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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

INSTITUTO DE ARTE E COMUNICAÇÃO SOCIAL

PEDRO HENRIQUE LIMA

ENTRE A FÉ E O POLÍTICO: O DISCURSO DO PASTOR SILAS MALAFAIA


NAS ENTREVISTAS PARA A TVEJA E O TALK-SHOW THE NOITE

Niterói

2017
Projeto Experimental em Jornalismo

Universidade Federal Fluminense


Instituto de Arte e Comunicação Social
Curso de Comunicação Social

ENTRE A FÉ E O POLÍTICO: O DISCURSO DO PASTOR SILAS MALAFAIA


NAS ENTREVISTAS PARA A TVEJA E O TALK-SHOW THE NOITE

Projeto Experimental apresentado por Pedro


Henrique Lima, matrícula 212030097, como
requisito obrigatório para obtenção do título de
Bacharel em Comunicação Social – habilitação
Jornalismo – sob a orientação da professora
doutora Silmara Dela Silva.

Iacs/UFF

Niterói

Julho/2017
AGRADECIMENTOS

Primeiramente, gostaria de salientar que esse trabalho não seria possível sem os
esforços dos meus pais em me proporcionarem uma excelente educação, que serviu de base
para o ingresso na Universidade Federal Fluminense e a conclusão do curso de jornalismo.
Obrigado, Margareth e José, por toda atenção e carinho que tiveram comigo ao longo dos
meus 23 anos de vida. Cada conquista minha foi, é e será dedicada a vocês.

Também dedico essa pesquisa à minha companheira das horas de júbilo e


dificuldades, Samara Guedes, que esteve ao meu lado durante todo o processo de redação do
projeto, me proporcionando o apoio emocional sem o qual seria muito mais difícil concluir
esse percurso. Um obrigado carinhoso, do fundo do meu coração.

Agradeço profundamente aos professores e professoras que me guiaram nesses cinco


anos de formação acadêmica. Saio do curso de Comunicação Social da UFF com um olhar
completamente diverso, mais amadurecido, sobre as questões do jornalismo e do Mundo.

E nessa trajetória, alguns professores me inspiraram a seguir o caminho no qual me


encontro hoje. Destaco aqui a minha orientadora Silmara Dela Silva, cujas aulas sobre a
Análise do Discurso despertaram em mim um novo interesse dentro da comunicação; os
integrantes da banca, Guilherme Nery e Marco Schneider, além da professora Denise
Tavares, que contribuíram imensamente para me transformar em um profissional engajado
na busca por um jornalismo de qualidade.

Por fim, aos amigos e amigas com os quais tiver o prazer de vivenciar ótimos
momentos nessa jornada – e destaco os “parças” Bruno Marques, Gabriel Rolim e Thiago
Vaz – um forte abraço. Espero que possamos ter outras experiências inesquecíveis na etapa
que vem pela frente. Sem sombra de dúvidas, os anos como estudante da UFF foram os mais
legais da minha vida e isso se deve a vocês.
RESUMO

Partindo do contexto sócio-histórico atual, em que as igrejas evangélicas crescem


vertiginosamente e expandem seu poder político no Brasil, esta pesquisa trata de analisar
duas entrevistas concedidas pelo pastor Silas Malafaia: uma para o talk-show The Noite,
realizada no mês de março de 2014 e outra para a TVeja, em junho de 2015. O objetivo
central do trabalho é observar o funcionamento do discurso pentecostal nos dizeres de um
dos seus principais expoentes. Utilizamos a Análise de Discurso de linha Francesa para nos
guiar neste percurso, trazendo contribuições de renomados teóricos da área, como Michel
Pêcheux, Jean-Jacques Courtine e Eni P. Orlandi. Ao longo dos capítulos, abordamos a
história do movimento pentecostal no Brasil, o processo de midiatização das religiões, além
da participação dos apresentadores nas entrevistas e a análise dos discursos produzidos pelo
líder religioso.

Palavras-chave: Comunicação; religião; Análise do Discurso; entrevistas de pastores


ABSTRACT

Considering the present context, in wich evangelical churches grow up and expand their
political power in Brazil, this essay looks to analyse two interviews granted by pastor Silas
Malafaia: one for the talk-show The Noite, in march of 2014 and the other for TVeja in june
of 2015. Its main goal is to observe the operation of pentecostal discourses on one of its most
prominent voices. We used the French Discourse Analysis to guide us in this course,
bringing the contribution of renowned theorists, such as Michel Pêcheux, Jean-Jacques
Courtine and Eni P. Orlandi. Throughout the chapters, we talked about the history of the
pentecostal moviment, the process of religious mediatization, besides the role of the
interview announcers and the discourse analysis produced by the religious leader.

Keywords: Communication; religion; Discourse Analysis; preachers interviews


SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 6
2. DISSECANDO O MOVIMENTO PENTECOSTAL NO BRASIL ............................... 10
2.1 Prosperidade e Neopentecostalismo .......................................................................... 13
2.2 Midiatização do neopentecostalismo a serviço do capital ......................................... 16
3. DAS CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO DO DISCURSO: ENTENDENDO AS
ENTREVISTAS .................................................................................................................. 21
3.1 Contexto sócio-histórico das entrevistas ................................................................... 22
3.2 Entre a entrevista e o talk-show: jornalismo vs. entretenimento ............................... 26
3.3 A posição do apresentador das entrevistas ................................................................ 31
3.3.1 Danilo Gentilli e o The Noite ............................................................................. 34
3.3.2 Joice Hasselmann e a TVeja ............................................................................... 40
4. ANÁLISE DE DISCURSO DO PASTOR SILAS MALAFAIA NAS ENTREVISTAS
PARA O TALK SHOW THE NOITE E A TVEJA ............................................................ 47
4.1 Entrevista do Silas Malafaia para o talk-show The Noite ......................................... 48
4.2 Entrevista do Silas Malafaia para a TVeja ................................................................ 60
4.3 Comparações entre as entrevistas: os posicionamentos assumidos pelo sujeito Silas
Malafaia em contextos sócio-históricos distintos ............................................................ 69
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................... 78
REFERÊNCIAS: ................................................................................................................. 80
6

1. INTRODUÇÃO

Este trabalho surgiu da formação religiosa do autor - que viveu sua juventude entre
sacramentos e encontros na Igreja Católica - aliada ao senso crítico adquirido nos anos de
graduação no curso de Comunicação Social, com habilitação em jornalismo, na
Universidade Federal Fluminense.

Vivemos um período de crescimento vertiginoso das Igrejas Evangélicas


Pentecostais no Brasil e “em outros países em desenvolvimento do Sul do Pacífico, da
África, do Leste e do Sudeste da Ásia” (MARIANO, 2012, p. 9-10). Esta expansão
acompanha um processo cada vez mais intenso de midiatização da religião e serve também
a um projeto político em franca ascensão.

No Brasil, a chamada “bancada evangélica” agrega, atualmente, 90 parlamentares –


muitos ligados ao movimento pentecostal - que atuam em defesa de projetos de leis que
restringem os direitos das minorias, tais como o Estatuto da Família - aprovado em 2015
pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados - que definiu o termo “família” como a
união exclusiva entre um homem e uma mulher1.

A proposta desta pesquisa é analisar os discursos do neopentecostalismo através da


Análise do Discurso (AD) de linha francesa, que trata dos efeitos de sentido dos discursos,
questionando-se acerca de seu funcionamento. Tal escolha partiu da avaliação do autor de
que compreender os “efeitos de sentido entre locutores” (ORLANDI, 2009, p. 21) no
discurso religioso é uma tarefa de extrema relevância para entender a eficácia do
conservadorismo que fere os princípios do Estado Laico no Brasil e impede a aprovação de
alguns direitos sociais.

Na vanguarda desse discurso religioso, está Silas Lima Malafaia, pastor,


conferencista, psicólogo, líder da igreja pentecostal Assembleia de Deus Vitória em Cristo
(ADVEC) e presidente do Conselho Interdenominacional de Ministros Evangélicos do
Brasil2. Ele tem se posicionado contra algumas agendas ditas progressistas, como a
descriminalização do aborto, a união civil estável entre pessoas do mesmo sexo e a
legalização das drogas. Silas apresenta um programa de televisão exibido na emissora Band

1
Sobre esta discussão, a agência responsável pelo Grande Dicionário Houaiss lançou a campanha
#todasasfamílias, que propõe uma atualização do termo através de sugestões da população. Essa iniciativa
remete à afirmação de Michel Pêcheux, que diz: “não há dominação sem resistência” (PÊCHEUX, 1995 p.
304)
2
Entidade que reúne pastores de denominações evangélicas de todo o Brasil.
7

e conta com mais de 200 mil usuários inscritos em seu canal no Youtube, onde reproduz os
episódios do programa Vitória em Cristo, além de veicular vídeos curtos em que se posiciona
a respeito de temas pontuais da nossa agenda política.

Encontrar um recorte que trouxesse relevância para o campo do jornalismo se tornou


um dos principais desafios desta pesquisa. Por este motivo, selecionamos duas entrevistas
concedidas pelo pastor para analisar seu discurso, bem como o posicionamento do
entrevistador nos dois casos. A mídia “não-religiosa” também possui um papel importante
ao lidar com a temática religiosa, pois tem o poder de reproduzir ou questionar os elementos
do discurso neopentecostal, contribuindo ou não para a sua eficácia.

Em suma, verificar se e como o entrevistador legitima alguns valores do


neopentecostalismo também interessa ao nosso trabalho. Para alcançar este objetivo,
selecionamos duas entrevistas distintas para compor o nosso corpus de análise: uma no
programa The Noite, do publicitário e comediante Danilo Gentilli, em formato de talk-show,
realizada em março de 2014; outra na TVeja, um serviço online de audiovisual ligado à
revista Veja, publicada no dia 22 de junho de 2015, que na época era apresentado pela
jornalista Joice Hasselmann.

Ambas as entrevistas estão disponíveis na internet3 e traduzem momentos políticos


distintos, que fizeram parte da atual crise política no país. A primeira ocorreu na véspera das
eleições de 2014, em um momento de formação de alianças políticas e onde temas
relacionados à sexualidade eram discutidos na Câmara e no Senado, gerando forte embate
entre as bancadas conservadores e progressistas.

A segunda entrevista – realizada por um veículo conhecido pela forte oposição aos
governos petistas de Luiz Inácio Lula da Silva (2002 a 2010) e Dilma Roussef (2010 a 2016)
– foi realizada durante o começo da atual legislatura no Congresso (a mais conservadora
desde a redemocratização do Brasil), quando as discussões sobre o impeachment da ex-
presidente Dilma se tornavam cada vez mais frequentes na política nacional e na mídia. Além
disso, o na época recém-empossado presidente da Câmara, Eduardo Cunha (aliado de Silas

3
The noite. The Noite (31/03/14) - Silas Malafaia - Exclusivo - Sem Cortes na Web. 31 de março de 2014.
Disponivel em: <https://www.youtube.com/watch?v=TTm7tFNarF8>. Acesso em 28 Junho 2017.
TVeja. 'Presidir uma nação não é função para incompetentes', diz Silas Malafaia. 22 de junho de 2015
Disponivel em: <https://www.youtube.com/watch?v=co8PL4VdWzA> e Veja.com - Silas Malafaia sobre O
Boticário, Babilônia, redução da maioridade penal e outros temas. 22 de junho de 2015. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=AY0pwYT0zAo>. Último acesso em 1 de julho de 2017.
8

Malafaia), tomava as rédeas da Câmara dos Deputados e tentava aprovar projetos de


interesse da bancada evangélica.

Começamos nosso percurso voltando-nos ao trabalho feito pelo sociólogo Ricardo


Mariano sobre a história do pentecostalismo no Brasil. Nesta etapa, discorremos sobre a
Teologia da Prosperidade, um passo importante, pois este é o principal elemento teológico
das igrejas neopentecostais (MARIANO, 2012). Também são importantes nesse nosso
percurso a obra “A ética protestante e o espírito do capitalismo”, de Max Weber; a pesquisa
de Maria da Penha Nunes da Rocha sobre a Igreja Universal do Reino de Deus; e os artigos
de Leonildo Silveira Campos (2008) e Dora Deise Stephan Moreira (2001).

Neste mesmo capítulo, trataremos das relações entre mídia e religião, focando na
atuação das igrejas neopentecostais por meio da televisão e a linguagem audiovisual. O livro
“Mídia e poder simbólico”, de Luis Sá Martino, além de autores como Muniz Sodré, Douglas
Kellner e Eugênio Bucci são fundamentais para nos ajudar a problematizar os valores
difundidos e as estratégias usadas pelas igrejas neste processo de midiatização.

Mais à frente, no terceiro capítulo, vamos tratar das condições de produção dos
discursos nas entrevistas, segundo a visão proposta pelo linguista francês Michel Pêcheux.
Os contextos sócio-políticos das entrevistas serão importantes para entendermos as posições
dos entrevistadores e do pastor Silas Malafaia em ambos os casos. Utilizaremos as
contribuições de Eni Orlandi (2009), Edgar Morin (1973), Júlia Lery (2015), os artigos de
Fernanda Maurício Silva (2009), Arlindo Machado (1999) e Itania Maria Mota Gomes
(2007) para comparar as discursividades do gênero talk-show e a entrevista jornalística, bem
como o posicionamento dos apresentadores que se constitui discursivamente em ambos os
casos.

No quarto capítulo, passamos à análise das duas entrevistas, mobilizando o método


legado pela Análise de Discurso (AD) de linha francesa. Não será necessário dedicarmos um
capítulo para trazer as noções teóricas da AD, estas serão apresentadas ao longo do trabalho,
conforme se façam necessárias ao encaminhamento das análises. O questionamento que
norteia nossa análise diz respeito às posições-sujeitos4 assumidas pelo pastor Silas Malafaia
ao longo do seu percurso discursivo e nas comparações entre os corpora de análise. Ao final

4
Acerca do conceito, Orlandi afirma que o indivíduo é interpelado como sujeito do discurso, assumindo
posições em uma determinada conjuntura sócio-histórica. Em outras palavras, “não há discurso sem sujeito e
não há sujeito sem ideologia (...) é assim que a língua faz sentido” (2009, p. 17).
9

de nossa pesquisa, trazemos algumas considerações finais, seguidas das referências


bibliográficas.

Em circunstâncias tão complexas como as citadas acima, quando inúmeros interesses


– de grupos sociais, entidades religiosas, partidos políticos e da iniciativa privada – se
imiscuem no debate de questões essenciais para os direitos humanos no Brasil, é
fundamental colocar em questão o papel da mídia ao delegar vozes aos mais diversos atores
envolvidos nos processos de decisões políticas. E, tratando-se de um país extremamente
religioso como o Brasil, onde, como já mencionado anteriormente, certas entidades
evangélicas se apropriam de maneira crescente destes mesmos espaços midiáticos e
estendem suas influências na esfera política, é ainda mais relevante trazer à tona como a
mídia vem abordando este discurso emergente.

Esperamos que esta pesquisa possa fomentar o debate sobre o avanço do


conservadorismo, não apenas na agenda política brasileira, mas em todos os espaços sociais.
Pessoalmente, acredito que eu possa expandir meus horizontes de análise e crítica –
competências que desenvolvi tão bem nos últimos anos na Universidade Federal
Fluminense, principalmente através da AD – para uma área que sempre esteve presente nos
meus lugares de convívio social ao longo dos meus 23 anos de vida.
10

2. DISSECANDO O MOVIMENTO PENTECOSTAL NO BRASIL

Para o começo da nossa pesquisa, é importante pensarmos historicamente o


movimento pentecostal, sobretudo no Brasil. Entender os diversos momentos do
pentecostalismo e suas ênfases doutrinárias nos ajudará na constituição da memória
discursiva no discurso do pastor Silas, ou seja, “o saber discursivo” (ORLANDI, 2009, p.
31) que determina os dizeres de um sujeito.

Nesse contexto, o sociólogo Ricardo Mariano, em seu trabalho “Neopentecostais:


Sociologia do Novo Pentecostalismo Brasileiro” distingue três momentos principais: o
pentecostalismo clássico, deuteropentecostalismo e neopentecostalismo (MARIANO,
2012).

Conforme Mariano (2012), o pentecostalismo brasileiro nunca foi homogêneo. A


primeira onda surgiu com a fundação da Congregação Cristã no Brasil (São Paulo, 1910) e
da Assembleia de Deus (Belém, 1911). Ambas as vertentes se caracterizavam pelo
anticatolicismo; por enfatizar o dom de falar em línguas como sinal do batismo com o
Espírito Santo; pela rejeição aos prazeres mundanos (bebidas, drogas, jogatina etc.) e na
crença na volta de Cristo (MARIANO, 2012).

Após mais de 40 anos de domínio das duas denominações citadas, teve início o que
o autor designou como a segunda onda do pentecostalismo brasileiro. Em São Paulo, na
década de 1950, dois ex-atores de filmes de faroeste do cinema americano, Harold Willians
e Raymond Boatright, trouxeram para o Brasil – à frente da Cruzada Nacional de
Evangelização, ligada à Igreja do Evangelho Quadrangular (São Paulo, 1953) – a crença na
cura divina, que se tornou a principal mensagem do evangelismo de massa. Ambos os
missionários difundiram esta nova corrente através do uso do rádio – que era rejeitado pelas
igrejas anteriores por ser considerado “mundano” e “diabólico” – e da exploração de espaços
públicos, tais como estádios de futebol, ginásios esportivos, teatros e cinemas (MARIANO,
2012).

O autor chama de deuteropentecostalismo o movimento que provocou uma


fragmentação no pentecostalismo brasileiro, sem abandonar, no entanto, o núcleo teológico
do pentecostalismo clássico, apresentando diferença apenas na ênfase que confere ao dom
da cura divina, ao contrário da importância do dom de falar em línguas, já mencionado
anteriormente. Esta relativa homogeneidade se deve ao fato de a Quadrangular ter vindo dos
11

EUA com o mesmo corpo doutrinário trazido pelos missionários estrangeiros que fundaram
a Assembleia de Deus e a Congregação Cristã (MARIANO, 2012). Ainda nos termos de
Mariano:

Tanto Gunnar Vingren e Daniel Berg, missionários suecos


fundadores da Assembleia de Deus em Belém do Pará, como Luigi
Francescon, italiano, fundador da Congregação Cristã no Paraná e
em São Paulo, e Aimee Semple Mcpherson, fundadora da
International Church of The Foursquare Gospel, em Los Angeles,
foram influenciados pelo ministério de William H. Durham, em
Chicago. Durham foi o teólogo que estabeleceu a doutrina da
salvação em duas etapas, incorporada pelo pentecostalismo clássico.
(MARIANO, 2012, p. 31-32)
Priorizar o dom de cura foi fundamental para a aceleração do crescimento e
diversificação institucional do pentecostalismo brasileiro. Em todas as suas vertentes, de
acordo com o autor, a maioria dos testemunhos de bênçãos recebidas refere-se à cura de
enfermidades. Tal estratégia proselitista se manterá no momento seguinte do movimento
pentecostal brasileiro.

Chegamos então à terceira e última onda: o neopentecostalismo. Também fundada


por estrangeiros, a Igreja de Nova Vida (Rio de Janeiro, 1960) está na origem das igrejas
Universal do Reino de Deus (Rio, 1977), Internacional da Graça de Deus (Rio, 1980) e Cristo
Vive (Rio, 1986). O termo, oriundo dos EUA, “designou as dissidências pentecostais das
igrejas protestantes” (MARIANO, 2012, p. 33).

Segundo Ricardo Mariano (2012), não há consenso entre pesquisadores e estudiosos


ao empregar a designação no Brasil. Ele cita alguns autores, como Ari Pedro Oro (1992) –
que identificaria o termo neopentecostalismo à expressão “pentecostalismo autônomo” –,
José R. L. Jardilino (1994) – que rotula estas igrejas de seitas e supermercado da fé –, e
Wilson Azevedo – que classifica igrejas “mais nitidamente neopentecostais” – para
demonstrar que todas estas tipologias priorizam a descrição e a análise da Igreja Universal
do Reino de Deus (IURD). Como afirma Mariano:

Oro (1992) afirma que as igrejas neopentecostais são autóctones, tem


líderes fortes e pouca inclinação à tolerância e ao ecumenismo,
opõem-se aos cultos afro-brasileiros, estimulam a expressividade
emocional, utilizam muito os meios de comunicação de massa,
enfatizam rituais de cura e exorcismo, estruturam-se
empresarialmente, adotam técnicas de marketing e retiram dinheiro
dos fiéis ao colocar “no mercado religioso serviços e bens simbólicos
que são adquiridos mediante pagamento”. (MARIANO, 2012, p. 35)
12

É neste momento que nos aproximamos do recorte deste trabalho. A IURD, segundo
o censo do IBGE de 2010, conta com mais de 1 milhão e 800 mil fiéis, o que a coloca na
liderança entre as igrejas neopentecostais – a respeito do pentecostalismo como um todo,
Assembleia de Deus (mais de 12 milhões) e Congregação Cristã (mais de 2 milhões) lideram
este ranking.

Ricardo Mariano (2012) se estende destacando as principais características das


igrejas neopentecostais, algumas igualmente válidas para as outras ondas do
pentecostalismo: antiecumenismo, líderes fortes, uso de meios de comunicação de massa,
estímulo à expressividade emocional, participação na política partidária, cura divina; outras
específicas deste novo momento: “1) exacerbação da guerra espiritual contra o Diabo e seu
séquito de anjos decaídos; 2) pregação enfática da Teologia da Prosperidade; 3) liberalização
dos estereotipados usos e costumes de santidade (...) agem como empresas e, pelo menos
algumas delas, possuem fins lucrativos” (MARIANO, 2012, p. 36). E o autor prossegue:

Resulta destas características a ruptura com os tradicionais


sectarismo e ascetismo pentecostais. Esta ruptura (...) constitui a
principal distinção do neopentecostalismo. E isso representa uma
mudança muito grande nos rumos do movimento pentecostal. A
ponto de se poder dizer que o neopentecostalismo constitui a
primeira vertente pentecostal de afirmação do Mundo. (MARIANO,
2012, p. 36)
Tais características, no entanto, não se aplicam a todas as denominações fundadas a
partir da década de 1970. Algumas dissidências da Assembleia de Deus, tais como
Congregação Cristã e Deus é Amor, por exemplo, tendem a guardar mais semelhanças
teológicas com suas matrizes do que com o neopentecostalismo, um movimento bem mais
complexo do que as correntes anteriores.

Decorre disso, segundo o autor, dois problemas a serem considerados: o primeiro diz
respeito à falta de homogeneidade teológica entre as denominações desta vertente, já o
segundo se refere à crescente influência exercida pelas igrejas neopentecostais sobre as
demais e a ânsia destas de absorverem e reproduzirem as novas crenças e práticas de sucesso
e agrado das massas, em outras palavras, ocorre um processo de “neopentecostalização”
(MARIANO, 2012, p. 39). Segundo Mariano:

Neste meio religioso, crenças, práticas culturais e rituais são


incorporadas, nem sempre com as mesmas características originais,
como velocidade e versatilidade impressionantes. Às vezes dão
origem a novas sínteses idiossincráticas, noutras resultam em
surpreendentes desdobramentos. Daí os obstáculos para se refazer o
13

tortuoso caminho de volta à gênese de determinada crença ou prática


ritual. (MARIANO, 2012, p. 42)
Sobre o caso da Igreja Universal do Reino de Deus, Ricardo Mariano presta devida
atenção, ressaltando a diferença em relação as outras principais correntes do
neopentecostalismo. A IURD não será o foco da nossa análise, mas é importante ressaltar
que, sob a liderança de Edir Macedo, a Universal se tornou “um dos maiores conjuntos de
empresas de comunicação do país” (ROCHA, 2006, p. 16), difundindo, sobretudo, a
chamada “Teologia da Prosperidade” e valores associados ao capitalismo e à lógica
neoliberal de mercado (ROCHA, 2006).

Mas em que a Teologia da Prosperidade interessa ao nosso trabalho? Falaremos deste


tema a seguir e sobre como a nova vertente do movimento pentecostal une a ideologia
capitalista com o seu discurso para se legitimar perante a sociedade civil, buscar novos
adeptos e adquirir recursos para expandir seus projetos de poder.

2.1 Prosperidade e Neopentecostalismo

Assim como Max Weber, em sua obra A ética protestante e o espírito do capitalismo
([1904] 2001), estabeleceu o grau de influência da ética racional da ascese protestante no
espírito da moderna vida econômica (capitalista), outros autores percorreram a mesma linha
de raciocínio, imbricando discurso capitalista e elementos teológicos do protestantismo –
em nosso caso, dos movimentos pentecostais.

