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Niterói
2017
Projeto Experimental em Jornalismo
Iacs/UFF
Niterói
Julho/2017
AGRADECIMENTOS
Primeiramente, gostaria de salientar que esse trabalho não seria possível sem os
esforços dos meus pais em me proporcionarem uma excelente educação, que serviu de base
para o ingresso na Universidade Federal Fluminense e a conclusão do curso de jornalismo.
Obrigado, Margareth e José, por toda atenção e carinho que tiveram comigo ao longo dos
meus 23 anos de vida. Cada conquista minha foi, é e será dedicada a vocês.
Por fim, aos amigos e amigas com os quais tiver o prazer de vivenciar ótimos
momentos nessa jornada – e destaco os “parças” Bruno Marques, Gabriel Rolim e Thiago
Vaz – um forte abraço. Espero que possamos ter outras experiências inesquecíveis na etapa
que vem pela frente. Sem sombra de dúvidas, os anos como estudante da UFF foram os mais
legais da minha vida e isso se deve a vocês.
RESUMO
Considering the present context, in wich evangelical churches grow up and expand their
political power in Brazil, this essay looks to analyse two interviews granted by pastor Silas
Malafaia: one for the talk-show The Noite, in march of 2014 and the other for TVeja in june
of 2015. Its main goal is to observe the operation of pentecostal discourses on one of its most
prominent voices. We used the French Discourse Analysis to guide us in this course,
bringing the contribution of renowned theorists, such as Michel Pêcheux, Jean-Jacques
Courtine and Eni P. Orlandi. Throughout the chapters, we talked about the history of the
pentecostal moviment, the process of religious mediatization, besides the role of the
interview announcers and the discourse analysis produced by the religious leader.
1. INTRODUÇÃO
Este trabalho surgiu da formação religiosa do autor - que viveu sua juventude entre
sacramentos e encontros na Igreja Católica - aliada ao senso crítico adquirido nos anos de
graduação no curso de Comunicação Social, com habilitação em jornalismo, na
Universidade Federal Fluminense.
1
Sobre esta discussão, a agência responsável pelo Grande Dicionário Houaiss lançou a campanha
#todasasfamílias, que propõe uma atualização do termo através de sugestões da população. Essa iniciativa
remete à afirmação de Michel Pêcheux, que diz: “não há dominação sem resistência” (PÊCHEUX, 1995 p.
304)
2
Entidade que reúne pastores de denominações evangélicas de todo o Brasil.
7
e conta com mais de 200 mil usuários inscritos em seu canal no Youtube, onde reproduz os
episódios do programa Vitória em Cristo, além de veicular vídeos curtos em que se posiciona
a respeito de temas pontuais da nossa agenda política.
A segunda entrevista – realizada por um veículo conhecido pela forte oposição aos
governos petistas de Luiz Inácio Lula da Silva (2002 a 2010) e Dilma Roussef (2010 a 2016)
– foi realizada durante o começo da atual legislatura no Congresso (a mais conservadora
desde a redemocratização do Brasil), quando as discussões sobre o impeachment da ex-
presidente Dilma se tornavam cada vez mais frequentes na política nacional e na mídia. Além
disso, o na época recém-empossado presidente da Câmara, Eduardo Cunha (aliado de Silas
3
The noite. The Noite (31/03/14) - Silas Malafaia - Exclusivo - Sem Cortes na Web. 31 de março de 2014.
Disponivel em: <https://www.youtube.com/watch?v=TTm7tFNarF8>. Acesso em 28 Junho 2017.
TVeja. 'Presidir uma nação não é função para incompetentes', diz Silas Malafaia. 22 de junho de 2015
Disponivel em: <https://www.youtube.com/watch?v=co8PL4VdWzA> e Veja.com - Silas Malafaia sobre O
Boticário, Babilônia, redução da maioridade penal e outros temas. 22 de junho de 2015. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=AY0pwYT0zAo>. Último acesso em 1 de julho de 2017.
8
Neste mesmo capítulo, trataremos das relações entre mídia e religião, focando na
atuação das igrejas neopentecostais por meio da televisão e a linguagem audiovisual. O livro
“Mídia e poder simbólico”, de Luis Sá Martino, além de autores como Muniz Sodré, Douglas
Kellner e Eugênio Bucci são fundamentais para nos ajudar a problematizar os valores
difundidos e as estratégias usadas pelas igrejas neste processo de midiatização.
Mais à frente, no terceiro capítulo, vamos tratar das condições de produção dos
discursos nas entrevistas, segundo a visão proposta pelo linguista francês Michel Pêcheux.
Os contextos sócio-políticos das entrevistas serão importantes para entendermos as posições
dos entrevistadores e do pastor Silas Malafaia em ambos os casos. Utilizaremos as
contribuições de Eni Orlandi (2009), Edgar Morin (1973), Júlia Lery (2015), os artigos de
Fernanda Maurício Silva (2009), Arlindo Machado (1999) e Itania Maria Mota Gomes
(2007) para comparar as discursividades do gênero talk-show e a entrevista jornalística, bem
como o posicionamento dos apresentadores que se constitui discursivamente em ambos os
casos.
4
Acerca do conceito, Orlandi afirma que o indivíduo é interpelado como sujeito do discurso, assumindo
posições em uma determinada conjuntura sócio-histórica. Em outras palavras, “não há discurso sem sujeito e
não há sujeito sem ideologia (...) é assim que a língua faz sentido” (2009, p. 17).
9
Após mais de 40 anos de domínio das duas denominações citadas, teve início o que
o autor designou como a segunda onda do pentecostalismo brasileiro. Em São Paulo, na
década de 1950, dois ex-atores de filmes de faroeste do cinema americano, Harold Willians
e Raymond Boatright, trouxeram para o Brasil – à frente da Cruzada Nacional de
Evangelização, ligada à Igreja do Evangelho Quadrangular (São Paulo, 1953) – a crença na
cura divina, que se tornou a principal mensagem do evangelismo de massa. Ambos os
missionários difundiram esta nova corrente através do uso do rádio – que era rejeitado pelas
igrejas anteriores por ser considerado “mundano” e “diabólico” – e da exploração de espaços
públicos, tais como estádios de futebol, ginásios esportivos, teatros e cinemas (MARIANO,
2012).
EUA com o mesmo corpo doutrinário trazido pelos missionários estrangeiros que fundaram
a Assembleia de Deus e a Congregação Cristã (MARIANO, 2012). Ainda nos termos de
Mariano:
É neste momento que nos aproximamos do recorte deste trabalho. A IURD, segundo
o censo do IBGE de 2010, conta com mais de 1 milhão e 800 mil fiéis, o que a coloca na
liderança entre as igrejas neopentecostais – a respeito do pentecostalismo como um todo,
Assembleia de Deus (mais de 12 milhões) e Congregação Cristã (mais de 2 milhões) lideram
este ranking.
Decorre disso, segundo o autor, dois problemas a serem considerados: o primeiro diz
respeito à falta de homogeneidade teológica entre as denominações desta vertente, já o
segundo se refere à crescente influência exercida pelas igrejas neopentecostais sobre as
demais e a ânsia destas de absorverem e reproduzirem as novas crenças e práticas de sucesso
e agrado das massas, em outras palavras, ocorre um processo de “neopentecostalização”
(MARIANO, 2012, p. 39). Segundo Mariano:
Assim como Max Weber, em sua obra A ética protestante e o espírito do capitalismo
([1904] 2001), estabeleceu o grau de influência da ética racional da ascese protestante no
espírito da moderna vida econômica (capitalista), outros autores percorreram a mesma linha
de raciocínio, imbricando discurso capitalista e elementos teológicos do protestantismo –
em nosso caso, dos movimentos pentecostais.
