder.


No caminho do yoga exclusivamente meditativo, defende-se o ce-
libato como sendo um ingrediente-chave para se acumular poder. O
conceito é que o celibato previne a perda de vitalidade, o que pode,
então, ser dirigido para ampliado foco mental e para o despertar de
poderes místicos (vibhutis).
Para o restante de nós, o celibato, como qualquer outra coisa no
caminho do yoga, só é bom se for apropriado para você. Caso ser celi-
batário não lhe seja natural, a restrição e supressão artificial das neces-
sidades sexuais podem corroer o seu bem-estar e levar a irritabilidade,
doenças e até mesmo comportamento violento. Krishna nos alerta na
Bhagavad-gita que aquele que se restringe da atividade, sem de fato ter
superado o desejo, ilude a si mesmo e é um impostor.
No caminho da vida iluminada, aqueles para quem o celibato não
seja adequado têm que convergir sua vida em direção a uma união
sagrada, na qual o sexo é um ato de amor natural e sadio.

98
Sadhana-pada

Nessa situação, o yogi naturalmente obterá o poder que vem de ser


sincero consigo mesmo. Por não viver uma mentira ou ser corroído
pela frustração e desejos insatisfeitos, você pode deixar fluir seu verda-
deiro potencial.

39. Quando se estabelece não-possessividade, o yogi


compreende como e por que a alma se vê obrigada a nascer
em um corpo material.
O yogi pode entender que todos nós estamos aqui encarnados devi-
do aos desejos materiais. É o apego a coisas, e a experiência mundana
em contato com coisas, que nos forçam a aceitar outro corpo material
na hora da morte. Enquanto pensarmos que a felicidade vem de fora,
precisaremos de algo “de fora” – uma subsistência externa – e ficare-
mos presos na ilusão da vida no mundo material.
Não-possessividade é uma realização-chave, necessária para a paz e
a bem-aventurança definitiva. Quanto mais você desenvolve isso, mais
livre – e, então, mais feliz – você será.

40. Quando se estabelece a limpeza do corpo, o yogi


desenvolve aversão ao seu corpo e evita contato íntimo com
o corpo alheio.
Isso pode parecer muito ruim, mas não é. Soa estranho porque
a maioria das pessoas ainda está pelejando com questões de corpo e
imagem, bem como questões de sua sexualidade. Ainda não chegaram
nem mesmo ao ponto de estarem saudáveis e felizes em seu corpo, o
que lhes permitiria voltarem seu foco para dentro, para a sua identi-
dade real.
Uma vez que você esteja em harmonia com quem você é e com
o corpo que você tem, você pode continuar aprimorando sua vida

99
Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

por elevar sua consciência e focar em seu eu interior. Conforme sua


jornada interior progrida, você encontrará, cada vez mais, estados su-
periores de alegria e paz, de completude e satisfação, simplesmente por
ser você e por sua conexão superior com todos os demais, incluindo
Deus.
Como uma consequência natural, você entenderá que você é um
peixe fora d’água, uma alma eterna e bem-aventurada, feita de pura
energia transcendental, presa em um corpo de matéria. Isto não é um
lar, e você está limitado por suas circunstâncias atuais, um prisioneiro
de sua insensatez passada. É nesse sentido que você desenvolve uma
saudável aversão quanto a estar corporificado.
Nesse estágio de realização, um yogi pouco a pouco e naturalmente
perde interesse por ter contato sexual com outros, considerando isso
menos prazeroso e agradável do que simplesmente estar consigo mes-
mo. Não é que o sexo se torne mal ou maléfico; é que “simplesmente
ser” se torna muito melhor.
Fingir artificialmente estar nesse estágio será algo danoso. Deixe
que chegue a você naturalmente.

41. Quando se estabelece a limpeza da mente, o yogi


desenvolve felicidade, foco unidirecional, controle dos
sentidos, autovisão e qualificação para o yoga.
Sua mente é seu caminho para todo o sucesso. É o seu instrumento
para alcançar todos os seus objetivos. Uma mente livre de confusão e
agitação naturalmente permitirá que você resplandeça.
Felicidade é seu estado padrão. A alma é descrita no yoga como
sendo feita de sat-cit-ananda: existência-consciência-bem-aventuran-
ça. Bem-aventurança é simplesmente quem você é. Não conseguimos

100
Sadhana-pada

experimentar isso se não estamos sendo nós mesmos, estando iludidos


e enterrados debaixo da falsa identificação e desorientação.
Foco unidirecional também é natural para uma mente límpida.
Você tem uma mente, e ela naturalmente tem um foco. Quanto mais
clara está sua mente, mais você pode praticar o foco único.
O controle dos sentidos naturalmente emerge quando você pode
focar em ser o melhor que você pode ser, em oposição a se focar em
metas externas e resultados futuros. Quanto mais você se alinhe com
seu verdadeiro eu e seu dharma, mais facilmente você pode navegar
pela vida.
Autovisão, ou auto-observação, exige tranquilidade da mente. É
por isso que silêncio e meditação são práticas tão poderosas e necessá-
rias para o yogi. Assim como você pode ver seu reflexo claramente em
uma poça d’água serena, mas não se a água está instável, você também
pode se ver claramente quando sua mente está estabilizada, mas não
quando ela está com agitações e perturbações.
Uma mente clara é a ferramenta derradeira do yogi e, portanto, a
qualificação última para se alcançar o sucesso no yoga.

42. Da satisfação, obtém-se a felicidade mais elevada.


Isso pode parecer óbvio. Se você está satisfeito, você está feliz. O
que pode não parecer tão óbvio é como estar satisfeito.
A maioria das pessoas fazem isso errado. Mentalmente, criam con-
dições externas que, se atendidas, as deixam satisfeitas. Por exemplo,
se eu me servir de sorvete, ficarei satisfeito; se eu adquirir um carro
novo, ficarei satisfeito; ou, se determinada pessoa se comportar de tal
maneira, ficarei satisfeito.

101
Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

O problema de estabelecer requisitos materiais para a satisfação


tem dois pontos: 1) os desejos e as condições têm pouco suporte –
mudam de acordo com seus caprichos, e 2) você tem pouco ou ne-
nhum controle sobre eventos futuros, para não falar de controle sobre
como os outros se comportarão. Como resultado, se um desejo é rea-
lizado, isso pouco contribui para o seu nível de satisfação, pois não era
algo que você realmente precisava, em seu âmago. Além disso, existe
uma grande chance de o desejo nem mesmo ser realizado, dado que a
meta não está completamente sob seu controle.
O paradigma de fantasia sempre deixará você se sentindo ansioso
e incompleto.
A alternativa apresentada pelo yoga é muito mais efetiva: reprogra-
me seu cérebro e coloque o nível de “satisfação” no máximo. Simples-
mente fique satisfeito. Não por causa disso ou daquilo. Ao contrário,
você pode ficar satisfeito precisamente porque você não está mais ten-
tando espremer satisfação a partir de metas e acontecimentos externos.
Você pode obter completa satisfação por simplesmente existir no aqui
e agora. Você não precisa de mais nada.
Você, então, será feliz.

43. Pela coragem, removem-se impurezas, e o corpo e os


sentidos atingem sua perfeição.
No caminho do yoga exclusivamente meditativo, é necessário viver
uma vida de renúncia e simplicidade, uma vida dedicada a nada além
de meditar, sem qualquer distração e praticamente sem qualquer pos-
se. Em consequência dessas medidas extremas, e pelo desenvolvimen-
to de um foco similar a uma mira-laser, semelhante yogi desenvolve

102
Sadhana-pada

superpoderes, os quais serão mais elaboradamente explicados no pró-


ximo capítulo.
Em um nível mais prático, por ter a coragem de trilhar o caminho
do yoga, a pessoa naturalmente desenvolve disciplina em relação a co-
mer, dormir, trabalhar e entreter-se. Por basear suas ações no que é
melhor para você, e não no que proporciona o melhor prazer imedia-
to, você naturalmente é capaz de maximizar sua saúde.

44. Pelo estudo dos textos sagrados, se estabelece uma


conexão com a Deidade escolhida.

O conhecimento (jnana) tem que ser preceder a devoção (bhakti).


Você não pode amar alguém que você não conhece.
Para entrarmos no aspecto mais profundo da pura autorrealização
em yoga, temos que praticar jnana e bhakti. Praticar jnana significa
estudar os textos sagrados. A prática envolve ler ou ouvir os textos e/ou
palestras dos textos. Recomendo que você dedique pelo menos dez
minutos diários a essa prática. Quanto mais, melhor.
Conforme você absorve essa maravilhosa sabedoria sagrada, você
ganha a habilidade necessária para focar sua mente e seu coração em

103
Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

Deus. Conforme você aprende sobre Deus, você pode praticar amar a
Deus, você pode praticar bhakti.
Alguém talvez se pergunte sobre o significado de “a Deidade escolhi-
da”. No Ocidente, Deus é Deus. Nenhuma opção é dada, pois as tra-
dições abraâmicas fornecem pouquíssima informação acerca de Deus.
Isso não acontece na tradição védica. Ali, consta todo um tesouro
de informação sobre a natureza de Deus, Sua morada e Suas diferen-
tes expansões.
Apresento uma explicação mais detalhada em O Caminho 3T.
Aqui, apenas compartilho a concepção básica.
A ideia é que Deus tem uma forma pessoal, conhecida como Bha-
gavan. Essa forma Bhagavan é Deus em Seu aspecto mais completo,
demonstrando energia divina, forma e personalidade. Visto que Deus
é infinito, Ele manifesta inumeráveis formas Bhagavan simultanea-
mente, cada uma com uma forma, um nome e uma morada específica,
bem como associados e características específicas. Nos textos sagrados,
você encontrará descrições dessas várias formas Bhagavan, nas ocasiões
em que descem como avataras, em diferentes momentos e lugares na
história do universo.
As formas Bhagavan mais conhecidas incluem Krishna, Narayana
e Rama, bem como Suas contrapartes femininas: Radha, Lakshmi e
Sita, respectivamente. As contrapartes femininas são completamente
Deus também, completamente Bhagavan, mas com formas, nomes e
características femininas.
A “Deidade escolhida”, então, é essa forma Bhagavan, ou, mais pre-
cisamente, o Casal Divino, que mais atrai o coração do yogi devotado.
Confuso? Bem, é por isso que o estudo dos textos sagrados é uma
parte essencial do yoga! Em O Caminho 3T, você aprenderá mais sobre

104
Sadhana-pada

isso e também encontrará uma ampla lista de textos sagrados para


aprofundar sua compreensão.