A autora Maria da Penha Nunes da Rocha, na pesquisa, “As estratégias de


comunicação da Igreja Universal do Reino de Deus”, dedica um subcapítulo à análise do
pensamento de Weber. Entre os pontos destacados, a ideia de que a ética hedonista (própria
do capitalismo) atribui à religiosidade “o mérito da instituição criadora do sentido de
acúmulo de riqueza como símbolo da felicidade, ou algo maior que ela, que ao mesmo tempo
mostra-se transcendental e irracional” (ROCHA, 2006, p. 34).

Para o sociólogo alemão, o espírito do capitalismo – caracterizado pela geração do


dinheiro como um fim em si mesmo – necessitava de uma ética que tornasse o acúmulo de
riquezas numa vocação para os indivíduos. E a resposta foi encontrada na Reforma
Protestante (séculos XV e XVI), em que às atividades rotineiras “mundanas” –
principalmente o trabalho – ganharam um significado religioso (WEBER, [1904] 2001).
14

Trabalhar dentro da vocação era desejado por Deus e se tornava uma forma de
expressar o amor fraternal. O Calvinismo levou essa ética mais além, trazendo o conceito de
predestinação – segundo o qual apenas alguns indivíduos eram escolhidos para receber a
graça divina – que obrigava os fiéis a realizarem obras sociais, a fim de obter a certeza na
salvação. E quanto mais racionalizado fosse o trabalho, mais valor esta ação teria perante
Deus (WEBER, [1904] 2001).

Rocha (2006) atualiza a relação entre vida econômica burguesa e concepções


religiosas, sinalizando as mudanças pelas quais passaram as igrejas pentecostais em direção
aos novos tempos ditados pelo neoliberalismo - uma releitura do liberalismo de Adam Smith
(MORAES, 2010) -, fruto, principalmente, do processo de globalização, que impôs ao
Mundo a lógica neoliberal de mercado (SODRÉ, 2010). O neopentecostalismo surgiu com
uma proposta de adaptação às necessidades dos fiéis, imersos na “cultura de consumo do
mundo globalizado” (ROCHA, 2006, p. 41).

Cresce, portanto, um “mercado religioso” (ROCHA, 2006, p. 41) em que diversas


igrejas se apresentam aos indivíduos com promessas de salvação associadas à prosperidade
material neste Mundo, invertendo a lógica de pobreza e da salvação celestial do
pentecostalismo clássico (MARIANO, 2012). As instituições religiosas precisavam se
atualizar para voltar a ter um lugar de destaque em uma sociedade cada vez mais
“problemática, descontínua, heterogênea e fragmentária” (ROCHA, 2006,p. 41). O autor
Luís Sá Martino enfatiza a perda de prestígio das igrejas em seu livro “Mídia e Poder
Simbólico”:

(...) com a secularização, o progresso teria tirado o lugar


preponderante da religião no mundo. Pretende-se que, com o
desenvolvimento do processo científico, a crença religiosa tenha
perdido seu papel elucidativo, isto é, sua capacidade de
determinação de sentido aos fatos sociais. (MARTINO, 2011, p. 25)
Rocha (2006) afirma, porém, que até mesmo a ciência e a tecnologia encontraram
dificuldades para superar a insegurança e o medo do homem contemporâneo, que vive na
incerteza de um futuro tranquilo, cercado por miséria, desastres ambientais e sociais,
ameaças de desemprego, intolerância religiosa, xenofobia, “entre outros fatores (que)
apresentam o planeta como um local cada vez menos seguro” (ROCHA, 2006, p. 42).

Não obstante, o “contexto histórico em que teve início o avanço das igrejas
neopentecostais no Brasil foi de extrema pobreza, violência, autoritarismo e influência
americana” (MOREIRA, 2011, p. 6). A Igreja Católica teria perdido um pouco da capacidade
15

em preencher esse vazio, o que só contribuiu para o sucesso do novo pensamento


pentecostal. Problemas sociais (drogas, alcoolismo, más condições de saúde e habitação etc.)
são mais frequentes nas periferias das grandes cidades, locais onde o neopentecostalismo
serviu de refúgio para sentimentos de exclusão e de crises de identidades (MOREIRA, 2011).

Assim como Macedo e seus séquitos, outras vertentes neopentecostais romperam


com a tradicional rejeição à busca da riqueza e se acomodaram às expectativas do Mundo
contemporâneo (MARIANO, 2012). Surge então, como base teológica para este movimento,
a Teologia da Prosperidade “que, grosso modo, defende que o crente está destinado a ser
próspero, saudável e feliz neste Mundo” (MARIANO, 2012, p. 44).

A Teologia da Prosperidade nasceu nos Estados Unidos na década de 1940, reunindo


crenças sobre cura, prosperidade e poder da fé, e tornou-se movimento doutrinário no
decorrer dos anos 1970. Nesta corrente, a fé e tão somente a fé constitui o elemento
fundamental para alcançar bênçãos. É direito dos cristãos, pela fé, possuir tudo o que
reivindicarem em nome de Jesus (MARIANO, 2012).

Alguns “direitos” do cristão são anunciados na Bíblia: “cura de enfermidades,


prosperidade material, vitória sobre o Diabo, uma vida plena de vitória e felicidade”
(MARIANO, 2012, p. 154). Os cristãos devem, acima de tudo, acreditar que já receberam
as graças antes de elas terem se concretizado no plano material. Depende somente deles
receber ou não as bênçãos que confessa e estas não são alcançadas “pela inabilidade do fiel
em confessá-las, por sua falta de fé, pelo cometimento de pecados ou por sua escravidão a
Satanás” (MARIANO, 2012, p. 155).

O pastor Silas Malafaia se identifica com esta nova corrente, rompendo inclusive
com a tradicional Assembleia de Deus e fundando sua própria igreja, a Assembleia de Deus
Vitória em Cristo, que é voltada, sobretudo, para a cura espiritual e a defesa da prosperidade
material. Em seus vídeos, Silas reproduz esta ideologia defendendo a oferta do dízimo por
parte dos seus adeptos como sinal da fé, principal estratégia das igrejas neopentecostais para
arrecadar recursos e expandir seus espaços de influência (CAMPOS, 2008).

Ofertar o dízimo se constitui em um dos principais elementos desta nova doutrina –


pautada por valores financeiros e materialistas – e significa, nas palavras de certos
pregadores brasileiros, “refazer a sociedade com Deus” (MARIANO, 2012, p. 161), rompida
pelo pecado cometido por Adão e Eva. Com o pagamento do dízimo, Deus teria a obrigação
16

– visto que se trata de uma sociedade – de cumprir suas promessas e proporcionar


prosperidade aos dizimistas (MARIANO, 2012).

Vimos, portanto, que o discurso do protestantismo é historicamente ligado à


ideologia capitalista, sendo reproduzido atualmente pelas denominações pentecostais.
Tenhamos em mente esta memória discursiva para, mais adiante, explorar as relações entre
as mídias eletrônicas – mais especificamente a televisão – e a reprodução, nos espaços
neopentecostais, do modo de vida capitalista: quais valores são gerados pelas
neopentecostalismo midiatizado?

2.2 Midiatização do neopentecostalismo a serviço do capital

A imprensa, desenvolvida nos séculos XVI e XVII, possibilitou a expansão do


movimento protestante, que conquistou a Europa. A livre interpretação da bíblia estava entre
os principais pontos defendidos pelos protestantes. Com o passar do tempo, oralidade e
literalidade se tornaram marcas da nova religião e cabia aos pastores “conciliar a oralidade
com o texto escrito, atualizando-o e contextualizando-o ao estilo de vida do receptor da
comunicação” (CAMPOS, 2008).

O impacto da mídia eletrônica tornou a palavra sagrada menos dependente do texto


escrito e as igrejas protestantes tradicionais enfrentaram sérias dificuldades para se
adaptarem aos novos tempos. Apegadas à teologia da prosperidade e voltadas à arrecadação
de recursos em rede (com a drenagem do dinheiro para uma sede), as novas denominações
atingiram as condições necessárias para adquirir emissoras de rádio e televisão.

O uso cada vez mais intensivo da mídia pelas religiões ocorre, segundo Martino
(2011), à procura de uma legitimação perante a sociedade. Já Cunha (2014, p. 5) afirma que
“além da propagação da fé cristã por meio da pregação religiosa, verifica-se a presença
religiosa nas mídias como estratégia de visibilidade (publicidade institucional) e formação
de um mercado religioso com a oferta/venda de produtos”.

No Brasil, alguns sucessos religiosos comunicativos surgiram ainda nas décadas de


1950 e 1960, como os programas A voz do Brasil para Cristo (Igreja “O Brasil para Cristo”)
e A voz da libertação (Deus é Amor). A partir daí, outras denominações passaram a comprar
emissoras de rádio e horários nas madrugadas das emissoras de televisão.
17

Segundo Muniz Sodré, no artigo “O globalismo como neobarbárie”, o processo de


midiatização – entendido aqui como a “virtualização das relações humanas” (SODRÉ, 2006,
p. 20) – que ocorre nas sociedades contemporâneas, contribui para a legitimação de uma
ideologia voltada ao mercado e ao consumo, que passa a se tornar um valor universal para o
“homem comum, pouco afeito à complexidade técnica do processo econômico” (SODRÉ,
2010, p. 35). E ele segue afirmando:

Uma hegemonia não se constrói com mera racionalidade


instrumental, mas também com dissimulações, simulações, recursos
mágicos e afetos nada ‘racionais. (SODRÉ, 2010, p. 35)
E na lógica da “religião midiatizada” (CUNHA, 2014), consumir bens e serviços
disponibilizados pela igreja para o lazer e entretenimento dos fiéis gera um sentimento de
pertencimento. Este se tornou um dos principais valores nas chamadas “igrejas eletrônicas”
(ROCHA, 2006, p. 8), que surgiram nos Estados Unidos nas décadas de 1970 e 1980,
influenciadas fortemente pela cultura econômica do capitalismo. Tal movimento também foi
consequência da crença no “mito da revolução tecnológica” (ROCHA, 2006, p. 54), que
seria, segundo os evangelistas americanos, um meio para realizar a evangelização mundial.

Os canais de comunicação neopentecostais do Brasil herdaram estes valores norte-


americanos. Vimos que pastores e igrejas brasileiras se utilizam dos meios de comunicação
para pregar a Teologia da Prosperidade e exortar seus fiéis a ofertarem o dízimo. Mas em
que reside a eficácia destas estratégias discursivas?

Além de terem se beneficiado de um cenário de altos índices de analfabetismo, as


igrejas se apropriaram da cultura oral-auditiva dos latino-americanos e passaram a dar mais
ênfase a oralidade e às emoções (CAMPOS, 2008). O processo de midiatização surgiu em
um momento de extrema funcionalidade da cultura – conceito entendido como a maneira de
o indivíduo se relacionar com o real através do simbólico – na reprodução das relações de
trabalho. O que ocorre, a partir de então, é um reordenamento do espaço social
contemporâneo através destas novas ferramentas (SODRÉ, 1991).

A televisão tem exercido um papel fundamental neste processo – que embeleza,


neutraliza e gera um real artificioso (SODRÉ, 1991) – por ser ela própria “o principal
instrumento de percepção, da grande maioria da população” (ROCHA, 1998, p. 122).
Eugênio Bucci, em seu trabalho “Brasil em tempo de TV”, também afirma esse poder da
televisão, ao sinalizar que sua relevância aumenta proporcionalmente aos índices de
subdesenvolvimento em uma sociedade (BUCCI, 1997).
18

Inicialmente, a TV causou um receio no movimento pentecostal (ainda hoje a Igreja


“Deus é Amor” não permite o uso dessa mídia). Os conflitos foram maiores nas igrejas
pentecostais clássicas e deuteropentecostais. Foi com os novos movimentos pentecostais que
esta resistência deu lugar a sua exploração massiva, particularmente com a IURD (TV Tupi);
Igreja Pentecostal de Nova Vida (TV Rio, Programa “Ponto de Contato”); e Igreja Cristo
Vive (CAMPOS, 2008).

O momento de aquisição da TV Record pela IURD, em 1989, foi marcante deste


processo de midiatização da religião. A compra ocorreu no “auge do triunfo tecnológico da
tevê brasileira” (ROCHA, 1998, p. 125), o que reafirma a influência da fé na tecnologia para
a expansão do neopentecostalismo. A presença de pastores, igrejas neopentecostais e demais
segmentos religiosos representa, hoje, mais de 20% das horas de programação nas emissoras
de TV aberta, segundo informe da Agência Nacional do Cinema, de 2015.

A capacidade de simular o real; gerenciar consciências e modelar “as representações


estáveis na vida social” (SODRÉ, 1991, p. 39) conferiu importância ímpar à televisão e sua
linguagem audiovisual, de tal maneira que, “a realidade em si mesma já é televisiva”
(SODRÉ, 1991, p. 81). Mas, vale pontuar, o espectador ainda exerce uma postura crítica em
relação ao produto veiculado por aquele meio de comunicação, detentor, de fato, dos
instrumentos para atender desejos e responder as expectativas da sua audiência, que não age
exclusivamente de forma passiva.

Através do uso da imagem e outros mecanismos como a identificação e a


representação, que reconfiguram a ordem social, mascarando e até criando um novo real, as
igrejas neopentecostais exploram os traços culturais dos seus públicos-alvo a serviço de uma
estratégia de crescimento denominacional motivada por mecanismos da publicidade e
explorada nas mídias eletrônicas, principalmente no rádio e na televisão.

Como exemplo desta tática, os testemunhos de fieis transmitidos midiaticamente


seguem um roteiro, separado em três etapas: o fiel está em situação de desespero, há poucas
esperanças para reestabelecer sua felicidade, saúde ou condição financeira; ele se converte,
sendo “chamado” pela igreja através de um parente, amigo ou até mesmo pela mídia; e,
finalmente, prospera e consegue, através da sua fé e perseverança, mudar de vida e adquirir
boas condições econômicas para consumir e ser saudável (RODRIGUES; BRONSZTEIN,
2014).

Essa proximidade com os desejos de consumo, de distinção social, é


possível porque ocorre um duplo processo de identificação e
19

projeção ao assistir aos testemunhos (...). Identifica-se com a vida


sofrida, a vontade de mudança, ao mesmo tempo que se projeta na
conquista e nas benesses da abundância - graças ao contato com o
divino proporcionado pela igreja. O poder de compra, o acesso a
determinados bens simbólicos, que só a posse de certo capital
econômico proporciona, vão distinguir alguns fiéis dos outros.
(RODRIGUES, BRONSZTEIN, 2014, p. 5)
Além das “transferências emotivas” (MARTINO, 2011, p. 79), estes programas
televisivos espelham seus formatos em alguns aspectos da modernidade, como o cenário, a
linguagem, as vestimentas, entre outros, para se inserirem nos modos e costumes da
sociedade contemporânea e mostrar para os fiéis e o público de fora que os evangélicos não
são mais antiquados (CUNHA, 2014).

Outra forma de criar identificação é através da legitimidade da opinião de quem fala,


no nosso caso, do pastor que realiza sua pregação ou faz um comentário na televisão. O
pastor Silas Malafaia, por exemplo, está sempre trajado formalmente, o que remete a uma
formação imaginária, ou seja, a imagem que o fiel projeta do seu locutor, recorrendo à
memória discursiva, como alguém bem-sucedido materialmente e que transmite a seriedade
semelhante à de um grande executivo ou advogado, profissões que requerem o uso do terno
e gravata. Em relação às formações imaginárias no funcionamento discursivo, Eni Orlandi
afirma:

São essas projeções que permitem passar das situações empíricas –


os lugares dos sujeitos – para as posições do sujeito no discurso (...).
Na relação discursiva (de produção de sentidos), são as imagens que
constituem as diferentes posições (...) E as identidades resultam
desses processos de identificação, em que o imaginário tem sua
eficácia. (ORLANDI, 2009, p. 40-41)
Além do vestuário, o linguajar do evangelista é carregado de expressões populares,
o que resulta de uma preocupação acerca da imagem que o interlocutor faz dele. Se
posicionar exclusivamente como um sujeito intelectual pode acarretar riscos e até a perda de
identificação. Torna-se necessário que o fiel veja que o seu pastor, hoje bem-sucedido,
trajando terno e gravata, também é um indivíduo comum e talvez tenha tido sua mesma
origem em classes socioeconomicamente desfavorecidas.

Silas Malafaia, que possui amplo domínio das linguagens e estratégias de


comunicação (ele próprio é “televangelista” há mais de 30 anos), estendeu sua influência
para além da televisão e hoje conta com mais de um milhão de seguidores no Twitter (o que
o coloca como líder neste ranking). Em seus vídeos veiculados para a internet, predominam
20

bastantes traços da chamada “sociedade de espetáculo”, conceito desenvolvido pelo teórico


francês Guy Debord.

Segundo o teórico francês, o espetáculo “unifica e explica uma grande diversidade


de fenômenos aparentes” (DEBORD, 1967 apud KELLNER, 2006, p. 121), e simboliza uma
sociedade marcada pelo consumo de mercadorias e imagens. Douglas Kellner, em seu artigo
“Cultura da mídia e triunfo do espetáculo”, faz uma releitura deste significado, afirmando
que este (o espetáculo) gera alienação e passividade, buscando o consumo inconsciente por
parte do espectador e até mesmo doutrinando estilos de vida (KELLNER, 2006). O autor
afirma:

À medida que avançamos no novo milênio, a mídia se torna


tecnologicamente mais exuberante e está assumindo um papel cada
vez maior na vida cotidiana (...) os espetáculos sedutores fascinam
os habitantes da sociedade de consumo e os envolvem na semiótica
do mundo do entretenimento, da informação e do consumo,
influenciando profundamente o pensamento e a ação. (KELLNER,
2006, p. 122)
E por meio de algumas estratégias de marketing, “a vivência religiosa torna-se estilo
de vida” (SODRÉ, 2006, p. 1). O mercado religioso se expandiu para outras áreas e hoje
CDs, livros, novelas e até produções cinematográficas5 estão à disposição dos fiéis, num
cenário em que o consumo se torna sinônimo de salvação e valores éticos coletivos são
substituídos pelo hedonismo individualista (SODRÉ, 2006).

Agora que exploramos o processo de midiatização da religião, vimos os principais


valores difundidos pelas igrejas neopentecostais e como estes alcançam eficácia entre muitos
fiéis, podemos falar do nosso corpus de análise, as duas entrevistas concedidas pelo pastor
Silas Malafaia aos produtos The Noite e TVeja. Antes, é importante que compreendamos as
condições de produção do discurso do líder religioso no nosso corpus de análise. No próximo
capítulo, vamos conceituar o gênero do talk-show e a prática da entrevista, além entender os
contextos sociopolíticos e o posicionamento dos apresentadores nas entrevistas em questão.

5
O filme “Os Dez Mandamentos ”, da TV Record, tornou-se a maior bilheteria do cinema brasileiro. Ver “'Os
Dez Mandamentos' bate recorde de bilheteria 'esgotando' salas vazias”, reportagem disponível em:
http://folha.com/no1759482
21

3. DAS CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO DO DISCURSO: ENTENDENDO AS


ENTREVISTAS

Tendo visto o percurso histórico do pentecostalismo no Brasil e suas filiações


doutrinárias bem como a importância da mídia no projeto de expansão das igrejas
neopentecostais e no aumento de influência política destes segmentos, conforme apresentado
no capítulo anterior, passemos para o entendimento das condições de produção dos
discursos, a fim de verificarmos os posicionamentos assumidos pelo sujeito Silas Malafaia.

Para Michel Pêcheux, considerado um dos principais teóricos da Análise do


Discurso, o discurso se torna:

(...) parte de um mecanismo em funcionamento, isto é, como


pertencente a um sistema de normas nem puramente individuais nem
globalmente universais, mas que derivam da estrutura de uma
ideologia política, correspondendo, pois, a um certo lugar no interior
de uma formação social dada (...) em outras palavras, um discurso é
sempre pronunciado a partir de condições de produção dadas.
(PÊCHEUX, [1969] 2010, p. 75)
Os discursos, segundo o autor, funcionam segundo posições tomadas pelos seus
protagonistas em contextos sócio-históricos dados e um discurso sempre remete a outro dito
anteriormente, sendo produzido no interior de relações de sentido pré-construídas.
Constituem as condições de produções do discurso as representações que cada sujeito, em
uma situação definida, faz de si, do outro e do objeto do discurso, posições que são possíveis
dentro de regras de projeção determinadas “na estrutura de uma formação social”
(PÊCHEUX, [1969] 2010, p. 81).

Portanto, é fundamental considerarmos quem é a pessoa que está falando: que grupo
ela representa? Quais posições ideológicas constituem seu discurso? Quais imagens ela faz
de si mesmo e da audiência, ou seja, os sujeitos a quem se dirige? Essas questões serão
necessárias para analisarmos o discurso do Silas Malafaia nos dois casos utilizados como
corpus de análise: a entrevista para a TVeja e para o talk-show The Noite.

O posicionamento dos entrevistadores também é de semelhante importância. Afinal,


eles são os sujeitos mediadores das situações analisadas e representam assim papel relevante
na construção de sentidos, principalmente na condução dos processos discursivos do pastor,
visto que, numa situação imediata de comunicação informacional, “a cada passo, o discurso
de um dos protagonistas é modificado pelo outro” (PÊCHEUX, [1969] 2010, p. 91).
22

Como parte das condições de produção dos discursos analisados, falaremos do


contexto sócio-histórico brasileiro no momento da realização das entrevistas e vamos
apresentar os conceitos de talk-show e da prática de entrevista, igualmente importantes na
definição dos posicionamentos tomados pelos sujeitos nas situações discursivas em análise.
Os gêneros e formatos dos programas analisados serão determinantes no processo de
constituição de sentidos, uma vez que determinam o que pode ou não ser dito, bem como os
modos de dizer. Começaremos a análise nos situando quanto ao momento político-social do
Brasil nos períodos das entrevistas.

3.1 Contexto sócio-histórico das entrevistas

Mesmo tendo sido realizadas em datas muito próximas, os momentos políticos nos
quais as duas entrevistas estão inseridas divergem em alguns pontos. Entender essas nuances
será necessário para compararmos os discursos do pastor nos programas The Noite (março
de 2014) e TVeja (junho de 2015).

Em março de 2014, o Brasil vivia um período de véspera de eleições. Articulações


políticas eram feitas, faltava menos de dois meses para as convenções partidárias e a escolha
de candidatos, segundo o calendário divulgado pelo Tribunal Superior Eleitoral6. Silas
Malafaia, em seus vídeos e aparições públicas, não escondia a busca por maior influência
política, fosse através de pregações ou até pela associação direta a candidatos. Dito isso, fica
implícita a ideia de que o pastor tomaria o máximo de cautela ao atacar adversários políticos
durante a entrevista concedida para o programa do SBT. Ter isso em mente será importante
para nossa análise.

Ao mesmo tempo, o Congresso decidia sobre temas sociais importantes para agenda
política nacional, como o projeto de criminalização da homofobia, que seria derrotado em
novembro de 20137, e o começo das discussões sobre o Estatuto da Família – conjunto de

6
G1. Calendário: datas das eleições 2014. Disponível em
<http://g1.globo.com/politica/eleicoes/2014/noticia/2014/05/confira-principais-datas-do-calendario-oficial-
das-eleicoes-2014.html>. Último acesso em 8 de julho de 2017.
7
Por falta de consenso, o Projeto de Lei do Senado (PLS) 122/2006 – da criminalização do preconceito pela
orientação sexual e identidade de gênero – não seria votado na Comissão de Direitos Humanos e Legislação
Participativa do Senado em novembro de 2013. Ao mesmo tempo, o projeto que liberaria a “cura gay” era
discutido na Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, presidida na época pelo pastor Marco
Feliciano (PSC-SP), aliado de Silas Malafaia. UOL. No Senado, falta de consenso impede votação de
projeto que criminaliza homofobia. 20 de novembro de 2013. Disponível em:
<https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2013/11/20/no-senado-falta-de-consenso-impede-
23

leis de extrema relevância ao projeto ideológico do pentecostalismo – que trata a família


apenas como a união entre pessoas de sexos diferentes, estendendo essa noção para os
currículos do ensino médio8.

A Frente Parlamentar Evangélica (FPE) – que reúne políticos ligados a


denominações protestantes – dava mostras de sua força, agregando 73 parlamentares e
interferindo em processos importantes de garantia de direitos às minorias no Brasil, como o
já citado projeto de criminalização da homofobia (PLS 122/2006), que sofreu forte pressão
da bancada evangélica. Alguns congressistas dessa linha, inclusive, condicionaram o apoio
à reeleição da então presidente Dilma Rousseff à rejeição ou adiamento da votação da
proposta. O governo, por precaução, decidiu votar a matéria após as eleições de 2014.