Trabalhar dentro da vocação era desejado por Deus e se tornava uma forma de
expressar o amor fraternal. O Calvinismo levou essa ética mais além, trazendo o conceito de
predestinação – segundo o qual apenas alguns indivíduos eram escolhidos para receber a
graça divina – que obrigava os fiéis a realizarem obras sociais, a fim de obter a certeza na
salvação. E quanto mais racionalizado fosse o trabalho, mais valor esta ação teria perante
Deus (WEBER, [1904] 2001).
Não obstante, o “contexto histórico em que teve início o avanço das igrejas
neopentecostais no Brasil foi de extrema pobreza, violência, autoritarismo e influência
americana” (MOREIRA, 2011, p. 6). A Igreja Católica teria perdido um pouco da capacidade
15
O pastor Silas Malafaia se identifica com esta nova corrente, rompendo inclusive
com a tradicional Assembleia de Deus e fundando sua própria igreja, a Assembleia de Deus
Vitória em Cristo, que é voltada, sobretudo, para a cura espiritual e a defesa da prosperidade
material. Em seus vídeos, Silas reproduz esta ideologia defendendo a oferta do dízimo por
parte dos seus adeptos como sinal da fé, principal estratégia das igrejas neopentecostais para
arrecadar recursos e expandir seus espaços de influência (CAMPOS, 2008).
O uso cada vez mais intensivo da mídia pelas religiões ocorre, segundo Martino
(2011), à procura de uma legitimação perante a sociedade. Já Cunha (2014, p. 5) afirma que
“além da propagação da fé cristã por meio da pregação religiosa, verifica-se a presença
religiosa nas mídias como estratégia de visibilidade (publicidade institucional) e formação
de um mercado religioso com a oferta/venda de produtos”.
5
O filme “Os Dez Mandamentos ”, da TV Record, tornou-se a maior bilheteria do cinema brasileiro. Ver “'Os
Dez Mandamentos' bate recorde de bilheteria 'esgotando' salas vazias”, reportagem disponível em:
http://folha.com/no1759482
21
Portanto, é fundamental considerarmos quem é a pessoa que está falando: que grupo
ela representa? Quais posições ideológicas constituem seu discurso? Quais imagens ela faz
de si mesmo e da audiência, ou seja, os sujeitos a quem se dirige? Essas questões serão
necessárias para analisarmos o discurso do Silas Malafaia nos dois casos utilizados como
corpus de análise: a entrevista para a TVeja e para o talk-show The Noite.
Mesmo tendo sido realizadas em datas muito próximas, os momentos políticos nos
quais as duas entrevistas estão inseridas divergem em alguns pontos. Entender essas nuances
será necessário para compararmos os discursos do pastor nos programas The Noite (março
de 2014) e TVeja (junho de 2015).
Ao mesmo tempo, o Congresso decidia sobre temas sociais importantes para agenda
política nacional, como o projeto de criminalização da homofobia, que seria derrotado em
novembro de 20137, e o começo das discussões sobre o Estatuto da Família – conjunto de
6
G1. Calendário: datas das eleições 2014. Disponível em
<http://g1.globo.com/politica/eleicoes/2014/noticia/2014/05/confira-principais-datas-do-calendario-oficial-
das-eleicoes-2014.html>. Último acesso em 8 de julho de 2017.
7
Por falta de consenso, o Projeto de Lei do Senado (PLS) 122/2006 – da criminalização do preconceito pela
orientação sexual e identidade de gênero – não seria votado na Comissão de Direitos Humanos e Legislação
Participativa do Senado em novembro de 2013. Ao mesmo tempo, o projeto que liberaria a “cura gay” era
discutido na Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, presidida na época pelo pastor Marco
Feliciano (PSC-SP), aliado de Silas Malafaia. UOL. No Senado, falta de consenso impede votação de
projeto que criminaliza homofobia. 20 de novembro de 2013. Disponível em:
<https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2013/11/20/no-senado-falta-de-consenso-impede-
23
11
Indursky (2016), fala da onda de protestos conhecida como as Jornadas de Junho, que tiveram início no mês
de janeiro de 2013 e reuniram diversos enunciados e sujeitos políticos nas ruas. O movimento – cuja bandeira
inicial consistia em lutar contra o aumento das tarifas de ônibus – atingiu às massas em junho e novas demandas
se fizeram presentes, assumindo um posicionamento contra as ações governamentais. E a mídia tradicional
teve um papel importante ao deslocar os sentidos produzidos nos seios das manifestações, generalizando esses
enunciados políticos em torno das críticas destinadas à então presidente Dilma Rousseff e o Partido dos
Trabalhadores.
12
Estadão. Lindbergh e o pastor Malafaia, cada diz mais próximos. 27 de dezembro de 2013. Disponível
em: <http://politica.estadao.com.br/blogs/roldao-arruda/lindbergh-farias-afina-dobradinha-com-pastor-silas-
malafaia/>. Último acesso em 6 de julho de 2017.
13
Disponível em: <http://veja.abril.com.br/>.
14
Poder 360. Jornais e revistas continuam avançando em 2017 com suas edições digitais. Disponível em:
<https://www.poder360.com.br/midia/jornais-e-revistas-continuam-avancando-em-2017-com-suas-edicoes-
digitais/>. Acesso em 8 de julho de 2017.
15
Disponíveis em: <https://www.youtube.com/user/vejapontocom>
25
o PT será extinto? ” (24 de março de 2015); e “Caio Blinder: ‘PT é conivente com anti-
semitismo do Hamas’” (13 de setembro de 2014). Veremos mais à frente que a então
apresentadora Joice Hasselmann mobiliza os mesmos sentidos no percurso discursivo, se
inserindo em um contexto político bastante distinto do primeiro corpus de análise.
16
UOL. Bancada evangélica cresce e mistura política e religião no Congresso. 19 de outubro de 2015.
Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2015/10/19/bancada-evangelica-cresce-
e-mistura-politica-e-religiao-no-congresso.htm?cmpid=copiaecola>. Último acesso em 8 de julho de 2017.
17
Gospel Prime. Bancada Malafaia: Seis candidatos apoiados pelo pastor se elegem. 7 de outubro de 2014.
Disponível em: <https://noticias.gospelprime.com.br/bancada-malafaia-candidatos-elegem/>. Último acesso
em 8 de julho de 2017.
18
O discurso do ódio ao PT e os programas sociais desenvolvidos pelo governo federal atraiu manifestantes da
classe média, fazendo funcionar as ideologias de centro, centro-direita e até extrema-direita, que se
materializou na posição-sujeito fascista contra o comunismo (INDURSKY, 2016).
19
A MP 668, aprovada em junho de 2015, livraria os pastores evangélicos da cobrança de impostos relativos
às comissões que ganham sobre o dízimo e o arrebatamento de fiéis.
26
Para atingir este objetivo, nos falta aprofundar os conceitos de entrevista e talk-show,
além de compreender melhor os posicionamentos dos apresentadores nos dois casos. Vamos
agora falar dos gêneros televisivos: qual a importância em classifica-los e entende-los? O
que difere o talk-show da simples prática da entrevista?
Gomes (2007) traz uma visão diferente de gênero, em que aparece a figura do
receptor com considerável importância na classificação dos produtos midiáticos. Ela pontua:
O riso cínico torna-se marca desses programas, sendo gerado através da ironia e da
ironia satírica (relacionada à humilhação de algo ou alguém que fuja dos padrões sociais
hegemônicos). Trata-se, conforme Lery (2015), de um processo ligado ao sensacionalismo
como forma de atrair o público para estes novos produtos midiáticos.