45. Da devoção ao Senhor vem a perfeição do samadhi.


Não há rodeios aqui. Patanjali afirma claramente que a perfeição
do yoga vem da submissão e da dedicação ao Senhor. A devoção a
Deus é a perfeição do samadhi, que é a perfeição do yoga. Em outras
palavras, a perfeição da perfeição do yoga virá da devoção a Deus.
O amor é a expressão máxima e derradeira da alma, e amar uma
Pessoa Divina infinitamente amável, supremamente maravilhosa e ili-
mitada é a perfeição do amor. É por isso que a devoção a Deus é a
perfeição final da existência.
Se você não tem muita simpatia pela ideia de Deus, essa declaração
pode desagradá-lo. Isso é compreensível, uma vez que Deus é frequen-
temente mal representado. Eu mesmo fui ateísta, porque a maneira
como Deus me foi apresentado não teve apelo para mim e porque
aqueles que diziam amar a Deus frequentemente tinham uma conduta
inapropriada.
Se é assim que você se sente, você terá que fazer duas coisas.
Primeiro, jogue fora toda a loucura que você ouviu sobre Deus.
Se você acha que é bizarro que Deus deva odiar os gays ou que Ele
torturará para sempre no inferno caso você não O ame, você está abso-
lutamente certo. Deus não é afeito a genocídio, sexismo, homofobia,
tortura, estupro ou qualquer outra coisa maligna perpetrada em Seu
nome. Aprenda sobre Deus a partir da fonte mais antiga e completa
sobre o tema: a tradição do yoga. Aprenda sobre Deus com este livro,
com a Bhagavad-gita e com o Srimad-Bhagavatam. Você talvez se sur-
preenda ao aprender sobre um Deus perfeitamente amoroso, gentil,

105
Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

generoso, compassivo e encantador – exatamente quem você esperaria


que Deus fosse.
Segundo, aceite o fato de que a devoção sozinha não é o bastante.
O yoga oferece um processo holístico e completo para autoaprimora-
mento e autorrealização. A devoção é necessária para se atingir a per-
feição do yoga, mas não é sem motivos que os textos sagrados do yoga
explicam muito mais do que isso. A devoção sem os outros yamas e
niyamas pode ser perigosa. A devoção confere poder, e poder nas mãos
daqueles que não são dedicados a ahimsa, que carecem de autocon-
trole, é sempre perigoso. A longa história passada e os acontecimentos
presentes envolvendo violência e terror por parte de religiosos não é
culpa de Deus, mas, sim, culpa de quem não compreendeu e não pra-
ticou a vida espiritual em sua integridade.
Uma análise simples do que Krishna (Deus) identifica como as
qualificações necessárias para alguém ser uma pessoa iluminada não
deixa margem de dúvida de que um verdadeiro devoto de Deus tem
que ser pacífico, compassivo e benquerente. Isso pode ser visto nas
muitas listas de qualificações necessárias para a perfeição no yoga, tais
como os yamas e niyamas neste texto, a longa lista de maravilhosas
qualidades de um devoto de Deus no capítulo doze da Bhagavad-gita,
e os versos de 1 a 3 do capítulo 16 da Bhagavad-gita.
É por isso que a tradição do yoga tem esse papel vital a exercer no
tocante a modelar a espiritualidade no palco global. Tanto como indi-
víduos quanto como partes de um coletivo, precisamos das instruções
completas, sóbrias e práticas encontradas nesta tradição para superar-
mos tanto o materialismo que esmaga a alma quanto o comportamen-
to religioso detestável.

106
Sadhana-pada

46. O asana deve ser firme e confortável.


Tendo concluído a descrição detalhada de cada um dos yamas e
niyamas, Patanjali agora progride para os outros membros do astanga-
-yoga.
Muito pouco se fala sobre asanas nos Yoga Sutras. Isso porque o
foco do yoga é a mente. Eu gosto da declaração atribuída ao famoso
guru do século 8, Sankara: “Dominar os asanas não produz as metas
do yoga; apenas nos livra dos obstáculos para o yoga.”
Basicamente, o ponto do asana é deixar seu corpo em modo stand-by,
permitindo que sua mente absorva sua completa atenção para a prá-
tica de meditação. Você tem que se esquecer do seu corpo. Para isso,
você não pode estar nem instável, nem sentindo dores.
Para meditar, você tem que estar estável e firme, ao mesmo tempo
em que está confortável.

47. Consegue-se isso relaxando no esforço e absorvendo a


mente no infinito.
A meditação é alcançada pela combinação aparentemente contra-
ditória de esforço e relaxamento. Você tem que se esforçar, bem como
deixar fluir.
Aqui, Patanjali escolhe a palavra ananta para “o infinito”. Outra
tradução para esse verso é que o yogi deve absorver sua mente em
Ananta, tornar-se como Ananta, a forma do Senhor como uma serpente
cósmica. Trata-se de uma expansão de Deus para servir Deus. É Deus
como o Servo de Deus – espero que isso não dê um nó na sua cabeça.
Um dos serviços prestados por Ananta é servir como o assento de
Deus. “Assento”, em sânscrito, é “asana”. Asana costuma ser tradu-
zido como “postura”, mas, literalmente, significa “sentar-se”. Ananta

107
Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

proporciona a Deus uma assento firme, porém confortável. Na cos-


mologia védica, Ananta também sustenta todos os universos sobre sua
cabeça; ele é o assento de todos os universos.
Patanjali é aceito por muitos como um avatara de Ananta. Como
tal, ele é frequentemente retratado como meio-serpente, meio-
-homem. Nesse caso, Patanjali seria visto como Ananta servindo o
Senhor como um preeminente guru de yoga, ajudando no estabeleci-
mento desta ciência espiritual.

48. Consequentemente, a pessoa não é afetada pela dualidade.


A perfeição do asana corta o vínculo do yogi com todas as sensações
corpóreas externas. A mente se torna livre para focar em seu objeto
escolhido, indiferente quanto ao que acontece com o corpo.
Nos Puranas, encontramos o exemplo drástico de Hiranyakashipu,
que se aperfeiçoou tão meticulosamente em seu asana que não perdeu
seu foco nem mesmo enquanto seu corpo era lentamente consumido
por formigas até restar apenas seu esqueleto. E mesmo então, ele per-
maneceu vivo, com seu prana circulando em seus ossos. Não tente isso
em casa.

49. Nesse estado, o pranayama pode ser atingido por se


regular a inspiração e expiração.
O quarto membro do astanga-yoga é pranayama, que significa, lite-
ralmente, “controle da respiração”.
Prana significa mais do que simplesmente “ar”. É sinônimo de
“energia vital”, ou qi (chi) na tradição chinesa.
Portanto, pranayama tem o significado maior de controlar nossa
energia como um todo – a maneira como usamos a nossa vida.

108
Sadhana-pada

50. Define-se pranayama em termos dos movimentos


externos, internos e contidos da respiração. Podem ser
profundos ou superficiais. Significa regular onde a respiração
será retida, por quanto tempo e por quantos ciclos.
“Externo” diz respeito a exalar e reter. “Interno” diz respeito a ina-
lar e reter. E “contido” é a cessação de ambos, um estágio intermedi-
ário. Define-se ainda com base em quão profundo ou superficial isso
acontece. Os exercícios de pranayama regularão onde sua respiração é
retida, por quanto tempo e por quantos ciclos.

51. Um quarto tipo de respiração vai além dos limites da


respiração interna e externa.
Este é um estágio posterior de controle do prana que não envolve a
inalação ou exalação física do ar. Na literatura do yoga, há abundantes
descrições de yogis sem respirar por longos períodos de tempo. Alguns
de tais yogis até mesmo praticavam debaixo d’água, sem pausa, ao lon-
go de anos.

52. Então, o véu que cobre a iluminação é removido.


Pelo perfeito controle de nossa energia vital, podemos nos ilumi-
nar. Em essência, o yoga propõe um sistema completo para direcionar-
mos nosso corpo, nossa mente e nossa alma, a fim de que possamos
canalizar apropriadamente nossas energias físicas, mentais e espirituais.

53. Além disso, a mente se torna apta para a concentração.


O sexto membro do astanga-yoga é agora introduzido, embora vá
ser discutido no próximo capítulo. Patanjali o menciona aqui, antes
do quinto, para fazer a conexão entre dominar o prana e os três mem-
bros mais elevados e finais do astanga-yoga. Todos já experimentamos

109
Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

a conexão direta entre a respiração e nosso estado mental. O melhor


exemplo disso é como podemos relaxar e apaziguar nossa mente com
a respiração profunda e estável.

54. Recolhimento significa voltar seus sentidos para dentro,


desconectando-os de seus objetos dos sentidos. Como
resultado, você experimentará a natureza da mente.
O quinto membro do astanga-yoga envolve um recolhimento do
mundo físico, voltando seu foco para dentro. Os sentidos desatam de
seus objetos dos sentidos: os olhos param de ver formas, o nariz para
de sentir aromas, a pele para de experimentar o tato.
Com os sentidos controlados, como os membros de uma tartaruga
sendo retraídos para dentro de seu casco, resta ao yogi apenas a expe-
riência da mente.

55. A partir disso, vem o maior controle dos sentidos.

O resultado prático da maestria no recolhimento é ter completo


controle sobre os sentidos, um componente-chave do yoga.
Temos que comandar nossa vida se queremos encontrar bem-
-aventurança e paz. Alguém que não tem controle dos próprios senti-
dos é alguém, por definição, controlado por eles. Em outras palavras,
o sujeito não está no controle de sua vida, senão que, ao contrário,
é levado para lá e para cá pelos caprichos do gozo dos sentidos. Os

110
Sadhana-pada

únicos resultados finais de tal estilo de vida hedonista são ansiedade,


depressão, desorientação, frustração e dor.
Yoga é um chamado para você pegar no leme. Seja o capitão do seu
navio e conduza-o pelo mar azul do amor transcendental, para longe
das margens rochosas do sofrimento.

111
Vibhuti-pada

1. Concentração é fixar a mente em um lugar.

Os últimos três membros do astanga-yoga dizem respeito a trazerem


a mente para um foco mais preciso e intenso, um feito tão extraordi-
nário que naturalmente outorga superpoderes ao yogi. Primeiramente,
aprenderemos os detalhes do que esse foco perfeito da mente envolve
e, em seguida, os diferentes superpoderes que yogis podiam alcançar e
como isso era feito.
Antes que você se empolgue e comece a planejar seu traje de super-
-herói, fique avisado que as exigências básicas para se obter tais pode-
res estão além do alcance de quase absolutamente todos neste planeta;
exige-se perfeição em todos os membros anteriormente descritos do
astanga-yoga, mais a perfeição nos membros que serão descritos em

113
Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

seguida. Envolve ter uma mente perfeitamente pacífica, em sattva qua-


se puro, com total controle sobre o corpo, a energia vital e a mente.
Embora seja inegável que você ainda pode se encontrar com yogis
com algumas pequenas habilidades, como a habilidade de ficar sem
consumir alimentos ou água por períodos prolongados, ou acender
uma fogueira com sua energia vital, tais coisas são como brincadeiras
infantis quando comparadas com o que será descrito neste capítulo e
com os feitos de grandes yogis místicos do passado.
Nosso planeta mudou. Todo o veneno que há na nossa comida, ar
e água nos prejudicou. Talvez sermos bombardeados pela radiação de
rádios, TVs, celulares, micro-ondas, wi-fi, linhas elétricas de alta-tensão
e testes de bombas nucleares tenha prejudicado nosso DNA e/ou nos-
so cérebro. Ou talvez o ritmo da modernidade tenha destruído o nível
de completa paz necessário para essa mente tão tranquila. Indepen-
dente de qual seja o caso, não parece haver por aí algum yogi com uma
ampla gama de superpoderes realmente impressionantes.
Céticos podem alegar que tudo isso é mentira, um bando de his-
torinhas. Eu não acho. Existem relatos demais de muitíssimas fontes
ao longo das eras.
Independente de qualquer coisa, o ponto é que falta de poder não
é o nosso problema; já temos o bastante disso. O nosso problema é
não sabermos como viver bem e como usar ou dividir o poder que já
temos. A tecnologia nos permite voar, ir ao espaço, às profundidades
do mar, sobreviver a calor e frio extremos e curar nosso corpo. Vemos
e ouvimos ao longo de grandes distâncias e temos acesso instantâneo a
vastos reservatórios de conhecimento. Infelizmente, em nosso uso de
todo esse poder, nós, na maior parte das vezes, estamos simplesmente
matando uns aos outros, nos degradando e destruindo o planeta.