Os setores evangélicos também sofrearam uma perda significativa neste período. O


Conselho Nacional de Justiça, em maio de 2013, aprovou uma resolução que obrigava os
cartórios a fazer casamentos homossexuais9. Em resposta à decisão, cerca de 70 mil fiéis se
reuniram em frente à Esplanada dos Ministérios para protestar contra esses assuntos (a
descriminalização do aborto também estava em pauta). O organizador do evento foi ninguém
menos que Silas Malafaia10.

Torna-se evidente o contexto de lutas sociais e retrocessos em relação às matérias de


direitos humanos no momento de realização da entrevista para o talk-show “The Noite”.
Além das questões já citadas, o governo federal começava a enfrentar as primeiras
manifestações decorrentes de escândalos de corrupção (a Operação Lava-Jato seria
deflagrada no mesmo mês da entrevista) e da queda do crescimento econômico do país, que

votacao-de-projeto-que-criminaliza-homofobia.htm?cmpid=copiaecola>. Último acesso em 8 de julho de


2017.
8
A polêmica criada a respeito do projeto de lei (PL) 6583/13, que reconhece a família como “a entidade familiar
formada a partir da união entre um homem e uma mulher, por meio de casamento ou de união estável, e a
comunidade formada por qualquer dos pais e seus filhos”, se estende à PL 867/2015, da “escola sem partido”
que restringe a ação dos professores nas salas de aula, excluindo questões relativas à sexualidade e transferindo
a “educação moral” dos alunos única e exclusivamente aos pais. Portal da Câmara dos Deputados. Câmara
aprova Estatuto da Família formada a partir da união de homem e mulher. 8 de outubro de 2015.
Disponível em
<http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/DIREITOS-HUMANOS/497879-CAMARA-
APROVA-ESTATUTO-DA-FAMILIA-FORMADA-A-PARTIR-DA-UNIAO-DE-HOMEM-E-
MULHER.html>
9
G1. Decisão do CNJ obriga cartórios a fazer casamento homossexual. 14 de maio de 2013. Disponível
em: <http://g1.globo.com/politica/noticia/2013/05/apos-uniao-estavel-gay-podera-casar-em-cartorio-decide-
cnj.html>. Último acesso em 8 de julho de 2017.
10
G1. Milhares protestam em Brasília contra aborto e casamento gay. 5 de junho de 2013. Disponível em:
<http://g1.globo.com/politica/noticia/2013/06/milhares-protestam-em-brasilia-contra-aborto-e-casamento-
gay.html>. Último acesso em 8 de julho de 2017.
24

viria a se tornar uma crise. Os manifestantes já evocavam os gritos pelo impeachment da


presidente Dilma Rousseff11.

O programa “The Noite” – que estreou na grade de programação do SBT no dia 10


de março daquele ano – até então havia convidado apenas personalidades do entretenimento
e da TV para as entrevistas. Posteriormente, o talk-show seria conhecido pelo seu
posicionamento conservador em relação aos temas sociais do Brasil, tendo recebido como
entrevistados algumas figuras da direita política brasileira, como o deputado-federal Eduardo
Bolsonaro; o então candidato à presidência em 2014, Levy Fidélix; e os jornalistas Reinaldo
Azevedo, colunista da revista Veja e Rachel Sheherazade, apresentadora do SBT (LERY,
2015).

No momento da entrevista com o Silas Malafaia, porém, não houve tentativas


contundentes de atacar políticos e medidas ligadas à esquerda, o que pode ser explicado pela
proximidade do período eleitoral, em que rumores sobre alianças políticas se espalhavam
pela mídia, inclusive a de que o Senador Lindbergh Farias (PT-SP) – historicamente ligado
aos setores progressistas – teria frequentado cultos do pastor Silas Malafaia, visando obter
apoio para a eleição ao governo do estado do Rio de Janeiro12.

Tal posicionamento não ocorre, no entanto, na entrevista concedida para a TVeja no


dia 22 de junho de 2015. O programa é veiculado no site da revista Veja13, um semanário do
grupo Abril que hoje conta com mais de 345 mil assinantes online14. Seu público-alvo
consiste nas “camadas mais favorecidas da sociedade” (PACHECO, 2008). A TVeja
funciona, em seus enunciados, se opondo veementemente aos políticos e bandeiras ligadas
à esquerda, como podemos perceber em algumas chamadas de vídeos publicados no
Youtube15: “Quando o socialismo depende de maconheiro da Zona Sul, o que aconteceu? ”
(31 de outubro de 2016); “Lula e Dilma quebraram o Brasil” (30 de abril de 2015); “Quando

11
Indursky (2016), fala da onda de protestos conhecida como as Jornadas de Junho, que tiveram início no mês
de janeiro de 2013 e reuniram diversos enunciados e sujeitos políticos nas ruas. O movimento – cuja bandeira
inicial consistia em lutar contra o aumento das tarifas de ônibus – atingiu às massas em junho e novas demandas
se fizeram presentes, assumindo um posicionamento contra as ações governamentais. E a mídia tradicional
teve um papel importante ao deslocar os sentidos produzidos nos seios das manifestações, generalizando esses
enunciados políticos em torno das críticas destinadas à então presidente Dilma Rousseff e o Partido dos
Trabalhadores.
12
Estadão. Lindbergh e o pastor Malafaia, cada diz mais próximos. 27 de dezembro de 2013. Disponível
em: <http://politica.estadao.com.br/blogs/roldao-arruda/lindbergh-farias-afina-dobradinha-com-pastor-silas-
malafaia/>. Último acesso em 6 de julho de 2017.
13
Disponível em: <http://veja.abril.com.br/>.
14
Poder 360. Jornais e revistas continuam avançando em 2017 com suas edições digitais. Disponível em:
<https://www.poder360.com.br/midia/jornais-e-revistas-continuam-avancando-em-2017-com-suas-edicoes-
digitais/>. Acesso em 8 de julho de 2017.
15
Disponíveis em: <https://www.youtube.com/user/vejapontocom>
25

o PT será extinto? ” (24 de março de 2015); e “Caio Blinder: ‘PT é conivente com anti-
semitismo do Hamas’” (13 de setembro de 2014). Veremos mais à frente que a então
apresentadora Joice Hasselmann mobiliza os mesmos sentidos no percurso discursivo, se
inserindo em um contexto político bastante distinto do primeiro corpus de análise.

As eleições haviam passado – com reeleição da candidata do Partido dos


Trabalhadores (PT), Dilma Rousseff – e iniciava-se uma nova legislatura, em que a bancada
evangélica iria atingir seu contingente recorde. Ao todo, 90 parlamentares compunham a
FPE, um número 30% maior se comparado ao das últimas eleições16. Entre esses, três eram
aliados diretos do pastor Silas Malafaia: Sóstenes Cavalcante (PSD-RJ), quarto mais votado
no estado; Gilberto Nascimento (PSC-SP); Fábio Souza (PSDB-GO); e outros três deputados
estaduais: Lula Cabral (PSB-PE); Albert Dickson (PROS-RN); e Samuel Malafaia (PSD-
RJ), irmão de Silas17.

Soma-se a este cenário de vitória expressiva dos setores mais conservadores no


Congresso – formando a bancada BBB (boi, bíblia e bala), com representantes da indústria
armamentista e da agropecuária – a gradativa crise do governo, com aumento da força do
movimento pelo impeachment. Nos protestos sucessivos à reeleição da presidente Dilma, se
instaurou uma “ideologia do ódio”18 (INDURSKY, 2016, p. 79), marcada pelo ressentimento
do candidato derrotado Aécio Neves (PSDB-MG).

A chegada à presidência da Câmara dos Deputados de um dos nomes mais fortes da


Frente Parlamentar Evangélica, o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), também marcou a
guinada ao conservadorismo no espectro político. Aliado do pastor Silas Malafaia, em seu
mandato Cunha iria agir em prol de matérias igualmente prejudiciais aos direitos humanos
como o já mencionado Estatuto da Família (uma comissão seria instalada em março daquele
ano para discutir o projeto), além do projeto de isenção fiscal das igrejas, incluído em uma
Medida Provisória que iria livrar os pastores evangélicos de declararem mais de R$ 300
milhões19.

16
UOL. Bancada evangélica cresce e mistura política e religião no Congresso. 19 de outubro de 2015.
Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2015/10/19/bancada-evangelica-cresce-
e-mistura-politica-e-religiao-no-congresso.htm?cmpid=copiaecola>. Último acesso em 8 de julho de 2017.
17
Gospel Prime. Bancada Malafaia: Seis candidatos apoiados pelo pastor se elegem. 7 de outubro de 2014.
Disponível em: <https://noticias.gospelprime.com.br/bancada-malafaia-candidatos-elegem/>. Último acesso
em 8 de julho de 2017.
18
O discurso do ódio ao PT e os programas sociais desenvolvidos pelo governo federal atraiu manifestantes da
classe média, fazendo funcionar as ideologias de centro, centro-direita e até extrema-direita, que se
materializou na posição-sujeito fascista contra o comunismo (INDURSKY, 2016).
19
A MP 668, aprovada em junho de 2015, livraria os pastores evangélicos da cobrança de impostos relativos
às comissões que ganham sobre o dízimo e o arrebatamento de fiéis.
26

O Tribunal de Contas da União (TCU) começava a analisar as contas do último


mandato da presidente Dilma20 e, nas ruas, o apelo pela sua saída só aumentava. Em pesquisa
divulgada pelo Datafolha no dia 11 de abril de 2014, 63% dos brasileiros apoiavam abertura
de processo de impeachment. O curioso é que Eduardo Cunha – posteriormente o principal
artífice da queda de Dilma Rousseff – rechaçava qualquer hipótese relacionada ao
impeachment21.

Portanto, não é surpreendente que perguntas relativas à política brasileira apareçam


em abundância durante a sabatina da Veja, veículo conhecido pela forte oposição ao Partido
dos Trabalhadores e demais legendas da esquerda. Silas Malafaia, na condição de
“vencedor” do último pleito eleitoral, se sente à vontade para atacar medidas progressistas e
sociais, além de propagar seu ódio às minorias. Faremos uma análise mais aprofundada do
seu discurso no próximo capítulo, o que nos interessa, por enquanto, é entender as condições
de produção discursivas.

Para atingir este objetivo, nos falta aprofundar os conceitos de entrevista e talk-show,
além de compreender melhor os posicionamentos dos apresentadores nos dois casos. Vamos
agora falar dos gêneros televisivos: qual a importância em classifica-los e entende-los? O
que difere o talk-show da simples prática da entrevista?

3.2 Entre a entrevista e o talk-show: jornalismo vs. entretenimento

Expostos os diferentes contextos sócio-políticos de ambas as entrevistas, vamos falar


dos gêneros que classificam os dois produtos midiáticos: a entrevista e o talk-show. Pegando
de empréstimo o conceito segundo Mikhail Bakhtin (1895-1975), Arlindo Machado, em seu
artigo “Pode-se falar em gêneros na televisão? ”, afirma que o gênero é:

(...) uma força agluti-nadora e estabilizadora dentro de uma


determinada linguagem, um certo modo de organizar idéias, meios e
recursos expressivos, suficientemente estratificado numa cultura, de
modo a garantir a comunicabilidade dos produtos e a continuidade
dessa forma junto às comunidades futuras. Num certo sentido, é o
gênero que orienta todo o uso da linguagem no âmbito de um
determinado meio, pois é nele que se manifestam as tendências
20
G1. TCU adia análise de contas e dá 30 dias para Dilma explicar 'pedaladas'. 17 de junho de 2015.
Disponível em: <http://g1.globo.com/economia/noticia/2015/06/ministro-vota-por-dar-prazo-de-30-dias-para-
dilma-explicar-pedaladas.html>. Último acesso em 8 de julho de 2017.
21
G1. Eduardo Cunha rejeita impeachment, mas critica gestão de Dilma. Disponível em:
<http://g1.globo.com/politica/noticia/2015/03/eduardo-cunha-rejeita-impeachment-mas-critica-gestao-de-
dilma.html>. 16 de março de 2015. Último acessado em 7 de julho de 2017.
27

expressivas mais estáveis e mais organizadas da evolução de um


meio, acumuladas ao longo de várias gerações de enunciadores.
(MACHADO, 1999, p. 143)
Os gêneros, porém, não são estáticos, mas se encontram em permanente mutação na
busca de elementos que possam garantir sua estabilidade em um meio social. Assim, como
existem vários gêneros, um mesmo enunciado pode estar reproduzindo diferentes categorias.
(MACHADO, 1999)

Gomes (2007) traz uma visão diferente de gênero, em que aparece a figura do
receptor com considerável importância na classificação dos produtos midiáticos. Ela pontua:

(...) os gêneros são formas reconhecidas socialmente a partir das


quais se classifica um produto midiático (...). Nesse sentido, colocar
a atenção nos gêneros televisivos implica reconhecer que o receptor
orienta sua interação com o programa e com o meio de comunicação
de acordo com as expectativas geradas pelo próprio reconhecimento
do gênero. (GOMES, 2007, p. 19)
Além disso, os gêneros estabelecem contratos entre espectadores e produtores,
sempre variando em torno da historicidade das matrizes culturais que o geram, criando
efeitos de sentido “que interferem no modo como o espectador se relaciona com aquilo que
vê” (LERY, 2015, p. 42). E ainda, segundo Julia Lery:

Os gêneros são espaços de configuração dos efeitos de sentido que


indicam a diversidade dos modos de se comunicar, e perpassam a
competência comunicacional tanto de produtores quanto do público.
(LERY, 2015, p. 45)
É do nosso interesse entender o funcionamento discursivo dos programas analisados.
Portanto, apresentar os gêneros estudados se constitui uma tarefa essencial para nossa
análise, pois são eles que vão determinar, em parte, o posicionamento do apresentador em
relação ao público que o assiste, posto que “esta antecipação do que o outro vai pensar parece
constitutiva de qualquer discurso” (PÊCHEUX, [1969] 2010, p. 76). E diferentes situações
determinam variadas posições dos sujeitos nos processos discursivos. Logo, é de
fundamental importância entender os lugares que o pastor Silas Malafaia atribui a si, ao
apresentador e ao contexto imediato no qual está inserido para produzir efeitos de sentidos
(PÊCHEUX, [1969] 2010).

Falaremos, primeiramente, do programa The Noite. Já vimos, anteriormente, o


contexto sócio-histórico que integrou parte de suas condições de produção. Agora, vamos
apresentar um panorama geral do gênero talk-show, seus significados e estratégias
discursivas. De acordo com Silva (2009, p. 1), o termo “representa um corte entre a esfera
28

do jornalismo e do entretenimento”, um modelo que teve suas origens no rádio – que,


portanto, prioriza a linguagem oral – e se popularizou no Brasil na década de 1980, com o
programa “Onze e Meia”, do Jô Soares (SILVA, 2009).

Seguindo o modelo norte-americano que o criou, o gênero agregou elementos do


stand-up comedy, como os cenários, o figurino e o humor sem personagens, no qual apenas
o humorista e seu microfone entretém a plateia através de um olhar alegórico sobre o Mundo
(LERY, 2015); dos programas de auditório, ele trouxe a onipresença da plateia – manifestada
através de risos, aplausos, vaias e até mesmo perguntas para o entrevistado ou o apresentador
(SILVA, 2009, p. 2-3).

Acompanhando uma tendência ao “hibridismo” (MACHADO, 1999, p. 142) visto


nas últimas décadas, tornou-se difícil delimitar as fronteiras do que é jornalismo e
entretenimento dentro dos talk-shows. Alguns autores, como Fabiana Moraes da Silva, falam
em “infotenimento” para definir esta nova forma de veicular informações, que serviria para
“atender a uma demanda de mercado e ganharem audiência” (LERY, 2015, p. 30), apelando
cada vez mais às sensações do público. De acordo com a autora:

O talk show obedece à mesma lógica de agendamento e produção de


notícias. A presença de um convidado ilustre e a entrevista criada
são transformados em acontecimento e pautam o programa. Não é
necessário que uma celebridade tenha algo de factual ou importante
para dizer. A própria aparição e entrevista se transformam em razão
suficiente para que aquilo seja considerado extraordinário,
interessante, e ganhe espaço na televisão. O talk show controla, em
parte, o regime de visibilidade das celebridades, convidando-as a
participar das entrevistas. (LERY, 2015, p. 32)
A emergência dos programas nestes formatos acompanha um uso cada vez maior da
ironia como estratégia discursiva. Para Maingueneau, este recurso permite uma enunciação
com valores contraditórios, que não estariam sujeitos às sanções e “normas de coerência que
toda argumentação impõe” ([1987] 1997, p. 100). Acerca do funcionamento da ironia na
sociedade contemporânea, Lery afirma:

A ironia da sociedade cínica é, antes de uma crítica, uma maneira de


se indicar a compreensão de que a realidade não se adequa a seus
próprios critérios de justificação, e por isso não deve ser levada a
sério. Há um apelo sensorial nessa exposição de inadequações, que
leva ao riso cínico, tão breve quanto os sentimentos gerados pelo
sensacionalismo, e que logo conduz o público para a nova peça do
mosaico midiático. (LERY, 2015, p. 21)
29

O riso cínico torna-se marca desses programas, sendo gerado através da ironia e da
ironia satírica (relacionada à humilhação de algo ou alguém que fuja dos padrões sociais
hegemônicos). Trata-se, conforme Lery (2015), de um processo ligado ao sensacionalismo
como forma de atrair o público para estes novos produtos midiáticos.

No entanto, eles “não se apartam completamente dos aspectos do campo jornalístico”


(SILVA, 2009, p. 4), posto que ainda há uma necessidade de legitimação pelas premissas do
jornalismo, como a racionalidade, imparcialidade e factualidade, que se misturam, por sua
vez, ao sensacionalismo e o espetáculo dos talk-shows. O apresentador sempre faz
referências a alguns acontecimentos externos que seriam de relevância para o público
(LERY, 2015).

É nessa imbricação entre discurso jornalístico e entretenimento que produtos destes


gêneros estabelecem suas estratégias discursivas. O programa The Noite segue a tendência
dos cenários de outros talk-shows brasileiros: uma bancada para o apresentador; um sofá à
esquerda da tela, para o entrevistado; e o fundo iluminado com a vista de uma cidade à noite,
o que remete ao imaginário de um produto que está no centro de onde os fatos acontecem; a
luz sobre esta cidade reforça o sentido – aliado à situação imediata de um programa de
entretenimento – que a madrugada foi feita para a diversão, silenciando o discurso do período
noturno como próprio para dormir, por exemplo, prática ligada à memória discursiva de
quem precisa acordar para trabalhar, seguir uma rotina. Ou seja, a pessoa que assiste o The
Noite pode se colocar no lugar de alguém que foge aos padrões e faz sua própria
programação.

Através da disposição das câmeras, o programa insere o telespectador como parte de


sua plateia, que serve de termômetro entre as piadas e os momentos de seriedade. A
orientação para o entretenimento é nítida no processo discursivo do produto analisado, posto
que o apresentador, Danilo Gentilli, se dirige inicialmente ao seu público em um quadro de
piadas, quando ironiza certas questões atuais do Brasil e do Mundo.

Também há um quadro de encenação com os demais integrantes do programa,


geralmente uma sátira do entrevistado ou daquilo que ele representa. Estes não serão do
nosso interesse, vamos focar apenas no momento da entrevista, que, conforme veremos
adiante, alterna entre o humor e a seriedade. Colocados os principais elementos discursivos
do gênero talk-show, vamos a uma rápida apresentação do serviço de audiovisual da revista
Veja.
30

Em seu website e no canal do YouTube reservado para a reprodução dos seus


materiais, o vejapontocom, a TVeja se apresenta como um veículo de reportagens especiais,
informação e opinião. Percebe-se que, aparentemente, o humor e o entretenimento são
deixados de lado na proposta deste serviço (um entre tantos no site da revista). Isto é
reforçado pelo conteúdo presente no site, geralmente matérias, opiniões e entrevistas sobre
atualidades, questões políticas, além de temas culturais como cinema, música e literatura.

No caso das entrevistas, a disposição do estúdio reforça um sentido do jornalismo


fortemente associado ao seu interdiscurso, ou seja, “o saber discursivo que torna possível
todo dizer e que retorna sob a forma do pré-construído” (ORLANDI, 2009, p. 31). Há apenas
uma bancada, semelhante à de um telejornal, em que entrevistador e entrevistado sentam um
de frente para o outro; ao fundo, é possível ver a redação através de um vidro, que delimita
o estúdio da TVeja. Tal construção remete ao imaginário de um produto voltado
exclusivamente à prática do jornalismo, em que um conteúdo apurado, factual e objetivo
será apresentado aos telespectadores.

Não existe plateia, fala-se exclusivamente para quem está assistindo ao vídeo.
Portanto, a conversa funciona discursivamente como um diálogo imaginariamente projetado
para esclarecer o público e não para entreter a audiência. Desse modo, temos a produção de
entrevistas conforme exposta em Morin, segundo o qual essa prática “é uma comunicação
pessoal tendo em vista um objetivo de informação” (1973, p. 115).

Nesse sentido, Julia Lery reafirma uma aproximação da entrevista com o jornalismo,
em contraposição ao caráter de entretenimento dos talk-shows:

A hibridação com o entretenimento é o que marca, no Brasil, o talk


show como um gênero à parte, que não se confunde com programas
de entrevistas (...) No Brasil, a ligação histórica entre os programas
de entrevista e as questões políticas como forma de abrir espaço para
discussão de assuntos proibidos ao jornalismo em tempos de censura
nos leva a reconhecer socialmente os programas de entrevista como
um subgênero do telejornalismo, reservando ao talk show um lugar
mais próximo à esfera do entretenimento. (LERY, 2015, p. 56)
No entanto, o apelo ao emocional e às sensações do telespectador também permanece
na prática das entrevistas. Estas podem liberar uma energia afetiva capaz de fornecer
emoções ao receptor (MORIN, 1973). Isso seria, segundo autor, potencializado pelo poder
das câmeras, assim sendo, “a comunicação pode ser absorvida como espetáculo (...) a energia
afetiva toma a forma de satisfação por ter visto um belo e interessante espetáculo” (MORIN,
1973, p. 132).
31

Na chamada para a entrevista da TVeja com Silas Malafaia, é destacada a seguinte


frase do líder religioso: “presidir uma nação não é uma função para incompetentes”. Ora,
vimos que essa conversa se insere num contexto de crise do governo federal, cuja presidente
vinha sendo alvo de ataques constantes por parte da publicação. Pretende-se, ao tornar
relevante a afirmação do pastor, projetá-lo na posição de um especialista em política, que
teria uma visão com credibilidade dos problemas políticos do país. E afirma-se, pela
significação do não-dito, que a chefe do poder executivo seria desqualificada para o cargo,
posto que “ao longo do dizer há toda uma margem de não-ditos que também significam”
(ORLANDI, 2009, p. 82).

Conforme Altman (1995), por adotarem um caráter de culto às personalidades, as


entrevistas possuem o poder transformar sujeitos comuns em líderes, cidadãos influentes.
Promove-se, assim, a “individualização dos problemas” (MORIN, 1973, p. 126), que está
ligada ao advento da cultura de massa, que exige um contato mais próximo com as fontes
das informações.

Veremos a seguir como os apresentadores, nos dois casos analisados, contribuem nos
processos discursivos das entrevistas, para então analisar os posicionamentos do sujeito Silas
Malafaia. Em nosso percurso de análise interessa-nos investigar quais posições discursivas
são assumidas no lugar de fala do pastor em momentos distintos.

3.3 A posição do apresentador das entrevistas

A figura do Silas Malafaia, sem dúvida, desperta maior interesse nas entrevistas
analisadas. Em ambos os casos, ele se expressa livremente e atua com ampla liberdade
discursiva, sofrendo poucas interrupções. Porém, não podemos deixar de lado as posições
assumidas pelos apresentadores e quais imagens eles fazem sobre o entrevistado. Estes
deslocamentos vão influenciar o percurso discursivo da nossa análise.

Como já expusemos anteriormente, o formato dos programas TVeja e The Noite são
bastante distintos. O primeiro preza mais por produzir uma imagem de seriedade com relação
ao seu conteúdo, enquanto o segundo mescla jornalismo e humor, além de utilizar
excessivamente o recurso da ironia como elemento de uma abordagem cínica (LERY, 2015).
Sobre este gênero, a autora afirma:

Danilo Gentili apresenta, em The Noite, um tipo de humor bufão e


explícito, que conta com muitas encenações satíricas e hipérboles.
32

Embora seja possível identificar uma blindagem humorística de tudo


o que se afirma no programa, especialmente por causa de uma
postura irônica, que coloca em cheque tudo o que é dito, as piadas,
em geral, são menos nuançadas e seus alvos mais explícitos. (LERY,
2015, p. 104, grifo nosso)
É possível perceber, no caso do talk-show, por meio da análise discursiva da posição
ocupada por seu mediador, um certo embaralhamento político, ou seja, ideias contraditórias
que produzem sentidos de complementaridade, pois estes programas são protegidos pelo
caráter humorístico (LERY, 2015). Informação e humor se tornam objetivos comuns em
seus processos discursivos.