Não existe plateia, fala-se exclusivamente para quem está assistindo ao vídeo.
Portanto, a conversa funciona discursivamente como um diálogo imaginariamente projetado
para esclarecer o público e não para entreter a audiência. Desse modo, temos a produção de
entrevistas conforme exposta em Morin, segundo o qual essa prática “é uma comunicação
pessoal tendo em vista um objetivo de informação” (1973, p. 115).
Nesse sentido, Julia Lery reafirma uma aproximação da entrevista com o jornalismo,
em contraposição ao caráter de entretenimento dos talk-shows:
Veremos a seguir como os apresentadores, nos dois casos analisados, contribuem nos
processos discursivos das entrevistas, para então analisar os posicionamentos do sujeito Silas
Malafaia. Em nosso percurso de análise interessa-nos investigar quais posições discursivas
são assumidas no lugar de fala do pastor em momentos distintos.
A figura do Silas Malafaia, sem dúvida, desperta maior interesse nas entrevistas
analisadas. Em ambos os casos, ele se expressa livremente e atua com ampla liberdade
discursiva, sofrendo poucas interrupções. Porém, não podemos deixar de lado as posições
assumidas pelos apresentadores e quais imagens eles fazem sobre o entrevistado. Estes
deslocamentos vão influenciar o percurso discursivo da nossa análise.
Como já expusemos anteriormente, o formato dos programas TVeja e The Noite são
bastante distintos. O primeiro preza mais por produzir uma imagem de seriedade com relação
ao seu conteúdo, enquanto o segundo mescla jornalismo e humor, além de utilizar
excessivamente o recurso da ironia como elemento de uma abordagem cínica (LERY, 2015).
Sobre este gênero, a autora afirma:
É nessa lacuna que o sujeito apresentador se desloca, pois, ainda segundo Orlandi,
“na relação tensa do simbólico, com o real e o imaginário, o sujeito e o sentido se repetem e
se deslocam” (ORLANDI, 2009, p. 53). De outro modo, os discursos não são coerentes entre
si, há deslizes, falhas que fogem ao controle do enunciador, pois somos determinados por
inúmeras formas discursivas, aquilo que é possível e deve ser dito dentro das formações
ideológicas (ORLANDI, 2009).
“blindagem do humor” para seu conteúdo, mas mesmo assim alguns assuntos são tratados,
em determinados momentos, com extrema leveza e descontração, revelando essa relação
entre a apresentadora, Joice Hasselman, e o líder religioso.
Joice, que ao contrário do Danilo Gentilli é uma jornalista, ganhou fama entre os
cidadãos mais conservadores com os vídeos publicados em sua página pessoal do Facebook
e em seu canal do Youtube, que conta atualmente com mais de 400 mil inscritos. Nas
postagens, críticas aos governos petistas, movimentos sociais, sindicatos e elogios a alguns
políticos da direita brasileira.
22
Para Orlandi, estas representam o conjunto daquilo que se mantém em todo discurso, ou seja, o “mesmo
dizer sedimentado” (2009, p. 36) que é retomado no processo de produção de sentidos.
34
É de se esperar que alguém com essa trajetória mantenha uma postura questionadora.
E isso ocorre em determinados momentos do programa, quando, por exemplo, ele pergunta
sobre a expansão das igrejas neopentecostais, fortemente apoiado por um projeto político de
acréscimo de poder. Lembremos que a entrevista se inseriu num contexto sócio-histórico de
muitos embates entre setores e progressistas e conservadores, estes fortemente apoiados por
evangélicos, que realizaram, em junho de 2013, uma manifestação contra o aborto e o
casamento gay em frente à Esplanada dos Ministérios. Para fins de análise, iremos dividir
nossos corpora em sequências discursivas (SDs), que funcionam “como um filtro que torna
o corpus exaustivo e homogêneo” (COURTINE, 2006). Destacamos as SDs 1 e 2, que
demonstram um posicionamento questionador do humorista:
SD1 – Isso me leva a outra pergunta que diz respeito ao poder político, vamo
(sic.) chamar de massa de manobra evangélica. Tem a massa de manobra gay, a
massa de manobra da causa gay. A massa de manobra evangélica, você (Silas
Malafaia) tá dizendo que vai ser a maioria do país. O poder político da igreja
evangélica aqui tá ficando grande (GENTILLI, 2014).
SD2 – Você tá atuando como deputado? Por que eu e todo mundo acha que você
é deputado? Eu vejo você na Câmara mais do que muito deputado. Não pretende
se candidatar, nunca? (GENTILLI, 2014)
Isso também é marcado pela projeção que Gentilli realiza dos fiéis das igrejas
evangélicas, considerando-os “massa de manobra”, ou seja, uma visão pejorativa de um
23
Segundo Krieser, Aoki e Golembiewski (2009), ao colocar figuras da política brasileira em situações
constrangedoras, o programa Custe o Que Custar tornou-se uma sensação na televisão do país. O CQC, apesar
de usar recursos jornalísticos, como as reportagens e entrevistas, se aproximava mais do humor.
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grupo que seria manipulado para servir ao projeto de expansão (no caso, expansão política)
do movimento neopentecostal. Ele produz o mesmo efeito de sentido ao falar dos militantes
do ativismo LGBT, liderado na Câmara pelo deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), membro de
um partido de esquerda. Fica marcada, assim, a inserção do apresentador em uma formação
discursiva conservadora, ao mesmo tempo em que faz uma imagem negativa do
pentecostalismo.
‘1 gay é morto a cada 26hs?’? 140 heteros (sic.) são mortos a cada
24hs. Alguém aí come meu c# hj (sic.)? Só por segurança.
(GENTILLI, 2013)24
Nessa postagem, Danilo Gentilli teria feito uma ironia a respeito do relatório
divulgado pelo Grupo Gay da Bahia25, que apontou os altos índices de violência contra
homossexuais no Brasil: um gay morto a cada 26 horas. Sucedeu-se um embate nas redes
sociais com o deputado Jean Wyllys, uma disputa que é retomada no discurso do
apresentador, ao se referir à “massa de manobra evangélica” (na SD1).
24
Sobre a polêmica, o deputado-federal Jean Wyllys (PSOL-RJ), afirmou: “Não conheço até o momento
nenhum caso de homem que tenha sido cruelmente assassinado porque era heterossexual, ou seja, apenas pelo
fato de que gostava de ‘comer mulher’”. Brasil 247. A palavra dos mortos. 11 de janeiro de 2013. Disponível
em: <https://www.brasil247.com/pt/247/brasil/90310/A-palavra-dos-mortos.htm>. Acesso em 24 de julho de
2017.
25
Disponível em:
<http://www.ggb.org.br/Assassinatos%20de%20homossexuais%20no%20Brasil%20relatorio%20geral%20c
ompleto.html>. Último acesso em 9 de julho de 2017.
36
SD3 – “Diga-me com quem andas, que eu te direi quem és”, você se aliaria com
o líder evangélico que vendeu os seus valores em prol de poder político? Que se
aliou ao governo? Mesmo que os valores do governo sejam contra os valores da
fé cristãos? (GENTILLI, 2014)
Tal efeito de sentido – mesmo em uma situação de humor – reproduz a ideologia que
se materializa na linguagem. Essa posição conservadora é ainda reforçada com a conclusão
da pergunta, quando Danilo Gentilli se refere ao governo federal como anticristão,
silenciando o discurso de que o Partido dos Trabalhadores teria contado com o apoio de
setores do protestantismo. A relação entre Dilma Rousseff e a Igreja Universal do Reino de
Deus, por exemplo, era conhecida de todos, visto que Marcelo Crivella, bispo licenciado da
IURD, foi Ministro da Pesca por dois anos até março de 2014 e a até então presidente recebia
pastores e chegou a se encontrar com Edir Macedo em Londres, dois anos antes da entrevista.