114
Vibhuti-pada

É por isso que precisamos focar no caminho da vida iluminada, e


não no caminho do yoga exclusivamente meditativo. Isso certamente
fará sua vida melhor e, conforme mais pessoas adotem isso, trazer nova
esperança à humanidade.

2. Meditação é fixar a mente em um único ponto.


Concentração é uma área geral de foco, ao passo que a meditação
é um único ponto, imagem ou pensamento, sem distração ou inter-
rupção.
Pense em um feixe de luz com um foco variável. Concentração é
como uma lanterna. A meditação, o sétimo membro do astanga-yoga,
é um laser.

3. Samadhi é quando a meditação se foca apenas no objeto,


e o yogi esquece de si.
Este sutra descreve o oitavo e último membro do astanga-yoga: sa-
madhi. Samadhi é supermeditação. É a perfeição da meditação. É a tão
completa absorção no objeto de meditação que o meditador não está
mais ciente de si mesmo. O foco no objeto é tão grande que nada mais
é registrado na mente do yogi.
No caminho da vida iluminada, o samadhi se manifestará de uma
maneira diferente. Obviamente, não é possível esquecer de si, e o que
dizer de outras pessoas, carros e construções, enquanto você segue
com sua vida. Samadhi, como descrito neste sutra, só pode ser feito
quando sentado em um lugar remoto, na natureza.
A perfeição do yoga no caminho da vida iluminada diz respeito a
jamais deixar a mente se desviar de Deus, de sua natureza verdadeira
como alma, seu dharma, ou o aqui e agora. Mesmo enquanto cuida
de seus assuntos, consciente de seu corpo, sua casa, seus filhos, seu

115
Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

trabalho e seu carro, você mantém sua absorção na realidade última e


transcendental da vida.
Isso também parece bastante difícil, talvez pareça até mesmo im-
possível, mas é, sim, factível. E não se trata de tudo ou nada. Quanto
mais você faça, melhor será sua vida.

4. Quando esses três se combinam, isso se chama samyama.


Um novo termo é apresentado aqui: samyama, que pode ser tradu-
zido como “disciplina perfeita.” Atinge-se samyama pela prática dos
últimos três estágios de astanga-yoga. É essa combinação que será usa-
da para se produzir diferentes superpoderes, de acordo com os diferen-
tes objetos de meditação assumidos pelo yogi.

5. De samyama, vem a pura sabedoria.


Uma sabedoria natural surge ao se pacificar a mente, mesmo em
um nível muito básico. O silêncio traz muitas respostas. Quanto mais
você pacifique e silencie sua mente, e quanto maior seja sua habilida-
de de focar sua mente no divino, mais suas dúvidas se evaporam e a
clareza se estabelecerá.

6. Isso se aplica em diferentes estágios.


Realizações vêm em estágios. É como abrir seus olhos pouco a pou-
co. Ou escalar uma montanha e gradualmente conseguir ver cada vez
mais longe. É uma jornada fantástica e uma experiência emocionante
viver dessa maneira, ganhando uma visão cada vez mais ampla com o
passar do tempo. A cada passo, novos entendimentos se materializam.
Você experimentará isso desde o primeiro dia, e isso não parará en-
quanto continue progredindo.

116
Vibhuti-pada

7. Ao contrário dos outros cinco, esses três são membros


internos do yoga.
Patanjali chama concentração, meditação e samadhi de “membros
internos do yoga”, visto que pertencem exclusivamente à arte de focar
a mente em um objeto, com intensidade progressivamente maior. Os
outros cinco elementos descrevem a relação entre o eu e o mundo,
incluindo Deus.

8. Contudo, mesmo esses três são externos para o samadhi


sem semente.
Em última instância, somos almas espirituais, destinadas a viver
uma vida de infinita variedade e bem-aventurança com Deus em Sua
morada. Yoga é a cura para a doença de estar encarnado e confuso.
Uma vez que a doença se foi, não há mais necessidade de tratamento.

9. Obtém-se controle sobre a mente pouco a pouco, con­


forme as impressões subliminares desse estágio iluminado
substituem as impressões de atividades mundanas.
Patanjali declarou que a meta do yoga é o controle da mente. Uma
vez que a mente está sob controle, podemos comandar nossa vida para
tirarmos completo proveito dela, por fim nos tornando libertos em
amor puro e divino.
Nesta seção, Patanjali descreve os detalhes técnicos de como esse
processo se dá.
Como será melhor explicado, o yoga declara que nossas mentes
expressam nossa natureza, e que nossa natureza é composta das incon-
táveis impressões subliminares que experimentamos até então. Você
age e pensa de acordo com o que você experimentou e com o que está
registrado em sua mente subconsciente.

117
Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

Uma maneira de olhar para o processo de yoga é como a substi-


tuição gradual de impressões subliminares mundanas por momentos
iluminados. Pense nisso como reescrever o disco-rígido de sua mente.
Dados antigos concernentes a experiências corpóreas egocêntricas são
sobrepostos pouco a pouco, com novos dados registrando seus mo-
mentos de foco no aqui e agora, seguindo seu dharma, e experimen-
tando comunhão com Deus.
Todo momento conta. Cada segundo em que você possa estar na
configuração mental ióguica, será mais um byte reescrito.
À medida que você acumule essas impressões subliminares, você
naturalmente ficará mais inclinado a repeti-las, reforçando-as ainda
mais, em um espiral ascendente de consciência espiritual.

10. O fluxo pacífico da mente virá dessas impressões


subliminares iluminadas.
Conforme você avance em yoga, a mente natural e pacificamente
permanecerá conectada, no “fluxo pacífico da mente”. Sentir o fluxo
quando você está fazendo canoagem por uma queda d’água ou tocan-
do sobre um palco é incrível, mas estar nesse fluxo pacífico do yoga é
ainda melhor.

11. Transformação em direção ao samadhi envolve reduzir


momentos de falta de foco e ampliar os momentos de foco
unidirecional.
Este sutra descreve outro tipo de transformação, esse dizendo res-
peito ao foco da mente. Patanjali usa o termo sânscrito com o sentido
de “todos os objetos”, em oposição a “um objeto”. Ele está comparan-
do sua mente distraída, a pensar em milhões de coisas, com sua mente
completamente focada em uma coisa de cada vez.

118
Vibhuti-pada

12. Esse foco unidirecional quer dizer que a nova imagem


adentrando a mente é a mesma que a anterior.
A mente está em constante fluxo; a vida nunca para. Então, ter
um foco estável em um único ponto no ramo do yoga exclusivamente
meditativo significa que, a cada instante, a mesma imagem, ou pen-
samento, entra na mente. Não é que a mente para. Nesse sentido, a
mente é como um filme, e não uma galeria de imagens. Foco unidire-
cional significa um filme com o mesmo frame repetido pela duração
da meditação.
No caminho da vida iluminada, o foco unidirecional tem uma co-
notação mais geral de não deixar sua guarda baixar. Significa estar ati-
vo no aqui e agora, em seu dharma, e na conexão amorosa com Deus.
Não se trata de um feito pequeno. Fazer isso com consistência exige
muito foco e uma grande dose de prática.

13. Eis como se explicam as transformações em características,


propriedades e condições nos elementos materiais e órgãos
dos sentidos.
O yoga vê o mundo material como sendo feito não apenas de áto-
mos, mas também de gunas, os modos da natureza material. Tudo no
universo é uma transformação da mesma energia material. Estrelas e
pirulitos, em última instância, são feitos da mesma substância. Tudo
está em movimento – jamais está parado – e tudo se sujeita a mu-
danças. Sabemos disso, agora, como um fato científico, mas os yogis
sabiam desde tempos imemoriais.
O yogi perfeito no caminho exclusivamente meditativo era capaz
de fundir sua mente nesse substrato de realidade e, deste modo, ma-
nipulá-lo à vontade. O que os yogis faziam com a mente, o homem

119
Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

moderno faz com tecnologia e inteligência: manipulação de energia


e matéria.

14. As coisas parecem mudar como resultado de suas


propriedades mudarem no passado, presente e futuro.
As coisas parecem mudar, mas são a mesma coisa. Átomos se mo-
vem, moléculas fazem ligações, e propriedades mudam, mas o ponto é
que existe um substrato da realidade que é imutável. É tudo a mesma
energia material.

15. A mudança dessas propriedades causa transformação.


Patanjali explica agora a teoria básica por trás dos superpoderes ió-
guicos. O conceito nos é familiar, dado que é o mesmo conceito por trás
da ciência moderna. A realidade compartilha de elementos constitutivos
em comum, logo a realidade pode ser manipulada e transformada.

Guia de Patanjali para os Superpoderes

O restante deste capítulo é dedicado a listar diferentes superpo-


deres. A ideia básica é que o foco unidirecional pleno em diferentes
objetos de meditação – sejam eles partes do corpo, conceitos metafí-
sicos ou ocorrências naturais – fazem o yogi obter um superpoder em
particular.
Se, como todos os demais no planeta, você não domina bem o
foco unidirecional, essa seção não será muito útil, mas é fascinante de
qualquer maneira.

120
Vibhuti-pada

16. Samyama nas três transformações confere o poder de


conhecer o passado, o presente e o futuro.

As três transformações foram descritas acima. São elas:

1. A transformação de substituir impressões subliminares mun-


danas por iluminadas,
2. A transformação em direção ao samadhi e ao foco unidire-
cional, e
3. A transformação de coisas materiais enquanto o substrato
permanece o mesmo.

17. Confusão surge ao se cometer o erro de considerar


palavra, significado e ideia como iguais. Samyama na
distinção entre eles confere o poder de compreender a fala
de todos os animais.

121
Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

Tendemos a classificar uma ideia, nome e objeto como unos. Pegue


um objeto diante de você. Agora, tente separar o objeto da ideia do
objeto, do seu nome e da coisa em si sem rótulos.