Retomando o conceito de formação imaginária como o “mecanismo que produz


imagens do sujeito, assim como do objeto do discurso, dentro de uma conjuntura sócio-
histórica” (ORLANDI, 2009, p. 40), ou seja, as imagens que surgem das projeções feitas
pelos sujeitos que falam, em uma determinada conjuntura, percebe-se que os efeitos gerados
pelos talk-shows dizem respeito tanto ao riso, quanto à coerência das informações
veiculadas.

É nessa lacuna que o sujeito apresentador se desloca, pois, ainda segundo Orlandi,
“na relação tensa do simbólico, com o real e o imaginário, o sujeito e o sentido se repetem e
se deslocam” (ORLANDI, 2009, p. 53). De outro modo, os discursos não são coerentes entre
si, há deslizes, falhas que fogem ao controle do enunciador, pois somos determinados por
inúmeras formas discursivas, aquilo que é possível e deve ser dito dentro das formações
ideológicas (ORLANDI, 2009).

Essas transferências de sentidos são mais evidentes no discurso do apresentador


Danilo Gentilli, publicitário e humorista, conhecido por sua afinidade com o discurso
político da direita. Isso se manifesta tanto em seus posicionamentos públicos (ele já
discursou em manifestações contra a ex-presidente Dilma Rousseff e o PT), quanto na
escolha dos convidados para o programa, a maioria de orientação política mais conservadora.

É o caso do Silas Malafaia que, como já dito, luta em prol de medidas


antiprogressistas no Congresso e não esconde sua visão política, fortemente influenciada
pela ideologia capitalista. Na entrevista concedida ao The Noite, em 31 de março de 2014,
essas opiniões do pastor foram escancaradas, ora com ironia, ora com seriedade. E o
apresentador ocupou posição fundamental na condução desse discurso.

Tratando-se da TVeja, fica mais nítida a cumplicidade entre entrevistador e


entrevistado. Por ser um produto de caráter exclusivamente jornalístico, não existe a
33

“blindagem do humor” para seu conteúdo, mas mesmo assim alguns assuntos são tratados,
em determinados momentos, com extrema leveza e descontração, revelando essa relação
entre a apresentadora, Joice Hasselman, e o líder religioso.

Joice, que ao contrário do Danilo Gentilli é uma jornalista, ganhou fama entre os
cidadãos mais conservadores com os vídeos publicados em sua página pessoal do Facebook
e em seu canal do Youtube, que conta atualmente com mais de 400 mil inscritos. Nas
postagens, críticas aos governos petistas, movimentos sociais, sindicatos e elogios a alguns
políticos da direita brasileira.

No caso da entrevista com Silas Malafaia, sua tônica consiste basicamente em


acusações contra o governo federal e algumas de suas medidas. Em determinados momentos,
há a ironia e o riso, manifestações comuns nos talk-shows, que também fazem parte da
estratégia discursiva dessa entrevista.

Para entender melhor os diferentes posicionamentos dos apresentadores, vamos levar


em conta alguns conceitos da Análise do Discurso, como o de formações imaginárias – já
explicitado nessa pesquisa – e também utilizaremos como parte do nosso dispositivo
analítico a noção de formações discursivas, conforme proposta por Michel Pêcheux, que
possibilita compreender a relação do sujeito com o discurso e a ideologia, através dos dizeres
que são ditos “a partir de uma posição dada em uma conjuntura sócio-histórica dada”
(ORLANDI, 2009, p. 43), ou seja, os sentidos vão depender das filiações ideológicas
realizadas por quem está falando.

Esses sentidos estarão sempre sujeitos ao deslocamento, através do “efeito


metafórico”, definido por Pechêux como “o fenômeno semântico produzido por uma
substituição contextual” (PÊCHEUX, [1969] 2010, p. 96). Ao ser interpelado pela ideologia,
o sujeito se insere em uma determinada formação discursiva, acessando, por meio das
famílias parafrásticas22, o já-dito constitutivo da memória discursiva. Por meio da metáfora,
entendida na teoria do discurso como substituição, transferência de sentidos, os dizeres
adquirem novos sentidos, dependendo da historicidade que os determinam (ORLANDI,
2009).

22
Para Orlandi, estas representam o conjunto daquilo que se mantém em todo discurso, ou seja, o “mesmo
dizer sedimentado” (2009, p. 36) que é retomado no processo de produção de sentidos.
34

3.3.1 Danilo Gentilli e o The Noite

Já sabemos que o apresentador do talk-show The Noite é humorista. Publicitário de


formação, ele foi repórter no “CQC – Custe O que Custar”, programa da TV Bandeirantes,
que propunha um jornalismo bastante influenciado pelo humor23. Em seu quadro, Danilo
atuava como uma espécie de correspondente no Congresso, onde confrontava os deputados
e senadores acerca do conturbado cenário político brasileiro.

É de se esperar que alguém com essa trajetória mantenha uma postura questionadora.
E isso ocorre em determinados momentos do programa, quando, por exemplo, ele pergunta
sobre a expansão das igrejas neopentecostais, fortemente apoiado por um projeto político de
acréscimo de poder. Lembremos que a entrevista se inseriu num contexto sócio-histórico de
muitos embates entre setores e progressistas e conservadores, estes fortemente apoiados por
evangélicos, que realizaram, em junho de 2013, uma manifestação contra o aborto e o
casamento gay em frente à Esplanada dos Ministérios. Para fins de análise, iremos dividir
nossos corpora em sequências discursivas (SDs), que funcionam “como um filtro que torna
o corpus exaustivo e homogêneo” (COURTINE, 2006). Destacamos as SDs 1 e 2, que
demonstram um posicionamento questionador do humorista:

SD1 – Isso me leva a outra pergunta que diz respeito ao poder político, vamo
(sic.) chamar de massa de manobra evangélica. Tem a massa de manobra gay, a
massa de manobra da causa gay. A massa de manobra evangélica, você (Silas
Malafaia) tá dizendo que vai ser a maioria do país. O poder político da igreja
evangélica aqui tá ficando grande (GENTILLI, 2014).
SD2 – Você tá atuando como deputado? Por que eu e todo mundo acha que você
é deputado? Eu vejo você na Câmara mais do que muito deputado. Não pretende
se candidatar, nunca? (GENTILLI, 2014)

Na primeira sequência discursiva, percebemos que Danilo Gentilli se insere em uma


formação discursiva mais crítica às igrejas evangélicas, trazendo, através do interdiscurso, a
memória da influência que o protestantismo tem exercido na política brasileira, liderado por
denominações neopentecostais. O apresentador já afirmou ter participado de uma Igreja
Batista na sua juventude, corrente que, em algumas práticas, se opõe ao pentecostalismo.

Isso também é marcado pela projeção que Gentilli realiza dos fiéis das igrejas
evangélicas, considerando-os “massa de manobra”, ou seja, uma visão pejorativa de um

23
Segundo Krieser, Aoki e Golembiewski (2009), ao colocar figuras da política brasileira em situações
constrangedoras, o programa Custe o Que Custar tornou-se uma sensação na televisão do país. O CQC, apesar
de usar recursos jornalísticos, como as reportagens e entrevistas, se aproximava mais do humor.
35

grupo que seria manipulado para servir ao projeto de expansão (no caso, expansão política)
do movimento neopentecostal. Ele produz o mesmo efeito de sentido ao falar dos militantes
do ativismo LGBT, liderado na Câmara pelo deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), membro de
um partido de esquerda. Fica marcada, assim, a inserção do apresentador em uma formação
discursiva conservadora, ao mesmo tempo em que faz uma imagem negativa do
pentecostalismo.

Tal posicionamento não é uma novidade no discurso do comediante. Em janeiro de


2013, ele postou em seu perfil do Twitter o seguinte comentário:

‘1 gay é morto a cada 26hs?’? 140 heteros (sic.) são mortos a cada
24hs. Alguém aí come meu c# hj (sic.)? Só por segurança.
(GENTILLI, 2013)24
Nessa postagem, Danilo Gentilli teria feito uma ironia a respeito do relatório
divulgado pelo Grupo Gay da Bahia25, que apontou os altos índices de violência contra
homossexuais no Brasil: um gay morto a cada 26 horas. Sucedeu-se um embate nas redes
sociais com o deputado Jean Wyllys, uma disputa que é retomada no discurso do
apresentador, ao se referir à “massa de manobra evangélica” (na SD1).

Já na SD2, encontramos um sujeito mais favorável à inclinação política dos pastores


neopentecostais. Primeiro, ele comete uma gafe (aceitável dentro da imagem que temos de
um tak-show) afirmando que Silas Malafaia seria um deputado. O entrevistado nega
veementemente o equívoco do apresentador, que é justificado a seguir, quando Gentilli
aproveita para criticar quem é, de fato, deputado. Há um silenciamento, que segundo
Orlandi, é uma maneira de trabalhar o não-dito, que contribui para os efeitos de sentido em
um discurso. No caso, notamos o chamado “silêncio constitutivo, pois uma palavra apaga
outras palavras (ORLANDI, 2009, p. 83). Ao dizer “eu vejo você na Câmara mais do que
muito deputado” (na SD2), o apresentador legitima a atuação política do pastor trazendo na
interdiscursividade, ou seja, na relação com o não-dito, que muitos deputados eleitos não
seriam muito atuantes.

24
Sobre a polêmica, o deputado-federal Jean Wyllys (PSOL-RJ), afirmou: “Não conheço até o momento
nenhum caso de homem que tenha sido cruelmente assassinado porque era heterossexual, ou seja, apenas pelo
fato de que gostava de ‘comer mulher’”. Brasil 247. A palavra dos mortos. 11 de janeiro de 2013. Disponível
em: <https://www.brasil247.com/pt/247/brasil/90310/A-palavra-dos-mortos.htm>. Acesso em 24 de julho de
2017.
25
Disponível em:
<http://www.ggb.org.br/Assassinatos%20de%20homossexuais%20no%20Brasil%20relatorio%20geral%20c
ompleto.html>. Último acesso em 9 de julho de 2017.
36

Desta maneira, Danilo Gentilli se insere num discurso anti-político, em nome do


combate à corrupção. Uma pesquisa feita pelo IBOPE, em julho de 2013, mostrou que 81%
dos brasileiros consideravam os partidos políticos corruptos, independentemente de legenda
ou posição ideológica, sendo o Congresso Nacional a segunda instituição mais desacreditada
no Brasil. Sendo assim, o comediante faz uma projeção de si mesmo como alguém que
representa o povo brasileiro e, por isso, pode atestar a ausência dos deputados na Câmara em
seu dizer.

Outras marcas no discurso do apresentador o aproximam de uma posição moralista,


cujo alvo é a classe política do Brasil. Na sequência discursiva 3, ele utiliza o termo “valor”
duas vezes, relacionando-o com os valores cristão, visto a formação ideológica do pastor:

SD3 – “Diga-me com quem andas, que eu te direi quem és”, você se aliaria com
o líder evangélico que vendeu os seus valores em prol de poder político? Que se
aliou ao governo? Mesmo que os valores do governo sejam contra os valores da
fé cristãos? (GENTILLI, 2014)

Torna-se mais clara a filiação do comediante à posição ideológica cristã,


principalmente na reprodução do dito popular “diga-me com quem andas, que eu te direi
quem és”, cuja materialidade discursiva é produzida no contexto bíblico. Podemos verificar
uma passagem com sentido semelhante em Provérbios 13.20: “Quem anda com os sábios
será sábio; mas o companheiro dos tolos sofre aflição”.

Tal efeito de sentido – mesmo em uma situação de humor – reproduz a ideologia que
se materializa na linguagem. Essa posição conservadora é ainda reforçada com a conclusão
da pergunta, quando Danilo Gentilli se refere ao governo federal como anticristão,
silenciando o discurso de que o Partido dos Trabalhadores teria contado com o apoio de
setores do protestantismo. A relação entre Dilma Rousseff e a Igreja Universal do Reino de
Deus, por exemplo, era conhecida de todos, visto que Marcelo Crivella, bispo licenciado da
IURD, foi Ministro da Pesca por dois anos até março de 2014 e a até então presidente recebia
pastores e chegou a se encontrar com Edir Macedo em Londres, dois anos antes da entrevista.

No decorrer do diálogo, o apresentador projeta diferentes imagens do sujeito Silas


Malafaia: político, cidadão brasileiro ou líder religioso, ora mesclando as três formações
imaginárias. No último caso, temos como evidência a sequência discursiva 4, em que se
misturam as discursividades religiosa e política com base no moralismo:

SD 4 – Você negociaria, por exemplo, um valor cristão evangélico anti-aborto


em prol de poder político? (GENTILLI, 2014)
37

A questão do aborto nos remete à memória discursiva da luta dos evangélicos contra
a legalização dessa prática no Brasil. Mais além, podemos falar da “guerra santa contra o
Diabo” promovida pelo pentecostalismo, na qual as religiões africanas, o álcool, as drogas,
a homossexualidade, a prostituição e o aborto seriam parte de uma estratégia maligna para
conquistar as consciências humanas. Haveria uma batalha entre Deus e o Diabo travada no
plano espiritual, cuja vitória de um dos lados depende dos hábitos e costumes adotados pelos
seres-humanos na Terra (MARIANO, 2012).

Operam, no interdiscurso, algumas declarações a respeito da ênfase dada pelas igrejas


neopentecostais à guerra contra o Diabo, no que tange tanto aos aspectos místicos, como aos
materiais. No artigo “O Soar das Trombetas”, publicado em 2012 no blog do Bispo Edir
Macedo, o líder da Universal foi bastante contundente no chamado dos fieis para a “guerra
do bem contra o mal” (MACEDO, 2012):

Não há como fugir ou esconder-se dela. Não é uma batalha


esporádica. Mas, uma guerra constante contra o inferno a começar
de agora (...). Em todo o mundo, iremos partir para o tudo ou nada.
A Terra Prometida ao nosso pai na fé Abraão tem estado diante dos
nossos olhos (Promessas de Deus). É nossa herança, direito
adquirido, feito com juramento de Deus. Mas, ela tem sido ocupada
pelo queneu, o quenezeu, o cadmoneu, o heteu, o ferezeu, os refains,
o amorreu, o cananeu, o girgaseu e o jebuseu (Gênesis 15.18-21).
Sabe quem são esses bandidos? São os mesmos que têm impedido a
salvação da família, a saúde física e espiritual, a libertação dos
vícios, o casamento feliz, o sucesso econômico etc. (MACEDO,
2012, grifo do autor)26
Esse dualismo é reproduzido por Danilo Gentilli em diversos momentos da
entrevista, se inserindo, como já dito anteriormente, em uma formação ideológica cristã. Ele
também se utiliza da ironia para mostrar a inadequação entre o discurso e a prática dos
evangélicos, gerando o efeito de humor na plateia. Na sequência discursiva 5, é possível
notarmos que o comediante projeta a imagem do pastor como um evangélico comum, sujeito
às tentações “mundanas”, diferente da formação imaginária de um indivíduo inabalável, tão
característica dos grandes líderes religiosos:

SD5 – Pastor, você tem aqui o livro, “O cristão e a sexualidade” você casou
virgem? (GENTILLI, 2014)

26
Disponível em: <http://blogs.universal.org/bispomacedo/2012/05/27/o-soar-das-trombetas/>. Acesso em 26
de junho de 2017.
38

Em momento algum da entrevista foi discutida a questão da sexualidade na religião


evangélica. Retomando mais uma vez o conceito de interdiscurso, como espaço dos dizeres
já-ditos, o apresentador traz a memória dos evangélicos que aderem ao movimento “Eu
escolhi esperar”, bastante difundido entre os jovens cristãos que esperam o momento do
matrimônio para ter relações sexuais. Há também um breve silêncio depois que o pastor
afirma ter se casado virgem. Silêncio ao qual Orlandi chamou de “silêncio fundador”. Acerca
do seu funcionamento, ela afirma:

Este pode ser pensado como a respiração da significação, lugar de


recuo necessário para que se possa significar, para que o sentido faça
sentido. É o silêncio como horizonte, como imanência de sentido.
Esta é uma das formas de silêncio, a que chamamos silêncio
fundador, silêncio que indica que o sentido pode sempre ser outro.
(ORLANDI, 2009, p. 83, grifo nosso)
Sobre a questão da sexualidade, Danilo Gentilli vai mais além e realiza uma série de
questionamentos ao sujeito-pastor Silas Malafaia sobre o casamento entre homossexuais.
Silas é assumidamente contra a legalização da união homoafetiva, como já mencionado neste
trabalho. Gentilli tem consciência desse posicionamento e dedica grande parte do seu
programa a uma espécie de confronto com o líder religioso acerca do tema. Destacamos
algumas perguntas nas sequências discursivas 6 e 7:

SD6 – Do mesmo jeito, pastor, que você diz que não aceita o Estado interferindo
no planejamento familiar, a Igreja, a sua denominação, pode interferir no desejo
de dois gays quererem casar no civil, deixar herança um por outro, legalmente
falando, partilhar plano médico? (GENTILLI, 2014)
SD7 – Você falou agora há pouco que ninguém nasce gay, se a ciência provar
ao contrário, o senhor muda a sua opinião? (GENTILLI, 2014)

Vemos outro duplo engajamento do comediante, que se insere em duas formações


discursivas distintas: uma mais progressista, relacionada ao discurso da esquerda que
defende a união civil entre homossexuais; outra próxima aos ideais do liberalismo, defensor
do limite ao poder do Estado (BOBBIO, [1995] 2000) e que marca, parcialmente, a
discursividade da direita no Brasil.

Seguindo os questionamentos sobre as práticas e o discurso do pastor, Danilo traz a


memória dos casos de corrupção envolvendo líderes de denominações evangélicas. O mais
emblemático envolveu o já citado fundador da Igreja Universal do Reino de Deus, Bispo
Edir Macedo, que devido à importância para o movimento neopentecostal tem nos servido
de referência para ajudar a explicitar o comportamento das igrejas. Em 1992, ele chegou a
39

ficar 15 dias preso sob as acusações de desvio de dinheiro, importação ilegal, sonegação
fiscal e até charlatanismo.

São inúmeras as investigações e acusações envolvendo o líder religioso. Mas outra


polêmica relacionada ao pastor diz respeito ao vídeo vazado em que Macedo encorajava
outros pastores a atrair novos fieis e aumentar a arrecadação de recursos para a Universal.
Na gravação, ele diz:

Não pode ter timidez, peça, peça e quem quiser dá, dá, quem não
quiser não dá não dá e se tiver alguém que não quer ter um montão
que vai dá. Tem que ser no peito e na raça. Porque o povo quer vê
seu pastor com coragem, pastor brigando com o demônio [...] É isso
aí e ‘bota pra quebrar’, e dá cambalhota [...] (Disponível em
https://www.youtube.com/watch?v=9r2OmEPmUA8)
Voltando à nossa análise, em determinado momento da entrevista, Gentilli traz essa
memória das acusações de charlatanismo e projeta o Silas Malafaia na formação imaginária
de um empresário interessado tão somente no enriquecimento próprio e da sua igreja através
da exploração dos fiéis. Percebemos algumas marcas dessa projeção na sequência discursiva
8, marcada em expressões como “ganha-pão”, e nos termos “vender” e “publicidade”:

SD8 – Você tem uma oratória muito própria. Pastor é bom em oratória. É o
“ganha-pão” do cara. Toda oratória do pastor é voltada para vender a sua fé, a
publicidade saiu da Igreja. A oratória do pastor da força a qualquer discurso?
(GENTILLI, 2014)

O comediante faz uma referência a outro acontecimento externo e questiona Silas


acerca da reportagem divulgada pela revista Forbes em janeiro de 201327, que revelou o
suposto patrimônio milionário do líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo. A
sequência discursiva 8 remete à Teologia da Prosperidade, ao indagar se os pastores tentam,
através do “marketing”, se livrar da imagem de “dinheirista”:

SD9 – Se a visão que o povo tem de pastor é que pastor é dinheirista, um clichê
que no mundo secular acabou ficando. Não existe um trabalho de marketing para
tentar reverter esse clichê? (GENTILLI, 2014)

Danilo se insere em uma formação discursiva crítica do movimento neopentecostal


ao remeter à memória discursiva de que os pregadores da Teologia da Prosperidade seriam

27
Época Negócios. Forbes lista os pastores mais ricos do Brasil. 18 de janeiro de 2013. Disponível em <
http://epocanegocios.globo.com/Inspiracao/Vida/noticia/2013/01/forbes-lista-pastores-milionarios-no-
brasil.html >. Último acesso em: 7 de julho de 2017.
40

“dinheiristas”. Já foi dito que ele foi membro de uma igreja ligada à corrente mais tradicional
do protestantismo, da qual algumas práticas se distanciam dos segmentos pentecostais. O
apresentador vai revelando essas marcas ao longo do discurso, o que explica sua posição
conservadora a respeito, por exemplo, da agenda LGBT.

É nesse mosaico de sentidos que Gentilli vai traçando seu percurso discursivo. Ele
assume dois posicionamentos – se inserindo nas formações discursivas progressista e
conservadora – e exerce papel fundamental no discurso do entrevistado. Na ausência de
perguntas diretas sobre a política nacional – devido à proximidade das eleições – as marcas
ideológicas dos interlocutores vão surgindo nessas lacunas, nesses deslizes, posto que
nenhum sujeito ou discurso é completo (ORLANDI, 2009).

Na relação entre o não-dito substituído no plano material da linguagem pelos dizeres


(ORLANDI, 2009), nós verificamos estas sutilezas nos processos discursivos do
apresentador do The Noite e até mesmo, em certa medida, como se constituem posições
sujeito para Silas Malafaia ao longo do programa. Antes de passarmos para a análise do dizer
do pastor nas entrevistas, vamos verificar “o modo de constituição dos sujeitos e produção
de sentidos” (ORLANDI, 2009, p. 68) na entrevista para a TVeja.

3.3.2 Joice Hasselmann e a TVeja

Como já pontuamos, apesar da TVeja ser um produto assumidamente jornalístico, há


momentos de ironia e risos durante o diálogo entre o pastor e a jornalista Joice Hasselmann.
Passando para nosso objeto discursivo, Joice Hasselmann é jornalista, escritora28 e se
destacou nas redes sociais pelos vídeos contra o projeto da esquerda no Brasil.

No primeiro momento da entrevista com Silas Malafaia, Joice Hasselmann projeta a


imagem do pastor – importante ressaltar que ela sempre se dirige ao Silas como “pastor” –
como um especialista político ligado à vertente conservadora. Ela reforça essa formação
imaginária por meio de algumas marcas em seu discurso, como os ataques diretos ao governo
federal. Notamos também o uso do humor para gerar sentidos no decorrer do diálogo,
conforme a sequência discursiva 10:

28
Seu livro mais conhecido, “Sérgio Moro – a história do homem por trás da operação que mudou o Brasil”,
traz os bastidores da Operação Lava-Jato, que revelou esquemas de propina envolvendo a Petróbras e políticos
da base aliada do governo federal.
41

SD10 – Pastor, essa camisa é em homenagem ao PT, pastor? Veio de vermelho.


(HASSELMANN, 2015)

O termo “homenagem” marca o tom de ironia no dizer da jornalista, posto que há


uma memória discursiva de Silas Malafaia como opositor às ideias e aos políticos do Partido
dos Trabalhadores. A inadequação entre o discurso do pastor inscrito na memória discursiva
que temos a seu respeito e a afirmação da apresentadora gera um efeito de humor pelo
equívoco, que nesse caso não conta com a mesma blindagem de um talk-show.