A questão do aborto nos remete à memória discursiva da luta dos evangélicos contra
a legalização dessa prática no Brasil. Mais além, podemos falar da “guerra santa contra o
Diabo” promovida pelo pentecostalismo, na qual as religiões africanas, o álcool, as drogas,
a homossexualidade, a prostituição e o aborto seriam parte de uma estratégia maligna para
conquistar as consciências humanas. Haveria uma batalha entre Deus e o Diabo travada no
plano espiritual, cuja vitória de um dos lados depende dos hábitos e costumes adotados pelos
seres-humanos na Terra (MARIANO, 2012).
SD5 – Pastor, você tem aqui o livro, “O cristão e a sexualidade” você casou
virgem? (GENTILLI, 2014)
26
Disponível em: <http://blogs.universal.org/bispomacedo/2012/05/27/o-soar-das-trombetas/>. Acesso em 26
de junho de 2017.
38
SD6 – Do mesmo jeito, pastor, que você diz que não aceita o Estado interferindo
no planejamento familiar, a Igreja, a sua denominação, pode interferir no desejo
de dois gays quererem casar no civil, deixar herança um por outro, legalmente
falando, partilhar plano médico? (GENTILLI, 2014)
SD7 – Você falou agora há pouco que ninguém nasce gay, se a ciência provar
ao contrário, o senhor muda a sua opinião? (GENTILLI, 2014)
ficar 15 dias preso sob as acusações de desvio de dinheiro, importação ilegal, sonegação
fiscal e até charlatanismo.
Não pode ter timidez, peça, peça e quem quiser dá, dá, quem não
quiser não dá não dá e se tiver alguém que não quer ter um montão
que vai dá. Tem que ser no peito e na raça. Porque o povo quer vê
seu pastor com coragem, pastor brigando com o demônio [...] É isso
aí e ‘bota pra quebrar’, e dá cambalhota [...] (Disponível em
https://www.youtube.com/watch?v=9r2OmEPmUA8)
Voltando à nossa análise, em determinado momento da entrevista, Gentilli traz essa
memória das acusações de charlatanismo e projeta o Silas Malafaia na formação imaginária
de um empresário interessado tão somente no enriquecimento próprio e da sua igreja através
da exploração dos fiéis. Percebemos algumas marcas dessa projeção na sequência discursiva
8, marcada em expressões como “ganha-pão”, e nos termos “vender” e “publicidade”:
SD8 – Você tem uma oratória muito própria. Pastor é bom em oratória. É o
“ganha-pão” do cara. Toda oratória do pastor é voltada para vender a sua fé, a
publicidade saiu da Igreja. A oratória do pastor da força a qualquer discurso?
(GENTILLI, 2014)
SD9 – Se a visão que o povo tem de pastor é que pastor é dinheirista, um clichê
que no mundo secular acabou ficando. Não existe um trabalho de marketing para
tentar reverter esse clichê? (GENTILLI, 2014)
27
Época Negócios. Forbes lista os pastores mais ricos do Brasil. 18 de janeiro de 2013. Disponível em <
http://epocanegocios.globo.com/Inspiracao/Vida/noticia/2013/01/forbes-lista-pastores-milionarios-no-
brasil.html >. Último acesso em: 7 de julho de 2017.
40
“dinheiristas”. Já foi dito que ele foi membro de uma igreja ligada à corrente mais tradicional
do protestantismo, da qual algumas práticas se distanciam dos segmentos pentecostais. O
apresentador vai revelando essas marcas ao longo do discurso, o que explica sua posição
conservadora a respeito, por exemplo, da agenda LGBT.
É nesse mosaico de sentidos que Gentilli vai traçando seu percurso discursivo. Ele
assume dois posicionamentos – se inserindo nas formações discursivas progressista e
conservadora – e exerce papel fundamental no discurso do entrevistado. Na ausência de
perguntas diretas sobre a política nacional – devido à proximidade das eleições – as marcas
ideológicas dos interlocutores vão surgindo nessas lacunas, nesses deslizes, posto que
nenhum sujeito ou discurso é completo (ORLANDI, 2009).
28
Seu livro mais conhecido, “Sérgio Moro – a história do homem por trás da operação que mudou o Brasil”,
traz os bastidores da Operação Lava-Jato, que revelou esquemas de propina envolvendo a Petróbras e políticos
da base aliada do governo federal.
41
SD11 – O senhor tem sido um dos líderes religiosos mais polêmicos, mais
críticos e mais diretos em relação a esse governo do PT. A gente tem repetido
dia após dia, que nunca se viu na história do Mundo, um esquema de corrupção
tão grande quanto o “petrolão”. Nunca se viu na história do Mundo, um líder,
pelo menos no Mundo democrático, um líder como Luiz Inácio que tem plantado
uma semente tão maldita e tem dado esses frutos tão amargos que agora o país
está colhendo. Tenho repetido que, “Lula plantou, Dilma regou e agora quem tá
colhendo sem querer, é o povo brasileiro”. (HASSELMANN, 2015)
A jornalista também marca uma identidade com o discurso do ódio contra o Partido
dos Trabalhadores – apontado no subcapítulo 3.1 – se inserindo em uma formação discursiva
conservadora que funcionou nos dizeres dos manifestantes de classe média que foram às
ruas pela saída da presidente Dilma em 2015, reproduzindo o descontentamento da direita
com o resultado das eleições no ano anterior (INDURSKY, 2016).
SD12 – Eu vou pegar uma frase do final do seu vídeo, dizendo: “Jesus cura da
cachaça”. E da corrupção? Só Jesus mesmo pra dar jeito nesse país do PT? É só
milagre? (HASSELMANN, 2015)
29
Por ser uma empresa de sociedade mista (privada e estatal), a Petrobrás é um instrumento de atuação
econômica do Estado, devendo prevalecer o interesse público sobre o privado. Ver “A Petrobras além da
polêmica”. Coluna de Gilberto Bercovici e Walfrido Jorge Warde Júnior. 26 de agosto de 2014. Disponível
em: <https://www.cartacapital.com.br/revista/812/a-petrobras-alem-da-polemica-4806.html>. Acesso em 24
de julho de 2017.
30
Estadão. Petrobrás é o segundo maior escândalo de corrupção do mundo, aponta Transparência
Internacional. 10 de fevereiro de 2016. Disponível em: <http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-
macedo/petrobras-e-o-segundo-maior-escandalo-de-corrupcao-do-mundo-aponta-transparencia-
internacional/>. Último acesso em 10 de fevereiro de 2016.
31
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=R70-lVXQbfI&t=1s. Último acesso em 7 de julho de
2017.
43
Segundo afirmou Pêcheux, “todo processo discursivo supunha, por parte do emissor,
uma antecipação das representações do receptor, sobre a qual se funda a estratégia do
discurso” ([1969] 2010, p. 83), portanto, temos a projeção do Silas Malafaia, realizada pela
jornalista, em um sujeito portador da insatisfação do povo brasileiro e que teria a
credibilidade para falar de política; ao mesmo tempo em que essa discursividade se mistura
à formação imaginária do líder religioso, dotado de profundo conhecimento bíblico e
inclinado às posições mais conservadoras.
SD13 – O senhor mesmo disse, “eu já fui pró-Lula, errei até eu cair na conversa
do ex-presidente”. E depois disso, depois que o senhor viu que aquele pato era
44
ganso, ou aquele ganso era pato, o senhor resolveu adotar esse discurso muito
crítico e claro que houve tentativa de retaliação, o PT inclusive colocou a Receita
Federal pra investigar sua vida e não encontram nada. Ainda tão?