18. Perceber diretamente as impressões subliminares confere


conhecimento de vidas passadas.

Uma maneira de pensar sobre isso é simples: quanto mais você


percebe sua natureza, suas inclinações e seus condicionamentos, mais
você pode compreender de onde você está vindo. A versão ióguica
apenas leva isso ao extremo ao proporcionar claro conhecimento de
outras vidas.

19. Perceber as ideias alheias confere conhecimento das


mentes alheias.
Todos nós temos este poder em alguma extensão. Todos podemos
ler algumas pessoas algumas vezes. A versão ióguica é conhecer as pes-
soas profundamente, com muito maior precisão e o tempo todo.

122
Vibhuti-pada

20. Esse conhecimento não inclui conhecimento do objeto


dos pensamentos deles, dado que esse objeto não é o objeto
do yogi.
Nem mesmo um poderoso yogi é capaz de ler sua mente, saber
exatamente o que você está pensando. Em vez disso, o yogi tem uma
ideia geral de humores, emoções e inclinações.

21. Samyama na forma externa do corpo confere o poder de


invisibilidade. Isso é feito impedindo que a luz refletida pelo
corpo alcance os olhos do observador.
Assim como a tecnologia produziu superfícies que não refletem
radar, tornando-as invisíveis ao radar, o yogi podia mudar a qualidade
de seu corpo exterior para não refletir luz, tornando-o invisível.
É claro que, agora que estamos todos tão absortos em nossos smart-
phones, todos ficaram bastante invisíveis.

22. Algumas reações cármicas estão acontecendo agora, e


algumas acontecerão no futuro. Samyama em karma e em
presságios confere conhecimento da morte.
Para aqueles entre nós que não podem saber exatamente quando
morrerá, o melhor é estar sempre pronto. Um yogi deve lembrar-se
com regularidade que a vida pode acabar a qualquer instante. Não
podemos achar que o amanhã é uma certeza. Nossa vida e a vida dos
demais que conhecemos pode encontrar seu fim a qualquer momento.
Essa sabedoria nos ajuda a mantermos nosso foco em nossa verdadei-
ra natureza material e tirarmos o máximo proveito de cada dia, bem
como aproveitarmos ao máximo toda oportunidade de amar e servir
aqueles que nos cercam.

123
Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

23. Samyama em amizade etc. confere seus respectivos


poderes.
No sutra 1.33, Patanjali listou quatro características que um yogi
deve cultivar: 1) amizade, 2) compaixão, 3) alegria na piedade e 4)
negligência na impiedade. Agora, diz que esse samyama em cada um
desses confere ao yogi essas respectivas características e seus poderes.

24. Samyama em qualquer poder outorga ao yogi esse poder.


Por exemplo, samyama na força de um elefante confere ao
yogi a força de um elefante.
Patanjali declara que, para o yogi perfeito, a lei de atração funciona
instantaneamente. Este sutra declara que qualquer poder que o yogi
deseje possuir, ele ou ela possuirá. Força, velocidade, inteligência, ca-
lor, frio... poderes são imediatamente transferíveis diante da solicita-
ção do yogi.

25. Direcionar luz para o poder de percepção garante


conhecimento de coisas que são sutis, veladas ou distantes.
Esse poder surge sem a necessidade de samyama. Por causa da men-
te poderosa e clara do yogi, meramente direcionar sua atenção para
algo, mesmo que sutil, velado ou distante, permite que ele perceba
isso. O termo moderno para esse poder é “visão remota”. Há muito
sobre isso mesmo hoje, com muita pesquisa envolvida. Existem até
mesmo websites dedicados a ensinar essa habilidade.

124
Vibhuti-pada

26. Samyama no sol confere conhecimento de diferentes


mundos.
Há uma apresentação fascinante do universo na tradição indiana,
com descrições detalhadas de diferentes mundos e civilizações alienígenas.

27. Samyama na lua confere conhecimento das constelações


estelares.

28. Samyama na estrela polar confere conhecimento do


movimento das estrelas.

125
Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

29. Samyama no chakra umbilical confere conhecimento


dos trabalhos do corpo.

30. Samyama na cavidade da garganta confere liberdade da


fome e da sede.
O caso mais famoso desse superpoder na modernidade é de Prahlad
Jani, que se tornou manchete em muitos periódicos neste século ao
declarar que não havia comido nem bebido nada pelos últimos setenta
anos. Mesmo após colocarem-no em observação controlada por quin-
ze dias em um hospital, ao longo do que não consumiu nem água nem
nenhum tipo de comida, os médicos não foram capazes de explicar
como aquilo era possível.

31. Samyama no “canal da tartaruga” confere firmeza.


O kurma-nadi é um canal de prana, com o formato de uma tar-
taruga, abaixo da cavidade da garganta. É dito que o prana se move
pelo corpo em canais, em semelhança ao sangue correndo pelo corpo
dentro das veias.
Este poder permite que o yogi permaneça perfeitamente estável,
tanto externa quanto mentalmente.

32. Samyama na luz da cabeça confere visão dos seres


perfeitos.
Na sofisticada e detalhada cosmologia da tradição indiana, há
menção de muitas raças. Aqui, os siddhas, ou “seres perfeitos”, são
mencionados. Eles são uma raça de seres benevolentes e altamente
adiantados, naturalmente possuidores de todos os tipos de poderes
místicos, incluindo o poder de viajarem livremente pelo universo.

126
Vibhuti-pada

33. Da intuição, vem tudo.


Intuição, aqui, diz respeito a um estágio que antecede a quase onis-
ciência trazida pela liberação espiritual. À medida que o yogi se aproxi-
ma do sattva perfeito, todas as suas dúvidas são desfeitas. Nesse estado,
todos os poderes anteriormente mencionados também se manifestam.

34. Samyama no coração confere conhecimento da mente.


Tanto na cultura oriental quanto na cultura ocidental, o coração é
visto como o assento do verdadeiro eu, a alma. À proporção que você
se foca em sua natureza, nesse verdadeiro você, você obtém conheci-
mento tanto de sua mente quanto da consciência em si.
Krishna faz essa conexão no Srimad-Bhagavatam, na seção Uddhava-
-gita, onde Ele conecta a prática do dharma ao cultivo de jnana. Ele
alega que, pelo cultivo de sua essência e de seu dever, você natural-
mente atinge a realização de sua identidade espiritual verdadeira.
Em O Caminho 3T, também recomendo forte foco em seu dharma
como um meio central para o seu desenvolvimento espiritual e para
ampliar seu bem-estar emocional e físico.

35. Na visão mundana, não há distinção entre a identidade


espiritual pessoal e sattva, embora sejam completamente
diferentes. Sattva existe para a alma, ao passo que a alma
existe por si mesma, sem qualquer necessidade da natureza
material. Samyama na alma confere conhecimento da
identidade espiritual pessoal.
Em essência, este sutra descreve a meta completa do yoga. O yoga
serve para libertar nosso eu espiritual da falsa identificação com a na-
tureza material. O propósito do yoga é permitir que você se torne seu

127
Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

eu verdadeiro, espiritual e pessoal mais uma vez. Toda a nossa dor se


deve à nossa falsa identificação com aquilo que não somos. A energia
material, mesmo sem seu estado sattva luminoso, não é nada em com-
paração com a energia espiritual. Em poucas palavras, pessoas e coisas
são diferentes.

36. Este conhecimento possibilita uma forma intuitiva e


superior de ouvir, sentir, ver, saborear e cheirar.

37. Esses poderes místicos são obstáculos à pura perfeição


espiritual. Levam a mente para fora, em vez de levá-la para
dentro.
Este é o primeiro sutra com forte alerta em relação a como é uma
grande tolice querer algum poder para manipular o mundo externo.
Desejar tais superpoderes se opõe diretamente ao que é o yoga: apren-
der a mudar sua interpretação da vida, e não a vida em si. No yoga,
aprendemos que nossa verdadeira felicidade depende não do que a
vida nos traz, mas do que fazemos com isso. O poder corrompe, e usar
superpoderes é algo que certamente corromperá a mente até mesmo
do yogi altamente competente capaz de desenvolvê-los.
Em contraste, o caminho da vida iluminada em yoga, onde tais
superpoderes não surgem, é mais prático, sensato, possível e favorável.

38. Por afrouxar o elo com o corpo e pelo conhecimento dos


caminhos da mente, o yogi pode possuir parcialmente os
corpos alheios.
Mediante este poder, o yogi consegue entrar no corpo de outra pes-
soa, experimentando o que ela experimenta e manipulando o que ela
diz ou faz. Há muitos relatos disso na literatura indiana. O corpo do

128
Vibhuti-pada

yogi permanece em suspensão, aguardando o retorno de sua mente


para o corpo.

39. Dominar o fluxo ascendente do prana confere o poder


da levitação, e, com isso, o yogi não afunda na água, na lama,
em espinhos etc.
Caminhar sobre as águas, mover objetos, ser indiferente a severa
violência física e até mesmo erguer os mortos são todos poderes iógui-
cos. Essa é uma razão pela qual há suspeitas de que Jesus teria passado
algum tempo na Índia treinando o yoga exclusivamente meditativo
durante os vinte anos de sua vida em que não há relato de suas ativi-
dades. É por isso também que pessoas acostumadas à tradição indiana
se impressionam menos com os “milagres” de Jesus do que com seu
poderoso amor por Deus. Milagres são triviais e ordinários na tradição
do yoga, mas um amor intenso e puro a Deus sempre foi estimado
como a meta suprema da existência.

40. Dominar o prana digestivo confere um brilho ígneo.


Essas descrições de superpoderes ióguicos podem explicar o com-
portamento sobre-humano e a aura em torno de santos e figuras de
outras religiões. Antigos comentadores dos Yoga Sutras explicam que
alguns desses poderem surgem sem serem buscados.

41. Samyama na conexão do ouvido e do espaço confere


audição divina.

129
Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

42. Samyama na conexão do corpo com o espaço e intensa


concentração na leveza do algodão confere a habilidade de
voar.
O conceito é que, conforme o yogi ganha poder, pode desenvolver
a habilidade de caminhar sobre as águas e, então, posteriormente, so-
bre materiais mais leves, tais como teias de aranha, então o ar, então
raios de luz solar. Essa habilidade não é limitada a voar em torno deste
planeta. Há muitas histórias de yogis fazendo viagens interplanetárias.

43. Esse estado mental que é completamente externo e não


imaginado se chama a grande experiência fora do corpo.
Com isso, a cobertura de luz é destruída.
É difícil dizer se essa declaração carrega alguma semelhança com
as alegações de experiências fora do corpo detalhadas em inumeráveis
websites e livros. O conceito, no entanto, é claro. O yogi tem a com-
pleta experiência de existir além de seu corpo, vivendo essencialmente
a realização muito buscada de que ele ou ela não é o corpo, mas uma
entidade pessoal, eterna e imaterial.

44. Samyama na natureza externa, intrínseca, sutil,


constitucional e intencional da matéria confere poder sobre
isso.
Este sutra resume como funcionam os superpoderes ióguicos, mas
poderia ser também uma explicação de como a ciência e tecnologia
criam os milagres com que estamos acostumados hoje. O conceito
é o mesmo. Por estudar minuciosamente e compreender as muitas
camadas da natureza material, é possível manipular as propriedades
da mesma.

130
Vibhuti-pada

A diferença é que o yogi depende exclusivamente do poder de seus


pensamentos, o que é, seguramente, uma ferramenta mais refinada e
precisa do que qualquer outra que podemos encontrar em fábricas e
laboratórios. Como resultado, o yogi pode fazer mudanças na natureza
que ainda não podemos fazer com ciência e tecnologia. É claro, o lado
ruim é que é incrivelmente difícil de aprender essa arte, e uma vez que
o yogi se vai, todos os ganhos se vão também, enquanto, na tecnologia,
todos os ganhos são compartilhados, e as gerações seguintes conti-
nuam do ponto da geração anterior, possibilitando um crescimento
exponencial da proezas tecnológicas coletivas.

45. Com isso, surgem superpoderes, tais como os oito


clássicos, começando com tamanho atômico, perfeição
corpórea total e estar livre das restrições das leis da natureza.
Existem oito superpoderes clássicos mencionados na literatura
indiana:

1. Tornar-se atômico em tamanho.


2. Tornar o corpo tão leve quanto o ar.
3. Tornar-se tão gigante e pesado quanto se deseje.
4. Ser capaz de pegar ou alcançar qualquer coisa que se deseje
em qualquer parte do universo.
5. Ser capaz de materializar qualquer desejo.
6. Ter poder sobre todos os elementos e outros seres vivos.
7. Ter o poder de manipular a matéria, fazendo-a aparecer, de-
saparecer ou rearranjando-a como desejado.
8. Assenhorear-se da natureza material, fazendo com que as
coisas se comportem como desejado.

131
Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

46. Perfeição corpórea significa ter a beleza, o encanto e a


força de um raio.

47. Samyama na habilidade de aprender, na forma verdadeira


de si mesmo, no ego e na constituição e propósito da natureza
material confere poder sobre os sentidos.
O foco cada vez mais refinado na natureza da existência do corpo
do próprio yogi confere-lhe poder sobre os sentidos.

48. Isso inclui ser capaz de se mover na velocidade da


mente, ser capaz de obter conhecimento e agir de forma
independente do corpo, e ter domínio sobre a essência da
natureza.
Conforme o capítulo se aproxima de seu final, os superpoderes
atingem seu ápice no que é, basicamente, uma alegação de onipotên-
cia e onisciência.

49. Apenas quem consegue discernir com perfeição a


diferença entre sattva e o espírito pode atingir a onipotência
e a onisciência.
A verdadeira meta do yoga é novamente mencionada aqui: perfeito
discernimento entre matéria e espírito. Em outras palavras, ilumina-
ção com a finalidade de cessar por completo a identificação com a
matéria e permitir que a pessoa exista como uma alma espiritual pura.

50. Sendo indiferente até mesmo a tais superpoderes, todas


as sementes de condicionamento são destruídas, e atinge-se
kaivalya, a perfeita liberdade espiritual.

132
Vibhuti-pada

Em última instância, isso é um teste. Como visto nas histórias de


Jesus e Buda, um verdadeiro espiritualista tem que superar todas as
tentações. O yoga oferece um cardápio de tentações inimagináveis, até
o ponto de alguém praticamente se tornar Deus. Quem cede a isso
se desvia do caminho. Por fim, é simplesmente esta pergunta a ser
respondida: “O que você quer?” Poder mundano? Ou a liberação espi-
ritual eterna e bem-aventurança?
Imagine que você tem jogado videogames por muito tempo. Isso
se tornou um problema e você decide que tudo isso não passa de uma
grande perda de tempo. Você decide que quer voltar a viver de ver-
dade. Você quer fazer esportes, ter um emprego, encontrar-se com
pessoas ou viajar. Contudo, nessa hora, lhe são oferecidas melhorias
dentro do jogo – novas armas, uma versão nova e mais empolgante.
Isso enfraquecerá sua determinação? Você desistirá de recuperar sua
vida integral em troca da diversão ilusória de mais poderes e novas
fases em seu jogo eletrônico?
Todos nós estamos vivendo um poderoso jogo de realidade virtual
chamado samsara. Nosso corpo e nossa mente servem como a interfa-
ce; o universo é o campo. Completa imersão. Muito convincente. Mas
a vida fora da matrix é melhor, e agora queremos sair. Queremos voltar
para casa e recobrarmos nossa vida.
Então, levante a cabeça. Tenha foco e certeza do que você quer. Por-
que se você ainda está jogando esse jogo, você não terá ímpeto, garra e
foco para ganhar sua liberdade por meio do yoga. Nas palavras da sábia

133
Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

rainha Kunti, a tia de Krishna e mãe dos Pandavas, você precisa estar
“materialmente exausto” para atingir a perfeição espiritual, kaivalya.

51. Seres celestiais tentarão o yogi a irem para seus reinos. O


yogi deve dizer não e nem mesmo permitir que tal convite o
envaideça. Caso contrário, apegos danosos ressurgirão.
Há muitíssimos planetas celestiais, e os cidadãos dos mesmos virão
tentar o yogi oferecendo-lhe cidadania em seus reinos. Lá, o yogi rece-
berá um lindo corpo celestial; ilimitadas oportunidades para acompa-
nhantes maravilhosas e sexo prontamente disponível; comida, palácios
e jardins paradisíacos; e tratamento de saúde perfeito. Mas o yogi deve
recusar o convite, ciente de que se trata de uma distração temporária
no jogo do samsara. Não apenas isso; o yogi não pode nem mesmo
sentir orgulho ou vaidade por ter sido convidado, pois isso também
alimentaria seu lado negro.

52. Samyama no momento e no movimento do tempo


confere conhecimento nascido da discriminação.
Viveka, em geral traduzido como “discriminação”, é um termo-
-chave nos Yoga Sutras, referindo-se à habilidade espiritual derradeira
de discriminar entre matéria e espírito. É o conhecimento que permite
que a alma se desembarace da matéria.
A matéria está constantemente em fluxo. A todo momento, os áto-
mos estão se movendo de uma posição a outra. O espírito é imóvel,
imutável e eterno. Assim, pela completa meditação no fato de que o

134
Vibhuti-pada

tempo afeta somente a matéria, o sujeito pode experimentar sua na-


tureza espiritual.

53. Com isso, o yogi pode distinguir duas coisas que, de


outro modo, parecem idênticas em termos de origem,
característica e posição.
Com domínio sobre o tempo, o yogi pode perceber a “história” de
um objeto no nível atômico. Assim, pode distinguir entre duas coisas
aparentemente idênticas. O equivalente moderno é o uso de um po-
deroso microscópio ou outro instrumento científico.

54. O conhecimento nascido da discriminação confere


liberação espiritual, inclui tudo e é atemporal.
A sabedoria espiritual supera tudo na realidade e vai além do pas-
sado, do presente e do futuro.
Agora, fechamos o ciclo. Nos emaranhamos na realidade material,
mas, mediante o yoga, nos desemaranhamos através da meticulosa
compreensão da diferença entre nós e a matéria.
Em termos da apresentação deste livro, também há um ciclo sendo
encerrado aqui.
Patanjali declarou em 2.28 que a meta do yoga é atingir viveka,
o que proporciona a liberação. Ele menciona isso, estrategicamente,
logo antes de começar sua explicação do astanga-yoga, o caminho do
yoga exclusivamente meditativo, após ter explicado o caminho geral
da vida iluminada.
Agora, tendo explicado o processo e os resultados desse processo
intenso e difícil, ele relembra o leitor o cerne disso tudo: viveka.
Note, no entanto, que viveka não exige nem superpoderes nem a
prática de astanga-yoga.

135
Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

Essa mesma meta de viveka e liberação pode ser atingida natural-


mente por meio da prática do caminho da vida iluminada.

55. Quando sattva está em perfeito equilíbrio com a alma,


acontece o kaivalya.
Quando o yogi limpa sua mente por completo dos outros gunas,
tendo apenas sattva reluzindo, a mente, por fim, se torna um espelho
limpo e imaculado para refletir perfeitamente a alma. Nesse ponto, o
yogi atingiu perfeita autorrealização e, assim, está liberto por toda a
eternidade, jamais tendo de retornar à existência material. Nos Yoga
Sutras, esse estado de liberação se chama kaivalya.

136
Kaivalya-pada

1. Esses superpoderes também podem vir por nascimento,


ervas, mantras, austeridades e samadhi.
Através de bom karma, uma pessoa pode nascer com todo tipo de
facilidades, incluindo superpoderes místicos.
Temos a experiência de como drogas podem ampliar as capacida-
des humanas. Nos textos sagrados, vemos que mantras também po-
dem ser utilizados como feitiços. A rainha Kunti recebeu um mantra
desse tipo de um yogi poderoso e “de pavio curto” chamado Durvasa
Muni, que era possuidor de todos os superpoderes ióguicos. Com o
mantra dela, a rainha Kunti podia invocar qualquer deva para ter um
filho com ele, e foi assim que se deu o nascimento dos cinco Pandavas,
os personagens principais do Mahabharata, no qual encontramos a
Bhagavad-gita.
Aqui, a palavra austeridades indica um tipo de mortificação do cor-
po, tal como períodos prolongados de desconforto autoimposto: ficar
de pé sobre uma só perna, suportar a fome quase perto de morrer por
inanição, ou expor-se a grande calor ou frio, como vimos no exemplo
de Hiranyakashipu.
E poderes podem vir do samadhi, sem que se deseje isso, ou sem
um samyama especial. Há muitos relatos de espiritualistas de diferen-
tes tradições com poderes místicos.

137
Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

O ponto importante aqui é que os superpoderes não são, em si


mesmos, um sinal de desenvolvimento espiritual. Eles podem nascer
disso, mas não são nem a meta da vida espiritual, nem um sinal de
progresso espiritual. Muitos buscadores espirituais desinformados se
iludem com tais coisas.

2. A mudança de corpo de um nascimento ao outro é moldada


pela energia material.
Tendo falado sobre nascimentos no sutra anterior, Patanjali explica
que transmigramos de um corpo a outro, com a energia material pre-
enchendo nosso novo corpo.
Nossos desejos materiais e reações cármicas acumulam em nossa
consciência. Quando o corpo físico morre antes de esses se exaurirem,
outro corpo tem que ser criado para que o processo continue. Assim,
a alma está presa em um ciclo sem fim de nascimento e morte até
que, com o yoga, possa colocar fim no processo de maneira vigorosa e
consciente.