Atentemos também para o fato de que o PT e a cor vermelha estão associados no


discurso da jornalista. Não só a cor do partido é vermelha, mas também a ideologia
comunista é marcada pelo vermelho e ambos os interlocutores acusam a legenda citada –
através dos vídeos veiculados em seus canais – de tentar impor um projeto de poder
comunista e totalitário no Brasil. Portanto, há um efeito de sentido negativo em relação à cor
vermelha, que foi a cor que o pastor Silas Malafaia escolheu para usar durante a sua
participação na entrevista. O engajamento discursivo da apresentadora prossegue na
sequência discursiva 11:

SD11 – O senhor tem sido um dos líderes religiosos mais polêmicos, mais
críticos e mais diretos em relação a esse governo do PT. A gente tem repetido
dia após dia, que nunca se viu na história do Mundo, um esquema de corrupção
tão grande quanto o “petrolão”. Nunca se viu na história do Mundo, um líder,
pelo menos no Mundo democrático, um líder como Luiz Inácio que tem plantado
uma semente tão maldita e tem dado esses frutos tão amargos que agora o país
está colhendo. Tenho repetido que, “Lula plantou, Dilma regou e agora quem tá
colhendo sem querer, é o povo brasileiro”. (HASSELMANN, 2015)

Torna-se evidente o objeto da primeira parte da entrevista: o PT e seu líder, o ex-


presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A jornalista se insere na formação discursiva religiosa,
ao criticar os governos petistas acessando o interdiscurso e reproduzindo um trecho bíblico
que diz: “Eu plantei; Apolo regou; mas Deus deu o crescimento” (Coríntios, 1.6). Ela apenas
substitui os nomes por “Lula”, “Dilma” e o “povo brasileiro”, subvertendo o sentido positivo
da passagem para a ideia negativa de que ambos os presidentes, pertencentes à mesma
legenda, teriam deixado um legado ruim para os cidadãos brasileiros. Retomando o contexto
sócio-histórico, o Brasil passava pelo início de sua crise econômica e a tese do impeachment
tomava forma nas primeiras investigações das contas do governo de Dilma Rousseff.

No dizer da jornalista, trazido na SD11, há um silenciamento de outros discursos


sobre casos de corrupção tão grandes quanto o escândalo do “petrolão”, deflagrado pela
42

Operação Lava-Jato no ano anterior ao da entrevista e que apontou desvio de fundos na


empresa Petrobrás29, envolvendo diversos membros ligados ao PT e a sua base aliada. Joice
Hasselmann não traz em seus dizer dados objetivos e verificados acerca dos maiores
escândalos de corrupção do Mundo. De fato, só tivemos uma pesquisa a respeito do tema
em 2016, quando o “petrolão” foi eleito o segundo maior esquema de corrupção do Mundo30.

A jornalista também marca uma identidade com o discurso do ódio contra o Partido
dos Trabalhadores – apontado no subcapítulo 3.1 – se inserindo em uma formação discursiva
conservadora que funcionou nos dizeres dos manifestantes de classe média que foram às
ruas pela saída da presidente Dilma em 2015, reproduzindo o descontentamento da direita
com o resultado das eleições no ano anterior (INDURSKY, 2016).

Existe, da mesma forma, um maniqueísmo de posições nessa construção discursiva:


o posicionamento ético e religioso; e a posição assumida pelo PT, em prol de uma ideologia
política apresentada no dizer da jornalista como perversa e calcada na corrupção. Silencia-
se também o projeto político da Frente Parlamentar Evangélica – que havia ampliado sua
bancada no último pleito eleitoral. O “bem” e o “mal” reaparecem no discurso, uma
reprodução da “guerra santa” já citada, tão presente na discursividade pentecostal.

O dualismo ente o Diabo e Deus retorna na memória discursiva quando a jornalista


cita uma frase do pastor Silas Malafaia, dita em um vídeo que havia sido publicado no
Youtube31 no mês anterior ao da entrevista: “Lula, você sabia que Jesus liberta da cachaça?
”. Esse dizer retoma a matéria do New York Times, publicada em maio de 2004, que lançava
rumores sobre um suposto alcoolismo que estaria afetando a atuação do ex-presidente.
Vejamos na sequência discursiva 12 como esse dizer reaparece na historicidade do discurso,
ao ser associado aos escândalos de corrupção:

SD12 – Eu vou pegar uma frase do final do seu vídeo, dizendo: “Jesus cura da
cachaça”. E da corrupção? Só Jesus mesmo pra dar jeito nesse país do PT? É só
milagre? (HASSELMANN, 2015)

29
Por ser uma empresa de sociedade mista (privada e estatal), a Petrobrás é um instrumento de atuação
econômica do Estado, devendo prevalecer o interesse público sobre o privado. Ver “A Petrobras além da
polêmica”. Coluna de Gilberto Bercovici e Walfrido Jorge Warde Júnior. 26 de agosto de 2014. Disponível
em: <https://www.cartacapital.com.br/revista/812/a-petrobras-alem-da-polemica-4806.html>. Acesso em 24
de julho de 2017.
30
Estadão. Petrobrás é o segundo maior escândalo de corrupção do mundo, aponta Transparência
Internacional. 10 de fevereiro de 2016. Disponível em: <http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-
macedo/petrobras-e-o-segundo-maior-escandalo-de-corrupcao-do-mundo-aponta-transparencia-
internacional/>. Último acesso em 10 de fevereiro de 2016.
31
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=R70-lVXQbfI&t=1s. Último acesso em 7 de julho de
2017.
43

No discurso da jornalista, materializa-se a ideologia cristã, pautada pela luta entre


Deus e o Diabo, nos planos espiritual e material. O alcoolismo e a mentira seriam, segundo
a lógica pentecostal, sinais desta guerra, nos casos em que prevalece a vontade das forças
demoníacas. Esse dizer também foi reproduzido pelo pastor Silas Malafaia no vídeo citado
acima, quando ele afirma:

A única coisa que o Diabo criou, que a bíblia dá paternidade a ele é


a mentira. Sabe, quando um homem mente descaradamente, ele se
parece com o diabo. Lula, que tal você falar toda a verdade e deixar
de enganar o povo brasileiro que você sempre soube dessa
roubalheira, dessa cachorrada desse seu partido, que você sempre foi
o mandão, certo?! Não se parece com o diabo não, Lula!
(MALAFAIA, 2015)

Segundo afirmou Pêcheux, “todo processo discursivo supunha, por parte do emissor,
uma antecipação das representações do receptor, sobre a qual se funda a estratégia do
discurso” ([1969] 2010, p. 83), portanto, temos a projeção do Silas Malafaia, realizada pela
jornalista, em um sujeito portador da insatisfação do povo brasileiro e que teria a
credibilidade para falar de política; ao mesmo tempo em que essa discursividade se mistura
à formação imaginária do líder religioso, dotado de profundo conhecimento bíblico e
inclinado às posições mais conservadoras.

Nesse percurso discursivo, silencia-se o discurso neopentecostal através dessas


projeções, pois o neopentecostalismo aparece, na figura do Silas Malafaia, sob uma
discursividade que fala em nome de todos os cristãos do Brasil. Também ocorre o
silenciamento da imagem do pastor como um sujeito cuja atuação baseia-se tão somente no
arrebatamento de fiéis, visando a um enriquecimento pessoal.

Em momento algum Joice Hasselmann questiona o presidente da Assembleia de Deus


Vitória em Cristo (ADVEC) acerca do seu patrimônio e de outros pastores que teriam se
tornado milionários. E quando há algum questionamento sobre as investigações das contas
de Silas, a jornalista retoma sempre a imagem do governo como uma instituição corrupta,
sob o domínio de um projeto de poder específico e engajado no combate àqueles que seriam
da oposição, características semelhantes às de um regime totalitário. Notemos como essas
marcas aparecem na sequência discursiva 13:

SD13 – O senhor mesmo disse, “eu já fui pró-Lula, errei até eu cair na conversa
do ex-presidente”. E depois disso, depois que o senhor viu que aquele pato era
44

ganso, ou aquele ganso era pato, o senhor resolveu adotar esse discurso muito
crítico e claro que houve tentativa de retaliação, o PT inclusive colocou a Receita
Federal pra investigar sua vida e não encontram nada. Ainda tão?
(HASSELMANN, 2015)

Para entender nosso objeto discursivo, também é necessário verificar a sua relação
de forças, ou seja, “o lugar a partir do qual fala o sujeito (e) é constitutivo do que ele diz”
(ORLANDI, 2009, p. 39). Já vimos que há uma equivalência de sentidos entre os
interlocutores evidenciada pela dominância da formação ideológica conservadora, inserida
no contexto de uma crise política em que os posicionamentos ideológicos se tornam mais
exacerbados na mídia.

O sujeito Silas Malafaia como representante de um grupo específico de interesses, no caso


o das igrejas neopentecostais, aparece no discurso da jornalista quando o tema é
homossexualidade. Nas sequências 14 e 15, a jornalista fala pela primeira vez em “frente
evangélica” e “frente ampla”, ao denominar os segmentos que defendem interesses da
religião.

SD14 – E o beijo gay, pastor? O beijo gay da novela? Tem duas mulheres lá, tem
uma frente evangélica contra o beijo gay. (HASSELMANN, 2015)
SD15 – Em relação à firmeza e ao tom ácido dessa frente ampla contra o beijo
gay, não tem exagero? É assim mesmo que tem que ser? (HASSELMANN,
2015)

No dizer da jornalista nas SDs 14 e 15, temos referência ao último capítulo da novela
“Amor à vida”, transmitida pela Rede Globo àquela época, quando foi registrado o primeiro
beijo entre gays em novelas da emissora. Silas se posicionou contra a cena em seu perfil no
Facebook, afirmando ser uma “afronta a família tradicional e ao Senhor” (MALAFAIA,
2015). Nos parece que o lugar do qual fala o sujeito Silas Malafaia prevalece no discurso e
ele assume uma posição de autoridade, como verificamos na SD15, quando Joice lhe
questiona, “É assim mesmo que tem que ser? ” e o autoriza a legitimar uma ação.

Além disso, Joice traz a memória de outra polêmica do pastor, ao questioná-lo acerca
da propaganda do Boticário, lançada próxima ao dia dos namorados daquele ano, em que
apareciam dois casais de homossexuais. O pastor havia postado um vídeo em seu canal
propondo um boicote à marca de perfumes. Ao relembrar o caso, a jornalista novamente
remete à memória discursiva da bancada evangélica, trazendo a declaração do pastor Marco
Feliciano – deputado-federal pelo PSC de São Paulo e um dos principais líderes da FPE –
45

de que Silas Malafaia teria agido de maneira equivocada. Vejamos como aparece este dizer
na sequência discursiva 16:

SD16 – Teve lá a propaganda do Boticário, dia dos namorados, insinuação do


casal gay, o senhor desceu o sarrafo, né? Até o Marco Feliciano disse, “não, o
Silas Malafaia deu um tiro no pé”, acabou entrando ali numa linha de choque
com o senhor. Como é que foi isso? O senhor se arrependeu de entrar de cara e
bater de frente com o Boticário? (HASSELMANN, 2015)

Há uma projeção imaginária da bancada evangélica como sujeita às divergências


internas, evidenciando o caráter bastante segmentado entre as denominações
neopentecostais. Poderíamos dizer que existe a reprodução de uma crítica aos políticos,
posto que Marco Feliciano, ele próprio um congressista, teria deixado de lado ideais
conservadores e adotado uma postura mais moderada ao abordar o tema, o que remete, no
interdiscurso, à imagem que os brasileiros têm da classe política: corrupta e incoerente com
princípios partidários. O deputado foi, inclusive, presidente da Comissão de Direitos
Humanos da Câmara entre março e dezembro de 2013, uma pasta que lida diretamente com
questões relacionadas ao universo LGBT.

A expressão “desceu o sarrafo”, presente no dizer da jornalista, também marca seu


posicionamento discursivo, uma vez que ela usa uma gíria para tratar de um assunto sério e
delicado, ou seja, Joice naturaliza a ação do líder religioso, transformando-a em algo
corriqueiro. Ela se insere na formação discursiva do conservadorismo, deixando de
aprofundar a temática da homofobia e focando apenas na forma como o pastor enxergou o
caso.

Por fim, verificamos o comparecimento da posição-sujeito empresário Silas Malafaia


em duas sequências discursivas da entrevista, quando a apresentadora insere duas perguntas
sobre a compra de horários na televisão pelo movimento neopentecostal, o que nos leva ao
imaginário do empreendedorismo, como parte da estratégia para o crescimento das igrejas:

S17 – O senhor é um dos grandes compradores de horários da TV brasileira.


Inclusive, o Ministério Público tá questionando esse ato. O senhor é a favor de
exageros? Como, por exemplo, o Edir Macedo, dono da Record e de, sei lá, mais
de 20 horas na CNT? (HASSELMANN, 2015)
S18 – O senhor foi um dos pastores que mais bateu na Globo na década de 90,
até defendendo o Edir Macedo, hoje o senhor está com uma relação muito boa
com o Roberto Marinho né? (HASSELMANN, 2015)
46

Na sequência discursiva 17, Joice questiona a respeito do que seriam “exageros” por
parte das igrejas, sendo até alvos de investigações do Ministério Público. Ou seja, ela traz
um sentido negativo para a prática de compras excessivas de horários na televisão. Surge
também a figura do Edir Macedo, na posição de principal líder dentre as denominações
evangélicas, que seria, na construção discursiva da apresentadora, um grande concorrente de
Silas Malafaia, relação evidenciada pela sua suposta aproximação da Globo. Mais uma vez,
comparece o discurso que reforça o sentido de incoerência entre os segmentos evangélicos,
tão presente na historicidade do protestantismo, marcado pela livre interpretação da bíblia.

Sendo assim, vimos que, entre as duas entrevistas, os sujeitos apresentadores e os


sentidos em seus discursos se reconfiguram ao longo do diálogo, determinando novas
posições e estabelecendo relações de forças. Conseguimos perceber algumas formações
discursivas que se inscrevem nestes percursos, reforçando ou questionando o discurso
conservador do pentecostalismo brasileiro.

Além disso, notamos que – apesar das fronteiras não tão claras entre um produto
essencialmente jornalístico e outro voltado para o humor – ironia, riso e momentos de
seriedade se misturam, potencializando alguns efeitos de sentido. Nas diferenças entre The
Noite e TVeja, acrescentemos ainda os formatos, posto que o primeiro se realiza como um
produto multimídia (TV/internet) e o segundo é veiculado apenas na plataforma do Youtube.

Entender esses deslocamentos, bem como as diferenças e similaridades do talk-show


com a entrevista jornalística é passo fundamental para a análise do discurso do pastor.
Passemos a esta etapa e vejamos como o sujeito Silas Malafaia aparece nos processos
discursivos das entrevistas: quais posições ideológicas se materializam no seu discurso? Que
imagens Silas projeta de si e dos apresentadores durante as entrevistas em questão? Como
ele se posiciona em relação ao objeto do discurso?
47

4. ANÁLISE DE DISCURSO DO PASTOR SILAS MALAFAIA NAS ENTREVISTAS


PARA O TALK SHOW THE NOITE E A TVEJA

Dadas as condições de produção discursivas do nosso corpus de análise,


começaremos a análise dos discursos do pastor Silas Malafaia nas entrevistas para o talk-
show The Noite e a TVeja. Como vimos afirmando ao longo de nosso percurso neste trabalho,
a questão que norteia nossa análise diz respeito às inúmeras projeções que Silas Malafaia
realiza de si mesmo nos processos discursivos. Iremos verificar em quais momentos surge o
sujeito religioso, líder de um segmento do movimento neopentecostal; o sujeito político,
interessado em aumentar sua esfera de influência na política brasileira; o sujeito cidadão,
que busca apagar quaisquer marcas que lhe conferem uma posição de autoridade em relação
ao seu cargo; e até mesmo o sujeito capitalista, que reproduz a Teologia da Prosperidade
(TP) em seus dizeres e atua como um empreendedor na expansão da sua igreja.

Acerca do funcionamento do sujeito, Orlandi afirma que este é pensado como uma
posição entre outras, sendo interpelado através da ideologia “para que se produza o dizer”
(2009, p. 46). Assim, os sujeitos vão significando no discurso em relação a um conjunto de
formações discursivas.

Ainda segundo a autora, “todo discurso é parte de um processo discursivo mais amplo
que recortamos e a forma do recorte determina o modo da análise e o dispositivo teórico da
intepretação que construímos” (2009, p. 64). Portanto, será de nosso interesse explorar as
formações discursivas que ligam os sujeitos à diversas filiações ideológicas. Relembrando o
conceito, as formações discursivas determinam o que deve e pode ser dito em condições
sócio-históricas dadas, segundo as “relações desenhadas pela ideologia” (ORLANDI, 2009,
p. 67).

No decorrer da pesquisa, falamos da história do movimento pentecostal no Brasil e


suas características discursivas; trouxemos a importância das mídias eletrônicas para a
expansão das igrejas neopentecostais e discorremos sobre a Teologia da Prosperidade. Tais
conceitos serão importantes para a memória que determina o discurso do pastor. Vamos,
primeiramente, à análise da entrevista para o talk-show The Noite.
48

4.1 Entrevista do Silas Malafaia para o talk-show The Noite

Conforme já expusemos nos subcapítulos 3.1 e 3.2, essa entrevista foi realizada em
um momento de intensas articulações políticas, devido à proximidade do período de eleições.
Além disso, falamos também sobre o gênero talk-show, que mistura entretenimento com
jornalismo e confere uma blindagem ao enunciador, através de alguns recursos do humor,
como a ironia e a sátira.

No interior das relações de dominância entre as formações discursivas, percebemos


uma heterogeneidade do sujeito, marcada pela “descontinuidade, a dispersão, a
incompletude, a falta, o equívoco, a contradição, constitutivas tanto do sujeito como do
sentido” (ORLANDI, 2009, p. 74). Há diferentes posições assumidas pelo pastor Silas
Malafaia ao longo do percurso discursivo da entrevista para o programa do SBT: os sujeitos
religioso, político, científico e cidadão. Falaremos delas a seguir:

Iniciamos nossa análise com um tema bastante polêmico, mas que constitui uma das
principais bandeiras da Frente Parlamentar Evangélica: a luta contra a aprovação de direitos
aos homossexuais. Como mostramos no subcapítulo 3.3, o apresentador Danilo Gentilli
questiona o pastor sobre o seu posicionamento a respeito da causa LGBT e de algumas
discussões que perpassavam na Câmara no período em que foi realizada a entrevista, como
o casamento homossexual e a criminalização da homofobia.

Temos, na sequência discursiva 19, as marcas de quem se insere em uma formação


discursiva cristã conservadora, cuja sexualidade é vista apenas como uma forma de
reprodução e manutenção da espécie humana. Por isso, há uma projeção do
homossexualismo como um desvio da norma padrão, um “comportamento” que, no dizer do
pastor, é semelhante a qualquer outro desvio possível no ser-humano:

SD19 – Olha aqui qual é o jogo: o jogo é, se homossexualismo é comportamento


ou condição. Se é comportamento é comportamento quanto tantos os outros
comportamentos, então vamos legalizar tudo que é comportamento do ser-
humano, a sociedade tá destruída. Para nós homossexualismo é comportamento,
não uma condição. Então por que eu vou dar esse status a eles de uma coisa que
é um comportamento? Porque ninguém nasce gay. (MALAFAIA, 2014)

Ao dizer, “vamos legalizar tudo que é comportamento do ser-humano, a sociedade tá


destruída”, percebemos, através das relações de paráfrase, ou seja, o conjunto de dizeres
possíveis que são retomados no discurso pela memória, uma formação imaginária do
comportamento homossexual tão perversa quanto à de um criminoso, que seria também, na
49

significação do não-dito, um desvio no que concerne ao bem-estar da sociedade. Vejamos


como isso é reforçado no percurso discurso do sujeito Silas Malafaia:

SD20 – 50% dos homossexuais passaram a ser depois que foram violados, como
crianças e adolescentes, como é que o cara nasce gay? (MALAFAIA, 2014)
SD21 – Eu sou contra qualquer tipo de coisa que foge àquele padrão que norteia
a sociedade. Eu não tô dizendo que tô proibindo o cara de ser gay, homossexual,
isso é problema de cada um, nem Deus proíbe. Deus diz o que vai acontecer
como consequência. (MALAFAIA, 2014)
SD22 – Qual é a área da ciência que pode determinar isso? É a genética. É a
genética que determina. Até hoje, meu filho, até agora e não vão achar, não tem
“gene gay”, não tem isso amigo. A ordem cromossômica é macho e fêmea.
(MALAFAIA, 2014)
SD23 – Sabe o que eles tão dizendo? Há uma tendência. Querido, vamos
devagar. Ter uma tendência, o ser-humano pode ter tendência de muita coisa. Se
é tendência, você determina se você quer seguir ela ou não, mas não é uma
condição. (MALAFAIA, 2014)

Silas Malafaia adere aos discursos que relacionam a homossexualidade com fatores
genéticos, tornando-os evidentes e naturalizando os sentidos de um debate que ainda é alvo
de controvérsia entre cientistas no Mundo inteiro32. Não foi a primeira vez que o líder
religioso reproduziu esse discurso, pois “o que já foi dito mas já foi esquecido tem um efeito
sobre o dizer que se atualiza em uma formulação” (ORLANDI, 2009, p. 82-83). Em uma
entrevista ao programa do Ratinho em maio de 2013, Silas havia reafirmado a sua convicção
no fato de que a homossexualidade é condicionada por traumas na infância e adolescência33.

Há também, na SD21, um funcionamento peculiar ao discurso religioso. Em seu


trabalho “A Linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso”, Orlandi (2003) traz
um capítulo sobre o tema, em que apresenta o princípio da “ilusão da reversibilidade”, que
apaga, nas condições de produção desse tipo de discurso, a possibilidade da troca de papéis
entre interlocutores (o pastor e o fiel, por exemplo), posto que o locutor funcionaria “como

32
Sobre a discussão: O Globo. Homossexualismo tem como causas genética e influência da testosterona.
11/12/2012. Disponível em:
<https://oglobo.globo.com/sociedade/ciencia/homossexualismo-tem-como-causas-genetica-influencia-da-
testosterona-7011907#ixzz4lnYllNSN>. Acesso em 3 de julho de 2017. Dráuzio Varela. Homossexualidade,
DNA e a ignorância. Site Drauzio Varella. Disponível em:
https://www.cartacapital.com.br/revista/872/dna-e-homossexualidade-4811.html. Acesso em 3 de julho de
2017.
33
Christian Post. Silas Malafaia responde novamente ao geneticista ‘mirim’ Eli Vieira no Ratinho:
‘ninguém nasce homossexual’. 31 de maio de 2013. Disponível em
http://portugues.christianpost.com/news/silas-malafaia-responde-novamente-ao-geneticista-mirim-eli-vieira-
no-ratinho-ninguem-nasce-homossexual-16848/. Acesso em 3 de julho de 2017.
50

aquele que fala a voz de Deus” (2003, p. 243) e Deus seria o Sujeito único absoluto, aquele
que interpela os indivíduos como sujeitos, submetendo-os a uma ordem espiritual superior.

Silas se posiciona como um porta-voz de Deus ao afirmar que “Deus diz o que vai
acontecer como consequência” (na SD21), uma referência direta ao que seria um
ensinamento bíblico. A intertextualidade também é outra marca do discurso religioso, “a
remissão de um texto a outros textos para que ele signifique” (ORLANDI, 2003, p. 259).

Mesmo falando de uma formação discursiva religiosa, Silas comete o deslize nos
sentidos que constituem o sujeito quando afirma: “a ordem cromossômica é macho e fêmea”
(na SD22). Dessa maneira, ele se desloca para uma formação discursiva científica, que,
historicamente, é antagônica do discurso das religiões. Retomando a contribuição teórica de
Orlandi, “o processo de produção de sentidos está necessariamente sujeito ao deslize,
havendo sempre um ‘outro’ possível que o constitui” (2009, p. 79).

Podemos aferir, inclusive, que este dizer se ressignifica em uma nova historicidade,
quando os discursos religioso e científico já não se encontram em polos tão opostos, visto
que, como já afirmamos no capítulo 2, as igrejas neopentecostais trazem consigo mesmas
um processo de secularização que assimilou elementos de outras discursividades, como o
apelo aos bens materiais do capitalismo e um pouco da racionalidade da ciência para se
legitimar perante à sociedade.