(HASSELMANN, 2015)
Para entender nosso objeto discursivo, também é necessário verificar a sua relação
de forças, ou seja, “o lugar a partir do qual fala o sujeito (e) é constitutivo do que ele diz”
(ORLANDI, 2009, p. 39). Já vimos que há uma equivalência de sentidos entre os
interlocutores evidenciada pela dominância da formação ideológica conservadora, inserida
no contexto de uma crise política em que os posicionamentos ideológicos se tornam mais
exacerbados na mídia.
SD14 – E o beijo gay, pastor? O beijo gay da novela? Tem duas mulheres lá, tem
uma frente evangélica contra o beijo gay. (HASSELMANN, 2015)
SD15 – Em relação à firmeza e ao tom ácido dessa frente ampla contra o beijo
gay, não tem exagero? É assim mesmo que tem que ser? (HASSELMANN,
2015)
No dizer da jornalista nas SDs 14 e 15, temos referência ao último capítulo da novela
“Amor à vida”, transmitida pela Rede Globo àquela época, quando foi registrado o primeiro
beijo entre gays em novelas da emissora. Silas se posicionou contra a cena em seu perfil no
Facebook, afirmando ser uma “afronta a família tradicional e ao Senhor” (MALAFAIA,
2015). Nos parece que o lugar do qual fala o sujeito Silas Malafaia prevalece no discurso e
ele assume uma posição de autoridade, como verificamos na SD15, quando Joice lhe
questiona, “É assim mesmo que tem que ser? ” e o autoriza a legitimar uma ação.
Além disso, Joice traz a memória de outra polêmica do pastor, ao questioná-lo acerca
da propaganda do Boticário, lançada próxima ao dia dos namorados daquele ano, em que
apareciam dois casais de homossexuais. O pastor havia postado um vídeo em seu canal
propondo um boicote à marca de perfumes. Ao relembrar o caso, a jornalista novamente
remete à memória discursiva da bancada evangélica, trazendo a declaração do pastor Marco
Feliciano – deputado-federal pelo PSC de São Paulo e um dos principais líderes da FPE –
45
de que Silas Malafaia teria agido de maneira equivocada. Vejamos como aparece este dizer
na sequência discursiva 16:
Na sequência discursiva 17, Joice questiona a respeito do que seriam “exageros” por
parte das igrejas, sendo até alvos de investigações do Ministério Público. Ou seja, ela traz
um sentido negativo para a prática de compras excessivas de horários na televisão. Surge
também a figura do Edir Macedo, na posição de principal líder dentre as denominações
evangélicas, que seria, na construção discursiva da apresentadora, um grande concorrente de
Silas Malafaia, relação evidenciada pela sua suposta aproximação da Globo. Mais uma vez,
comparece o discurso que reforça o sentido de incoerência entre os segmentos evangélicos,
tão presente na historicidade do protestantismo, marcado pela livre interpretação da bíblia.
Além disso, notamos que – apesar das fronteiras não tão claras entre um produto
essencialmente jornalístico e outro voltado para o humor – ironia, riso e momentos de
seriedade se misturam, potencializando alguns efeitos de sentido. Nas diferenças entre The
Noite e TVeja, acrescentemos ainda os formatos, posto que o primeiro se realiza como um
produto multimídia (TV/internet) e o segundo é veiculado apenas na plataforma do Youtube.
Acerca do funcionamento do sujeito, Orlandi afirma que este é pensado como uma
posição entre outras, sendo interpelado através da ideologia “para que se produza o dizer”
(2009, p. 46). Assim, os sujeitos vão significando no discurso em relação a um conjunto de
formações discursivas.
Ainda segundo a autora, “todo discurso é parte de um processo discursivo mais amplo
que recortamos e a forma do recorte determina o modo da análise e o dispositivo teórico da
intepretação que construímos” (2009, p. 64). Portanto, será de nosso interesse explorar as
formações discursivas que ligam os sujeitos à diversas filiações ideológicas. Relembrando o
conceito, as formações discursivas determinam o que deve e pode ser dito em condições
sócio-históricas dadas, segundo as “relações desenhadas pela ideologia” (ORLANDI, 2009,
p. 67).
Conforme já expusemos nos subcapítulos 3.1 e 3.2, essa entrevista foi realizada em
um momento de intensas articulações políticas, devido à proximidade do período de eleições.
Além disso, falamos também sobre o gênero talk-show, que mistura entretenimento com
jornalismo e confere uma blindagem ao enunciador, através de alguns recursos do humor,
como a ironia e a sátira.
Iniciamos nossa análise com um tema bastante polêmico, mas que constitui uma das
principais bandeiras da Frente Parlamentar Evangélica: a luta contra a aprovação de direitos
aos homossexuais. Como mostramos no subcapítulo 3.3, o apresentador Danilo Gentilli
questiona o pastor sobre o seu posicionamento a respeito da causa LGBT e de algumas
discussões que perpassavam na Câmara no período em que foi realizada a entrevista, como
o casamento homossexual e a criminalização da homofobia.
SD20 – 50% dos homossexuais passaram a ser depois que foram violados, como
crianças e adolescentes, como é que o cara nasce gay? (MALAFAIA, 2014)
SD21 – Eu sou contra qualquer tipo de coisa que foge àquele padrão que norteia
a sociedade. Eu não tô dizendo que tô proibindo o cara de ser gay, homossexual,
isso é problema de cada um, nem Deus proíbe. Deus diz o que vai acontecer
como consequência. (MALAFAIA, 2014)
SD22 – Qual é a área da ciência que pode determinar isso? É a genética. É a
genética que determina. Até hoje, meu filho, até agora e não vão achar, não tem
“gene gay”, não tem isso amigo. A ordem cromossômica é macho e fêmea.
(MALAFAIA, 2014)
SD23 – Sabe o que eles tão dizendo? Há uma tendência. Querido, vamos
devagar. Ter uma tendência, o ser-humano pode ter tendência de muita coisa. Se
é tendência, você determina se você quer seguir ela ou não, mas não é uma
condição. (MALAFAIA, 2014)
Silas Malafaia adere aos discursos que relacionam a homossexualidade com fatores
genéticos, tornando-os evidentes e naturalizando os sentidos de um debate que ainda é alvo
de controvérsia entre cientistas no Mundo inteiro32. Não foi a primeira vez que o líder
religioso reproduziu esse discurso, pois “o que já foi dito mas já foi esquecido tem um efeito
sobre o dizer que se atualiza em uma formulação” (ORLANDI, 2009, p. 82-83). Em uma
entrevista ao programa do Ratinho em maio de 2013, Silas havia reafirmado a sua convicção
no fato de que a homossexualidade é condicionada por traumas na infância e adolescência33.
32
Sobre a discussão: O Globo. Homossexualismo tem como causas genética e influência da testosterona.
11/12/2012. Disponível em:
<https://oglobo.globo.com/sociedade/ciencia/homossexualismo-tem-como-causas-genetica-influencia-da-
testosterona-7011907#ixzz4lnYllNSN>. Acesso em 3 de julho de 2017. Dráuzio Varela. Homossexualidade,
DNA e a ignorância. Site Drauzio Varella. Disponível em:
https://www.cartacapital.com.br/revista/872/dna-e-homossexualidade-4811.html. Acesso em 3 de julho de
2017.