3. A energia material não é causada por si mesma, senão que


acontece por forças além da cobertura do universo, tal qual
um campo sendo trabalhado por um fazendeiro.
Uma plantação não é resultado da mera plantação em si, ou do
campo. Sua causa última é o fazendeiro, cuja energia e cujo intento
fazem a plantação acontecer. A energia material que engloba nossa ex-
periência quando somos seres corporificados não é causada pela ener-
gia material. O Fazendeiro Divino, Deus, faz com que ela aconteça de
fora do universo.

138
Kaivalya-pada

4. Pensamentos individuais são o resultado de uma medida


de ego.
Todo pensamento que você tem é o resultado de quem você é. Vem
de sua natureza, seja consciente, seja inconsciente. Você não tem o
pensamento de outras pessoas; você tem pensamentos apenas atinen-
tes a quem você é. Cada pensamento é como uma gota do oceano de
sua natureza atual.

5. Um único pensamento produz muitos pensamentos e/ou ações.


Nossos pensamentos trazem outros pensamentos e ações em uma
sequência aparentemente infindável.
Esses outros pensamentos e ações, então, moldam a nossa natureza.
A neurociência confirma que tudo que você faz e pensa muda seu cére-
bro. Conforme você mude, uma medida de seu ego também mudará,
levando a novos pensamentos e ações diferentes.
Sua constante mudança de conjunto de pensamentos e ações le-
varão à criação de um novo corpo físico, adequado à sua natureza na
hora da morte.

6. Um pensamento nascido de meditação, no entanto, é livre


de karma.

139
Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

Pensamentos e ações espirituais não enredam o yogi. Eles libertam


o yogi de seu karma e, gradualmente, eliminam seu ego material.
Toda vez que você eleva seus pensamentos para sua natureza divi-
na, mantendo sua mente no aqui e agora e vivendo seu dharma, isso
cria um permanente registro subliminar de perfeição. Isso muda sua
natureza de mundana para espiritual, um pouco de cada vez. Quando
sua natureza é assim alterada, você se torna mais capaz de ter pensa-
mentos elevados, e eles, por sua vez, se tornam uma parte maior de
sua natureza. A vida no yoga pode ter um começo árduo, mas, em um
círculo virtuoso de purificação, se torna cada vez mais fácil com o tem-
po. Seus esforços, portanto, são muito bem compensados.
Krishna diz na Bhagavad-gita que ações em sattva são como veneno
no começo, mas como néctar no fim.

7. A ação de um yogi não é nem branca nem preta. As ações de


outros são brancas, pretas e de todos os tons intermediários.
O yogi não acumula mais karma. O karma pode ser bom ou ruim,
aqui referido como branco ou preto. Bom karma confere boas situa-
ções e facilidades materiais. O karma ruim causa situações adversas e
sofrimentos. Não é apenas preto ou branco, porém; tem todos os tons
entre os extremos. A complexidade do karma é imensa, de modo que
cada ação não-ióguica vem com um misto indiscernível de reações.
O foco inicial do yoga é parar de gerar karma. Nos primeiros ca-
pítulos da Bhagavad-gita, Krishna faz disso um tópico central em sua
apresentação e explicação do yoga. Nos Yoga Sutras, não é um tema de
destaque, mas é importante o suficiente para ser mencionado nesta
seção sobre karma.

140
Kaivalya-pada

O conceito pode ser explicado de maneira simples:

1. Se você se identifica com uma ação e deseja seu resultado,


você voluntariamente assinou e se inscreveu no karma. Você
pede por isso, mas há muitas letrinhas pequenas no rodapé
da página. Você recebe muito mais do que poderia imagi-
nar, e muitos resultados podem levar muito mais tempo até
frutificarem do que você pensava ser possível – até mesmo o
tempo de muitas vidas.
2. A qualidade de sua reação cármica se baseia na qualidade
dhármica da ação. Quanto mais fiel for ao seu dharma, mais
“branca” é a reação. Quando você age corretamente, você
recebe um feedback positivo. Quando você procede mal,
você, sem saber, faz uma solicitação de treinamento. O uni-
verso consentirá, preparando para que você experimente a
experiência espelhada da situação em que você fracassou, in-
vertendo os papéis de então. Você receberá a chance de ver a
razão daquilo ser errado – provará do próprio remédio. Mas
independente de ser branco, preto ou qualquer tom inter-
mediário, você continua preso no samsara. Você está preso
no ciclo de nascimentos e mortes. E porque o karma é tão
complexo, e a natureza do ser encarnado é tão difícil, você
está fadado a sempre sofrer. O yogi se dá conta disso e apren-
de a sair de todo o jogo do karma.
3. Há dois pontos em relação a sair do jogo: primeiro você
tem que parar de acumular karma, e, segundo, você tem que
queimar o karma que já acumulou.

141
Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

4. Você para de acumular karma por não desejar o resultado.


Você mantém sua mente no aqui e agora e traz seu foco para
o seu dharma: “Qual é a melhor ação agora?” Esteja comple-
tamente presente na ação, fazendo o seu melhor, segundo
sua natureza. Então, ofereça isso a Deus. Não se identifique
com seu corpo, com sua situação material ou com a ação.
Identifique-se, em vez disso, com sua natureza divina e com sua
fonte, Deus. Você, então, naturalmente atuará pelo prazer de
fazer o seu melhor, ou, em termos devocionais, pelo prazer
de Deus. Isso se chama karma-yoga, e é o princípio orienta-
dor fundamental no caminho da vida iluminada.
5. Você queima seu karma com conhecimento e introspecção.
Você cultiva sabedoria transcendental e absorve a natureza
transcendente da existência. Você entende por que sattva é
importante, por que o dharma é essencial e quem e o que
você realmente é. Você vê onde você está, de onde você veio
e para onde está indo. Quando você entende todas essas
coisas, você torna desnecessários todos os programas de tre-
inamento que você antes contratara para o futuro. Você não
precisa de mais treino algum. Você aprendeu. É isso. Você
passou na prova. Você recebeu isenção de toda situação ma-
terial futura.

Então, existe o amor. Conforme tudo isso acontece, você está se


tornando cada vez mais puro, e sua natureza amorosa vem à tona.
Bhakti reluz, e você se apaixona por Deus e pelas outras almas puras.

142
Kaivalya-pada

Livre do karma, você vai para casa, para a morada transcendental, para
atuar para sempre em amor e felicidade sem fim.

8. Apenas um conjunto dessas reações é ativado na próxima vida.


Parte do que torna o karma tão complexo é a escala de tempo. Ações
em uma vida podem gerar reações muitas vidas depois. É por isso que
vemos coisas ruins acontecerem a pessoas aparentemente boas, e coisas
boas acontecerem a pessoas aparentemente ruins. Em verdade, todos
estão recebendo exatamente o que precisam e merecem, mas, para
entender isso, você tem que se afastar e ver além do que é perceptível.
Ninguém que nasceu é assim tão inocente, nem tão mal. Todos nós
carregamos dentro de nós as sementes do bem e do mal. Apenas Deus
sabe o que fizemos no passado. Esta é a nossa chance de nos retificar-
mos. Agora, podemos limpar nossa ficha e aprender, de uma vez por
todas, como viver como uma alma amorosa.

9. Impressões e memórias subliminares não são interrompidas


por nascimento, tempo ou lugar.
Karma e impressões subliminares são levados de um nascimento
para o outro, ao longo do tempo e espaço. Essas mudanças externas
não apagam suas experiências anteriores.
Sua natureza interior não mudará se você mudar de cidade, casar no-
vamente ou mesmo se morrer. Você tem que mudar sua natureza me-
diante sua própria intervenção ativa e direta. Mudar-se para outra cidade
ou para outro país não fará de você alguém diferente. Esperar para se tor-
nar alguém melhor não funcionará. Suicidar-se porque você odeia a pes-
soa que você é não curará seus problemas. Você continuará sendo você.

143
Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

A vida humana é a chance que você recebe para se tornar me-


lhor. Agora mesmo, você tem os meios para fazer a diferença e
trabalhar seus maus hábitos, egoísmo, raiva, cobiça, ansiedade e
falta de compaixão.
O yoga lhe dá a chance de ir mais fundo e levar para fora todo o lixo
no seu coração. Contudo, você tem que fazer isso acontecer. Procrasti-
nação apenas aumentará seus problemas, e você pode acabar deixando
passar esta oportunidade rara e maravilhosa.

10. Impressões subliminares são eternas porque os desejos


são eternos.
Aqui, a palavra “eternas” é usada no sentido de “sem um final em
vista”. Os desejos que fazem você reencarnar podem ser findados, e
esse é o objetivo do yoga. Contudo, só terminarão caso você assuma
uma postura ativa para isso. De outro modo, seguirão “sem um final
em vista”.
A essência disso é que a natureza material e a vida corporificada
são estabelecidas em um sistema circular. A nossa vida em ilusão, em
falsa identificação, tem acontecido continuamente – um desejo após
o outro, um corpo após o outro, uma era após a outra, em infindáveis
ciclos. O yoga equipa você com todas as ferramentas que você precisa
para fazer isso parar, algo que você, e só você, pode fazer. Você tem
que querer isso, e você tem que fazer isso acontecer com uma tonelada
de coragem. Mas é uma jornada magnífica, e você será fartamente
recompensado a cada passo no caminho.

144
Kaivalya-pada

11. Impressões subliminares são mantidas por causa e efeito.


Quando essas são eliminadas, as impressões subliminares
também são eliminadas.
Ações geram reações. E quando você reage às reações, você age
novamente, e o ciclo continua. Esse é o motor de causas e efeitos que
nos mantém presos no samsara.
Contudo, podemos quebrar o ciclo. Isso é feito por não se agir com
desejo material, mas, em vez disso, agir com o único desejo de viver
seu dharma em conexão divina. Trazer sua mente para o divino no
aqui e agora quebra o ciclo. Uma vez que você tenha alcançado essa
elevada estrutura mental, você terá quebrado o ciclo de modo perma-
nente. É assim que se obtém a liberação.

12. Passado e futuro existem no agora, na mudança de


características ao longo do tempo.
Como um cuidadoso observador do presente, o yogi pode perceber
passado e futuro. Assim como cientistas podem discernir o passado e
predizer resultados futuros estudando as características de diferentes ob-
jetivos e sistemas, o yogi também é capaz de obter um sentimento cada
vez mais claro em relação a de onde as coisas estão vindo e para onde vão.

13. Os gunas, quer manifestos, quer latentes, são a essência


do passado, presente e futuro.
Como explicado anteriormente, na metafísica do yoga, os gunas são o
substrato de toda a realidade material. A ideia aqui é que a energia mate-
rial é a mesma e mudam somente suas qualidades externas, como a forma,
mas não muda sua essência. Em outras palavras, a passagem do tempo
não modifica os constituintes da realidade, mas apenas sua configuração.