Na SD23, Silas Malafaia se insere em uma formação discursiva do liberalismo ao


acessar, por meio do interdiscurso – o espaço de dizeres possíveis segundo uma determinada
formação ideológica – a ideia de que o indivíduo, e tão somente ele, é responsável pelas as
suas ações na sociedade, sejam elas desvios das normas ou não (BOBBIO, [1995] 2000). Tal
discurso é característico do movimento pentecostal, que confere responsabilidade exclusiva
aos fiéis para que estes alcancem a salvação por meio da rejeição ao Mundo. Ou, conforme
afirmou Ricardo Mariano:

Para não serem contaminados e corrompidos pelas coisas, paixões e


interesses do mundo, os líderes pentecostais procuram imprimir na
conduta dos fiéis, desde a conversão, normas e tabus
comportamentais, valores morais, usos e costumes de santificação.
Infundem neles o desejo de viver o Evangelho de acordo com o mais
puro ascetismo de rejeição do mundo (...) (MARIANO, 2012, p. 190)
Sobre a sexualidade, a ingerência é ainda mais contundente:

Na perseguição do que é mundano e põe em risco a salvação, as


esferas da sexualidade e do lazer são consideradas as mais perigosas
51

(...) quando o discurso pentecostal enfoca o sexo é para ressaltar sua


negatividade, ou ameaça que representa à salvação da alma. Para os
pentecostais, submetidos a normas morais e dogmas rígidos,
ascéticos e repressivos, a esfera sexual constitui poderoso terreno de
tentações, provações e privações. (MARIANO, 2012, p. 191-192)
Nesta etapa da entrevista, quando são tratados os temas relacionados ao
homossexualismo e o ativismo LGBT, há a predominância do discurso polêmico, que
segundo Orlandi, é “aquele em que a polissemia é controlada, o referente é disputado pelos
interlocutores, e estes se mantem em presença, numa relação tensa de disputa pelos sentidos”
(2009, p. 86). De fato – e como já analisamos no subcapítulo 3.3, que trata do papel dos
apresentadores e suas posições no discurso – Danilo Gentilli formula questões que põem em
evidência o sujeito-pastor Silas Malafaia, marcando a sua identificação a uma formação
discursiva cristã conservadora filiada à ideologia do movimento pentecostal e revelando o
funcionamento do sujeito religioso.

Silas Malafaia assume diferentes posicionamentos acerca da temática LGBT e


também revela marcas ligadas ao sujeito político. Segundo Courtine, este se submete a uma
ordem imposta, não sendo, portanto, o “mestre de suas escolhas e daquilo que enuncia”
(2006, p. 75). Ainda acerca do discurso político, Courtine pontua:

O enunciado dividido é uma das maiores formas de enunciado


político (...) os antagonismos ideológicos serão representados não
por exibir suas diferenças, mas, contrariamente, por mostrar como
tais contradições unem e dividem simultaneamente discursos
políticos (...) o discurso político representa os efeitos da luta
ideológica no interior do funcionamento da linguagem. (2006, p. 74)
O uso dos termos “Deus” (na SD21) e “ciência” (na SD22) em um mesmo processo
discursivo, atestam essa divisão no enunciado. A forma como esses nomes se materializam
na linguagem serve a um projeto maior, de expansão política das igrejas neopentecostais,
visando sobretudo a outorga de novos canais de comunicação, visto que “as concessões são
públicas e há que se ganhar concorrência nas ofertas do governo federal” (CUNHA, 2014,
p. 5).

A forma de enunciação dividida funciona através da política do esquecimento, que


apaga a memória do antagonismo entre religião e ciência. Courtine (2006), ao analisar o
discurso do Partido Comunista Francês endereçado aos cristãos, traz a importância do
esquecimento, calcado na repetição de um deslocamento de sentidos não conhecido. O
52

mesmo mecanismo pode ser encontrado na resposta de Silas Malafaia à revista Exame34,
quando questionado acerca do aborto:

A vida começa na concepção e vai até a morte. Significa que aborto


é matar a vida. A diferença entre óvulo fecundado e você e eu é o
tempo e a nutrição. O embrião já é uma pessoa porque ele não pode
ser outra coisa. A verdade é que o aborto é um massacre dos
poderosos contra os indefesos. Quero saber qual a mulher que em sã
consciência sabe que tem um humano na barriga e vai abortar? E os
médicos? No juramento, ele promete sempre defender a vida.
(MALAFAIA, 2013)
Notemos que há uma divisão entre o saber religioso e o científico nas discursividades
do pastor, um sujeito que ocupa, ao mesmo tempo, as posições de líder religioso e
profissional da ciência, posto que Silas também possui formação em psicologia. Estes
dizeres se materializam principalmente quando é confrontado pelas questões a respeito da
homossexualidade.

Também há uma similaridade entre o discurso do pastor e o discurso totalitário, que


se torna evidente quando Silas deslegitima qualquer manifestação contrária à doutrina
pentecostal. Essas marcas aparecem nos momentos em que o conferencista ataca segmentos
historicamente opostos às vertentes evangélicas:

SD24 – O ativismo gay, que eu separo os homossexuais do ativismo gay. O


ativismo gay é o sindicato, mama de estatais, mama de governo pra fazer aquilo.
Homossexuais é uma história, ativismo gay é outra. (MALAFAIA, 2014)

Passando para o nosso objeto discursivo, lembremos do contexto sócio-histórico de


embates constantes entre a atuação da bancada evangélica e os setores progressistas do
Congresso, em cujos os líderes se destaca o deputado-federal Jean Wyllys (PSOL-RJ), um
dos principais adversários políticos do pastor. Na SD24, Silas Malafaia desqualifica a causa
LGBT e traz a memória do deputado baiano. Jean é considerado extremista pelos segmentos
conservadores, uma produção imaginária semelhante à realizada sobre os terroristas
islâmicos, vistos como “radicais” dentro da sua própria religião. O deputado baiano também
é, no seio das votações e debates na Câmara, um dos principais adversários diretos da Frente
Parlamentar Evangélica.

34
Exame. ‘Raça ninguém escolhe. Ser gay é preferência’, diz Malafaia. 13 de junho de 2013. Disponível
em: <http://exame.abril.com.br/brasil/raca-ninguem-escolhe-ser-gay-e-preferencia-diz-malafaia/>. Acesso em
3 de julho de 2017.
53

Ao mesmo tempo em que trata o “ativismo gay” de uma forma pejorativa,


aproveitando o descontentamento da população em relação aos “sindicatos” – que, no
imaginário dos brasileiros conservadores, funciona pouco e recebe muitos recursos do
governo federal (na época, o governo Dilma Rousseff) – Silas afirma não ter ódio dos
homossexuais, um discurso bastante comum entre aqueles que negam a homofobia enquanto
reproduzem o preconceito. Esse mecanismo é a “denegação”, ou seja, a “defesa em que há
recusa do sujeito em reconhecer um determinado pensamento ou desejo como seu, mesmo
que esse desejo ou pensamento tenha sido conscientemente expresso em um momento
anterior” (CAVALCANTI, 2017, p. 189).

Percebemos também a recorrência do termo “jogo” no discurso do pastor,


significando um esquema perverso e imoral contra as aspirações e os valores da igreja, que
corresponderiam aos princípios da sociedade brasileira, de maioria cristã. O conferencista
usa o nome em diversos momentos da entrevista, seja para classificar os homossexuais que
estariam agindo contra o cristianismo ou até mesmo o jornalista que o retratou na revista
Forbes:

SD25 – Isso é porque há um jogo pra te rotular como homofóbico. Isso que é o
jogo. Que é o preconceito. Se eu rotulo você de maneira preconceituosa, eu não
quero ouvir tua opinião. Joga o cara no preconceito, eu não preciso ouvir a
opinião dele. (MALAFAIA, 2014)
SD26 – Aqui é que tem jogo, aqui é que tem o dado: porque então a igreja
evangélica cresce? Se uma coisa pejorativa pra denegrir, era pra afastar, porque
ela cresce? Ela cresce porque, na verdade, as pessoas que vão lá, têm uma
experiência real de mudança de vida pra melhor. (MALAFAIA 2014)
SD27 – Agora, tem uma coisa que é importante que tem um jogo muito perverso,
um jogo subliminar perverso, esses fundamentalistas querendo dar uma ideia de
que nós evangélicos temos um fundamentalismo parecido com o
fundamentalismo islâmico. (MALAFAIA, 2014)

Percebemos que Silas Malafaia se posiciona como vítima de um processo de


perseguição por partes dos setores “sectários” na sociedade. Na SD25, haveria um complô
por parte do “ativismo gay” para desqualificar a luta dos evangélicos em prol do
conservadorismo. O pastor acaba subvertendo a realidade, quando são os gays, na verdade,
que sofrem mais com a violência em relação aos religiosos. Esse discurso trabalha com a
memória – visto que “o discurso político é um ‘lugar de memória’” (COURTINE, 2006, p.
88) – de que os evangélicos seriam perseguidos constantemente desde os primórdios da
54

Reforma Protestante, quando os reformistas eram alvos de acusações e julgamentos por parte
da Igreja Católica.

Esse efeito de sentido é reforçado nas sequências discursivas 26 e 27, quando o pastor
fala das acusações de enriquecimento ilícito feitas na reportagem da revista Forbes, que
estimou seu patrimônio em cerca de R$ 150 milhões de dólares. Ele volta a mencionar o
“jogo” que seria traçado para “denegrir” a instituição e “afastar” (na SD26) os fiéis. Há
também uma retomada, através do termo “fundamentalismo” (na SD27), à memória dos
grupos terroristas islâmicos, quando Silas se refere às pessoas que estariam atacando sua
igreja. Mais uma vez, o conferencista subverte os sentidos, negando que eles próprios, os
neopentecostais, seriam fundamentalistas em relação ao conservadorismo que pregam nas
igrejas.

Tais posicionamentos apontam para a inserção do sujeito Silas Malafaia em uma


arena política, onde haveria adversários claros, com posições ideológicas marcadas. É na
memória dos valores, princípios e práticas das igrejas neopentecostais que estão reunidos os
traços das suas identidades, um funcionamento muito parecido com o dos partidos políticos,
conforme Jean-Jacques Courtine (2006) apontou em seu livro.

No neopentecostalismo, há uma verdade única: a verdade da bíblia. Uma verdade


que silencia inúmeras outras e de maneira explícita. O sujeito Silas Malafaia funciona,
simultaneamente, como sujeito do discurso religioso, sujeito do discurso político e até sujeito
do discurso científico. As marcas foram apontadas acima. Agora vamos falar do modo como,
no dizer de Malafaia, se marca uma quarta posição-sujeito: o cidadão de direitos.

Orlandi apresenta em seu livro, “Análise de discurso – princípios e procedimentos”,


uma contradição sobre o sujeito na nossa sociedade atual: ele seria, “ao mesmo tempo livre
e submisso” (2009, p. 50), sendo determinado pela língua e pela história. Havendo, portanto,
uma ilusão de transparência da linguagem, em que se acredita no sentido único da palavra
independente do contexto em que é empregada.

A ideologia, por sua vez, funciona ao interpelar os indivíduos em sujeitos-falantes


mascarando a sua própria existência e produzindo “a evidência do sujeito como único,
insubstituível e idêntico a si mesmo” (PÊCHEUX, [1982] 1996, p. 150). Trata-se de uma
relação que oculta as formações ideológicas materializadas no sujeito. Nos termos de
Pêcheux:
55

O funcionamento da ideologia em geral como interpelação dos


indivíduos em sujeitos se realiza através do complexo de formações
ideológicas (e especificamente através do interdiscurso intricado
nesse processo) e fornece ‘a cada sujeito’ sua ‘realidade’, enquanto
sistemas de evidência e significação percebidas – aceitas –
experimentadas. Ao dizer que o EGO, isto é, o imaginário no sujeito
(lá onde se constitui para o sujeito a relação imaginária com a
realidade), não pode reconhecer sua subordinação, seu
assujeitamento ao Outro, ou ao Sujeito, já que essa subordinação-
assujeitamento se realiza precisamente no sujeito sob a forma da
autonomia. (PÊCHEUX, 1995, p. 162-163, grifo do autor)
Este seria, segundo Michel Pêcheux, o esquecimento “número um”, considerado o
“esquecimento ideológico”, constitutivo do sujeito na linguagem. Ele ainda traz, em seu livro
“Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio”, o esquecimento da ordem da
enunciação, ou esquecimento “número dois”:

Concordamos em chamar esquecimento nº 2 ao “esquecimento” pelo


qual todo sujeito-falante “seleciona” no interior da formação
discursiva que o domina, isto é, no sistema de enunciados, formas e
sequências que nela se encontram em relação de paráfrase – um
enunciado, forma ou sequência, e não um outro, que, no entanto,
está no campo daquilo que poderia reformulá-lo na formação
discursiva considerada. (PÊCHEUX, 1995, p. 173, grifo do autor)
Essa submissão ao que pode e deve ser dito da posição em que enuncia é que permite
ao sujeito se filiar ao formalismo jurídico do capitalismo na contemporaneidade, sob a
aparência de autonomia e liberdade, tornando menos visíveis as formas de assujeitamento.
Na atual sociedade, o sujeito possui vontade e responsabilidade próprias e tornou-se seu
próprio proprietário, subordinado às leis com seus direitos e deveres (ORLANDI, 2009).

Na SD28, esse duplo esquecimento funciona no dizer do pastor, que ao falar em


“cidadania” quando indagado sobre a manifestação que reuniu milhares de evangélicos em
Brasília, apaga os mecanismos ideológicos que determinaram esse discurso e se posiciona
no lugar de um cidadão brasileiro comum, pleno dos seus direitos em manifestar suas
crenças, mesmo que estas afetem os direitos de outras classes e grupos sociais.

SD28 – Aquela manifestação foi uma manifestação da nossa cidadania, das


nossas crenças e valores contra o aborto, privilégios pra uma classe social.
(MALAFAIA, 2014)

Ao mesmo tempo em que faz uma imagem de si como cidadão brasileiro, Silas se
insere na formação discursiva conservadora bastante próxima da direita política no Brasil e
assume o lugar de um sujeito claramente interessado em derrotar algumas pautas
56

progressistas. Os sentidos escapam ao controle do sujeito e ocorre um deslizamento para


outras formações ideológicas. É nessas falhas e rupturas que estivemos e devemos estar
atentos para apreender o discurso e seus efeitos de sentido (ORLANDI, 2009).

A temática dos direitos do sujeito religioso é recorrente em seu processo discursivo.


Existe uma defesa exaustiva da doutrina neopentecostal, que condena algumas práticas
seculares e, ao mesmo tempo em que fala pela liberdade dos sujeitos, se aproximando da
ideologia liberal, reproduz a lógica de um Estado autoritário, que oprime as minorias e
interfere diretamente em questões sociais.

SD29 – O Estado democrático de direito é a liberdade da expressão. Se liberdade


de expressão é pra todo mundo pensar a mesma coisa, é ditadura da opinião.
(MALAFAIA, 2014)
SD30 – Se eu tenho uma vocação pra ser pastor, eu posso ser uma pessoa de
influência na sociedade, como qualquer um pode ser: um filósofo, um ateu, um
socialista, o artista, então eu sou uma pessoa que possa influenciar.
(MALAFAIA, 2014)

Em seu dizer na SD29, ao contrapor “liberdade de expressão” e “ditadura da


opinião”, Malafaia promove um deslocamento de sentidos, pois os próprios evangélicos
atuam frequentemente contra o Estado democrático de direito no Brasil, seja na defesa de
projetos de lei que impedem a garantia de direitos às minorias sociais ou na reprodução dos
discursos que afetam esses grupos.

Na SD30, o conferencista promove um apagamento dos antagonismos entre a


filosofia, o ateísmo e o socialismo em relação às doutrinas religiosas. Visões de Mundo
completamente opostas às do neopentecostalismo são niveladas no discurso do pastor, que
ainda projeta a imagem do apresentador Danillo Gentilli como um sujeito conversador,
opositor das ideias e práticas da esquerda, posto que a escolha do termo “socialista” funciona
no discurso com sentido pejorativo. Silencia-se, no imaginário da formação discursiva
conservadora, as diferenças entre o socialismo e o comunismo, que passariam a funcionar
como ideologias totalitárias anticristãs – temos também a memória discursiva da religião
como “ópio do povo” (MARX, [1843] 2010, p. 145, grifo do autor), presente no artigo
“Crítica da filosofia do direito de Hegel – Introdução”, silenciando qualquer outro discurso
posterior à afirmação de Karl Marx35 que procurou conciliar as duas posições. Isso se

35
Um dizer que ainda teve seu sentido deturpado, posto que o autor alemão não se refere à religião como uma
manifestação essencialmente negativa, mas como algo que “constitui ao mesmo tempo a expressão da miséria
real e o prosteto contra a miséria real (...) o suspiro da criatura oprimida, o ânimo de um mundo sem coração,
assim como o espírito de estados de coisas embrutecidos” (MARX, [1843] 2010, p. 145, grifo do autor).
57

materializa no dizer do pastor que, significando em relação ao não-dito, parece estar dizendo,
“se um defensor da ditadura pode ter voz na sociedade, por que eu não? ”.

Também há tentativas, nas estratégias discursivas do sujeito, de afastamento em


relação à formação discursiva religiosa, caracterizada, entre outros aspectos já mencionados,
pelo autoritarismo dos seus locutores, mediadores entre os fiéis e Deus (ORLANDI, 2003),
que no imaginário neopentecostal se aproxima mais de um pai rigoroso, que impõe regras
de conduta e não garante a salvação aos que não seguem a Sua palavra. Acerca das formações
imaginárias sobre este Sujeito, Orlandi traz em suas análises do discurso religioso a projeção
de um Deus “imortal, eterno, infalível, infinito e todo-poderoso” (2003, p. 243) em
contraposição aos humanos, frágeis e mortais, que seriam dominados dentro dessa assimetria
hierárquica.

SD31 – Eu sou um pastor, um pregador da palavra de Deus, um conferencista.


Acredito que a bíblia é o melhor manual de comportamento humano do Mundo
e que Deus sempre trata o homem nesse viés, como um ser biológico,
psicológico, sociológico e espiritual. (MALAFAIA, 2014)
SD32 – Eu gosto de jogar bola, mas eu sou ruim, eu sou pereba. Gosto de futebol,
mas sou ruim, gosto de brincar. (MALAFAIA, 2014)
SD33 – A minha igreja é pequena em relação ao que vocês podem pensar, eu
tenho 105 igrejas, certo? Somos mais de 40 mil membros, mas é uma igreja
pequena, porque ela era uma igreja de bairro e agora eu tô dando uma dimensão
nacional, eu tô abrindo igrejas no Brasil, então isso não é uma coisa, porque a
nossa estrutura, não é chegar, alugar um lugar, meter uma meia dúzia de cadeira
e deixar um cara falando. A estrutura da igreja que eu pertenço, ela tem área de
ensino, então você tem que ter prédios pra ensinos educacionais de crianças,
adolescentes, isso é custoso, então eu não tô abrindo igreja, primeiro que eu não
dou franquia, não sou franqueado de ninguém, o pastor tem que ser construído
pela nossa igreja. (MALAFAIA, 2014)

Silas Malafaia, novamente fazendo referência à intertextualidade no discurso


religioso, apresenta a bíblia como “o melhor manual de comportamento humano” (na SD31),
em suas palavras. Seguindo o arcabouço teórico que norteia nosso trabalho, podemos afirmar
que todo dizer “fala antes, em outro lugar, independentemente” (ORLANDI, 2009, p. 31).
Sendo assim, é possível encontrar os mesmos efeitos de sentido no interdiscurso do pastor,
como no artigo publicado em outubro de 2012 no portal Verdade Gospel36:

A Bíblia apresenta o ser humano como um ser biológico, psicológico, sociológico


e espiritual, mas a maioria dos evangélicos se limita a pensar sobre questões

36
Silas Malafaia. Cristão pode envolver-se com política? Verdade Gospel. 1 de outubro de 2012. Disponível
em
<http://www.verdadegospel.com/cristao-pode-envolver-se-com-politica/>. Acesso em 4 de julho de 2017.
58

espirituais. Para estes digo que não podemos espiritualizar tudo e pensar que
somos anjos e ainda não herdamos o céu. (MALAFAIA, 2012)

O discurso do pastor Silas Malafaia sempre é retomado em novas formulações


discursivas, realizando tanto o efeito de repetição formal, que seria “um outro modo de dizer
o mesmo” (ORLANDI, 2009, p. 54) e a repetição histórica, em que há o deslizamento de
sujeitos e sentidos. No caso da entrevista, o dizer retoma a memória do que foi dito no artigo,
mas o seu sentido é deslocado para outra formação discursiva, mais humanista, que confere
ao livro religioso uma funcionalidade muito além da religião e da política, silenciando o
discurso que traz a memória das igrejas neopentecostais agindo contra algumas questões
relativas à manutenção dos direitos humanos, ancoradas por interpretações bíblicas, que não
cabe aqui julgar se são equivocadas ou não.

Na SD32, mesmo que aparentemente sob a forma de uma brincadeira, ao destrinchar


os seus efeitos de sentido, percebemos um afastamento do pastor da imagem de infalibilidade
que o discurso religioso lhe confere por ser o porta-voz de Deus. Silas assume o lugar de um
crente comum, sujeito às falhas e portador dos mesmos desejos de qualquer ser-humano no
mundo secular, no caso, a vontade de praticar um esporte como diversão.

O líder religioso reproduz, sob a evidência da negação, o imaginário de que haveria


um sujeito-pastor empresário, reforçado pela memória da Teologia da Prosperidade (TP),
voltada ao ganho de bens materiais como sinal da graça divina. Levando em conta o contexto
sócio-histórico de graves acusações contra seu patrimônio, na SD33 ele se posiciona no lugar
de um filantropo interessado em investir na educação dos jovens, silenciando qual linha
educacional seria adotada.

A filiação ideológica do pastor ao capitalismo se materializa em seu discurso quando


o apresentador lhe questiona acerca da TP e da imagem formada dos pastores brasileiros de
que esses seriam “dinheiristas” (na SD9). Vejamos, nas sequências discursivas 34 e 35, como
a TP significa no discurso do pastor:

SD34 – A bíblia é um livro de prosperidade. Deus fala, Ele quer abençoar as


pessoas, Ele quer que o homem seja feliz. (MALAFAIA, 2014)
SD35 – Dinheiro na bíblia, é um dos maiores temas da bíblia. Eu não vou negar
isso aqui pra você, finanças é um dos maiores temas da bíblia. (MALAFAIA,
2014)

Silas Malafaia relaciona o sentido de felicidade como a “prosperidade” (na SD34)


material do sujeito, o que se evidencia no termo “dinheiro” (na SD35). Ao mesmo tempo,
59

Silas comete um duplo equívoco quando vai criticar o que seria uma produção no imaginário
do senso comum acerca da Teologia da Prosperidade. Esse deslocamento de sentidos ocorre,
principalmente, quando o líder religioso traz a memória dos Estados Unidos como produtor
de valores:

SD36 – Eu sou a favor da teologia da prosperidade da bíblia, não do besteirol


teológico americano sobre prosperidade. “Você não é rico, porque você não tem
fé”, “você não é rico, porque você tem pecado”, isso daí é besteirol teológico.
(MALAFAIA, 2014)
SD37 – Isso foi uma campanha do doutor Mike Murdock, que é um cara
especialista em finanças, fala pra executivos nos Estados Unidos, treina
executivos. Eu fiz uma campanha, porque o pessoal pensa, deixa eu falar uma
coisa pra você: a televisão mais cara no Mundo pra pastor é no Brasil.
(MALAFAIA, 2014)

Podemos perceber que os valores norte-americanos ressignificam quando inseridos


em outros contextos da enunciação. Ao falar em “besteirol teológico americano” (na SD36),
Silas Malafaia se afasta da imagem de um fundamentalista remetendo à memória dos
pastores e líderes religiosos que pregam a TP na sua essência. Enquanto que na SD37, estes
mesmos valores são apresentados sob o termo “Estados Unidos” e passam a significar
positivamente, quando ele faz referência ao episódio em que Mike Murdock – televangelista
e pregador da Teologia da Prosperidade – veio ao Brasil, concedeu entrevista para o
programa Vitória em Cristo e ainda liderou a campanha de arrecadação para a associação
sem fins lucrativos do pastor brasileiro37.

As análises desenvolvidas mostraram, até agora, um sujeito que funciona em


múltiplos engajamentos, seja se inserindo na formação discursiva cristã conservadora, ou
reproduzindo a ideologia científica. Silas Malafaia, ao tentar apagar sua imagem de líder
religioso fundamentalista, também funciona como sujeito político, cidadão brasileiro e
empresário. Passemos agora para a análise do discurso do pastor Silas na entrevista da TVeja.
Tenhamos em mente o nosso objetivo de analisar as evidências das diferentes posições-
sujeito assumidas pelo líder religioso ao longo do processo discursivo para, enfim,
compararmos os nossos corpora de análise.

37
Mike chegou a pedir, aos telespectadores de Silas Malafaia, a doação da quantia de R$ 1.000,00 no ministério
dele ou do Pr. Silas, para que estes pudessem alcançar bênçãos. Pastor Silas Malafaia e Pastor Mike
Murdock um jeito novo de pedir 1000,00 Mil Reais. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=vC1EksV6OSE>. Acesso em 4 de julho de 2017.
60

4.2 Entrevista do Silas Malafaia para a TVeja

Antes de começarmos a análise da entrevista para a TVeja, é importante


relembrarmos o contexto sócio-histórico no qual a interlocução se insere. O Brasil vivia o
começo de uma nova legislatura, no período imediato pós-eleitoral, quando tomaram posse
diversos deputados ligados à Frente Parlamentar Evangélica (FPE), que passariam a compor
a maior bancada cristã no Congresso desde a redemocratização do país.