33
Christian Post. Silas Malafaia responde novamente ao geneticista ‘mirim’ Eli Vieira no Ratinho:
‘ninguém nasce homossexual’. 31 de maio de 2013. Disponível em
http://portugues.christianpost.com/news/silas-malafaia-responde-novamente-ao-geneticista-mirim-eli-vieira-
no-ratinho-ninguem-nasce-homossexual-16848/. Acesso em 3 de julho de 2017.
50
aquele que fala a voz de Deus” (2003, p. 243) e Deus seria o Sujeito único absoluto, aquele
que interpela os indivíduos como sujeitos, submetendo-os a uma ordem espiritual superior.
Silas se posiciona como um porta-voz de Deus ao afirmar que “Deus diz o que vai
acontecer como consequência” (na SD21), uma referência direta ao que seria um
ensinamento bíblico. A intertextualidade também é outra marca do discurso religioso, “a
remissão de um texto a outros textos para que ele signifique” (ORLANDI, 2003, p. 259).
Mesmo falando de uma formação discursiva religiosa, Silas comete o deslize nos
sentidos que constituem o sujeito quando afirma: “a ordem cromossômica é macho e fêmea”
(na SD22). Dessa maneira, ele se desloca para uma formação discursiva científica, que,
historicamente, é antagônica do discurso das religiões. Retomando a contribuição teórica de
Orlandi, “o processo de produção de sentidos está necessariamente sujeito ao deslize,
havendo sempre um ‘outro’ possível que o constitui” (2009, p. 79).
Podemos aferir, inclusive, que este dizer se ressignifica em uma nova historicidade,
quando os discursos religioso e científico já não se encontram em polos tão opostos, visto
que, como já afirmamos no capítulo 2, as igrejas neopentecostais trazem consigo mesmas
um processo de secularização que assimilou elementos de outras discursividades, como o
apelo aos bens materiais do capitalismo e um pouco da racionalidade da ciência para se
legitimar perante à sociedade.
mesmo mecanismo pode ser encontrado na resposta de Silas Malafaia à revista Exame34,
quando questionado acerca do aborto:
34
Exame. ‘Raça ninguém escolhe. Ser gay é preferência’, diz Malafaia. 13 de junho de 2013. Disponível
em: <http://exame.abril.com.br/brasil/raca-ninguem-escolhe-ser-gay-e-preferencia-diz-malafaia/>. Acesso em
3 de julho de 2017.
53
SD25 – Isso é porque há um jogo pra te rotular como homofóbico. Isso que é o
jogo. Que é o preconceito. Se eu rotulo você de maneira preconceituosa, eu não
quero ouvir tua opinião. Joga o cara no preconceito, eu não preciso ouvir a
opinião dele. (MALAFAIA, 2014)
SD26 – Aqui é que tem jogo, aqui é que tem o dado: porque então a igreja
evangélica cresce? Se uma coisa pejorativa pra denegrir, era pra afastar, porque
ela cresce? Ela cresce porque, na verdade, as pessoas que vão lá, têm uma
experiência real de mudança de vida pra melhor. (MALAFAIA 2014)
SD27 – Agora, tem uma coisa que é importante que tem um jogo muito perverso,
um jogo subliminar perverso, esses fundamentalistas querendo dar uma ideia de
que nós evangélicos temos um fundamentalismo parecido com o
fundamentalismo islâmico. (MALAFAIA, 2014)
Reforma Protestante, quando os reformistas eram alvos de acusações e julgamentos por parte
da Igreja Católica.
Esse efeito de sentido é reforçado nas sequências discursivas 26 e 27, quando o pastor
fala das acusações de enriquecimento ilícito feitas na reportagem da revista Forbes, que
estimou seu patrimônio em cerca de R$ 150 milhões de dólares. Ele volta a mencionar o
“jogo” que seria traçado para “denegrir” a instituição e “afastar” (na SD26) os fiéis. Há
também uma retomada, através do termo “fundamentalismo” (na SD27), à memória dos
grupos terroristas islâmicos, quando Silas se refere às pessoas que estariam atacando sua
igreja. Mais uma vez, o conferencista subverte os sentidos, negando que eles próprios, os
neopentecostais, seriam fundamentalistas em relação ao conservadorismo que pregam nas
igrejas.
Ao mesmo tempo em que faz uma imagem de si como cidadão brasileiro, Silas se
insere na formação discursiva conservadora bastante próxima da direita política no Brasil e
assume o lugar de um sujeito claramente interessado em derrotar algumas pautas
56
35
Um dizer que ainda teve seu sentido deturpado, posto que o autor alemão não se refere à religião como uma
manifestação essencialmente negativa, mas como algo que “constitui ao mesmo tempo a expressão da miséria
real e o prosteto contra a miséria real (...) o suspiro da criatura oprimida, o ânimo de um mundo sem coração,
assim como o espírito de estados de coisas embrutecidos” (MARX, [1843] 2010, p. 145, grifo do autor).
57
materializa no dizer do pastor que, significando em relação ao não-dito, parece estar dizendo,
“se um defensor da ditadura pode ter voz na sociedade, por que eu não? ”.
36
Silas Malafaia. Cristão pode envolver-se com política? Verdade Gospel. 1 de outubro de 2012. Disponível
em
<http://www.verdadegospel.com/cristao-pode-envolver-se-com-politica/>. Acesso em 4 de julho de 2017.
58
espirituais. Para estes digo que não podemos espiritualizar tudo e pensar que
somos anjos e ainda não herdamos o céu. (MALAFAIA, 2012)
Silas comete um duplo equívoco quando vai criticar o que seria uma produção no imaginário
do senso comum acerca da Teologia da Prosperidade. Esse deslocamento de sentidos ocorre,
principalmente, quando o líder religioso traz a memória dos Estados Unidos como produtor
de valores:
37
Mike chegou a pedir, aos telespectadores de Silas Malafaia, a doação da quantia de R$ 1.000,00 no ministério
dele ou do Pr. Silas, para que estes pudessem alcançar bênçãos. Pastor Silas Malafaia e Pastor Mike
Murdock um jeito novo de pedir 1000,00 Mil Reais. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=vC1EksV6OSE>. Acesso em 4 de julho de 2017.
60
SD39 – Na discussão política, você não pode tirar o víeis ideológico das pessoas,
sejam eles sustentados em qualquer um, religiosos ou não. Por algum acaso,
Marx sabe mais do que Cristo? (MALAFAIA, 2015)
SD40 – Eu tô numa sociedade livre, a sociedade é livre. Se for pra todo mundo
pensar a mesma coisa, nós tamos então na ditadura do consenso, a ditadura de
opinião, então não é democracia. (MALAFAIA, 2015)
SD27 – O Estado democrático de direito é a liberdade da expressão. Se liberdade
de expressão é pra todo mundo pensar a mesma coisa, é ditadura da opinião.
(MALAFAIA, 2014)
O pastor retoma a memória do discurso liberal quando fala em “sociedade livre” (na
SD40) e apaga as marcas que revelam os discursos de ódio das igrejas neopentecostais contra
os homossexuais e outros grupos sociais que buscam espaço na arena política. Silencia
também alguns dos seus tweets e declarações públicas contra a causa LGBT, nos quais critica
a militância que atua em prol de questões como a união homoafetiva. Em 23 de abril de
2015, um dia antes de participar do programa Na Moral, da Rede Globo, ele postou: “A
62
38
Disponível em: <https://twitter.com/pastormalafaia/status/591456012042797056?lang=pt>. Acesso em 5 de
julho de 2017.