145
Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

14. Por causa dessa essência, embora as coisas mudem, são reais.
Você verá a palavra “ilusão” ser utilizada com frequência neste e
em outros textos de yoga. Contudo, o yoga não afirma que a totalida-
de da matéria é ilusão. Tudo isto é real. O universo existe, sim, fora
de sua mente.
A ilusão que temos que evitar é identificarmos nossa natureza es-
piritual com a natureza material. Viveka, se lembra? Nossa jornada
espiritual consiste em nos desvencilharmos da matéria. Duas energias
divinas: matéria e consciência. Contudo, somos entidades conscien-
tes, almas. A matéria não tem consciência. Nós, sim. Simples assim.
Entenda a distinção, descontinue a identificação ilusória e você está
livre, mais uma vez em casa.
Krishna diz na Bhagavad-gita que os gunas são Sua “energia divina”.
Ele, então, explica que, como Ele é o senhor dos gunas, faríamos bem
em aceitar Sua ajuda para nos livrarmos deles. Faz sentido. E funciona.

15. Porque mentes diferentes percebem o mesmo objeto de


modo diferente, existe uma diferença entre o objeto e a mente.
Mentes individuais existem desde que sejamos observadores in-
dividuais e únicos. Além disso, uma vez que diferentes observadores
percebem coisas de maneira diferente, o que percebemos também é
diferente de nós, e de todos os demais observadores.
Eu existo, você existe, bem como tudo que você observa. Há uma
conexão entre todos nós e entre tudo, mas também existe distinção.

146
Kaivalya-pada

16. Um objeto não continua a existir mesmo se não observado?


Já ouviu falar do gato de Schrödinger? Física quântica? Não vou
adentrar nisso, mas essa pergunta não é tão estranha quanto você pos-
sa imaginar.
Patanjali está tentando apontar que a realidade não é subjetiva. A
visão do yoga é que a realidade existe por si mesma e não precisa ser
observada para ser real.

17. Algo é conhecido ou não pela mente dependendo de


como a mente foi tingida por isso.
Algo básico aqui, em harmonia com o que geralmente tomamos

como verdade: algo que existe só será conhecido se a mente se voltar


para isso, se você se focar nisso. Quanto mais você foque nisso, mais
você conhecerá isso. Se você não voltar nada de sua mente para isso,
você não conhecerá nada disso.
O yoga não tentará dar um nó na sua cabeça com a história do som
da palma de uma mão só. No yoga, as coisas existem de fato.

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Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

18. As flutuações da mente são conhecidas por seu mestre, a


alma, pois este jamais muda.
A realidade externa é real e independente de nossa mente. As men-
tes estão sempre mudando, de modo que veem a realidade de maneiras
diferentes. Contudo, cada mente tem um mestre, a alma individual
pessoal e individual, para testemunhá-la. E essa alma, o verdadeiro
você, jamais muda, sendo eterna e transcendental por natureza.
As pessoas frequentemente me perguntam: “Se a alma é eterna e
imutável, por que sinto tantas mudanças, em especial agora que estou
neste caminho do yoga?” “Você não está mudando”, eu respondo. “É
sua mente que está mudando. Você sempre foi o mesmo. Sua mente
nunca é a mesma.” O sentimento de avanço espiritual vem de ex-
perienciar sua mente deixando você experimentar cada vez mais seu
verdadeiro eu, por sair do caminho.

19. A mente não ilumina a si mesma, visto que é um objeto


de percepção.

A mente não pode se iluminar. A mente é o instrumento da alma.


Embora difícil de conceber, o conceito do yoga é que a mente é parte
do mundo material, um elemento da natureza, como a terra e a água.

148
Kaivalya-pada

Por causa disso, ela pode ser percebida e, como tudo mais na natureza
material, está mudando constantemente.
A maneira melhor e mais simples de entender a mente é vê-la como
um espelho que reflete tudo que é voltado para ela, sejam objetos
mundanos, seja o verdadeiro você.
O processo de autorrealização é descrito pelo avatara medieval
Krishna Chaitanya Mahaprabhu como “limpar a poeira do espelho”.

20. Pensamento e objeto não podem ser percebidos ao


mesmo tempo.
Você pode focar sua atenção em seus pensamentos ou você pode
focar sua atenção em um objeto externo, mas não as duas coisas ao
mesmo tempo.
O yoga tem dito isso há milhares de anos, e agora a ciência confir-
ma: não existe tal coisa como “multitarefa”. Seu cérebro consegue fo-
car apenas uma coisa de cada vez, seja um pensamento ou emoção que
você queira processar, seja algo externo. A impressão de multitarefa é
uma ilusão devido à rápida mudança. Seu cérebro mudará, digamos,
de dirigir para falar com alguém, e então voltará. É por isso que dirigir
e conversar ao telefone, mesmo com um sistema que não ocupe ne-
nhuma de suas mãos, é muito perigoso: estudos demonstram que você
pode ficar um segundo inteiro mais lento para responder.
O resultado do que chamamos de multitarefa é que, em vez de
fazer mais, você ficará menos eficiente e fará menos também.

149
Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

21. Se um pensamento pudesse ser o objeto de outro


pensamento, haveria um infindável eco de pensamentos e
mais pensamentos, e a memória ficaria confusa.
Você pode analisar uma ideia ou uma emoção e refletir sobre ela.
Contudo, o verdadeiro pensamento não pode ser o tema do outro
pensamento. Voltando ao exemplo da mente como um espelho, isso
seria como colocar dois espelhos um de frente para o outro, criando
aquele efeito estranho de uma infinita sequência de reflexos. Isso, Pa-
tanjali diz, fritaria os circuitos de sua memória.
O corolário prático é que pensamentos não são coisas reais. E eles
certamente não são você. Você jamais precisa se identificar com um
pensamento ou sentimento. Deixe que eles venham e vão.

22. A alma é imutável, mas pode perceber a mente quando


esta assume a forma do que ela observa.
O espelho se preenche com a imagem do que está diante dele. O
verdadeiro você permanece sem mudanças e eterno, mas conforme o
espelho da mente é voltado para lá e para cá, se preenche com a ima-
gem diante dele, e a alma pode perceber isso.

23. A mente, portanto, pode ser dirigida para dentro ou para


fora na direção de qualquer objeto.
O espelho da mente pode ser utilizado para ver a si mesmo, a alma,
ou qualquer outra coisa.
Podemos focar nossa mente em qualquer coisa. Então. Qual será o
seu foco? E como isso afetará o seu bem-estar?

150
Kaivalya-pada

24. A mente, com suas incontáveis impressões subliminares,


opera em conjunção com os sentidos para um propósito
além de si mesma.
A mente é parte de uma máquina complexa: o corpo, que é ocupa-
do pela alma. Esse aparelho complexo serve apenas para o propósito
da alma. Assim como um carro existe para o motorista, e não para si
mesmo, a mente e o corpo existem para nós.
Os últimos dez versos apresentaram como o yoga vê a consciência
e a realidade, e como essas visões contrastam com aquelas de diferen-
tes grupos budistas que tinham influência na época em que Patanjali
compilou seu texto.
Esses versos estabelecem a diferença entre a metafísica do yoga e
o que é conhecido como idealismo, algo comum a muitos ramos do
budismo. Idealismo é a filosofia de que tudo é simplesmente mental
ou construído mentalmente, e que não existe tal coisa como realidade
fora de sua mente.
O yoga apresenta a realidade de uma maneira mais prática, de acor-
do com o bom senso e alinhada com nossa experiência de vida, dife-
rente do idealismo.

25. Quando se alcança viveka, todas as indagações acerca do


eu encontram fim.
É natural e saudável ter dúvidas em relação ao eu, a Deus e à na-
tureza. É disso que se constitui toda a vida humana. Fazer perguntas
sobre a nossa existência e investigar isso é fazer ótimo uso desta vida.
De onde viemos? Para onde vamos? Não fazer tais perguntas é desper-
diçar a experiência humana.

151
Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

Mas uma vez que a perfeição tenha sido alcançada, todas as per-
guntas estarão respondidas. O que um dia pareceu muito complicado
se torna simples. Todas as suas dúvidas se vão quando você experimen-
ta a realidade espiritual. Você terá direta percepção da transcendência
neste caminho.

26. Focada em viveka, a mente gravita em direção a kaivalya.


Quando a mente está em um estado de conexão e alerta espiritu-
al, ela naturalmente gravita em direção à liberdade espiritual pura,
kaivalya.
Uma pessoa esfomeada pensa em comida. Uma pessoa luxuriosa
pensa em sexo. Uma pessoa gananciosa pensa em dinheiro. E um yogi
que vê a distinção entre matéria e espírito naturalmente pensa e fala
sobre kaivalya.

27. Quando a mente se torna distraída, outros pensamentos


surgem, de acordo com as impressões subliminares anteriores
da pessoa.
Até que a liberação final seja alcançada e você esteja realmente
fora daqui, pensamentos não-ióguicos virão de uma maneira “on-off”.
Quando você está on, você está focado, em viveka, em conexão amo-
rosa. Então, a mente escorrega e você dá consigo pensando em algo
mundano, em esquecimento de Deus e de sua identidade espiritual.
Quanto mais avançado você é, mais você fica on. Você tem que
trabalhar isso, fazendo um esforço constante. Quanto mais você faça,
mais natural se tornará. Porque você se sente melhor e rende mais
quando está on, você tem todo o incentivo de que precisa.

152
Kaivalya-pada

28. Remover essas distrações remove todo o sofrimento.


À proporção que, mediante a prática, você pouco a pouco purifica
sua mente, você experimenta crescente paz e bem-aventurança. Você
pode facilmente detectar que pensamentos nascidos do apego munda-
no são problemáticos e perturbadores. Você experimenta diretamente
que você fica melhor quando tem consciência de Deus e de sua identi-
dade espiritual, vendo como tudo flui naturalmente e como suas ações
e suas palavras trazem os melhores resultados possíveis.

29. Para aqueles em viveka que não se apegam nem mesmo


aos frutos de sua sabedoria, vem o samadhi, com uma
abundância de dharma.
Viveka traz à tona todos os tipos de maravilhosos benefícios – desde
a paz até superpoderes ióguicos – para se viver melhor aqui e agora. Em
última instância, porém, o yogi se torna desapegado de todos eles, visto
que são manifestações da ilusão da vida material. Nesse estado, ele ou ela
atinge a perfeição do dharma: completa consciência espiritual.
Como você deve se lembrar, dharma pode significar “essência”.
Nossa essência mais profunda e real é nossa identidade espiritual e co-
nexão com Deus. Na perfeição do yoga, experienciamos esse intermi-
nável e maravilhoso dharma em bem-aventurança ilimitada por toda
a eternidade.

30. A partir disso, todo sofrimento e karma terminam.


Isso é a liberação. Liberdade de todo karma. Liberdade de todo
sofrimento. Para sempre.

153
Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

31. Neste ponto, todas as impurezas são superadas, e surge


conhecimento ilimitado.

Houve muitos sutras sobre o estado de completo conhecimento do


yogi, então devemos examinar isso mais de perto para dispersar qual-
quer entendimento errôneo.
O estado em que o yogi conhece tudo nada tem a ver com a onis-
ciência de Deus. Deus sabe tudo porque Ele está em toda parte e com
todos desde sempre, e possui memória e lembrança em perfeição.
Em contraste, o yogi, após incontáveis vidas em escuridão, apenas
recentemente saiu da lama, de modo que ele não tem acesso a toda a
informação de todos os diferentes universos, das infinitas almas, por
toda a eternidade. Claramente, seria impossível acessar, e muito me-
nos processar, todos esses dados.
O yogi, no entanto, pode entender tudo de uma maneira geral. To-
das as dúvidas são removidas. Tudo que ele ou ela precisam conhecer é
conhecido. Todas as decisões estão ali perfeitamente claras e corretas.
Para compreender isso melhor, podemos citar o verso 15.15 da
Bhagavad-gita, em que Krishna explica que todo conhecimento, es-
quecimento e lembrança vem dEle. O yogi, portanto, recebe de Deus

154
Kaivalya-pada

toda orientação de que precisa, sem a interferência de uma mente anu-


viada ou distraída.

32. Esse conhecimento perfeito finda o envolvimento com os


gunas e suas intermináveis transformações para o yogi, agora
estando cumprido o seu propósito.
Com conhecimento perfeito, o yogi se livra da ilusão, começando
pela desidentificação com a matéria e o corpo. Não estando mais con-
fuso, com perfeito viveka, o yogi vive sua existência espiritual pura.
O yogi não precisa mais dos gunas. Ele ou ela não precisa mais da
experiência de realidade virtual na forma da vida material, dado que
não há mais necessidade de buscar nenhuma situação material.
Um jogador de videogame pode parar de jogar a qualquer momen-
to. Sem mais interesse no mundo dos jogos eletrônicos, avatares, ou-
tros jogadores, os poderes ou objetivos no jogo, o jogador não precisa
mais disso.
Da mesma forma, o yogi sai do jogo do samsara e não precisa mais
dos gunas para jogar. Ele ou ela descobriu agora algo que lhe preenche
muito mais.

33. Essa transformação é reconhecida no fim de uma


sequência de momentos.
Conforme você traz sua mente para o aqui e agora em intenso
mindfulness, você pode perceber melhor a distinção entre você e a rea-
lidade material. Nesse momento, o fluxo de coisas no mundo material
parece parar, interrompendo seu domínio sobre nós, mesmo que por
um breve instante.

155
Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

A vida no mundo material é uma sequência de tais momentos, e à


medida que você traz sua atenção para si mesmo, para o testemunhar
dessa sequência, você experimenta viveka.

34. Kaivalya é quando os gunas se retraem, a alma vê que


não há valor algum na existência material, e o poder da
consciência se situa em sua identidade espiritual pura.

Eis o grand finale dos Yoga Sutras – um lindo sutra definindo a per-
feita liberdade e liberação no yoga.
A existência material tem dois propósitos. Por incontáveis eras, ser-
ve a alma proporcionando-lhe uma existência ilusória após a outra,
de acordo com os desejos e méritos da alma desorientada. Então, ao
fim da jornada da alma através do reino da existência material, esses
mesmos gunas a ajudam a alcançar a liberdade.
É importante se lembrar deste trecho do sutra: “A alma vê que
não há valor algum na existência material.” Repita isso para si mes-
mo sempre que seus desejos mundanos estiverem ganhando de você.
Shunya-artha = “zero valor”.

156
Kaivalya-pada

Melhor ainda, liberação significa que você passa a ser você de novo.
Completamente você. Você redescobre sua pura identidade espiritual
como uma pessoa de amor interminável na companhia de almas in-
finitamente belas e face a face com o Senhor Supremamente Amável.

157
Conclusão

Não fique surpreso se você não entendeu muito do conteúdo desta


obra. Patanjali não compôs os Yoga Sutras com você em mente, a me-
nos que você seja um místico de 2000 anos de idade no meio de uma
selva indiana.
Algumas partes deste livro simplesmente não são para você e para
mim. Nós não precisamos de dicas em relação a como desenvolvermos
superpoderes com formas avançadas de meditação. Isso é como expli-
car a uma pessoa que não tem onde cair morta as diferentes opções de
decoração de um iate de luxo. Não é muito útil. De igual modo, você
provavelmente não aceitava o idealismo budista, de modo que você
não precisa de dezenas de sutras derrotando essa ideia.
E, em geral, não precisamos de livros explicando tópicos difíceis,
sobre os quais não sabemos nada, de uma maneira enigmática.

159
Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

Mas, tendo dito isto, espero que você tenha notado o valioso reser-
vatório de insights que você pode ter neste livro. Tentei evidenciar as
coisas boas, e sei que você pode se beneficiar com isso.
Também espero que você não pare por aqui. Se esta é a sua primei-
ra vez no reino da sabedoria do yoga, há muito mais para você. Ainda
melhor do que os Yoga Sutras é a Bhagavad-gita. A Gita é muito mais
popular do que os Yoga Sutras e tem muitas vantagens:

1. É muito maior. Com 701 versos – não apenas sutras compac-


tos, mas versos de verdade, metrificados –, apresenta muito
mais informação, e de uma forma mais fácil de entender.
2. Seu público alvo somos você e eu. O livro se desenrola como
uma conversa entre Deus e Arjuna, um grande guerreiro que
começa a ter o pior dia de sua vida. Arjuna é um homem
do mundo. Ele tem um emprego, responsabilidades, família,
posses e uma tonelada de estresse.
3. Não existe uma só linha na Gita que não possamos aplicar
nos dias de hoje. É universal e atemporal, cheio de sabedoria
profunda e instruções práticas.
4. Pela estimativa tradicional, é milhares de anos mais antigo
do que os Yoga Sutras. Ele se apresenta como a original re-
introdução do yoga na Terra. Trata-se do texto mais antigo,
bem preservado e estimado acerca de espiritualidade, yoga, a
alma, karma, reencarnação e Deus.

Existem muitas versões da Gita. Recomendo o Guia Completo da


Bhagavad-gita com Tradução Literal, de H.D. Goswami, meu mestre
espiritual. Ele o escreveu com a bagagem de quase cinquenta anos de

160
Conclusão

prática profunda do yoga, enriquecidos por seu doutorado em Sânscri-


to e Estudos Indianos, pela Universidade de Harvard. É uma edição
brilhante, autêntica e profunda, e não desviará você com traduções
baratas ou interpretações deturpadas do texto original.
Recomendo mais uma vez que leia meu outro livro, O Caminho
3T. As escrituras antigas são maravilhosas, mas é essencial ouvir uma
apresentação moderna de todo o caminho do yoga se você realmente
quer praticá-lo hoje. Em O Caminho 3T, você encontrará um guia
passo a passo do que realmente é o yoga e de como você pode aplicá-lo
em sua vida. A informação é apresentada de uma maneira harmônica
com nosso modelo de pensamento moderno e sistemático, com téc-
nicas práticas, sugestões e dados de pesquisas científicas contempo-
râneas. Diariamente recebo feedbacks incríveis de pessoas que, por se
valerem desse livro, estão mudando de vida.
Por fim, não apenas leia sobre yoga – pratique. Torne o yoga parte
de sua vida. Dê uma chance a essa prática e você verá como ela é po-
derosa. Se você já faz asanas e um pouco de meditação, vá mais fundo.
Utilize as informações neste livro, na Gita e em outras obras para libe-
rar seu pleno potencial e, deste modo, criar uma vida maravilhosa para
você e para as pessoas à sua volta.

Concluído em 17/12/17, no Paraíso dos Pândavas

161
Sobre o autor
Giridhari Das, ou apenas Giri, é um palestrante, autor e instru-
tor no campo da autoajuda, autorrealização em yoga e consciência de
Krishna. Pratica bhakti-yoga, o yoga da devoção, e trabalha com au-
torreforma há mais de 20 anos. Sua missão é apresentar o Caminho
3T, um processo transformador para enfrentarmos e transcendermos
os desafios da vida no século 21, com base no conhecimento do yoga,
fundamentado tanto nos antigos textos sânscritos como nas pesquisas
mais recentes nos campos da psicologia positiva e neurociência. O Ca-
minho 3T pode ser facilmente compreendido e aplicado como um meio
para o autoaprimoramento e a autorrealização no mundo de hoje.
Giri nasceu em Praga, em 1969, como Gustavo Dauster, filho de
um diplomata brasileiro. Poucos anos depois, ele e sua família retor-
naram para o Brasil, onde permaneceu até os 9 anos. Então, mudou-se
para Londres, onde viveu pelos próximos 8 anos e estudou na Ame-
rican High School. Mais tarde, passou um ano nos Estados Unidos,
na Brown University, e, após se mudar em definitivo para o Brasil,
completou sua graduação em Economia.
Sua carreira estava apenas começando quando foi introduzido ao
caminho do bhakti-yoga por um contato de negócios. Ele lhe falou
sobre a consciência de Krishna, e sua esposa lhe deu uma cópia do
Bhagavad-gita Como Ele É. Giri se impressionou com o conhecimento
encontrado ali e logo se comprometeu seriamente com o estudo e
prática diária do processo.

163
Os Yoga Sutras de Patanjali - Revolução

Em 1993, conheceu Hridayananda Dasa Gosvami Acharyadeva,


seu mestre espiritual, e, após estabelecer com ele uma relação de dis-
cípulo, foi iniciado formalmente, em 1998, recebendo o nome espiri-
tual Giridhari Das.
Por muitos anos, participou ativamente na ISKCON em várias
posições de administração e liderança no Brasil. Por 10 anos, foi res-
ponsável pelo ramo brasileiro da BBT, a editora do Movimento Hare
Krishna, e, depois disso, serviu por muitos anos como presidente do
corpo governamental da ISKCON Brasil.
Hoje, é proprietário e diretor do yoga-resort Paraíso dos Pânda-
vas, na Chapada dos Veadeiros, onde vive com sua esposa, Charana
Renu Dasi (Rhiannon Dauster), e seus dois filhos, Bryn Govardhana e
Macsen Krishna. Conheceu Charana no País de Gales, em 2007, en-
quanto excursionava com seu mestre espiritual. Ela também pratica e
ensina bhakti-yoga, desde 1999.
Também educa estudantes e visitantes em outros centros de estu-
do no Brasil e pelo mundo e, já há muitos anos, ensina e orienta por
e-mail qualquer um interessado. Recentemente, sentiu a necessida-
de de alcançar uma audiência maior, iniciando, assim, em 2014, um
canal no Youtube para esse fim. Atualmente, grava vídeos para dois
canais no Youtube em português, e um em inglês. Também publicou
quatro livros sobre yoga e autorrealização em português, e o Caminho
3T em inglês.
O foco de seu ensinamento é o Caminho 3T, uma apresentação
moderna e sistemática do antigo caminho de autoaprimoramento e
autorrealização em yoga e consciência de Krishna. Desenvolveu o Ca-
minho 3T após muitos anos dedicados a estudos e práticas, a fim de

164
Sobre o autor

compartilhar sua experiência e suas realizações em bhakti, e abordar as


necessidades e os desafios do homem contemporâneo.

165
COLETIVO
EDITORiAL

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