Na Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PDMB-RJ) liderava a atuação da FPE


em prol do conservadorismo. O governo federal, acossado pelas primeiras investigações da
operação Lava-Jato, começava a enfrentar uma crise política, evidenciada nas manifestações
que disseminavam o ódio contra o poder executivo e clamavam pelo impeachment da
presidente Dilma Rousseff, destituída do seu cargo cerca de um ano depois.

É nesse contexto que Silas Malafaia – pastor, conferencista e influenciador político


– participa da TVeja, um programa de entrevistas ligado à revista Veja, um dos veículos que
mais fizeram oposição aos governos do Partido dos Trabalhadores. Podemos esperar,
portanto, um tom mais incisivo na enunciação do pastor, já conhecido pela sua postura
enérgica e afrontosa. Vejamos como se dá a relação entre as palavras e a ideologia no
percurso discursivo do líder religioso durante o diálogo com a jornalista Joice Hasselmann.

Já verificamos na análise da entrevista para o programa The Noite, que algumas


marcas da ideologia cristã conservadora se tornam evidentes com frequência no discurso do
pastor Silas Malafaia. Começaremos falando dos momentos em que ele se insere em uma
formação discursiva religiosa para significar sua visão política, posicionando-se como um
sujeito religioso. Retomando o conceito de formação discursiva, segundo Orlandi, estas
determinam os sentidos nas “posições ideológicas colocadas em jogo no processo sócio-
histórico em que as palavras são produzidas” (2009, p. 42).

Na SD38, ao mesmo tempo em que Silas se projeta na imagem de um influenciador


político, ele traz a memória da ideologia cristã falando no “poder do Evangelho”, uma marca
da intertextualidade do discurso religioso, abordado no subcapítulo anterior. Ele também
promove um triplo engajamento quando afirma ser um “cidadão”, que, inscrito no
interdiscurso, ou o espaço de não-ditos possíveis, significa como alguém ciente dos seus
direitos de manifestação e de influenciar nas decisões políticas do país.

SD38 – Eu sou um cidadão, sou um pastor evangélico, quero influenciar, eu


acredito que posso influenciar. Creio no poder do Evangelho, creio que o
Evangelho pode melhorar a vida das pessoas. (MALAFAIA, 2015)
61

Foi falado, no subcapítulo 4.1, da heterogeneidade de sujeitos e sentidos, marcados


pela incompletude e que “constituem-se e funcionam sob o modo do entremeio, da relação,
da falta, do movimento” (ORLANDI, 2009, p. 52). Ainda de acordo com a autora, é esse
caráter que permite a determinação do dizer pela língua, a ideologia e a memória discursiva.
Na SD38, Silas Malafaia assume um triplo posicionamento: o sujeito religioso, político e
científico.

Mesmo pondo em evidência as várias posições assumidas quando interpelado em


sujeito pela ideologia, Silas Malafaia busca apagar algumas marcas do político no seu
discurso. E creio ser necessário focarmos nesse ponto para a nossa análise. Nas sequências
discursivas 39 e 40, há um silenciamento da formação ideológica cristã que fere os princípios
do Estado laico, ao impedir o avanço de pautas progressistas que tratam da garantia de
direitos às minorias.

SD39 – Na discussão política, você não pode tirar o víeis ideológico das pessoas,
sejam eles sustentados em qualquer um, religiosos ou não. Por algum acaso,
Marx sabe mais do que Cristo? (MALAFAIA, 2015)
SD40 – Eu tô numa sociedade livre, a sociedade é livre. Se for pra todo mundo
pensar a mesma coisa, nós tamos então na ditadura do consenso, a ditadura de
opinião, então não é democracia. (MALAFAIA, 2015)
SD27 – O Estado democrático de direito é a liberdade da expressão. Se liberdade
de expressão é pra todo mundo pensar a mesma coisa, é ditadura da opinião.
(MALAFAIA, 2014)

Compreendemos que, para significar, um mesmo dizer já foi dito em circunstâncias


distintas. Na SD27, da entrevista com o Danilo Gentilli, vemos um sentido que se repente
nas sequências discursivas 39 e 40, marcas como “ditadura da opinião” e “liberdade”, que
são repetidas se inserindo em outra historicidade.

O pastor retoma a memória do discurso liberal quando fala em “sociedade livre” (na
SD40) e apaga as marcas que revelam os discursos de ódio das igrejas neopentecostais contra
os homossexuais e outros grupos sociais que buscam espaço na arena política. Silencia
também alguns dos seus tweets e declarações públicas contra a causa LGBT, nos quais critica
a militância que atua em prol de questões como a união homoafetiva. Em 23 de abril de
2015, um dia antes de participar do programa Na Moral, da Rede Globo, ele postou: “A
62

gayzada ta nervosa aqui kkkkkk” (2015)38, provavelmente durante as gravações,


demonstrando, assim, uma postura de ironia em relação aos ativistas homossexuais que
participaram do debate.

Há uma subversão dos sentidos de “democracia” e “ditadura de opinião” (na SD40),


posto que a intolerância é uma das principais características não apenas do discurso do
pastor, mas de muitos outros segmentos pentecostais, impregnados na lógica dos dualismos
entre Deus/Diabo e céu/inferno que evidenciam o sujeito religioso. Silas fala, igualmente,
na posição de um sujeito interessado em influenciar politicamente e que significa marcando
sua identificação com a formação discursiva cristã conservadora.

No funcionamento da SD39, ele hierarquiza posicionamentos políticos na sociedade,


projetando a imagem dos socialistas, representados sob a figura de “Marx” (na SD39), como
inferiores aos seguidores das ideologias cristãs, um dizer que significa na formação
imaginária que estes produzem sobre Cristo, como filho de Deus e, portanto, sustentado por
uma imagem que o projetou como “imortal, eterno e infalível” (ORLANDI, 2003, p. 243).

Ora, na lógica do discurso religioso, as relações de assimetria entre os planos


espiritual e material possibilitam outros discursos maniqueístas. No caso, temos a oposição
entre Cristo e Marx, o último funcionando da mesma forma que os homens do plano
temporal, frágeis e sujeitos às falhas, tentações e tudo que, no protestantismo, poderia
desestabilizar o ser-humano.

Prosseguindo nossa análise, Silas Malafaia reforça a produção de sentidos


pejorativos sobre as bandeiras defendidas pelos homossexuais. Ele acessa a memória
discursiva que existe a respeito de partidos e sindicatos envolvidos em escândalos de
corrupção para realizar uma projeção da imagem do “ativismo gay”, termo enunciado
igualmente de forma negativa.

SD41 – O ativismo gay recebeu, me processa, tô desafiando, do governo Lula e


Dilma, mais de 40 milhões, pra promover a sua causa. (MALAFAIA, 2015)

A SD41 também reforça o posicionamento do conferencista contra as correntes da


esquerda, cujo principal representante, no imaginário dos brasileiros, é o ex-presidente Lula,
que personaliza, na formulação do pastor, o Partido dos Trabalhadores. Voltaremos a este

38
Disponível em: <https://twitter.com/pastormalafaia/status/591456012042797056?lang=pt>. Acesso em 5 de
julho de 2017.
63

tema mais adiante, por enquanto, traremos mais dois exemplos acerca do funcionamento do
discurso neopentecostal contra os segmentos progressistas:

SD42 – Querem dizer que o Brasil é um país homofóbico? Isso deve ser uma
piada. Opinião não é homofobia. (MALAFAIA, 2015)
SD43 – O que é homofobia? É uma doença classificada na psiquiatria, a pessoa
que tem uma aversão, que quer agredir, quer bater, quer matar, que não suporta
a presença do outro. (MALAFAIA, 2015)

Assim o líder religioso vai desqualificando posições antagônicas, fazendo funcionar


uma “edição de discurso político para a verdade, para a realidade e a memória”
(COURTINE, 2006, p. 76), baseando-se tanto no discurso bíblico, como se inserindo na
formação discursiva da ciência. Silas Malafaia retoma um dizer da psiquiatria para significar,
em seu discurso, a “homofobia” (nas SDs 42 e 43) como vista de maneira equivocada pelos
ativistas homossexuais. Conforme já pontuamos, existe um interesse evidente da bancada
evangélica em se contrapor aos projetos e demais iniciativas dos representantes políticos da
causa LGBT. Através destas falhas de sentidos verificamos quando emerge o sujeito político
representante de um grupo com anseios determinados.

O que surge como novidade no discurso dessa entrevista é o posicionamento do


pastor como representante do povo. Para analisar as evidências desse novo lugar do qual os
seus dizeres significam, lembremos a definição de memória discursiva como “o saber
discursivo que torna possível todo dizer e que retorna sob a forma do pré-construído”
(ORLANDI, 2009, p. 31).

É estabelecida uma relação discursiva entre interlocutores que, conforme vimos no


subcapítulo 3.2, só foi possível devido à formação conservadora na qual a jornalista Joice
Hasselmann se insere. Sempre trazendo os sentidos pré-construídos de que o PT é o partido
mais corrupto da histórica do Brasil, ela questiona o pastor acerca da conjuntura política do
país, marcada por fortes antagonismos entre a esquerda e a direita. Silas Malafaia, então,
reforça esses efeitos de sentidos e parece falar “em nome do povo”, funcionando não mais
como porta-voz de Deus:

SD44 – Como é que esses caras querem dar o atestado de idiota ao povo, dizer
que não sabiam de nada? Como? Lula é o mandão do PT. Como é que ele não
sabe de nada? Que conversa é essa? Isso é conversa pra boi dormir, eu não sou
boi. (MALAFAIA, 2015)
64

SD45 – Incompetentes não podem presidir um país. Imagina: se no conselho de


uma estatal, ela não conseguiu ver o erro, imagina presidir uma nação?
(MALAFAIA, 2015)
SD46 – Eles se utilizam da necessidade do povo, das classes menores, das
pessoas de bem, porque o pobre tem dignidade. Mas ele, pela gama da
necessidade que eles têm e também por uma história de ser subserviente a quem
tá no poder, a ser pedinte de quem tá no poder, eles conseguiram com esses
programas sociais que não foram eles que fizerem, mas eles ampliaram
politicamente pra dominar o povo. (MALAFAIA, 2015)

Retornando ao contexto sócio-histórico, no momento da entrevista, a crise política e


econômica estava se agravando no país. Entre os brasileiros, 63% eram a favor da retirada
da então presidente Dilma Rousseff. Manifestações contra a corrupção, personificada no PT,
aconteciam com mais frequência. O índice de aprovação ao governo era de 13% em abril de
daquele ano39. Silas estava a par do descontentamento dos brasileiros e reforçou essa imagem
do partido e seu principal líder, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, nas sequências
discursivas acima, funcionando o discurso do ódio, que seria uma nova maneira de produzir
sentidos na discursividade política contemporânea.

Na SDs 44 e 45, ele traz a memória do escândalo do “Petrolão” – uma série de


investigações de desvios na Petrobrás que teriam beneficiado partidários e aliados do PT –
desqualificando os “incompetentes” (na SD45) do Partido dos Trabalhadores, que seriam,
portanto, incapazes de governarem o país e tirá-lo da crise. Lula, segundo ele, saberia de
todo o esquema, mesmo carecendo de provas, e afirmar o contrário seria o equivalente a “dar
o atestado de idiota ao povo” (na SD44).

Este dizer se assemelha, nas relações interdiscursivas, com os efeitos de sentidos


produzidos pelo jornalista Reinaldo Azevedo, em coluna publicada no site da revista Veja
no dia 9 de setembro de 201440. Azevedo era41 um dos críticos mais veementes ao Partido
dos Trabalhadores e uma das principais vozes da direita liberal no Brasil. Vejamos o que ele
disse:

39
Estadão. Aprovação do governo de Dilma Rousseff fica estável em pesquisa. 11 de abril de 2015.
Disponível em: <http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,aprovacao-do-governo-de-dilma-rousseff-fica-
estavel-em-pesquisa,1667976>. Acesso em 5 de julho de 2017.
40
Reinaldo Azevedo. O petrolão e as falácias de Dilma Rousseff. Ou: Uma presidente que promete que
tomou todas as providências contra a invasão dos marcianos. Ou ainda: Dilma admite sangria na
Petrobras. E ela fez o quê? Veja.com. 09 de setembro de 2014 Disponível em
<http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/o-petrolao-e-as-falacias-de-dilma-rousseff-ou-uma-presidente-que-
promete-que-tomou-todas-as-providencias-contra-a-invasao-dos-marcianos-ou-ainda-dilma-admite-sangria-
na-petrobras-e-ela-fez-o-que/>. Acesso em 5 de julho de 2017.
41
Ele pediu demissão da revista Veja em maio de 2017.
65

Ninguém está querendo “culpar’ Dilma Rousseff só porque ela é


presidente da República. Ou porque, antes, ocupava a presidência do
Conselho da empresa. Ou porque, desde 2003, era tida como a
grande chefe do setor energético. Não se trata de um processo de
responsabilização objetiva. Estamos a falar de outra coisa: chama-se
responsabilidade política, presidente! A sua inação ao longo desse
tempo dá testemunho, quando menos, da inapetência para o cargo
que ocupa. (AZEVEDO, 2014)
No funcionamento da SD46, o termo “povo” significa como apenas um estrato da
população brasileira: as classes socioeconomicamente desfavorecidas. Este sentido funciona
quando Silas pontua que “o pobre tem dignidade”. Podemos fazer uma leitura da imagem
que o líder religioso tem dos seus seguidores. Estendendo nossa análise, é possível até
recorrermos à memória de que os segmentos mais pobres foram os que aderiram
maciçamente ao movimento pentecostal, como apontamos no capítulo 2. Logo, o pastor Silas
Malafaia fala para essa classe social ao significar em seu discurso.

Aqui podemos acrescentar mais um funcionamento acerca da constituição do sujeito


do pastor. Ao projetar uma imagem de si como representante dos anseios do povo brasileiro,
ele fala de uma posição de autoridade, cujas opiniões políticas seriam legitimadas pelo
posicionamento da jornalista Joice Hasselman. Relembrando nossa exposição acerca do
papel dos apresentadores, vimos que Joice confere este lugar ao Silas Malafaia quando lhe
questiona:

SD15: Em relação à firmeza e ao tom ácido dessa frente ampla contra o beijo
gay, não tem exagero? É assim mesmo que tem que ser? (HASSELMANN,
2015)

Ela produz um imaginário do líder religioso como um sujeito que enuncia desta
posição, reproduzindo a ideologia da maioria cristã de brasileiros. O discurso religioso, de
acordo com Orlandi, também funciona através do posicionamento autoritário dos locutores,
uma relação de interlocução que tende à monossemia (ORLANDI, 2003).

Nas sequências discursivas 44, 45 e 46, notamos também que o conferencista reforça
uma filiação à formação discursiva cristã conservadora, quando relaciona o seu dizer com
outros já-ditos no interdiscurso – entendido como “aquilo que fala antes, em outro lugar,
independentemente” (ORLANDI, 2009, p. 31) – e que, por sua vez, reproduzem a ideologia
neopentecostal. São os dizeres que se materializam, pelos mecanismos da paráfrase e da
polissemia, nas igrejas, através das pregações de pastores. Retornando aos “mesmos espaços
do dizer” (ORLANDI, 2009, p. 36) do discurso neopentecostal, mais especificamente aos
66

sentidos produzidos pela ideia da “guerra santa”, Silas causa uma ruptura no processo de
significação deste elemento teológico, aproximando seu funcionamento da formação
discursiva política conservadora e do contexto sócio-histórico em que estes dizeres foram
enunciados.

Lula, Dilma e o PT serviriam exclusivamente a um projeto perverso de poder,


sustentado na manutenção da miséria dos mais pobres e que, portanto, deveria ser combatido
por aqueles que defendem o “bem”. Há também críticas aos “programas sociais” como o
Bolsa Família, que funcionaria como instrumento para “dominar o povo”, silenciando outros
discursos possíveis a respeito das melhorias de vida que o projeto trouxe para muitos
brasileiros. Significando desta forma, Silas se insere numa formação discursiva bastante
parecida com a do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), um dos principais
representantes dos setores da direita no país, reproduzindo os dizeres do Senador Aécio
Neves (PSDB-MG), que em 2014, durante as eleições presidenciais, afirmou:

É sempre bom lembrar, que o Bolsa Família se iniciou no governo


do PSDB, com bolsa-escola e bolsa-alimentação, que foram
unificados no governo do presidente Lula e ampliados. Eu tenho uma
proposta no Congresso Nacional, que curiosamente o PT vota contra
(...) que ele vira um programa de Estado, permanente, definitivo e
ninguém vai poder utilizá-lo com terrorismo eleitoral, como o PT
gosta de fazer. (NEVES, 2014)42

Como vimos no subcapítulo 3.1, a identificação com a formação discursiva acima


também aparece nas discursividades dos manifestantes que foram às ruas em 2015 pelo
impeachment da então presidente Dilma Rousseff, sendo convocados justamente pelo
político mineiro e seus aliados, derrotados no pleito eleitoral do ano anterior (INDURSKY,
2016). Dessa forma, nas SDs 44, 45 e 46, o líder religioso também fala no lugar de quem
ouve a voz das ruas, uma voz que silencia outras vozes possíveis, significando apenas os
segmentos de classe média e classe média alta que aderiram ao movimento.

Ao longo do seu percurso discursivo, Silas Malafaia buscar apagar as marcas de


qualquer influência ideológica por parte de partidos políticos. De fato, ele nega a vontade de
se filiar a qualquer legenda para, posteriormente, se candidatar. Já afirmamos o
descontentamento do brasileiro em relação à política, os partidos e seus representantes. Silas

42
Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=cxutuNTDuUU >. Acesso em 5 de julho de 2017.
67

se afasta desse imaginário, se projetando como um sujeito isento de determinações


partidárias e que se preocuparia tão somente com o futuro do país:

SD47 – Partidos são partes da sociedade. Eu não sou de partes, eu sou do todo.
Eu não fui chamado pra isso. Eu acredito, que o cara pra ser político é uma
chamada pra isso aqui, como é que eu posso ser pastor e ser político? Não dá.
(MALAFAIA, 2015)
SD48 – Por isso que o povo o brasileiro tem que entender isso. Nós temos que
entender que isso não é uma coisa de uma pessoa, isso não é uma coisa de uma
ideologia, isso é uma coisa da nossa nação gente, quem tá indo pro brejo é o
nosso país. (MALAFAIA, 2015)

Notamos novamente o seu posicionamento de representante do povo, que é


possibilitado pela imagem que o pastor tem da projeção que a jornalista Joice Hasselmann
faz dele próprio, lhe conferindo autoridade para discorrer livremente sobre temas
relacionados à política do país. Há, na SD48, um retorno à memória do ufanismo que marcou
o período de ditadura militar (1964-1985), quando o lema “Brasil: ame-o ou deixe-o”
estampou as campanhas de publicidade dos governos dos generais contra a suposta “ameaça
comunista” no Brasil, evidenciado o sujeito do fascismo, que materializa discursos
nacionalistas.

Ao afirmar que lutar contra o governo petista não seria “uma coisa de uma ideologia”,
ele promove um silenciamento, através do silêncio constitutivo – aquele que diz por outras
palavras – das ideologias que atravessam o seu discurso, fazendo com que ele ressignifique,
se inserindo na historicidade, um dizer produzido durante um período ditatorial, no qual as
liberdades individuais e até mesmo o direito de manifestar opiniões contrárias ao governo –
do qual ele goza plenamente no discurso – são suprimidos violentamente.

O discurso contra um suposto “jogo” ideológico da esquerda reaparece nas


sequências discursivas 49 e 50. Silas Malafaia reúne os mais diversos segmentos de esquerda
no Brasil sob a ideologia comunista, sejam eles correntes ligadas à causa LGBT ou até
mesmo o Partido Trabalhadores:

SD49 – “Quem vai educar é a escola”, isso é um jogo antigo do comunismo


gente. Pra tirar da família o poder e a autoridade. E aí o que eles fazem? Quando
você tira da família o poder e a autoridade, você faz uma massa de informes,
essa massa é manipulada por uma elite política. (SILAS MALAFAIA, 2015)
SD50 – Eu tenho pena do nosso povo. O que tá por trás é uma ideologia. Não é
o cara beijando. Gente, olha o que que tá acontecendo na sociedade brasileira:
minha filha, você sabia que escolas hoje, no Brasil inteiro, tão cancelando o dia
dos pais e das mães e botando dia do cuidador? (SILAS MALAFAIA, 2015)
68

Lembremos, mais uma vez, do contexto sócio-histórico da entrevista: uma comissão


havia sido instalada em março daquele ano para discutir o projeto do Estatuto da Família,
fortemente pressionado pelos representantes da bancada evangélica contra os partidos de
esquerda, esses falando em nome da causa LGBT. Havia um embate ideológico, de ambos
lados, uma disputa entre ideologias conservadoras e progressistas, que é silenciada no
discurso do pastor, quando ele resume o “jogo” do “comunismo” à retirada do “poder a
autoridade” da família na SD49.

Em se tratando de um pastor, conferencista e psicólogo com larga experiência ao se


dirigir para grandes audiências, é plausível acreditar que essas estratégias discursivas sejam
cuidadosamente pensadas. Mas, na relação entre a linguagem, a ideologia e o sujeito, operam
os já citados esquecimentos número um e dois como constituintes dos sujeitos e sentidos.
Nós não somos a origem do que dizemos e estamos sempre nos inserindo em formações
discursivas que existem antes e independentemente da nossa existência (ORLANDI, 2009).

Portanto, mesmo com o amplo domínio da comunicação e da oratória, Silas Malafaia


não possui controle absoluto do que é dito e significado em seu discurso. Suas palavras
podem gerar outros sentidos em outros momentos dados, como na sequência discursiva
abaixo:

SD51 – Um garoto de 13, 14 anos mata, mata, mata e não é responsável. Porque
ele não sabe nada. Agora vai pra escola, começa com o garoto lá de 16 anos a
dizer assim, ó: “se você for pego num crime, você pode desgraçar a sua vida e
passar 15 anos na cadeia”. Meu filho, o que tá faltando nesse país é uma
palavrinha bonita, é educação. (SILAS MALAFAIA, 2015)

Na SD 49, o termo “escola” significa no contexto de um jogo ideológico regido pela


esquerda no Brasil, reproduzindo a ideologia comunista. Neste caso, temos a formação
imaginária de uma educação mais progressista, na qual questões relativas à sexualidade, por
exemplo, deixariam de ser temas tabus para serem discutidos nas salas de aula.

Sobre o funcionamento da SD51, “educação” e “escola” produzem os efeitos de


sentido de autoridade, como uma forma de impor o medo e impedir que jovens vão às ruas
cometer crimes. Silas Malafaia fala deste lugar quando questionado a respeito da lei de
redução da maioridade penal, um dos projetos apoiados pela FPE e seu principal líder, o
deputado-federal Eduardo Cunha, aliado do pastor. Silas é a favor da iniciativa e reforça, em
69

seu discurso, o poder da autoridade em manter a ordem, seja nas escolas ou nas famílias,
conquanto que esses espaços funcionem como reprodutores da ideologia conservadora.

Sabemos dos esforços do presidente da Assembléia Vitória em Deus em administrar


seus dizeres e significar, em momentos distintos, como sujeito da política, religião, ciências
e até do povo brasileiro. Na entrevista para a TVeja, há uma permanência dos deslocamentos
dos sujeitos encontrados no subcapítulo 4.1. Veremos agora, mais claramente, como se deu
essa relação entre os dois momentos discursivos.

4.3 Comparações entre as entrevistas: os posicionamentos assumidos pelo


sujeito Silas Malafaia em contextos sócio-históricos distintos

Chegamos enfim à reta final da nossa análise. Agora, vamos comparar os


posicionamentos assumidos pelo líder religioso nas duas entrevistas, que se inseriram em
contextos sócio-históricos distintos: um pré-eleitoral, em que alianças eram articuladas nos
bastidores da política; outro pós-eleitoral, quando a Frente Parlamentar Evangélica alcançou,
conforme já mostramos, uma vitória considerável nas urnas e ampliou seu poder no
Congresso. Também serão relembradas algumas posições-sujeito dos apresentadores ao
longo dos corpora de análise, que foram de igual importância para a pesquisa.

A pergunta que guiou nossa análise teve relação com as inúmeras formações
imaginárias produzida no discurso do pastor Silas Malafaia a respeito de si mesmo, dos seus
interlocutores e objetos discursivos, materializando, na linguagem, diversas posições
ideológicas.

Comecemos pelo o que foi constante em nossas análises. O engajamento do líder


religioso contra o discurso da causa LGBT permaneceu como evidência de uma formação
discursiva conservadora, ora apagando interesses políticos, ora silenciando o discurso de
intolerância das igrejas neopentecostais. Retomemos as sequências discursivas 20, 22 e 23,
da entrevista para o The Noite e veremos que Silas Malafaia reproduz um discurso da ciência
para desqualificar a homossexualidade:

SD20 – 50% dos homossexuais passaram a ser depois que foram violados, como
crianças e adolescentes, como é que o cara nasce gay? (MALAFAIA, 2014)
SD22 – Qual é a área da ciência que pode determinar isso? É a genética. É a
genética que determina. Até hoje, meu filho, até agora e não vão achar, não tem
70

“gene gay”, não tem isso amigo. A ordem cromossômica é macho e fêmea.
(MALAFAIA, 2014)
SD23 – Sabe o que eles tão dizendo? Há uma tendência. Querido, vamos
devagar. Ter uma tendência, o ser-humano pode ter tendência de muita coisa. Se
é tendência, você determina se você quer seguir ela ou não, mas não é uma
condição. (MALAFAIA, 2014)

Ele recorre mais especificamente à genética e silencia, portanto, o discurso religioso


antagônico da racionalidade científica. Já vimos que este funcionamento se assemelha aos
enunciados divididos dos partidos políticos, quando duas ideologias distintas passam a
significar em uma mesma sequência discursiva (COURTINE, 2006). Vejamos como isso se
repete na entrevista da TVeja, realizada cerca de um ano depois:

SD42 – Querem dizer que o Brasil é um país homofóbico? Isso deve ser uma
piada. Opinião não é homofobia. (MALAFAIA, 2015)
SD43 – O que é homofobia? É uma doença classificada na psiquiatria, a pessoa
que tem uma aversão, que quer agredir, quer bater, quer matar, que não suporta
a presença do outro. (MALAFAIA, 2015)

Nas SDs 42 e 43, Silas traz novamente o viés psicológico do homem, remetendo
dessa vez ao discurso da psiquiatria, que também se materializa na entrevista anterior quando
ele afirma que a homossexualidade seria um comportamento de pessoas com tendências ao
que seria considerado, em seu dizer, como uma patologia. Da mesma forma ele direciona
sentidos para a homofobia ao relacioná-la como um ato exclusivo de violência física e faz
funcionar o silêncio local, “que é a censura, aquilo que é proibido dizer em uma certa
conjuntura” (ORLANDI, 2009, p. 83).

Nos funcionamentos das SDs acima, o conferencista produz sentidos que tangem à
ciência, ao racional e, simultaneamente, fala da posição de um líder religioso, interessado na
ampliação do seu poder político em benefício ao crescimento da sua igreja. Os
apresentadores também promoveram múltiplos engajamentos discursivos ao longo da nossa
análise contribuindo para determinar os sentidos do discurso. No caso da temática acerca
dos movimentos LGBT, podemos encontrar duas posições-sujeito distintas entre o Danilo
Gentilli (The Noite) e a Joice Hasselmann (Veja):

SD6 – Do mesmo jeito, pastor, que você diz que não aceita o Estado interferindo
no planejamento familiar, a Igreja, a sua denominação, pode interferir no desejo
de dois gays quererem casar no civil, deixar herança um por outro, legalmente
falando, partilhar plano médico? (GENTILLI, 2014)
71

SD7 – Você falou agora há pouco que ninguém nasce gay, se a ciência provar
ao contrário, o senhor muda a sua opinião? (GENTILLI, 2014)
SD14 – E o beijo gay, pastor? O beijo gay da novela? Tem duas mulheres lá, tem
uma frente evangélica contra o beijo gay. (HASSELMANN, 2015)
SD16 – Teve lá a propaganda do Boticário, dia dos namorados, insinuação do
casal gay, o senhor desceu o sarrafo, né? Até o Marco Feliciano disse, “não, o
Silas Malafaia deu um tiro no pé”, acabou entrando ali numa linha de choque
com o senhor. Como é que foi isso? O senhor se arrependeu de entrar de cara e
bater de frente com o Boticário? (HASSELMANN, 2015)

Nas SDs 6 e 7, do funcionamento do discurso do humorista, vemos um


posicionamento bastante identificado com a racionalidade científica e a formação discursiva
liberal. Gentilli remete igualmente à importância da atuação do Estado – que em seu dizer
significa como uma instância de poder limitado – e da ciência para tratar da
homossexualidade, funcionando como um sujeito que fala de uma posição progressista.

Joice Hasselman realiza um percurso diferente nas sequências discursivas 14 e 16,


direcionando os sentidos da questão para um viés estritamente político. A jornalista assume
uma posição de analista política ao trazer a memória de uma possível divergência entre dois
expoentes da “frente evangélica”: os pastores Marco Feliciano e Silas Malafaia. Ela não
aprofunda o debate ao formular perguntas limitadas às declarações públicas do pastor e
excluindo, assim, os aspectos sociais dos assuntos relacionados ao universo LGBT.

Sabemos que na política brasileira, o pastor se opõe publicamente à atuação de


deputados favoráveis às causas progressistas, dentre as quais incluímos a união civil estável
entre homossexuais e a descriminalização do aborto. Portanto, quando Silas se posiciona
como alguém que fala no lugar de um cidadão conservador cristão, ele mantém as marcas
de funcionamento do sujeito político e líder religioso. No talk-show The Noite, ele promove
esse duplo engajamento quando critica o chamado “ativismo gay”, que estaria recebendo
dinheiro público, dos cidadãos contribuintes, de forma exagerada:

SD24 – O ativismo gay, que eu separo os homossexuais do ativismo gay. O


ativismo gay é o sindicato, mama de estatais, mama de governo pra fazer aquilo.
Homossexuais é uma história, ativismo gay é outra. (MALAFAIA, 2014)
Silas não formula uma imagem clara do “governo” na sequência discursiva acima.
Entretanto podemos aferir – recorrendo à memória discursiva acerca de algumas declarações
do pastor – que se trata do governo federal, liderado pelo Partido dos Trabalhadores e a então
presidente Dilma Rousseff. Ele omite as evidências dessa relação interdiscursiva por se tratar
de um momento extremamente delicado do ponto de vista político, mas mantém uma
72

identidade com o discurso político de ódio, marcado pela brevidade e a superficialidade de


seus enunciados. Silas Malafaia, na posição de um líder interessado na expansão política da
sua igreja, não poderia fazer acusações diretas ao grupo político que controlava o poder
executivo federal e muitos deputados e senadores, posto que a bancada evangélica
precisava, naquele momento, do apoio político do PT em algumas situações. Vejamos que
isso ocorre, por exemplo, quando o pastor recebe, em um dos cultos da Assembleia de Deus
Vitória em Cristo (ADVEC), o então Senador e virtual candidato ao governo do estado do
Rio de Janeiro, Lindbergh Farias.

Com a derrota do político carioca, a queda do número de deputados na bancada


petista43 e o aumento vertiginoso da frente evangélica, no segundo momento da nossa
análise, o presidente da ADVEC sentiu-se mais à vontade para atacar seus adversários
políticos e produzir sentidos sobre a corrupção, tema recorrente no discurso da direita
(RONCADA, 2016). Inserido numa formação discursiva conservadora, bastante próxima
dos partidos de direita no Brasil, ele produz um imaginário acerca do “ativismo gay”,
representado sob os escândalos de corrupção que atingiram os governos do ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva e a presidente Dilma Rousseff. Percebemos essa construção na
sequência discursiva 41:

SD41 – O ativismo gay recebeu, me processa, tô desafiando, do governo Lula e


Dilma, mais de 40 milhões, pra promover a sua causa.

Há uma materialização da ideologia cristã conservadora nos seus dizeres, através,


sobretudo, do moralismo que condena o PT e os demais partidos que lutam pela causa
homossexual. Indo mais além, Silas mobiliza sentidos que se aproximam do “olhar muito
definido e seletivo da classe média: apenas o PT é ladrão e corrupto” (INDURSKY, 2016,
p. 80). Nota-se que ele precisa retomar a memória do Partido dos Trabalhadores para
significar a corrupção em outros segmentos da esquerda política.

Tal engajamento também aparece na entrevista para o The Noite, porém, de uma
forma mais dissimulada. Encontramos essa relação interdiscursiva, por exemplo, na
significação do termo “jogo” nas duas SDs que analisamos:

SD27 – Agora, tem uma coisa que é importante que tem um jogo muito perverso,
um jogo subliminar perverso, esses fundamentalistas querendo dar uma ideia de
43
G1. PT e PMDB encolhem, mas mantêm maiores bancadas; PSDB cresce. 6 de outubro de 2014.
Disponível em:
<http://g1.globo.com/politica/eleicoes/2014/blog/eleicao-em-numeros/post/pt-e-pmdb-encolhem-mas-
mantem-maiores-bancadas-no-congresso-psdb-cresce-na-camara.html>. Acesso em 6 de julho de 2017.
73

que nós evangélicos temos um fundamentalismo parecido com o


fundamentalismo islâmico.
SD49 – “Quem vai educar é a escola”, isso é um jogo antigo do comunismo
gente. Pra tirar da família o poder e a autoridade. E aí o que eles fazem? Quando
você tira da família o poder e a autoridade, você faz uma massa de informes,
essa massa é manipulada por uma elite política. (SILAS MALAFAIA, 2015)

Notemos que o “jogo” aparece na SD27, da entrevista com o Danilo Gentilli, se


referindo ao suposto “fundamentalismo” dos que defendem a causa LGBT. Na SD49, Silas
estende a análise, afirmando que este mesmo “jogo” seria arquitetado pela ideologia do
“comunismo”, significando aqui os partidos de esquerda, entre os quais PT e PSOL, que
fariam parte de um mesmo esquema perverso contra o cristianismo, representado no discurso
sob a imagem da família tradicional cristã.

Este posicionamento ideológico do sujeito-pastor, em cujos sentidos são


direcionados contra a esquerda política, só é possível nas relações discursivas com os
apresentadores. Retomando as condições de produção dos discursos, vimos que ambos os
programas são conhecidos pela identificação com a formação discursiva da direita, além
disso, compreendemos que as diferenças entre nossos corpora de análise dizem respeito
tanto ao contexto sócio-histórico, quanto às posições assumidas pelos apresentadores no
percurso discursivo. No dizer da Joice Hasselman, há uma evidência maior do engajamento
contra os partidos de esquerda:

SD12 – Eu vou pegar uma frase do final do seu vídeo, dizendo: “Jesus cura da
cachaça”. E da corrupção? Só Jesus mesmo pra dar jeito nesse país do PT? É só
milagre? (HASSELMANN, 2015)

No funcionamento da sequência discursiva 12, ela produz um imaginário negativo


acerca do Partido dos Trabalhadores e seu principal líder, o ex-presidente Luiz Inácio Lula
da Silva, quando remete à memória dos supostos problemas que Lula enfrentava em relação
ao alcoolismo. Além disso, Joice relaciona o PT com a corrupção, contribuindo para a
produção de sentidos pejorativos sobre a legenda.

Danilo Gentilli faz uma referência mais indireta ao governo federal, sem citar nomes
de partidos ou políticos, apenas valendo-se do termo “governo” ao significar, através das
relações interdiscursivas, o antagonismo da esquerda política contra os “valores da fé
cristãos” (na SD3):
74

SD3 – “Diga-me com quem andas, que eu te direi quem és”, você se aliaria com
o líder evangélico que vendeu os seus valores em prol de poder político? Que se
aliou ao governo? Mesmo que os valores do governo sejam contra os valores da
fé cristãos? (GENTILLI, 2014)

Percebemos que não apenas o sujeito Silas Malafaia está sujeito aos deslizes da
língua. Mesmo produzindo enunciados sob as evidências do discurso político, Haselmann e
Gentilli se inserem na formação discursiva religiosa. Na SD12, funciona o sentido de que
apenas um “milagre” ou a interferência “Jesus” seriam capazes de acabar com a corrupção
no Brasil. O humorista é ainda mais direto, ao retomar um dizer que possui afinidades com
o discurso bíblico – “Diga-me com quem andas, que eu te direi quem és” (na SD3) – e
legitimar a atuação do pastor na arena política, quando este é questionado sobre a
importância dos seus “valores da fé cristãos” (na SD3) nas disputas pelo aumento do poder.

Sobre a legitimidade do discurso do presidente da Assembleia de Deus, os dois


locutores realizam modos de enunciação similares. O modo de enunciação designa a
“atividade de produção de um discurso por um sujeito enunciativo em uma situação de
enunciação” (COURTINE, 2006, p. 71), sendo assim, os sujeitos-apresentadores produzem
discursos cujos funcionamentos possuem semelhanças, mesmo em situações diversas:

SD2 – Você tá atuando como deputado? Por que eu e todo mundo acha que você
é deputado? Eu vejo você na Câmara mais do que muito deputado. Não pretende
se candidatar, nunca? (GENTILLI, 2014)
SD15 – Em relação à firmeza e ao tom ácido dessa frente ampla contra o beijo
gay, não tem exagero? É assim mesmo que tem que ser? (HASSELMANN,
2015)

Na sequência discursiva 2, Danilo Gentilli naturaliza a atuação do pastor na Câmara


dos Deputados ao significar, pelo não-dito, o imaginário de que os deputados eleitos não
seriam muito atuantes. Enquanto que Joice Hasselmann lhe confere uma posição de
autoridade para discorrer sobre a temática LGBT. Percebemos que, na SD15, se evidencia
uma posição-sujeito também presente, por exemplo, na relação pedagógica, em cuja
“representação que os alunos fazem daquilo que o professor lhes designa é que domina o
discurso” (PÊCHEUX, [1969] 2010 p. 86).

Assim, nesses caminhos entre linguagem e ideologia, vão surgindo diversas


formações imaginárias que contribuem para evidenciar novos sujeitos-pastores. Já falamos
do sujeito do discurso político, religioso e científico nos dois momentos discursivos
75

analisados. Agora falaremos do imaginário, produzido pelos apresentadores, do sujeito-


empresário, interessado na expansão da sua igreja através do uso dos meios de comunicação
e o arrebatamento de fiéis. Na TVeja, essa projeção materializa-se quando há o
questionamento a respeito dos “exageros” (na SD17) na compra de horários nas grades de
programação da televisão brasileira:

SD17 – O senhor é um dos grandes compradores de horários da TV brasileira.


Inclusive, o Ministério Público tá questionando esse ato. O senhor é a favor de
exageros? Como, por exemplo, o Edir Macedo, dono da Record e de, sei lá, mais
de 20 horas na CNT? (HASSELMANN, 2015)

Acerca do funcionamento da sequência discursiva 17, Joice Hasselmann marca sua


identidade com o discurso da direita liberal contra a corrupção ao trazer a memória do
Ministério Público como instância fiscalizadora de supostas irregularidades. Na entrevista
para o The Noite, Danilo Gentilli traz o tema a Teologia da Prosperidade (TP) em seu
discurso, assumindo uma posição cética quanto à sua validade:

SD9 – Se a visão que o povo tem de pastor é que pastor é dinheirista, um clichê
que no mundo secular acabou ficando. Não existe um trabalho de marketing para
tentar reverter esse clichê? (GENTILLI, 2014)

O humorista identifica-se com a formação discursiva progressista ao produzir


sentidos negativos sobre a relação entre o dinheiro e a religião na SD9. Ocorre, então, um
deslocamento na constituição dos sujeitos das SDs 17 e 9 apenas no que diz respeito às
filiações ideológicas, visto que ambos falam nas posições de quem questiona o discurso e as
práticas do neopentecostalismo.

Silas Malafaia, ao produzir sentidos sobre a TP, promove uma dupla filiação às
formações discursivas religiosa e capitalista, um funcionamento que se evidencia mais
explicitamente na primeira entrevista:

SD34 – A bíblia é um livro de prosperidade. Deus fala, Ele quer abençoar as


pessoas, Ele quer que o homem seja feliz. (MALAFAIA, 2014)
SD35 – Dinheiro na bíblia, é um dos maiores temas da bíblia. Eu não vou negar
isso aqui pra você, finanças é um dos maiores temas da bíblia. (MALAFAIA,
2014)

A imagem positiva da “prosperidade” (na SD34) material – leia-se, a “prosperidade”


(na SD34) alcançada pelo “dinheiro” (na SD35) e tudo o que ele pode comprar, seja a saúde,
76

o lazer, ou bens materiais – significa através do termo “feliz” (na SD34), produzindo o
sentido da felicidade relacionada à obtenção de recursos financeiros.

Na TVeja, o presidente da ADVEC se insere na mesma formação discursiva do


capitalismo ao criticar aquilo que, em seu entender, seria a ideologia comunista e seus
supostos representantes:

SD46 – Eles se utilizam da necessidade do povo, das classes menores, das


pessoas de bem, porque o pobre tem dignidade. Mas ele, pela gama da
necessidade que eles têm e também por uma história de ser subserviente a quem
tá no poder, a ser pedinte de quem tá no poder, eles conseguiram com esses
programas sociais que não foram eles que fizerem, mas eles ampliaram
politicamente pra dominar o povo. (MALAFAIA, 2015)
SD49 – “Quem vai educar é a escola”, isso é um jogo antigo do comunismo
gente. Pra tirar da família o poder e a autoridade. E aí o que eles fazem? Quando
você tira da família o poder e a autoridade, você faz uma massa de informes,
essa massa é manipulada por uma elite política. (MALAFAIA, 2015)

Na SD46, há uma referência aos programas sociais do PT, entre os quais o mais
expoente é o Bolsa Família, um programa de transferência direta de renda44. Nota-se que,
quando a prosperidade material é alcançada através do assistencialismo do governo, ela
passa a significar negativamente no discurso do pastor, visto que ocorre um silenciamento
dos inúmeros benefícios que esta iniciativa trouxe para milhões de famílias em situação de
extrema pobreza45.

Percebemos que o pastor utiliza alguns verbos, como “dominar” (na SD46) e
“manipular” (na SD4) para resumir o “jogo” (na SD49) de interesses políticos escusos do
que ele denomina comunismo. Ao mesmo tempo que o sujeito promove esse engajamento,
ele enuncia de maneira dividida, se inserindo na formação discursiva próxima do socialismo
quando afirma que as classes socioeconomicamente menos favorecidas servem
historicamente a uma “elite” (na SD49).

44
Segundo o site do Bolsa Família, este programa busca garantir às famílias brasileiras em extrema situação
de pobreza o direito à alimentação e o acesso à educação e à saúde, superando a situação de vulnerabilidade
social. Disponível em: <http://www.caixa.gov.br/programas-sociais/bolsa-familia/Paginas/default.aspx>.
Último acesso em 24 de julho de 2017.
45
G1. Bolsa Família reduz em 17% a mortalidade infantil, aponta pesquisa. 29 de maio de 2013.
Disponível em: < http://g1.globo.com/bahia/noticia/2013/05/bolsa-familia-reduz-em-17-mortalidade-infantil-
aponta-pesquisa.html>. Acesso em 7 de agosto de 2017. Exame. Brasil reduz a pobreza extrema em 75%,
diz FAO. 16 de setembro de 2014. Disponível em: <http://exame.abril.com.br/brasil/brasil-reduz-a-pobreza-
extrema-em-75-diz-fao/>. Acesso em 8 de julho de 2017. Carta Capital. Bolsa Família: 11 anos e 11
conquistas. 24 de outubro de 2014. Disponível em: < https://www.cartacapital.com.br/politica/bolsa-familia-
11-anos-e-11-conquistas-4636.html>. Acesso em 7 de agosto de 2017.
77

É nesse funcionamento como um sujeito multiplamente político, científico, religioso


e brasileiro, que o presidente da Assembléia de Deus Vitória em Cristo vai expandindo sua
rede de influência entre os cidadãos, podendo atrair até aqueles que não possuem qualquer
relação com o movimento neopentecostal.

Os sujeitos podem se identificar com o discurso conversador contra a corrupção, ou


até com a ideologia que revela as desigualdades sociais perpetuadas pela elite política.
Ambos os dizeres estão presentes no percurso discursivo que analisamos e revelam um
sujeito que não mede palavras ao incorporar discursos antagônicos na produção de
enunciados, mesmos que estes denunciem posicionamentos diferentes daqueles que são
pretendidos em suas estratégias discursivas.

Nas entrevistas para o talk-show The Noite e a TVeja, permanece o Silas Malafaia
incompleto, sujeito às falhas e incompletudes nos sentidos. Um sujeito que funciona através
dos deslizes da língua na relação com a história e as ideologias, tornando evidentes os
mecanismos pelos quais as igrejas evangélicas, em franca ascensão no país, conquistam
espaços na política nacional.

E esses efeitos de sentidos não seriam possíveis sem as produções discursivas dos
apresentadores, que contribuem para tornar evidentes os diversos sujeitos que funcionam no
discurso do pastor. Na nossa análise, conseguimos mapear como os locutores foram se
deslocando entre as mais diversas formações discursivas, assumindo posições e produzindo
imaginários sobre um dos líderes religiosos mais polêmicos e influentes do país.
78

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em um período tão delicado como o que vivemos hoje, torna-se fundamental


entender os posicionamentos dos novos atores que emergem politicamente. Líderes
religiosos e pastores compõem a vanguarda do conservadorismo no Congresso, um processo
que serve diretamente à expansão de suas igrejas. Por isso, no percurso do presente trabalho,
abordamos a história do movimento pentecostal, como este foi se adequando às demandas
da sociedade brasileira para aumentar o número de fiéis e conjugamos o seu crescimento
com o processo de midiatização que agregou elementos do mundo secular às práticas e
discursos do pentecostalismo.

Podemos também verificar o papel da mídia eletrônica ao se posicionar acerca do


discurso conservador das igrejas evangélicas, legitimando, muitas vezes, alguns aspectos da
atuação da bancada evangélica. Como parte das condições de produção do discurso,
trouxemos o contexto sócio-histórico do momento das entrevistas, além das diferenças entre
a entrevista jornalística e o gênero talk-show, conceitos de extrema importância para
entendermos as posições assumidas por seus apresentadores, que chegaram a reproduzir
marcas do conservadorismo, aderindo, inclusive, à ideologia do ódio contra a esquerda no
Brasil, que vimos ser uma das modalidades do discurso político contemporâneo.

Nas nossas análises, observamos o funcionamento do discurso neopentecostal nos


dizeres do pastor Silas Malafaia. O presidente da Assembleia de Deus Vitória em Cristo
representa o interesse do segmento evangélico em aumentar sua esfera de influência nos
espaços políticos, sendo considerado um de seus principais aliados midiáticos.

Analisamos as estratégias, deslizes e evidências de sentidos do líder religioso e foi


possível perceber como inúmeras posições-sujeito se tornaram evidentes ao longo do seu
processo discursivo. Posicionamentos que irrompiam nas falhas, rupturas e deslocamentos
de sentidos, principalmente quando direcionados às polêmicas relacionadas aos
homossexuais e seus representantes na política nacional. Verificamos também como esses
lugares de fala mudaram em momentos políticos distintos e que algumas marcas discursivas
que poderiam conferir perda de legitimidade eram silenciadas no discurso do pastor.
Revelamos esses sentidos através das relações interdiscursivas, determinando diversas
filiações ideológicas as quais o líder religioso se submetia ao significar.

Segundo Eni Orlandi (2009), não possuímos total controle sobre a linguagem e essa
está sempre nos pondo em relação com a história e a ideologia. Somos assujeitados a
79

formações discursivas que precedem nossa existência e determinam nossos dizeres. É na


interpelação em sujeitos que significamos e produzimos sentidos.

Por fim, mostramos que, até mesmo um sujeito como o Silas Malfaia, dotado de um
profundo conhecimento sobre oratória e comunicação, está sujeito aos deslizes e equívocos
da língua. Na discursividade neopentecostal podem aparecer sentidos outros que não são
pretendidos. E dessa maneira, o autoritarismo do discurso religioso vai se esvaecendo na
polissemia.

Esperamos que nossa pesquisa tenha contribuído positivamente para os estudos de


religiões brasileiras, além de trazer um outro olhar acerca das discussões sobre a ameaça que
o crescimento das denominações evangélicas pode representar às minorias sociais.

Em relação a minha formação acadêmica, possuo a convicção de que atingi meus


objetivos e posso me considerar apto a desenvolver outros trabalhos sobre religião na Análise
do Discurso. Também creio que minha vivência religiosa tenha ajudado nesse processo.
Participei de movimentos católicos durante boa parte da juventude e me desvinculei da Igreja
por discordar de diversos posicionamentos dessa instituição. Hoje, esse meu olhar crítico me
leva um passo adiante e espero trazer abordagens ainda mais aperfeiçoadas sobre o tema.
80

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