63
tema mais adiante, por enquanto, traremos mais dois exemplos acerca do funcionamento do
discurso neopentecostal contra os segmentos progressistas:
SD42 – Querem dizer que o Brasil é um país homofóbico? Isso deve ser uma
piada. Opinião não é homofobia. (MALAFAIA, 2015)
SD43 – O que é homofobia? É uma doença classificada na psiquiatria, a pessoa
que tem uma aversão, que quer agredir, quer bater, quer matar, que não suporta
a presença do outro. (MALAFAIA, 2015)
SD44 – Como é que esses caras querem dar o atestado de idiota ao povo, dizer
que não sabiam de nada? Como? Lula é o mandão do PT. Como é que ele não
sabe de nada? Que conversa é essa? Isso é conversa pra boi dormir, eu não sou
boi. (MALAFAIA, 2015)
64
39
Estadão. Aprovação do governo de Dilma Rousseff fica estável em pesquisa. 11 de abril de 2015.
Disponível em: <http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,aprovacao-do-governo-de-dilma-rousseff-fica-
estavel-em-pesquisa,1667976>. Acesso em 5 de julho de 2017.
40
Reinaldo Azevedo. O petrolão e as falácias de Dilma Rousseff. Ou: Uma presidente que promete que
tomou todas as providências contra a invasão dos marcianos. Ou ainda: Dilma admite sangria na
Petrobras. E ela fez o quê? Veja.com. 09 de setembro de 2014 Disponível em
<http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/o-petrolao-e-as-falacias-de-dilma-rousseff-ou-uma-presidente-que-
promete-que-tomou-todas-as-providencias-contra-a-invasao-dos-marcianos-ou-ainda-dilma-admite-sangria-
na-petrobras-e-ela-fez-o-que/>. Acesso em 5 de julho de 2017.
41
Ele pediu demissão da revista Veja em maio de 2017.
65
SD15: Em relação à firmeza e ao tom ácido dessa frente ampla contra o beijo
gay, não tem exagero? É assim mesmo que tem que ser? (HASSELMANN,
2015)
Ela produz um imaginário do líder religioso como um sujeito que enuncia desta
posição, reproduzindo a ideologia da maioria cristã de brasileiros. O discurso religioso, de
acordo com Orlandi, também funciona através do posicionamento autoritário dos locutores,
uma relação de interlocução que tende à monossemia (ORLANDI, 2003).
Nas sequências discursivas 44, 45 e 46, notamos também que o conferencista reforça
uma filiação à formação discursiva cristã conservadora, quando relaciona o seu dizer com
outros já-ditos no interdiscurso – entendido como “aquilo que fala antes, em outro lugar,
independentemente” (ORLANDI, 2009, p. 31) – e que, por sua vez, reproduzem a ideologia
neopentecostal. São os dizeres que se materializam, pelos mecanismos da paráfrase e da
polissemia, nas igrejas, através das pregações de pastores. Retornando aos “mesmos espaços
do dizer” (ORLANDI, 2009, p. 36) do discurso neopentecostal, mais especificamente aos
66
sentidos produzidos pela ideia da “guerra santa”, Silas causa uma ruptura no processo de
significação deste elemento teológico, aproximando seu funcionamento da formação
discursiva política conservadora e do contexto sócio-histórico em que estes dizeres foram
enunciados.
42
Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=cxutuNTDuUU >. Acesso em 5 de julho de 2017.
67
SD47 – Partidos são partes da sociedade. Eu não sou de partes, eu sou do todo.
Eu não fui chamado pra isso. Eu acredito, que o cara pra ser político é uma
chamada pra isso aqui, como é que eu posso ser pastor e ser político? Não dá.
(MALAFAIA, 2015)
SD48 – Por isso que o povo o brasileiro tem que entender isso. Nós temos que
entender que isso não é uma coisa de uma pessoa, isso não é uma coisa de uma
ideologia, isso é uma coisa da nossa nação gente, quem tá indo pro brejo é o
nosso país. (MALAFAIA, 2015)
Ao afirmar que lutar contra o governo petista não seria “uma coisa de uma ideologia”,
ele promove um silenciamento, através do silêncio constitutivo – aquele que diz por outras
palavras – das ideologias que atravessam o seu discurso, fazendo com que ele ressignifique,
se inserindo na historicidade, um dizer produzido durante um período ditatorial, no qual as
liberdades individuais e até mesmo o direito de manifestar opiniões contrárias ao governo –
do qual ele goza plenamente no discurso – são suprimidos violentamente.
SD51 – Um garoto de 13, 14 anos mata, mata, mata e não é responsável. Porque
ele não sabe nada. Agora vai pra escola, começa com o garoto lá de 16 anos a
dizer assim, ó: “se você for pego num crime, você pode desgraçar a sua vida e
passar 15 anos na cadeia”. Meu filho, o que tá faltando nesse país é uma
palavrinha bonita, é educação. (SILAS MALAFAIA, 2015)
seu discurso, o poder da autoridade em manter a ordem, seja nas escolas ou nas famílias,
conquanto que esses espaços funcionem como reprodutores da ideologia conservadora.
A pergunta que guiou nossa análise teve relação com as inúmeras formações
imaginárias produzida no discurso do pastor Silas Malafaia a respeito de si mesmo, dos seus
interlocutores e objetos discursivos, materializando, na linguagem, diversas posições
ideológicas.
SD20 – 50% dos homossexuais passaram a ser depois que foram violados, como
crianças e adolescentes, como é que o cara nasce gay? (MALAFAIA, 2014)
SD22 – Qual é a área da ciência que pode determinar isso? É a genética. É a
genética que determina. Até hoje, meu filho, até agora e não vão achar, não tem
70
“gene gay”, não tem isso amigo. A ordem cromossômica é macho e fêmea.
(MALAFAIA, 2014)
SD23 – Sabe o que eles tão dizendo? Há uma tendência. Querido, vamos
devagar. Ter uma tendência, o ser-humano pode ter tendência de muita coisa. Se
é tendência, você determina se você quer seguir ela ou não, mas não é uma
condição. (MALAFAIA, 2014)
SD42 – Querem dizer que o Brasil é um país homofóbico? Isso deve ser uma
piada. Opinião não é homofobia. (MALAFAIA, 2015)
SD43 – O que é homofobia? É uma doença classificada na psiquiatria, a pessoa
que tem uma aversão, que quer agredir, quer bater, quer matar, que não suporta
a presença do outro. (MALAFAIA, 2015)
Nas SDs 42 e 43, Silas traz novamente o viés psicológico do homem, remetendo
dessa vez ao discurso da psiquiatria, que também se materializa na entrevista anterior quando
ele afirma que a homossexualidade seria um comportamento de pessoas com tendências ao
que seria considerado, em seu dizer, como uma patologia. Da mesma forma ele direciona
sentidos para a homofobia ao relacioná-la como um ato exclusivo de violência física e faz
funcionar o silêncio local, “que é a censura, aquilo que é proibido dizer em uma certa
conjuntura” (ORLANDI, 2009, p. 83).
Nos funcionamentos das SDs acima, o conferencista produz sentidos que tangem à
ciência, ao racional e, simultaneamente, fala da posição de um líder religioso, interessado na
ampliação do seu poder político em benefício ao crescimento da sua igreja. Os
apresentadores também promoveram múltiplos engajamentos discursivos ao longo da nossa
análise contribuindo para determinar os sentidos do discurso. No caso da temática acerca
dos movimentos LGBT, podemos encontrar duas posições-sujeito distintas entre o Danilo
Gentilli (The Noite) e a Joice Hasselmann (Veja):
SD6 – Do mesmo jeito, pastor, que você diz que não aceita o Estado interferindo
no planejamento familiar, a Igreja, a sua denominação, pode interferir no desejo
de dois gays quererem casar no civil, deixar herança um por outro, legalmente
falando, partilhar plano médico? (GENTILLI, 2014)
71
SD7 – Você falou agora há pouco que ninguém nasce gay, se a ciência provar
ao contrário, o senhor muda a sua opinião? (GENTILLI, 2014)
SD14 – E o beijo gay, pastor? O beijo gay da novela? Tem duas mulheres lá, tem
uma frente evangélica contra o beijo gay. (HASSELMANN, 2015)
SD16 – Teve lá a propaganda do Boticário, dia dos namorados, insinuação do
casal gay, o senhor desceu o sarrafo, né? Até o Marco Feliciano disse, “não, o
Silas Malafaia deu um tiro no pé”, acabou entrando ali numa linha de choque
com o senhor. Como é que foi isso? O senhor se arrependeu de entrar de cara e
bater de frente com o Boticário? (HASSELMANN, 2015)
Tal engajamento também aparece na entrevista para o The Noite, porém, de uma
forma mais dissimulada. Encontramos essa relação interdiscursiva, por exemplo, na
significação do termo “jogo” nas duas SDs que analisamos:
SD27 – Agora, tem uma coisa que é importante que tem um jogo muito perverso,
um jogo subliminar perverso, esses fundamentalistas querendo dar uma ideia de
43
G1. PT e PMDB encolhem, mas mantêm maiores bancadas; PSDB cresce. 6 de outubro de 2014.
Disponível em:
<http://g1.globo.com/politica/eleicoes/2014/blog/eleicao-em-numeros/post/pt-e-pmdb-encolhem-mas-
mantem-maiores-bancadas-no-congresso-psdb-cresce-na-camara.html>. Acesso em 6 de julho de 2017.
73
SD12 – Eu vou pegar uma frase do final do seu vídeo, dizendo: “Jesus cura da
cachaça”. E da corrupção? Só Jesus mesmo pra dar jeito nesse país do PT? É só
milagre? (HASSELMANN, 2015)
Danilo Gentilli faz uma referência mais indireta ao governo federal, sem citar nomes
de partidos ou políticos, apenas valendo-se do termo “governo” ao significar, através das
relações interdiscursivas, o antagonismo da esquerda política contra os “valores da fé
cristãos” (na SD3):
74
SD3 – “Diga-me com quem andas, que eu te direi quem és”, você se aliaria com
o líder evangélico que vendeu os seus valores em prol de poder político? Que se
aliou ao governo? Mesmo que os valores do governo sejam contra os valores da
fé cristãos? (GENTILLI, 2014)
Percebemos que não apenas o sujeito Silas Malafaia está sujeito aos deslizes da
língua. Mesmo produzindo enunciados sob as evidências do discurso político, Haselmann e
Gentilli se inserem na formação discursiva religiosa. Na SD12, funciona o sentido de que
apenas um “milagre” ou a interferência “Jesus” seriam capazes de acabar com a corrupção
no Brasil. O humorista é ainda mais direto, ao retomar um dizer que possui afinidades com
o discurso bíblico – “Diga-me com quem andas, que eu te direi quem és” (na SD3) – e
legitimar a atuação do pastor na arena política, quando este é questionado sobre a
importância dos seus “valores da fé cristãos” (na SD3) nas disputas pelo aumento do poder.
SD2 – Você tá atuando como deputado? Por que eu e todo mundo acha que você
é deputado? Eu vejo você na Câmara mais do que muito deputado. Não pretende
se candidatar, nunca? (GENTILLI, 2014)
SD15 – Em relação à firmeza e ao tom ácido dessa frente ampla contra o beijo
gay, não tem exagero? É assim mesmo que tem que ser? (HASSELMANN,
2015)
SD9 – Se a visão que o povo tem de pastor é que pastor é dinheirista, um clichê
que no mundo secular acabou ficando. Não existe um trabalho de marketing para
tentar reverter esse clichê? (GENTILLI, 2014)
Silas Malafaia, ao produzir sentidos sobre a TP, promove uma dupla filiação às
formações discursivas religiosa e capitalista, um funcionamento que se evidencia mais
explicitamente na primeira entrevista:
o lazer, ou bens materiais – significa através do termo “feliz” (na SD34), produzindo o
sentido da felicidade relacionada à obtenção de recursos financeiros.
Na SD46, há uma referência aos programas sociais do PT, entre os quais o mais
expoente é o Bolsa Família, um programa de transferência direta de renda44. Nota-se que,
quando a prosperidade material é alcançada através do assistencialismo do governo, ela
passa a significar negativamente no discurso do pastor, visto que ocorre um silenciamento
dos inúmeros benefícios que esta iniciativa trouxe para milhões de famílias em situação de
extrema pobreza45.
Percebemos que o pastor utiliza alguns verbos, como “dominar” (na SD46) e
“manipular” (na SD4) para resumir o “jogo” (na SD49) de interesses políticos escusos do
que ele denomina comunismo. Ao mesmo tempo que o sujeito promove esse engajamento,
ele enuncia de maneira dividida, se inserindo na formação discursiva próxima do socialismo
quando afirma que as classes socioeconomicamente menos favorecidas servem
historicamente a uma “elite” (na SD49).
44
Segundo o site do Bolsa Família, este programa busca garantir às famílias brasileiras em extrema situação
de pobreza o direito à alimentação e o acesso à educação e à saúde, superando a situação de vulnerabilidade
social. Disponível em: <http://www.caixa.gov.br/programas-sociais/bolsa-familia/Paginas/default.aspx>.
Último acesso em 24 de julho de 2017.
45
G1. Bolsa Família reduz em 17% a mortalidade infantil, aponta pesquisa. 29 de maio de 2013.
Disponível em: < http://g1.globo.com/bahia/noticia/2013/05/bolsa-familia-reduz-em-17-mortalidade-infantil-
aponta-pesquisa.html>. Acesso em 7 de agosto de 2017. Exame. Brasil reduz a pobreza extrema em 75%,
diz FAO. 16 de setembro de 2014. Disponível em: <http://exame.abril.com.br/brasil/brasil-reduz-a-pobreza-
extrema-em-75-diz-fao/>. Acesso em 8 de julho de 2017. Carta Capital. Bolsa Família: 11 anos e 11
conquistas. 24 de outubro de 2014. Disponível em: < https://www.cartacapital.com.br/politica/bolsa-familia-
11-anos-e-11-conquistas-4636.html>. Acesso em 7 de agosto de 2017.
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Nas entrevistas para o talk-show The Noite e a TVeja, permanece o Silas Malafaia
incompleto, sujeito às falhas e incompletudes nos sentidos. Um sujeito que funciona através
dos deslizes da língua na relação com a história e as ideologias, tornando evidentes os
mecanismos pelos quais as igrejas evangélicas, em franca ascensão no país, conquistam
espaços na política nacional.
E esses efeitos de sentidos não seriam possíveis sem as produções discursivas dos
apresentadores, que contribuem para tornar evidentes os diversos sujeitos que funcionam no
discurso do pastor. Na nossa análise, conseguimos mapear como os locutores foram se
deslocando entre as mais diversas formações discursivas, assumindo posições e produzindo
imaginários sobre um dos líderes religiosos mais polêmicos e influentes do país.
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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Segundo Eni Orlandi (2009), não possuímos total controle sobre a linguagem e essa
está sempre nos pondo em relação com a história e a ideologia. Somos assujeitados a
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Por fim, mostramos que, até mesmo um sujeito como o Silas Malfaia, dotado de um
profundo conhecimento sobre oratória e comunicação, está sujeito aos deslizes e equívocos
da língua. Na discursividade neopentecostal podem aparecer sentidos outros que não são
pretendidos. E dessa maneira, o autoritarismo do discurso religioso vai se esvaecendo na
polissemia.
REFERÊNCIAS: