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PAULO – PUC/SP
(Direito Tributário)
São Paulo
2014
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO
PAULO – PUC/SP
(Direito Tributário)
São Paulo
2014
Folha de Notas
Banca Examinadora
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Agradeço aos meus pais, Maria Elisa e José Agostinho, ao meu esposo, Adriano, e aos
meus filhos, Otávio e Antônio, pelo grande incentivo para a conclusão do meu
Doutorado e, principalmente, da minha tese.
Agradeço também à Susy Hoffmann e Susete Gomes, por estarem sempre ao meu lado,
no trabalho e na vida.
Aos meus sócios, Maurício Bellucci e Roberto Miranda, pela parceria e apoio na
conclusão deste trabalho.
A tese que apresentamos tem por objetivo analisar os incentivos fiscais do ponto de
vista normativo e com base no constructivismo lógico-semântico. O ponto de partida é a
análise sobre a ausência de consenso que envolve a expressão incentivos fiscais e o
desgaste em sua utilização pela doutrina. Para isso, foram analisados os principais
estudos relacionados aos incentivos fiscais já desenvolvidos, bem como a ausência de
organização sistêmica entre as regras que tratam dos incentivos fiscais no plano
constitucional e infraconstitucional. A análise dos incentivos fiscais que é apresentada
no presente trabalho é baseada no constructivismo lógico-semântico, o que traz uma
nova visão aos trabalhos já empreendidos sobre o tema. Considerando que a maioria das
análises relacionadas aos incentivos fiscais leva em consideração a finalidade, a visão
apresentada neste trabalho se diferencia por buscar uma análise de sua estrutura
normativa. A compreensão dos incentivos fiscais calcada no estudo linguístico permite
agregar uma visão mais rica aos trabalhos já desenvolvidos sobre o tema, pois
intersecciona esta carga pragmática empreendida pelos demais estudos às duas
instâncias semióticas – sintática e semântica – para permitir uma visão completa do
fenômeno jurídico. Assim, buscou-se retirar o sentido vago e ambíguo da expressão
incentivos fiscais e realocá-lo conforme o regime jurídico dos tributos, de acordo com
uma classificação que parte da análise das normas jurídicas e a sua respectiva
interferência na regra-matriz de incidência tributária. Neste trilhar, foi realizada a
análise dos incentivos fiscais a partir do plano constitucional, para encontrar o seu
fundamento de validade, os limites e motivações da ordem constitucional, de modo que
foram analisados os princípios constitucionais que norteiam os incentivos fiscais. A
partir de uma construção normativa para os incentivos fiscais, foi construída a norma
estrutural de incentivo fiscal, que parte de uma norma de competência esboçada na
Constituição Federal. Criou-se a identificação de que os incentivos fiscais são
verdadeiras normas jurídicas e atuam mediante um conjunto de normas que interferirão
na regra-matriz de incidência tributária. Assim, as normas que não interferem na regra-
matriz de incidência tributária não poderão ser consideradas como incentivo fiscal.
Finalizamos o nosso trabalho com a análise sobre o controle de constitucionalidade dos
incentivos fiscais ilegítimos e quais os mecanismos de que o sistema constitucional
dispõe para expulsar as normas que concedem incentivos de forma irregular e, ao
mesmo tempo, prestigiar os princípios constitucionais que protegem as relações entre
Fisco e contribuintes.
This thesis analyzes tax incentives under the regulation point of view and based on
logical-semantic constructivism. The starting point is the analysis of the lack of
consensus surrounding the term tax incentives and the wastage in the use of it by the
doctrine. The main studies related to tax incentives already produced were analyzed, as
well as the absence of systemic organization of the rules dealing with tax incentives at
the constitutional and infraconstitutional levels. The analysis of tax incentives that are
presented in this work is based on logical semantic constructivism, which brings a new
point of view on the subject. Whereas most tax incentives related analysis takes into
consideration the tax object, the view presented here differs from previous studies by
seeking a review of its regulatory framework. Understanding tax incentives in a
linguistic study allows adding a richer view on previous work already developed on the
matter, because it intersects this pragmatic load other studies undertaken by the two
semiotic instances – syntactic and semantic – to allow a full view of the legal
phenomenon. Thus an attempt was made to remove the vague and ambiguous sense of
the term tax incentives and relocate it according to its legal regime of taxes, according
to a classification of the analysis of legal rules and their respective interference in
matrix rule of tax incidence. In this way, the analysis of tax incentives on a
constitutional perspective was carried out to find its validity, limitations and
motivations of constitutional order, so that the constitutional principles underlying the
tax incentives were analyzed. From a normative perspective for fiscal incentives, the
standard structural fiscal stimulus was built, and it starts from a standard of competence
outlined in the Constitution. The identification about tax incentives being true legal
rules was created and it acts upon a set of rules that interfere with the matrix rule of tax
incidence. Thus, the rules that do not interfere with the matrix rule of tax incidence can
be regarded as a tax incentive. The work was finished with the analysis of the
constitutionality of illegitimate tax incentives and the mechanisms that the
constitutional system has to flush the rules that grant incentives erratically while
honoring the constitutional principles that protect the relationship between tax
authorities and taxpayers.
Keywords: Tax incentives. Structural standard. Competence norm. Logical semantic
constructivism. Fiscal responsibility. Exemptions. Tax war.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 13
INTRODUÇÃO
A análise dos incentivos fiscais tem sido empreendida pela doutrina ao longo
dos anos, abarcando as mais ricas abordagens no que diz respeito a sua relevância no
ordenamento jurídico brasileiro, especialmente quanto à necessidade da concessão de
incentivos fiscais com o objetivo de minimizar as desigualdades econômicas das mais
diversas regiões do país.
Dentre as questões analisadas pela doutrina, notamos que, até os dias atuais,
não há um consenso envolvendo a questão terminológica da expressão incentivos
fiscais, o que também não é reforçado nem pelo Texto Constitucional e demais normas
do plano infraconstitucional, tampouco pela Jurisprudência.
De fato, é possível notar o grande desgaste sofrido com a utilização da
expressão incentivos fiscais, cujo uso foi feito de forma tão diversificada e a partir de
premissas tão diversas, que não é tarefa fácil sistematizar o seu estudo.
Além disso, não encontramos uma organização sistêmica entre as regras que
tratam dos incentivos fiscais no plano constitucional. Da mesma forma, o Código
Tributário Nacional também não nos traz normas gerais que prescrevam a respeito da
uniformização dessas regras de incentivos fiscais.
Buscamos, então, no presente estudo, analisar os incentivos fiscais baseados no
constructivismo lógico-semântico e, com isso, trazer uma nova visão aos trabalhos já
empreendidos sobre o tema. Considerando que a maioria das análises relacionadas aos
incentivos fiscais leva em consideração a finalidade, a nossa visão se diferencia por
buscar justamente uma análise de sua estrutura normativa.
Não queremos desprezar a importância da análise do fenômeno jurídico
relacionado à interferência que as normas de incentivos fiscais são capazes de produzir
nos acontecimentos sociais, especialmente quanto ao papel que desempenham no
cenário econômico.
Até porque sabemos que os incentivos fiscais, sob a perspectiva do
desenvolvimento nacional e da economia, têm grande relevância, especialmente no que
se refere ao manejo político dessas regras pelos entes federados, que dispõem desse
mecanismo para promover o desenvolvimento de cada região do país ou de determinada
atividade econômica.
14
1.1 Introdução
1
Língua e realidade. 3.ed. São Paulo: Annablume, 2007.
2
Ibid., p. 31-32.
19
3
Língua e realidade. 3.ed. São Paulo: Annablume, 2007.
4
Tomadas ambas as realidades como sistemas (a social e a jurídica) podemos dizer que a realidade
social é constituída pela linguagem da realidade social, e sobre ela incide a linguagem prescritiva do
direito positivo, que juridiciza certos eventos, certas condutas e, assim, desenha o campo da
facticidade jurídica e o segrega do campo da facticidade social segundo critérios de eleição. Dito isso,
a linguagem se apresenta como ingrediente fundamental ao Direito e por meio dela se cumpre o
objetivo maior, seja do direito positivo, seja da Ciência do Direito. Para a conversão dos
acontecimentos sociais que interessam ao direito em linguagem competente nesse domínio,
transformando tais acontecimentos em fatos jurídicos, é fundamental a observância da teoria das
provas, isto é, a correlação entre fato e evento deve ser feita por meio da linguagem competente,
justamente a linguagem das provas, dado que estas, igualmente, são constituídas para o direito por
meio da linguagem. Não obedecida a teoria das provas, a linguagem produzida poderá ser
desconstituída por outra linguagem. E, ainda que obedecida a teoria das provas, mas tendo estas sido
constituídas para o direito de forma equivocada (p. ex., escuta telefônica ilegal), também exporá esse
elemento aos controles oferecidos pelo próprio sistema na produção da linguagem.
20
para o termo método, este é aproximado de uma das acepções possíveis para o termo
metodologia. De fato, para o estudo de qualquer ciência, é necessário realizar a
demarcação de seu objeto de análise, o qual é feito a partir de um corte abstrato.
O método científico em geral obriga a eleição de um objeto de investigação,
sendo certo que esse objeto não se coloca pronto para o estudo e análise do cientista; ao
contrário, é um objeto construído, a partir da seleção de alguns critérios, da sua
especialização frente à totalidade em que está inserido.
O que deve ser estabelecido num modelo para o estudo do direito devem ser as
premissas a partir das quais se desenvolverá um raciocínio, estabelecendo, assim, os
limites de investigação do objeto a ser estudado.
Assim, o método pode ser definido como uma série de regras gerais para tentar
resolver um problema. Os métodos não são infalíveis e não suprem o apelo à
imaginação e à intuição do cientista. A importância do método científico é uma de suas
características básicas, que é a tentativa de resolver problemas por meio de suposições,
ou seja, hipóteses que possam ser testadas através de observações ou experiência.
Para o direito, adotar um método ou um sistema de referência é importante
porque testa, criticamente, dentro das premissas estabelecidas e seleciona as melhores
hipóteses e teorias. Desse modo, vemos que o direito demanda um método para que dele
nos aproximemos e será através do método que o direito pode ser analisado. Cada
método traça um corte metodológico para facilitar a aproximação do objeto do
conhecimento; assim, só o método é capaz de dar uniformidade na apreciação do objeto
e demarcação precisa no campo do conhecimento.
Para que se possa realizar essa análise com rigor e precisão, torna-se necessária
a utilização de um método e de uma certeza na linguagem empregada, a qual deve ser
rigorosa, descritiva, construída de forma apta a descrever o fenômeno que se objetiva
conhecer.
Diversos são os modelos teóricos que poderão ser adotados para o estudo do
Direito, de modo que, mudando-se o modelo, transforma-se, consequentemente, a
conclusão sobre determinado objeto de análise. Todavia, é necessário valer-se de um
método que permita conhecer o objeto, não apenas em sentido amplo, mas sob
determinada forma de consciência, de percepção, de imagem e de conceito.
21
O que deve ser estabelecido num modelo para o estudo do direito devem ser as
premissas a partir das quais se desenvolverá um raciocínio, estabelecendo, assim, os
limites de investigação do objeto a ser estudado.
Nosso método é pautado no Direito entendido como um fenômeno
comunicacional 5.
O constructivismo lógico-semântico nada mais é do que um dos métodos de
trabalho hermenêutico que auxilia no exame do direito e que faz uma precisa
demarcação a respeito da uniformidade do objeto, sem deixar de lado o contexto
cultural em que está inserido. Como o método de investigação tem de ser seguro e
rigoroso, com a preocupação de fornecer precisão ao discurso científico, verifica-se que
o constructivismo lógico-semântico atende essa necessidade porque se utiliza da análise
das estruturas sintática, semântica e pragmática em sua investigação. Nele, o rigor
apresenta-se na linguagem, pois seu método de investigação é o analítico-hermenêutico,
ou seja, o objeto de estudo é decomposto analiticamente em partes, para só depois ser
reconstruído contextualmente por meio da hermenêutica. Sua aplicação no estudo do
direito possibilita a coerência no pensamento, permitindo, além do rigor linguístico, o
conhecimento do sistema jurídico como um todo.
Calcado nos ensinamentos de Lourival Vilanova, cuja continuidade e
aprimoramento do método foi e continua sendo realizado por Paulo de Barros Carvalho,
o Constructivismo Lógico-Semântico permite a aproximação mais detalhada do
fenômeno jurídico pelo sujeito, sendo que essa análise é decomposta pelas estruturas
mínimas normativas, que, somada à análise de outras estruturas (mínimas e integradas
ao contexto axiológico dos sujeitos cognoscentes), constitui o sistema do direito
5
Conforme Paulo de Barros Carvalho (1999 apud LINS, Robson Maia. Controle de
constitucionalidade da norma tributária – Decadência e prescrição. São Paulo: Quartier Latin,
2005, p. 45.), “o giro lingüístico é uma vertente da filosofia da linguagem que rediscute os conceitos
de verdade com olhos bem voltados para a linguagem, cuja função, longe de ser meramente descritiva
de qualquer realidade dada, é constitutiva dessa realidade. Por isso, anota-se como traço principal
dessa escola a auto-referencialidade da linguagem, ou seja, a linguagem, descrevendo a realidade a
constituir, independentemente do ‘dado’ objetivo que descreve. Assim, a realidade, que até então era
dominada pelo homem, passa a ser por ele mesmo constituída em forma de linguagem. Sobre o tema:
Dardo Scavino (La filosofia actual: pensar sin certezas. Buenos Aires: Paidós, 1999), Gregório
Robles Morchón. (O Direito como texto: quatro estudos de teoria comunicacional do direito.
Tradução de Roberto Barbosa Alves. Barueri: Manole, 2005).
22
6
CARVALHO, Paulo de Barros. Algo sobre o Constructivismo Lógico-Semântico. In: ______ (Org.).
Constructivismo lógico-semântico. v. 1. São Paulo: Noeses, 2014, p. 5.
7
Ibid., p. 6.
8
Ibid., p. 2.
23
9
Apud CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 5. ed. São Paulo:
Noeses, 2013, p. 15.
10
Apud ibid., loc. cit.
24
11
As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2010, p. 2.
25
12
PISTONE, Pasquale apud GRUPENMACHER, Betina Treiger. Das exonerações tributárias.
Incentivos e benefícios fiscais. In.: ______; CAVALCANTE, Denise Lucena; RIBEIRO, Maria de
Fátima; QUEIROZ, Mary Elbe. Novos horizontes da tributação: um diálogo luso-brasileiro.
Coimbra: Almedina, 2012, p. 15.
13
Regime jurídico dos incentivos fiscais. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 15.
26
Assim, não há que se falar em direito sem linguagem, ao menos “no direito”
tomado como objeto de nossas investigações: o que é intrassubjetivo passa a ser
irrelevante.
Na postura do giro-linguístico, que adotamos, o próprio mundo que nos cerca é
um dado próprio de linguagem. Tudo é texto, porque o que está sujeito à nossa
interpretação é texto. O dado não linguístico, nessa seara, é o dado bruto de Flusser 14,
aquilo que não é, mas “pode ser”. Em outras palavras, o “nada”.
Portanto, falar que direito é linguagem se tornaria tautológico, pois, sendo
“tudo linguagem” e “tudo texto” e sendo o direito um “algo”, é inafastável assinalar que
“direito é linguagem” e que direito é “texto”.
No entanto, essa tautologia se dissolve, porque, ao enunciar que “direito é
linguagem”, pretendemos exprimir mais: o direito não é qualquer linguagem, mas é
linguagem idiomática. Mais do que isso, é linguagem idiomática suscetível de ser
transcrita em linguagem escrita, por meio do procedimento competente.
Daí por que toda argumentação jurídica – e aqui estamos em uma feição
positivista do direito – tem de se basear em um texto que está objetivado (veículos
introdutores de normas, documentos aptos a inserir normas no sistema).
Paulo de Barros Carvalho 15 assevera que língua é sistema convencional de
signos em vigor numa determinada comunidade social, que se presta a fins
comunicacionais. Assim, a língua, entendida como instituição e sistema se difere da
fala, que é ato individual de seleção e atualização. Já linguagem – mais abrangente –
significa a capacidade do ser humano para comunicar-se por intermédio de signos cujo
conjunto sistematizado é a língua. A língua é praticamente a linguagem menos a fala. A
linguagem, língua e fala são indissociáveis, sendo linguagem a palavra mais abrangente,
significando a capacidade do ser humano para comunicar-se por intermédio de signos
cujo conjunto sistematizado é a língua.
A Semiótica representa a teoria geral dos signos e estuda os elementos
representativos do processo de comunicação. Trata-se de disciplina independente, tendo
por objeto os signos dos mais variados temas.
14
Língua e realidade. 3.ed. São Paulo: Annablume, 2007.
15
Língua e Linguagem – Signos Lingüísticos – Funções, Formas e Tipos de Linguagem –
Hierarquia da Linguagens. Apostila da disciplina de lógica jurídica. São Paulo: PUC, 2010.
29
16
Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 8. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 103.
17
“Para bem explicar a diferença que se instala entre a Hermenêutica e a interpretação, convém dizer
neste instante, enquanto tratamos, de modo genérico, dos meios, critérios e esquemas interpretativos,
estamos laborando em campo nitidamente hermenêutico. Agora, se nos propusermos analisar um
determinado dispositivo legal e formos aplicar os princípios, instrumentos e fórmulas preconizados
pela Hermenêutica, aí, sim, estaremos certamente desenvolvendo uma atividade interpretativa”.
(CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p.
128-129).
31
18
NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de direito tributário. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 11.
19
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 23.ed., São Paulo: Saraiva, 2011, p.
134.
20
BRASIL. Presidência da República. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema
Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e
Municípios. Brasília: DOU, 1966, artigo 11.
32
inclusive dos princípios constitucionais, de modo que não há como afastar a aplicação
dos princípios, ainda que a regra imponha uma “interpretação literal” ou “restritiva”.
Interessante a abordagem dos julgados abaixo:
21
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 14.400/SP. Relator: Ministro Demócrito
Reinaldo. Julgamento: 20 nov. 1991. Órgão Julgador: Primeira Turma. Publicação: DJ, 16 dez. 1991,
grifo nosso.
33
22
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 567.873/MG. Relator: Ministro Luiz
Fux. Julgamento: 10 fev. 2004. Órgão Julgador: Primeira Turma. Publicação: DJ, 25 fev. 2004, p.
120).
34
23
Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 8. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 103-
126.
24
O autor evidencia que esse percurso é um processo trilhado muitas vezes pelo intérprete até a
construção da norma jurídica, sendo difícil a identificação desse percurso na prática: “As mencionadas
incisões, como é obvio, são de caráter meramente epistemológico, não podendo ser vistas as fronteiras
dos subsistemas no trato superficial com a literalidade dos textos.” (CARVALHO, Paulo de Barros.
Curso de direito tributário. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 110). O sistema S4 também foi
introduzido em recente revisão da obra Direito tributário, 2010, op. cit., p. 119-126.
25
CARVALHO, 2011, op. cit., p. 142-143). Paulo de Barros Carvalho (ibid., p. 123), ainda, explica o
sistema S4: “Da mesma maneira que o subdomínio S3 é formado pela articulação de sentidos de
enunciados, recolhidos no plano S2, o nível S4 de elaboração é estrato mais elevado, que organiza as
normas numa estrutura escalonada, presentes laços de coordenação e de subordinação entre as
36
27
BARRETO, Paulo Ayres. Contribuições: regime jurídico, destinação e controle. 2. ed. São Paulo:
Noeses, 2011, p. 12.
28
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Discricionariedade e Controle Jurisdicional. 2. Ed. São
Paulo: Malheiros, 1993, p. 21, grifos do autor.
29
FERREIRO LAPATZA, José Juan. El estatuto del contribuyente y las facultades normativas de la
administración (Derecho Tributario y orden democrático). In: TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.).
Justiça Tributária. São Paulo: Max Limonad, 1988, p. 326-327.
30
Ibid., p. 322.
38
39
2.1 Introdução
153, § 3º, III, e 155, § 2º, X, a, que tratam do comércio exterior e estímulo às
exportações, dentre outros.
Além disso, como demonstração da ausência de uniformidade terminológica
quanto ao uso da expressão incentivos fiscais no Texto Constitucional, citamos o artigo
155, § 2º, XII, g, e o artigo 156, § 3º, III, que se utilizam dos termos isenções, incentivos
e benefícios fiscais para determinar que cabe à lei complementar instituí-los e revogá-
los. Do mesmo modo, o artigo 195, § 3º, proíbe que os contribuintes com débito com o
sistema da seguridade social recebam “benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios”.
Assim, podemos concluir que não foi ordenado e uniforme o tratamento dos
incentivos fiscais na Constituição Federal.
Todavia, ainda que ausente esta sistematização dos incentivos fiscais na
Constituição Federal, em se tratando de fundamento constitucional, buscaremos os
alicerces, isto é, qual o ensejo dado ao Constituinte para permitir a concessão dos
incentivos fiscais pelos entes da federação.
Trataremos dos princípios que balizam os incentivos fiscais no Capítulo 6, de
modo que, a seguir, apresentaremos o contexto constitucional em que os incentivos
fiscais estão inseridos.
31
“Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a
União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta
41
37
BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. Edição atualizada por Misabel Abreu Machado
Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 233.
38
NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos: contributo para a compreensão do
estado fiscal contemporâneo. Coimbra: Livraria Almedina, 1998, p. 629.
39
OLIVEIRA, Régis Fernandes de; HORVATH, Estevão. Manual de direito financeiro. 4. ed. rev.,
atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 59.
43
40
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito financeiro e tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2001,
p. 167.
41
CARVALHO, Paulo de Barros; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Guerra fiscal: reflexões sobre a
concessão de benefícios no âmbito do ICMS. São Paulo: Noeses, 2012, p. 37.
42
“Os problemas aqui mencionados, é verdade, extrapolam os limites da especulação jurídica. Formam,
no entanto, um substrato axiológico que, por tão próximo, não se pode ignorar. A contingência de
carecerem de positivação explícita não deve conduzir-nos ao absurdo de negá-los, mesmo porque
44
penetram a disciplina normativa e ficam depositados, implicitamente, nos textos do direito posto. O
intérprete do produto legislado, ao arrostar as tormentosas questões semânticas que o conhecimento da
lei propicia, fatalmente irá deparar-se com resquícios dessa intencionalidade que presidiu a elaboração
legal”. (CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 5. ed. São Paulo:
Noeses, 2013, p. 604).
43
Ibid., p. 604.
44
CARVALHO, Paulo de Barros; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Guerra fiscal: reflexões sobre a
concessão de benefícios no âmbito do ICMS. São Paulo: Noeses, 2012, p. 38-39.
45
Regime jurídico dos incentivos fiscais. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 4.
46
Ibid., p. 25.
45
47
CATÃO, Marcos André Vinhas. Regime jurídico dos incentivos fiscais. Rio de Janeiro: Renovar,
2004, p. 23.
48
ROTHMANN, Gerd Willi. Natureza, finalidade, interpretação e aplicação das normas tributárias
extrafiscais – conceitos de lucro da operação e de resultado operacional – classificação dos aluguéis
como receita operacional. Revista Direito Tributário Atual, São Paulo: Dialética, n. 23, p. 192-206,
2009.
46
49
ROTHMANN, Gerd Willi. Natureza, finalidade, interpretação e aplicação das normas tributárias
extrafiscais – conceitos de lucro da operação e de resultado operacional – classificação dos aluguéis
como receita operacional. Revista Direito Tributário Atual, São Paulo: Dialética, n. 23, p. 192-206,
2009.
47
Os incentivos fiscais, para nós, são normas jurídicas que atuam como fortes
instrumentos de extrafiscalidade, uma vez que o Estado poderá legislar sobre situações
para fomentar iniciativas de interesse público para incremento da produção de alguns
setores da economia, promovendo o desenvolvimento regional (e nacional),
especialmente se esse mecanismo for objeto de um manejo adequado pelo ente político.
50
GRUPENMACHER, Betina Treiger. Das exonerações tributárias. Incentivos e benefícios fiscais. In.:
______; CAVALCANTE, Denise Lucena; RIBEIRO, Maria de Fátima; QUEIROZ, Mary Elbe.
Novos horizontes da tributação: um diálogo luso-brasileiro. Coimbra: Almedina, 2012, p. 10-13, 43.
51
CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 27. ed., revista, ampliada
e atualizada até a Emenda Constitucional n. 67/2010. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 93-94.
52
XAVIER, Alberto. Manual de direito fiscal I. Lisboa: Manuais da Faculdade de Direito de Lisboa,
1974, p. 286.
48
53
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem
por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os
seguintes princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da
propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente,
inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e
de seus processos de elaboração e prestação; VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII
- busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte
constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. Parágrafo único.
É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de
autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.
54
Artigo 173 da CF e Artigo 174 da CF.
49
55
Demonstraremos, no Capítulo 3 do nosso trabalho, as teorias mais utilizadas na conceituação dos
incentivos fiscais, dentre elas a que considera os incentivos fiscais como normas tributárias de
indução.
56
TOLEDO, Gastão Alves de. O Direito Constitucional Econômico e sua Eficácia. Rio de Janeiro:
Renovar, 2004, p. 100.
57
GAMA, Tácio Lacerda. Contribuição de intervenção no domínio econômico. São Paulo: Quartier
Latin, 2003, p. 236.
58
“A ‘ordem econômica’ prescreve um conjunto de competências que podem ser exercidas pelo Estado
no domínio econômico”. (ibid., p. 238).
50
59
GAMA, Tácio Lacerda. Contribuição de intervenção no domínio econômico. São Paulo: Quartier
Latin, 2003, p. 237.
60
Ibid., p. 230.
61
“A referência ao tipo de linguagem serve para situar o ‘domínio econômico’ fora do sistema de direito
positivo. É linguagem descritiva, pois tem a função de relatar atividades desenvolvidas fora do
sistema jurídico”. (ibid., p. 231).
62
Ibid., p. 232-235.
63
Ibid., p. 232.
64
Ibid., p. 234.
65
Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 34.
51
66
SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de
Janeiro: Forense, 2005, p. 41.
67
Ibid., p. 43.
68
Ibid., p. 44.
52
Sobre as normas tributárias indutoras 70, Luís Eduardo Schoueri conclui que a
identificação delas a partir do atendimento ao princípio da capacidade contributiva é
falha porque a presença da finalidade indutora na norma tributária não exclui a
finalidade arrecadadora 71, sendo artificial, portanto, a oposição entre normas indutoras e
arrecadadoras 72 . Daí a razão por que referido estudioso toma as normas tributárias
indutoras por sua função, qual seja, a indutora, enquanto aspecto da norma tributária 73,
revelando um critério pragmático, pois se estuda o efeito indutor das normas tributárias
e não sua finalidade previamente determinada 74.
Do ponto de vista sintático, Luís Eduardo Schoueri explica que a função
indutora da norma tributária corresponde a um novo desdobramento da norma primária:
69
SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de
Janeiro: Forense, 2005, p. 44.
70
“A opção, neste estudo, pela referência às ‘normas tributárias indutores’, em lugar dos ‘tributos
indutores’ ou ‘tributos arrecadadores’ deve-se à premissa de que as últimas categorias dificilmente se
concretizariam, em sua forma pura. De um lado, por mais que um tributo seja concebido, em sua
formulação, como instrumento de intervenção sobre o Domínio Econômico, jamais se descuidará da
receita dele decorrente, tratando o próprio constituinte de disciplinar sua destinação. Fosse irrelevante
ou indesejada a receita proveniente dos chamados ‘impostos extrafiscais’, não haveria porque o
constituinte contemplá-la. Por outro lado, a mera decisão, da parte do legislador, de esgotar uma fonte
de tributação no lugar de outra implica a existência de ponderações extrafiscais, dado que o legislador
necessariamente considerará o efeito sócio-econômico de sua decisão. Afinal, de regra, o legislador
tributário não precisa valer-se de um ‘tributo indutor’ propriamente dito, para atingir suas finalidades,
preferindo antes adotar modificações motivadas por razões indutoras em normas tributárias
preexistentes”. (ibid., p. 16).
71
“A expressão ‘normas tributárias indutoras’, por outro lado, tem o firme propósito de não deixar
escapar a evidência de, conquanto se tratando de instrumentos a serviço do Estado na intervenção por
indução, não perderem tais normas a característica de serem elas, ao mesmo tempo, relativas a tributos
e portanto sujeitas a princípios e regras próprias do campo tributário”. (ibid., p. 34).
72
Ibid., p. 25, 29-30.
73
Ibid., p. 30.
74
Ibid., p. 40.
75
Ibid., p. 31.
53
76
Lançamento tributário. São Paulo: Max Limonad, 1996, p. 39-40.
77
Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa
exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade
administrativa plenamente vinculada.
78
Op. cit., p. 46.
79
“O antecedente da norma jurídica assenta-se no modo ontológico da possibilidade, que dizer, os
eventos da realidade tangível nele recolhidos terão de pertencer ao campo do possível. Se a hipótese
fizer a previsão de fato impossível, a consequência que prescreve uma relação deôntica entre dois ou
mais sujeitos nunca se instalará, não podendo a regra ter eficácia social. Estaria comprometida no lado
semântico, tornando-se inoperante para a regulação das condutas intersubjetivas. Tratar-se-ia de um
sem-sentido deôntico, ainda que pudesse satisfazer a critérios de organização sintática”.
(CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 5. ed. São Paulo: Noeses,
2013, p. 132-133).
80
SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de
Janeiro: Forense, 2005, p. 47.
54
81
SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de
Janeiro: Forense, 2005, p. 48-49.
82
Ibid., p. 54.
83
Ibid., p. 55.
84
Ibid., loc. cit.
85
Ibid., p. 57.
86
Ibid., p. 57-58.
55
87
SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de
Janeiro: Forense, 2005, p. 59.
88
BRASIL. Presidência da República. Lei Complementar n. 101, de 4 de maio de 2000. Lei de
Responsabilidade Fiscal. Estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na
gestão fiscal e dá outras providências. Brasília: DOU, 5 maio 2000.
89
Op. cit., p. 69.
90
Ibid., p. 106.
91
GAMA, Tácio Lacerda. Contribuição de intervenção no domínio econômico. São Paulo: Quartier
Latin, 2003, p. 239 et seq.
56
92
“Sempre que houver o preenchimento simultâneo de todos esses requisitos, o tipo de atuação que o
Estado desempenha na economia será ‘incentivo’. É nessa acepção, e somente nesta, que se poderá
falar em ‘intervenção do Estado na Economia’. Todos os demais casos são exemplos de atuação no
domínio econômico”. (GAMA, Tácio Lacerda. Contribuição de intervenção no domínio
econômico. São Paulo: Quartier Latin, 2003, p. 252).
57
3.1 Introdução
93
Teoria geral da isenção tributária. 3. ed., 3. tiragem. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 66.
94
Incentivo fiscal à cultura: do do-in antropológico à iconoclastia. 2010. Dissertação (Mestrado em
Direito) – Departamento de Direito Econômico e Financeiro, Universidade de São Paulo, São Paulo,
2010, cap. XVI.
60
95
O poder de não tributar: benefícios fiscais na constituição. São Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 94-
95.
96
“No presente trabalho não são estabelecidas distinções entre ambas as expressões, que designam,
indistintamente, as manifestações jurídicas de que se quer identificar como poder de não tributar em
sentido estrito. De todo modo, a fim de evitar que o uso repetido de ambos os termos pudesse
confundir ou prejudicar a compreensão das ideias ora desenvolvidas, optou-se, de forma proposital,
pela uniformização do texto pela adoção estipulativa da expressão benefícios fiscais. Não há razão
técnica especial para a escolha empreendida. Embora o termo “incentivos” talvez ressaltasse a
dimensão indutiva das exonerações tributárias, como instrumento de políticas extrafiscais, por outro
lado a expressão “benefícios fiscais” sugere conteúdo mais genérico e abrangente que, portanto, ao ser
menos diretamente orientado por um critério teleológico, melhor se coaduna com os propósitos deste
estudo”. (ibid., loc. cit., grifos do autor).
97
Ibid., p. 96.
61
98
CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 27. ed., revista, ampliada
e atualizada até a Emenda Constitucional n. 67/2010. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 93.
99
HERREIRA MOLINA, Pedro M. La exencion tributária, Madrid: Colex, 1990, p. 57 TÔRRES,
Heleno Taveira. Crédito Prêmio de IPI. São Paulo: Minha Editora; Manole, 2005, p. 161.
100
GRUPENMACHER, Betina Treiger. Das exonerações tributárias. Incentivos e benefícios fiscais. In.:
______; CAVALCANTE, Denise Lucena; RIBEIRO, Maria de Fátima; QUEIROZ, Mary Elbe.
Novos horizontes da tributação: um diálogo luso-brasileiro. Coimbra: Almedina, 2012, p. 12.
62
Federal, não haverá privilégios odiosos ou injustos, uma vez que a disciplina jurídica
desses institutos será dada pela própria Constituição, que legitimará sua aplicação.
Ainda nesse tema, quanto ao adjetivo odiosos, que se tem atribuído aos
101
incentivos fiscais, Heleno Taveira Torres , ao constatar o crescimento desse
fenômeno, considera se tratar de um triste equívoco, baseado em análise superficial de
casos de concessão de incentivos a empresas de médio e grande porte. Entende esse
estudioso que os incentivos têm por fim reduzir desigualdades, as quais, além de
funcionarem como único critério de discriminação admissível na seara fiscal, lastreiam
o princípio da capacidade contributiva em intensidade maior do que a própria igualdade.
José Souto Maior Borges 102, quando analisa o instituto das isenções, identifica
uma contradição naqueles que as consideram privilégios, ao mesmo tempo em que
defendem que sua concessão se subordine aos princípios constitucionais. Para se
caracterizar como privilégios, teriam que ser concedidas apenas a grupos de
contribuintes com capacidade contributiva, em atenção a seu status jurídico-político e
sem motivos econômicos ou sociais, com que violariam o princípio da isonomia
tributária. Portanto, sua justificativa seria política e impeditiva do controle jurisdicional,
no caso, da isenção-favor ou privilégio 103.
Embora sua origem envolva a concessão de privilégios, atualmente com eles
não se confundem, porque, como a sociedade não está mais dividida em classes
(nobreza, clero, burguesia) de maneira estanque como nos séculos anteriores 104 , o
sentido de “privilégio” perdeu sua razão de ser em face do interesse público que as
orienta. Mesmo nos casos de isenções subjetivas, o fundamento não é interesse
particular do destinatário, mas sim questões de ordem econômica, política e social 105.
Assim, tomar as isenções como privilégios parece, de certo modo, anacrônico,
sobretudo considerando o princípio da isonomia que concorre incisivamente para a
101
Prefácio. In: CATÃO, Marcos André Vinhas. Regime jurídico dos incentivos fiscais. Rio de Janeiro:
Renovar, 2004.
102
Teoria geral da isenção tributária. 3. ed., 3. tiragem. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 64-66.
103
“Considerada a isenção uma liberalidade, favor ou privilégio, segue-se que estaria ditada apenas por
motivos de conveniência e oportunidade, cuja apreciação é discricionariamente objeto de decisão
política do poder tributante, sem o mínimo de vinculação jurídica material, necessária para legitimar a
intervenção do poder judiciário, como último intérprete da constitucionalidade dos atos legislativos.
Se a isenção é um favor, somente ao poder que a estabelece compete apreciar o conteúdo do ato
legislativo de instituição. Introduzem-se, assim, inadvertidamente, critérios estritamente políticos na
análise jurídica desse instituto”. (ibid., p. 63, grifos do autor).
104
Ibid., p. 68.
105
Ibid., p. 69.
63
moderna definição de isenção. Ademais, ressalta o autor que a utilização das expressões
favor ou privilégio no tema de isenções traz imprecisões para o discurso científico.
Marcos André Vinhas Catão 106 reconhece a ilegitimidade dos incentivos
quando se apresentam como privilégios, exatamente por violarem princípios. Dentre
esses, o mais evidente seria a capacidade contributiva, dada sua proximidade com o
princípio da igualdade, tido pelo autor como um sobreprincípio. Violada a isonomia na
concessão de “privilégios” em vez de incentivos, violam-se também princípios gerais da
atividade econômica. Por fim, o autor aponta violação à liberdade na concessão de
incentivos ilegítimos, seja no tocante àquele que arcará com a tributação maior, seja
quanto ao próprio privilegiado, dado que esse privilégio custaria sua própria liberdade
por ensejar uma certa dependência em relação ao Estado e por tolher sua criatividade e
iniciativa 107.
Por fim, a concessão de incentivos fiscais, na visão desse estudioso, deve
nortear-se pela presença de interesse público, o que leva a considerar a moralidade e a
publicidade referidas no artigo 37, da Constituição Federal: caso contrário, o incentivo
passará a ser privilégio 108.
Verifica-se, então, que encontramos estudos que equiparam os incentivos
fiscais a benefícios fiscais, bem como outros que apresentam distinções entre as
expressões incentivos e benefícios fiscais.
No presente trabalho, considerando que buscamos a eliminação da
ambiguidade e vaguidade da expressão incentivos fiscais, optamos por não utilizar a
expressão benefícios fiscais, e sim utilizar o termo incentivos fiscais, conforme será
detalhado oportunamente.
106
Regime jurídico dos incentivos fiscais. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 16.
107
Ibid., p. 18-19.
108
Ibid., p. 43.
64
Embora não seja o objetivo deste tópico tratar a respeito da classificação dos
incentivos fiscais, uma vez que discorreremos sobre ela em tópico específico, a
abordagem feita pela doutrina em considerar incentivos fiscais como gênero já
pressupõe tratar-se também de uma classificação fornecida para o tema.
Betina Treiger Grupenmacher 109analisa os incentivos fiscais no sentido de que
estes compreendem as exonerações de qualquer natureza cuja finalidade seja estimular
certas atividades ou pessoas e que sejam vinculadas, normalmente, a uma contrapartida,
compreendendo isenções, créditos presumidos, reduções de base de cálculo e de
alíquota 110 . Nessas hipóteses, a autoridade fazendária, com base em lei ou contrato,
desonera, total ou parcialmente, o sujeito passivo do pagamento do tributo, sob
condição de que ele cumpra requisitos ou faça investimentos determinados.
Estevão Horvath e Julio Cesar Pereira 111 classificam os incentivos fiscais como
gênero que tem como uma de suas espécies as normas de isenção. Assim, entendem que
os incentivos fiscais não se restringem às formas de exclusão do crédito tributário, mas
englobam todo e qualquer instrumento que possa provocar, no sujeito passivo da
obrigação tributária, uma incitação de caráter pecuniário que, embora referente ao
pagamento do tributo, ultrapassa essa dimensão singular de cumprimento do dever
tributário exatamente por se destinar à concretização de um fim diferente desse.
Em outras palavras, os incentivos fiscais, que remetem à ideia de fomento,
proteção, acesso, trazem a marca da extrafiscalidade, já que seu emprego evidencia
109
GRUPENMACHER, Betina Treiger. Das exonerações tributárias. Incentivos e benefícios fiscais. In.:
______; CAVALCANTE, Denise Lucena; RIBEIRO, Maria de Fátima; QUEIROZ, Mary Elbe.
Novos horizontes da tributação: um diálogo luso-brasileiro. Coimbra: Almedina, 2012, p. 15.
110
A autora não considera subsídios e subvenções como incentivos ou benefícios tributários, porque se
trata de desembolsos feitos pelo Estado em favor de particulares, o que lhes retira a natureza tributária.
Apenas quando os subsídios se apresentam como créditos presumidos é que se revestem da natureza
tributária: nesses casos, não há um desembolso efetivo pelo Estado, mas, havendo concessão de um
crédito “fictício” cuja natureza é tributária, o subsídio pode ser considerado benefício ou incentivo
tributário. O diferimento, por sua vez, também não é tido, pela autora, como exemplo de incentivo ou
benefício fiscal, porque não há, numa visão global da tributação, diminuição da arrecadação, pois, em
algum momento, haverá o pagamento integral do tributo. Nessa hipótese, o Estado não perde receita e
ofende duplamente o princípio da capacidade contributiva, tanto perante o contribuinte que se
beneficia do diferimento, como diante daquele que arca com esse pagamento na etapa seguinte.
Somente se o diferimento for acompanhado de crédito presumido poderá ser considerado benefício
fiscal. Nos casos de alíquota zero e redução de base de cálculo ou alíquota, havendo desoneração da
carga tributária, mesmo que não completamente, têm-se benefícios fiscais. (ibid., p. 29 et seq.).
111
Notas sobre incentivo fiscal à cultura. In: PAULA JUNIOR, Aldo de et al. Congresso nacional de
estudos tributários: direito tributário e os conceitos de direito privado. São Paulo: Noeses, 2010. p.
345-363.
65
É sabido que a separação dos objetos em gêneros e espécies deve guiar-se pela
diferença específica. Assim, uma espécie de um gênero pode configurar uma nova
classe que ensejará nova classificação em espécie, passando a figurar, perante essa nova
espécie que engloba, como gênero.
Enquanto considera os incentivos fiscais como gênero em que se inserem as
espécies isenções, créditos presumidos e reduções de base de cálculo de alíquota, enfim,
exonerações tributárias de qualquer natureza criadas com a finalidade de incentivar
112
“Afinal, a destinação de recursos tributários a finalidades escolhidas pelo orçamento tem o mesmo
propósito do incentivo à cultura, objeto deste trabalho: o atingimento, por vias distintas de objetivos
de interesse público contemplados pelo Direito posto neste momento histórico”. (HORVATH,
Estevão; PEREIRA, Julio Cesar. Notas sobre incentivo fiscal à cultura. In: PAULA JUNIOR, Aldo de
et al. Congresso nacional de estudos tributários: direito tributário e os conceitos de direito privado.
São Paulo: Noeses, 2010, p. 361-362).
66
113
GRUPENMACHER, Betina Treiger. Das exonerações tributárias. Incentivos e benefícios fiscais. In.:
______; CAVALCANTE, Denise Lucena; RIBEIRO, Maria de Fátima; QUEIROZ, Mary Elbe.
Novos horizontes da tributação: um diálogo luso-brasileiro. Coimbra: Almedina, 2012, p. 16.
114
Ibid., p. 15.
115
Ibid., p. 12-13.
116
Ibid., p. 15.
117
Ibid., p. 17-18.
67
sistemática desse mesmo texto. Caso a ideia do instrumento seja estimular certa
atividade ou pessoa, identificaremos um incentivo fiscal; de outro modo, se vislumbrar
uma vantagem motivada pela política fiscal, teremos um benefício 118. Em todo caso, o
Estado tem de arcar por si só com o ônus financeiro (a diminuição da arrecadação)
decorrente da opção de estimular determinado setor da economia 119.
Especialmente sobre isenções, essa autora as classifica, juntamente com as
imunidades, como hipóteses de não incidência de direito, sendo ambas exemplos de
mecanismos de desoneração da carga tributária, despontando, no Brasil, as primeiras
como instrumento mais empregado para essa finalidade, ora configurando incentivos,
ora benefícios fiscais 120. Para ela, há casos de não incidência de fato (o fato concreto
não se adéqua à descrição normativa ou ainda não se realizou) e de não incidência de
direito, entre os quais se encontram as isenções e as imunidades, enquanto fatores
normativos (legais ou constitucionais) que impedem o fenômeno da incidência.
118
GRUPENMACHER, Betina Treiger. Das exonerações tributárias. Incentivos e benefícios fiscais. In.:
______; CAVALCANTE, Denise Lucena; RIBEIRO, Maria de Fátima; QUEIROZ, Mary Elbe.
Novos horizontes da tributação: um diálogo luso-brasileiro. Coimbra: Almedina, 2012, p. 18.
119
Ibid., p. 36.
120
Ibid., p. 25 et seq.
121
Regime jurídico dos incentivos fiscais. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 57 et seq.
122
“Antes de se constituírem em figura desonerativa típica, o crédito presumido é em verdade uma
técnica legislativa financeira para adequação do montante a ser tributado. […] Nesse contexto o
crédito presumido pode assumir natureza jurídica diversa, sendo por vezes um subsídio, uma
subvenção ou mera redução de base de cálculo”. (ibid., p. 71).
123
Curso de direito tributário. 9. ed. São Paulo: Dialética, 2010, p. 413-414.
68
124
“O Direito Premial denota singular característica jurídica no sentido de que os benefícios e as
recompensas são outorgadas, reguladas, e operacionalizadas sem a rigidez normativa. A elasticidade
na concessão de quaisquer incentivos fiscais em absoluto implica desrespeito ao consagrado postulado
da legalidade, significando peculiarmente que os princípios, critérios e procedimentos norteadores
desses benefícios (natureza financeira) não se revestem da mesma inflexibilidade das normas fiscais
(natureza tributária)”. (MELO, José Eduardo Soares de. Curso de direito tributário. 9. ed. São
Paulo: Dialética, 2010, p. 414, grifos do autor).
125
Curso de direito constitucional tributário. 27. ed., revista, ampliada e atualizada até a Emenda
Constitucional n. 67/2010. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 93-94.
69
126
Direito tributário. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 36-37.
70
127
“Ao afetar o comportamento dos agentes econômicos, o tributo poderá influir decisivamente no
equilíbrio antes atingido pelo mercado. As distorções daí decorrentes também haverão de ser
consideradas na análise da tributação”. (SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 3. ed. São
Paulo: Saraiva, 2013, p. 36).
128
FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Apresentação. In.: BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento
jurídico. Tradução de Ari Marcelo Solon São Paulo: Edipro, 2011, p. 26.
71
129
BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. Trad. Daniela
Beccaccia Versiani. Barueri: Manole, 2008, p. 6.
130
Muito embora saibamos que, ao proibir uma conduta p (Ph p), se está obrigando a conduta –p (O -p),
dada a interdefinibilidade dos modais deônticos: -P p ≡ O –p ≡ Ph p (ECHAVE, Delia Tereza;
URQUIJO, María Eugenia; GUIBOURG, Ricardo. Lógica, proposición y norma. Buenos Aires:
Astrea, 1995, p. 123).
131
Op. cit., p. 7.
132
“Uma análise dos ordenamentos jurídicos dos Estados modernos, a começar pelos documentos
constitucionais, em que o termo ‘promover’ suplantou ou colocou de lado o termo ‘garantir’, induz a
modificar a imagem tradicional do direito, ou, pelo menos, a perfilar ao seu lado uma nova, na qual a
função promocional se sobrepõe à função repressivo-protetiva. Isso não quer dizer que o direito não
tenha tido, inclusive no passado, além da função de repressão, também a função de promoção.
Contudo, o primeiro tipo de função sempre foi tão predominante que a maior parte das teorias do
direito não registraram, nas suas definições do direito, a função e promoção. Aliás, com frequência, a
distinção entre as duas funções serviu de critério para distinguir o direito de outros sistemas de
controle social […]”. (ibid., p. 135-136).
133
“Todavia, dado que entre essas tarefas é predominantemente a de dirigir a atividade econômica, é
igualmente inegável que o Estado moderno se vale cada vez mais das técnicas de encorajamento, além
das técnicas de desencorajamento que lhe eram habituais. Entre essas técnicas de encorajamento o uso
do aparelho jurídico (isto é, do sistema normativo coativo) assume um papel cada vez mais evidente,
não para tornar difíceis ou desvantajosos os comportamentos considerados nocivos à sociedade, mas
para tornar fáceis ou vantajosos os comportamentos considerados úteis, isto é, o uso das sanções
positivas. Isso é tão evidente que nos faz considerar agora inadequadas as teorias do direito que não as
levem em consideração, e desfocada a imagem essencialmente repressivo-protetiva, ainda
72
Dentro dessa perspectiva, sanção seria um gênero que comporta duas espécies:
as sanções negativas e as positivas 134. Embora o ordenamento repressor ainda seja uma
visão em voga, tem se tornado mais frequente o emprego de técnicas de encorajamento,
revelando a função promocional do direito ao lado da repressiva 135.
As condutas humanas são conformes ou desviantes daquilo que o ordenamento
prescreve. Pela técnica do desencorajamento, a prática de atos conformes é protegida, e
à de desviantes é atribuída uma consequência. Já pela técnica do encorajamento, além
de protegida, a prática de atos conformes é provocada, estimulada; os atos desviantes,
por sua vez, também são afetados por consequências 136.
Norberto Bobbio diferencia o ordenamento protetivo-repressivo do
ordenamento promocional, considerando que o primeiro se preocupa com as condutas
não desejadas, a fim de obstar sua prática, enquanto o segundo, ao contrário, se
preocupa com as condutas desejadas, inclusive para que elas sejam praticadas até
mesmo por quem normalmente não as realiza. Isso denota uma mudança de
paradigmas 137:
140
“Por técnica de facilitação, entendo o conjunto de expedientes com os quais um grupo social
organizado exerce um determinado tipo de controle sobre os comportamentos de seus membros (neste
caso, trata-se do controle que consiste em promover a atividade na direção desejada), não pelo
estabelecimento de uma recompensa à ação desejada, depois que esta tenha sido realizada, mas
atuando de modo que a sua realização se torne mais fácil ou menos difícil”. (BOBBIO, Norberto. Da
estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. Trad. Daniela Beccaccia Versiani. Barueri:
Manole, 2008, p. 30).
141
Ibid., p. 24-25.
142
“Na hipótese, a LC 101, art. 14, discrimina esses conceitos de direito tributário promocional”.
(BORGES, José Souto Maior. A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e sua inaplicabilidade a
incentivos financeiros estaduais. Revista Dialética de Direito Tributário, n. 63, dez. 2000, p. 95).
143
CARVALHO, Cristiano Rosa de. Sanções Tributárias. Uma visão estruturalista e funcionalista do
Direito. Latin American and Caribbean Law and Economics Association, jan. 2013. Disponível
em: <http://works.bepress.com/cristiano_carvalho/28>. Acesso em: 27 abril. 2014.
144
Ibid.
74
Por não serem excludentes, entende o autor 145 que a conjugação dessas
perspectivas de análise trará um quadro adequado do instituto sobre o qual volta suas
atenções: a primeira permite estudar a sanção pelo prisma lógico, enquanto a segunda
permite pesquisar como ela motiva o comportamento humano.
Com essas premissas, não podia ser outra sua definição de sanção jurídica:
maneira pela qual o Direito estimula que os indivíduos cumpram suas ordens. Mais do
que motivadores de comportamento, as sanções são, portanto, a principal maneira
através da qual o sistema jurídico preserva sua funcionalidade 146.
Sobre a estrutura lógica da norma jurídica completa, isto é, aquela em que
temos a norma primária e a norma secundária de caráter sancionatório, o autor destaca
que o vínculo entre elas é condicional, mas não no mesmo sentido da
“condicionalidade” que une o antecedente e o consequente de uma mesma norma
primária ou secundária 147.
A condição 148 , nesta última, é intranormativa, enquanto, para a norma
completa, é internormativa 149 . Neste modelo, a norma sancionatória tem caráter
punitivo, pois é a consequência do descumprimento da norma primária.
Contudo, há também as chamadas sanções premiais, além das sanções
punitivas; ambas visam à motivação das condutas intersubjetivas.
Até o século XX, os ordenamentos jurídicos utilizavam majoritariamente
sanções punitivas, dada sua atuação repressora. A partir do século XX, com o
surgimento do Estado Social (welfare state), os ordenamentos passaram a ter, além da
função repressora, uma atuação indutora, revelando o lado finalístico do Direito. Nessa
145
CARVALHO, Cristiano Rosa de. Sanções Tributárias. Uma visão estruturalista e funcionalista do
Direito. Latin American and Caribbean Law and Economics Association, jan. 2013. Disponível
em: <http://works.bepress.com/cristiano_carvalho/28>. Acesso em: 27 abril. 2014.
146
Ibid.
147
“Dizemos que há uma relação-de-ordem não-simétrica, a norma sancionadora pressupõe,
primeiramente, a norma definidora da conduta exigida. Também, cremos, com isso não ser possível
considerar a norma que não sanciona como supérflua. Sem ela, carece de sentido a norma
sancionadora. O Direito-norma, e sua integridade constitutiva, compõe-se de duas partes. […] As
denominações adjetivas ‘primária’ e ‘secundária’ não exprimem relações de ordem temporal ou
causal, mas de antecedente lógico para consequente lógico”. (VILANOVA, Lourival. As estruturas
lógicas e o sistema do direito positivo. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2010, p. 73-74).
148
CARVALHO, op. cit.
149
Sobre a estrutura da norma completa, confira-se capítulo 4.
75
esfera, nasceu o funcionalismo jurídico, que toma o Direito enquanto instrumento para a
concretização dos valores considerados importantes pela sociedade 150.
Nesse contexto, ao lado das sanções punitivas, que mantiveram seu status de
principal motivador das condutas inter-humanas, ganham atenção as sanções premiais,
enquanto formas também bastante úteis para incentivo dos comportamentos 151.
Se as sanções punitivas correspondem às sanções secundárias de que já
falamos, as sanções premiais diferem daquelas: se a norma secundária pressupõe um
descumprimento, aqui, diversamente, confere-se inicialmente uma escolha ao
destinatário da norma, o qual, dentre as opções dadas, é incentivado a cumprir uma das
alternativas, à qual está vinculada uma sanção premial.
Oferecem-se opções de conduta ao destinatário, e se atrela um prêmio ao
cumprimento de uma delas, qual seja, aquela que o legislador quer ver realizada e que é,
pela sanção premial, incentivada.
Nesse funcionamento, o caráter incentivador ou indutor da sanção premial resta
evidente. Diante disso, Cristiano Carvalho define a sanção premial como “um prêmio,
uma recompensa oferecida ao indivíduo de modo a incentivá-lo a escolher determinada
ação” 152.
Essa diferença de mecanismo é encontrada logo na conformação lógica dessa
sanção premial, que, segundo o autor 153, pode ser assim formalizada:
D[(p q w -q) . (q r)]
Nessa estrutura apresenta-se: “D” indicando o dever-ser caracterizador do
direito; “p” como hipótese de incidência; “q” e “-q” representam as opções de condutas
oferecidas ao destinatário, sendo “w” representativo do disjuntor excludente, pelo qual
uma ou outra das opções será realizada necessariamente, porém não se pode realizar as
duas ou não cumprir nenhuma delas; “r” indica a sanção premial.
Nota-se que a opção incentivada é a “q”, porque seu cumprimento implica ()
a sanção premial “r”. Na sanção punitiva, como se verá adiante, não há escolha por
150
CARVALHO, Cristiano Rosa de. Sanções Tributárias. Uma visão estruturalista e funcionalista do
Direito. Latin American and Caribbean Law and Economics Association, jan. 2013. Disponível
em: <http://works.bepress.com/cristiano_carvalho/28>. Acesso em: 27 abril. 2014.
151
Ibid.
152
Ibid.
153
Ibid.
76
parte do destinatário, mas apenas a obrigação de cumprir a conduta; caso contrário, ser-
lhe-á imposta a sanção punitiva.
Para Gregório Robles Morchón 154 , as chamadas sanções positivas não têm
caráter coativo, porque conceder um benefício ou um prêmio ao beneficiário de forma
coercitiva parece difícil: “Se isso acontecesse, o sujeito destinatário do benefício
evidentemente não o consideraria como tal, já que não seria objeto de seu desejo”.
Ele classifica as sanções positivas como um dos possíveis objetos da norma de
execução, a qual corresponde à norma que carrega o dever de realizar uma ação,
imposto ao órgão executivo pelo órgão de decisão:
Como ressalta Cristiano Carvalho 156, a grande questão a ser pensada é qual
desses tipos de sanção se mostra mais eficiente ao cumprimento das normas jurídicas.
Essa reflexão pode levar o legislador a avaliar mais adequadamente a racionalidade que
orienta os indivíduos quando do cumprimento das normas, de forma a estimular com
mais eficiência as condutas.
Sobre essa racionalidade, Cristiano Carvalho 157 cita autores que concluem que
é inerente ao ser humano buscar aumentar ao máximo seu bem-estar, e isso contribuiu
decisivamente para a evolução humana da pré-história aos dias atuais. Se, por um lado,
essa racionalidade é positiva, por outro, o autointeresse individual prejudica a
sociedade.
Pensemos nos bens públicos sustentados pelo tributo. Seu uso é caracterizado
pela não rivalidade e pela não exclusividade: o uso de um bem por uma pessoa não
impede nem pode impedir o uso pelas demais.
Essas características causam externalidades positivas, que são os efeitos que
ultrapassam as partes implicadas na relação jurídico-econômica, envolvendo os
154
As regras do direito e as regras dos jogos: ensaio sobre a teoria analítica do direito. Tradução de
Pollyana Mayer. São Paulo: Noeses, 2011, p. 201-202.
155
Ibid., p. 202.
156
CARVALHO, Cristiano Rosa de. Sanções Tributárias. Uma visão estruturalista e funcionalista do
Direito. Latin American and Caribbean Law and Economics Association, jan. 2013. Disponível
em: <http://works.bepress.com/cristiano_carvalho/28>. Acesso em: 27 abril. 2014.
157
Ibid.
77
terceiros beneficiados pelo bem público mesmo sem contribuir financeiramente para sua
consecução.
É nesse sentido que se diz, em economia (já que a classificação referida é da
ciência econômica), que os bens públicos são falhas de mercado: as pessoas de direito
privado não têm recursos necessários para produzir esses bens, razão por que são
cometidos ao Estado; este, por sua vez, busca os recursos através da tributação, além de
outras receitas.
Para o autor, esse é o retrato da compulsoriedade do tributo 158. Transferências
voluntárias de dinheiro ao Estado a fim de custear os bens públicos logo deixariam de
ser realizadas, tendo em vista o oportunismo gerado pelas externalidades positivas
(terceiros que acabam usando o bem mesmo sem ter pagado por ele). Assim, as
transferências são obrigatórias.
Através da analogia à teoria dos jogos e ao dilema do prisioneiro 159, Cristiano
Carvalho conclui que o que se passa com a tributação não é muito diferente. A
racionalidade que busca maximizar o bem-estar cede ao oportunismo, em vez de
continuar pagando os tributos, o que gera um aumento da carga tributária pela
redistribuição dos custos, num consequente efeito cíclico de incentivo a mais sonegação
fiscal 160.
158
CARVALHO, Cristiano Rosa de. Sanções Tributárias. Uma visão estruturalista e funcionalista do
Direito. Latin American and Caribbean Law and Economics Association, jan. 2013. Disponível
em: <http://works.bepress.com/cristiano_carvalho/28>. Acesso em: 27 abril. 2014.
159
“Dois acusados de serem cúmplices em um crime são mantidos isolados pela polícia, sem nenhuma
possibilidade de se comunicarem. Interrogados separadamente, aos prisioneiros são oferecidas as
seguintes alternativas: 1) se ambos confessarem o crime, serão sentenciados a cinco anos de prisão; 2)
se ambos negarem o crime, serão sentenciados a um ano de prisão (porque o promotor só conseguirá
provar um crime de menor importância); 3) se um confessar e o outro negar, o acordo com o promotor
é que aquele que tiver confessado ficará livre e o que tiver negado receberá dez anos de prisão. […]
No dilema acima, o jogo é de informação completa (os dois jogadores sabem as recompensas – ou
sanções – advindas de suas escolhas) e simultâneo (só é jogado uma vez, e as escolhas ocorrem sem
que um jogador saiba da escolha do outro, logo, não pode haver ameaças ou reciprocidades entre
eles). Por isso mesmo, cada jogador agirá levando em conta a possível escolha do outro, sendo que as
recompensas incentivam o oportunismo e desestimulam a cooperação, por falta de confiança mútua
suficiente. O resultado melhor para o grupo seria ambos negarem a autoria do crime, cuja recompensa
é a menor pena. Contudo, há o receio de fazer isso, pois o outro pode confessar (para sair livre),
aproveitando-se (pegando carona) daquele que nega a culpa, condenando este à pena máxima. Logo, a
escolha racional é ambos confessarem, acarretando o pior resultado para o grupo (porém não o pior
resultado individual)”. (ibid.).
160
“A única forma pela qual é possível condicionar comportamentos é por meio de punições ou prêmios,
pois estes são os principais incentivos processados pelo indivíduo racional. O direito tributário é o
segmento do sistema jurídico que mais acarreta a tensão entre a necessidade de obtenção de recursos
para a manutenção do Estado e a preservação da liberdade econômica individual, ou, em outras
palavras, o conflito entre o interesse público e o interesse particular. A adequada instituição de
78
Pela teoria da escolha racional, as pessoas realizam suas escolhas com base nas
vantagens e desvantagens que lhes advirão. Ou seja, a pessoa avalia a relação custo x
benefício, sendo considerada racional a escolha em que os benefícios superam os
custos.
Cristiano Carvalho 162 conclui que, no sistema jurídico, as sanções são tomadas
como preços a serem pagos quando da prática de ilícitos, e, por isso, esse sistema “é,
sobretudo, um sistema de preços normativos, sendo estes fixados pelas sanções”.
Marcos André Vinhas Catão, após explicar a doutrina de Norberto Bobbio,
conclui que as normas de promoção não condizem com o conceito de “sanção” colhido
no direito público ou privado. Em vista disso, trata as normas de incentivo fiscal como
normas de organização do Estado que têm função promocional sob o pálio da
extrafiscalidade, não qualificadas como sanção 163.
Analisando a natureza jurídica das normas de incentivo financeiro, José Souto
164
Maior Borges afirma que haverá incentivo estatal sempre que as atividades
particulares são estimuladas pelo Estado em razão das repercussões sociais que
provocam, merecendo esse incentivo, com base na interpretação global do ordenamento
sanções jurídicas é uma das formas de minorar esse conflito, evitando o indesejado efeito carona de
oportunistas em contribuintes adimplentes”. (CARVALHO, Cristiano Rosa de. Sanções Tributárias.
Uma visão estruturalista e funcionalista do Direito. Latin American and Caribbean Law and
Economics Association, jan. 2013. Disponível em: <http://works.bepress.com/cristiano_carvalho/28>.
Acesso em: 27 abril. 2014).
161
Ibid.
162
Ibid.
163
“Quer nos parecer assim, sob certa dogmática, absolutamente pertinentes as colocações do mestre
italiano, acrescentando aqui o modesto entendimento de que as normas de ‘promoção’, por refugirem
ao conceito de sanção do direito público ou privado, não se assemelham a uma verdadeira ‘sanção’
(positiva), criação esta que se justifica a partir de uma possível dificuldade de se admitir uma
categoria de norma sem sanção”. (Regime jurídico dos incentivos fiscais. Rio de Janeiro: Renovar,
2004, p. 8).
164
A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e sua inaplicabilidade a incentivos financeiros estaduais.
Revista Dialética de Direito Tributário, n. 63, dez. 2000, p. 82.
79
jurídico 165. Ele reconhece nessas normas uma função diversa das normas sancionatórias
negativas, qual seja, a função promocional 166:
Ainda nesse contexto, José Souto Maior Borges enxerga nos incentivos fiscais
não setoriais tal efeito estimulante 168.
Luís Eduardo Schoueri 169, ao tratar da diferença entre a intervenção por direção
e por indução sobre o domínio econômico, alerta que os incentivos fiscais demandam
165
“Logo, ao instituir o programa de apoio ao desenvolvimento econômico estadual, a norma
incentivadora coloca-se a serviço de um dos objetivos fundamentais da República Federativa do
Brasil, a promoção do desenvolvimento econômico e recebe fundamento de validade nos respectivos
preceitos constitucionais, que não veiculam simples normas, mas princípios e garantias fundamentais,
assim nomeados pela própria CF, no seu Título I”. (ibid., loc. cit., grifos do autor).
166
“Promover o cumprimento de atos socialmente desejáveis, como os atos impulsionadores do
desenvolvimento industrial, no âmbito de um determinado Estado-membro da federação brasileira,
corresponde ao exercício da função promocional. Consiste numa técnica de encorajamento, i.é, de
estímulo a uma atividade empresarial com vistas ao desenvolvimento econômico estadual. É
precisamente quando o Estado pretende encorajar uma atividade determinada, p. ex., econômica, que
ele se vale de um incentivo, constituído por um subconjunto de normas estimulantes, destacado das
demais normas do ordenamento tributário, porque visam estimular a atividade e não reprimi-la, como
sucede nas tradicionais sanções negativas ou repressivas”. (ibid., p. 81-82, grifos do autor).
167
Ibid., p. 81.
168
“O subconjunto dos incentivos fiscais não-setoriais é composto por normas integrativas da CF a que
são constitucionalmente imputados efeitos estimulantes pela inexigibilidade de convalidação legal, em
contraposição aos efeitos repressivos (melhor dito: desestimulantes) dos incentivos fiscais setoriais
(= exigência de revalidação legal). Facilitando o inter-relacionamento sintático dos incentivos fiscais
não-setoriais com ela própria, pela dispensa de revalidação, a CF assume uma função promocional ou
de estímulo do comércio exterior (supra, 4.2). Essa facilitação consiste na dispensa de reavaliação e
confirmação – exigíveis apenas para os incentivos setoriais. Porém o desestímulo constitucional aos
incentivos fiscais setoriais é tênue, eis que não se trata de atos ilícitos”. (BORGES, José Souto Maior.
Sobre o crédito-prêmio à exportação. Revista Dialética de Direito Tributário, n. 112, p. 87-88, jan.
2005).
169
“Do ponto de vista constitucional, a oposição entre privilégio e prêmio exige uma análise mais detida
de ambas as medidas. Conquanto tanto a intervenção por indução quanto por direção sejam
compatíveis, em princípio, com o ordenamento constitucional, importa ver que atuam de modo
diverso, implicando, também, diferentes ponderações constitucionais, seja no que tange à limitação da
liberdade, seja no princípio da proporcionalidade. […] Assim, normas obrigatórias ou proibitivas
implicam evidente limitação da liberdade individual. O rígido controle constitucional de tais medidas
é imediato”. (Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de Janeiro: Forense,
2005, p. 50).
80
A meu ver, isso cria a impressão de que, no uso das sanções positivas,
o agente sancionador restringe sua própria força, uma vez que não
ameaça, mas encoraja; “embora”, ao que parece, aqui se colocasse a
importante questão de se saber se, no caso das técnicas de
encorajamento, “a autonomia da vontade não estaria sendo sutilmente
escamoteada”, implicando o reconhecimento de que o Estado com
função promocional (Estado regulador) desenvolve formas de poder
ainda mais amplas do que o Estado protetor das liberdades. Isto é, ao
prometer, via subsídios, incentivos e isenções, ele substitui o mercado
e a sociedade no modo de “controlar” (no sentido amplo da palavra) o
comportamento.
Não bastasse isso, a carga tributária dos contribuintes não beneficiados por tais
incentivos é aumentada com a redução por eles implicada, o que denuncia o interesse de
toda a sociedade em ver tais medidas controladas 171.
Nesse mesmo contexto, referido autor analisa os desestímulos ou proibições.
Para ele, embora o artigo 174 da Constituição Federal não empregue o termo
desincentivo, não se pode concluir que medidas desse jaez estejam proibidas, pois um
desincentivo é apenas o outro lado da moeda do incentivo, isto é, “ao incentivar uma
atividade, o Estado ‘desincentiva’ outras” 172.
E os desincentivos exigem o mesmo controle constitucional dos incentivos.
Como exemplo, Luís Eduardo Schoueri cita a possibilidade levantada por outros autores
de que as normas tributárias indutoras podem significar um prêmio aos contribuintes
com maior capacidade econômica, fortalecendo-os perante os demais em termos de
concorrência. Isso porque esses contribuintes mais abastados podem investir com vistas
a otimizar sua produção, ao passo que os de menor capacidade econômica acabarão
deixando tais investimentos para cumprir as obrigações tributárias que os atingem de
170
FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Apresentação. In.: BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento
jurídico. Tradução de Ari Marcelo Solon São Paulo: Edipro, 2011, p. 28.
171
“Por tais razões, fica clara a necessidade de estrito controle dos benefícios concedidos, seja pelo
controle sobre os próprios beneficiados, seja porque, afinal, terceiros afetados não necessariamente
exerceram qualquer escolha, antes de serem colocados em situação desvantajosa”. (SCHOUERI, op.
cit., p. 51).
172
Ibid., p. 52.
81
173
SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de
Janeiro: Forense, 2005, p. 54.
174
Ibid., loc. cit.
175
“Há pontos de contacto entre incentivos tributários e financeiros. Por exemplo, ambos são medidas
para execução de uma política pública incentivadora das atividades econômicas dos particulares.
Ambos são instituídos e efetivados com a adoção de sanções premiais (qualificação não de todo
precisa, mas doutrinariamente consagrada), cuja finalidade não é a de coibir a atividade, mas a de
estimulá-la. Ficam por aí entretanto os pontos de semelhança – não há identidade do regime jurídico”.
(BORGES, José Souto Maior. A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e sua inaplicabilidade a
incentivos financeiros estaduais. Revista Dialética de Direito Tributário, n. 63, dez. 2000, p. 97,
grifos do autor).
82
4.1 Introdução
176
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 8. ed. rev.
São Paulo: Saraiva, 2010, p. 110-112.
85
177
Neste sentido, Tácio Lacerda Gama (Competência tributária: fundamentos para uma teoria da
nulidade. 2. ed. revista e ampliada. São Paulo: Noeses, 2011, p. 57).
178
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 5. ed. São Paulo: Noeses,
2013, p. 188.
179
“A norma jurídica tem sido, muitas vezes, o ponto de referência para importantes construções
interpretativas do direito”. (ibid., p. 126).
180
“Devo esclarecer, contudo, que a visão normativa a que me refiro não pretende assumir caráter
absoluto que a levaria, certamente, ao ‘normativismo’, entendido o termo como algo excessivo, que se
põe logo em franca competição com outros esquemas de compreensão, afastando iniciativas
epistemológicas que se dirigem aos diferentes setores de que se compõe o fenômeno. A teoria da
norma de que falo há de cingir-se à manifestação do deôntico, em sua unidade monádica, no seu
arcabouço lógico, mas também em sua projeção semântica e em sua dimensão pragmática,
examinando a norma por dentro, num enfoque intranormativo, e por fora, nua tomada extranormativa,
norma com norma, na sua multiplicidade finita, porém indeterminada”. (ibid., p. 127).
181
Ibid., p. 128.
86
182
“Fixemos aqui um marco importante: quando se proclama o cânone da ‘homogeneidade sintática’ das
regras do direito, o campo de referência estará circunscrito às normas em sentido estrito, vale dizer,
aquelas que oferecem a mensagem jurídica com sentido completo (se ocorrer o fato F, instalar-se-á a
relação deôntica R entre os sujeitos S’ e S”), mesmo que essa completude seja momentânea e relativa,
querendo significar, apenas, que a unidade dispõe do mínimo indispensável para transmitir uma
comunicação de dever-ser. E mais, sua elaboração é preparada com as significações dos meros
enunciados do ordenamento, o que implica reconhecer que será tecida com o material semântico das
normas jurídicas em sentido amplo”. (CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem
e método. 5. ed. São Paulo: Noeses, 2013, p. 129).
183
“Em simbolismo lógico, teríamos: D[f(S’ R S”)], que se interpreta assim: deve-ser que, dado o fato
F, então se instale a relação jurídica R, entre os sujeitos S’ e S”. Seja qual for a ordem advinda dos
enunciados prescritivos, sem esse esquema formal inexistirá possibilidade de sentido deôntico
completo”. (ibid., p. 40).
184
Ibid.13, p. 137.
185
“Havendo grande similitude entre as proposições tipificadoras de classes de fatos, como é a hipótese
normativa, e aquel’outras cognoscentes do real, seus traços individualizadores não se evidenciam, à
primeira vista. Uma observação lógica, contudo, pode dar bem a dimensão do antecedente em face de
proposições que dele se aproximem: a hipótese, como a norma na sua integralidade, pressupõe-se
como válida antes mesmo que os fatos ocorram, e permanece como tal ainda que os mesmos eventos
(necessariamente possíveis) nunca venham a verificar-se no plano da realidade. Paralelamente, diante
de um enunciado declarativo ou teorético, teremos de aguardar o teste empírico para então expedirmos
juízo de valor lógico sobre a proposição correspondente. Só depois da experiência será possível dizer
da verdade ou falsidade dos enunciados descritivos, ressalvando-se, por certo, aqueles tautológicos e
os contraditórios”. (ibid., p. 133).
87
192
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 5. ed. São Paulo: Noeses,
2013, p. 132, 134.
193
Teoría del derecho (fundamentos de teoría comunicacional del derecho). v. I. Madrid: Civitas, 1998,
p. 183-206.
89
trabalhe muitas vezes com enunciados descritivos, a função prescritiva que opera
mediante “dever-ser” (deôntico) está inexoravelmente presente na linguagem jurídica.
Dentro do contexto da regulação das condutas humanas intersubjetivas pelo
direito, com coercitividade, tem-se a inexistência de regras jurídicas sem as
correspondentes normas sancionatórias 194, razão por que se diz que as normas jurídicas
têm feição dúplice, aparecendo aos pares em normas primárias e secundárias, formando
a dita norma jurídica completa:
194
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 5. ed. São Paulo: Noeses,
2013, p. 138.
195
Ibid., p. 139.
196
“Estas linhas deixam manifesta a distinção entre a h.i. – descrição legal hipotética dos fatos aptos a
determinarem o nascimento de obrigações tributárias – e fato imponível, como concretização,
realização efetiva dos fatos descritos. […] Fato imponível é o fato concreto, localizado no tempo e no
espaço, acontecido efetivamente no universo fenomênico, que – por corresponder rigorosamente à
descrição prévia, hipoteticamente formulada pela h.i. legal – dá nascimento à obrigação tributária”.
(ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6. ed., 9. tiragem. São Paulo: Malheiros,
2012, p. 67-68).
197
“Pudemos relevar, outrossim, que argutos conhecedores têm se limitado à apreciação do antecedente
normativo, ao qualificar as normas jurídicas de gerais e individuais, abstratas e concretas. Apesar da
fecundidade de notações, a redução não se justifica. A diferença repousa em que a compostura da
norma reclama atenção para o consequente: tanto pode haver indicação individualizada das pessoas
envolvidas no vínculo como pode existir alusão genérica aos sujeitos da relação. Uma coisa é certa: é
possível que o antecedente descreva fato concreto, consumado no tempo e no espaço; com o
90
Isso nos permite vislumbrar quatro combinações possíveis, quais sejam: norma
geral e abstrata, norma geral e concreta, norma individual e abstrata e, por fim, norma
individual e concreta 198.
Norberto Bobbio 199 cita conhecida distinção das proposições em universais e
singulares. As proposições universais são aquelas cujo sujeito está apresentado como
uma classe, enquanto as proposições singulares têm como sujeito um indivíduo
específico.
Na sequência, Norberto Bobbio 200 toma as chamadas normas gerais como
aquelas universais em relação aos destinatários, a que se contrapõem as normas
individuais, cujo destinatário é um indivíduo singular. Do mesmo modo, toma as
normas abstratas como universais em relação à ação, às quais se contrapõem às normas
concretas que regulam uma ação singular.
Comentando o entendimento das características da generalidade e da abstração
como essenciais a toda norma jurídica, Bobbio 201 considera que tal posicionamento
tenha origem ideológica em vez de lógica, porque a generalidade e a abstração, em um
plano ideal, ou seja, não correspondente à realidade, dariam à norma a justiça que tanto
se deseja, tornando mais do que jurídica, porque a generalidade e a abstração não seriam
requisitos exatamente da norma jurídica, mas da norma justa, em referência a um plano
ideal de justiça 202.
consequente, porém, será isso impossível, uma vez que a prescrição da conduta devida há de ser posta,
necessariamente, em termos abstratos. Briga com a concepção jurídico-reguladora de comportamentos
intersubjetivos imaginar prescrição de conduta que já se consolidou no tempo, estando, portanto,
imutável. Seria um sem-sentido deôntico”. (CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário:
linguagem e método. 5. ed. São Paulo: Noeses, 2013, p. 140).
198
“A doutrina tradicional, ao versar sobre o tem, restringe a análise da norma apenas ao seu antecedente,
efetuando reprovável reducionismo. Se a norma possui estrutura lógica do condicional, imperioso se
faz a verificação das duas proposições componentes – o antecedente e o consequente”.
(MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Fontes no direito tributário. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2006, p.
88).
199
Teoria da norma jurídica. Trad. Fernando Pavan Baptista e Ariani Bueno Sudatti. Apresentação
Alaôr Caffé Alves. 5. ed. revista. São Paulo: Edipro, 2012, p. 178.
200
“Assim, aconselhamos falar em normas gerais quando nos encontramos frente a normas que se
dirigem a uma classe de pessoas, e em normas abstratas quando nos encontramos frente a normas que
regulam uma ação tipo (ou uma classe de ações)”. (ibid., p. 180, grifos do autor).
201
Ibid., p. 181.
202
“Se refletirmos sobre o quanto tenha inspirado a moderna concepção do Estado de direito a ideologia
da igualdade e da certeza frente à lei, não será mais difícil dar-se conta do estreitíssimo nexo
intercorrente entre a teoria e a ideologia, e compreender, portanto, o valor ideológico da teoria da
generalidade e abstração, que tende não a descrever o ordenamento jurídico real, mas a prescrever
regras para tornar o ordenamento jurídico ótimo, aquele em que todas as normas fossem em seu
conjunto gerais e abstratas”. (ibid., p. 182).
91
A começar pela generalidade, uma prescrição geral seria mais apta de realizar a
igualdade, já que, se nem toda norma individual constitui um privilégio, todo privilégio
se outorga mediante uma norma individual. Dirigida a todos os cidadãos sem distinção,
a norma geral garantiria a igualdade.
A abstração, por sua vez, seria garantia da certeza, já que o cidadão saberia
previamente a regulação jurídica de seu comportamento, não se sujeitando a arbítrios
eventuais 203. Para ele, um ordenamento nesses moldes dificilmente subsistiria, o que
confirma seja apenas um ideal; ademais,
203
BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. Trad. Fernando Pavan Baptista e Ariani Bueno
Sudatti. Apresentação Alaôr Caffé Alves. 5. ed. revista. São Paulo: Edipro, 2012, p. 182.
204
Ibid., p. 182-183.
205
“Na verdade, como a h.i. é um conceito (legal), não tem nem pode ter as características do objeto
conceituado (descrito), mas recolhe e espelha certos caracteres, isolados do estado de fato
conceituado, dele extraídos, na medida necessária ao preenchimento da função técnico-jurídica que
lhe é assinalada, com categoria jurídica conceitual-normativa”. (ATALIBA, Geraldo. Hipótese de
incidência tributária. 6. ed., 9. tiragem. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 61).
206
“Subsunção é o fenômeno de um fato configurar rigorosamente a previsão hipotética da lei. Diz-se
que um fato se subsume à hipótese legal quando corresponde completa e rigorosamente à descrição
que dele faz a lei”. (ibid., p. 69).
92
descritos no antecedente de norma abstrata 207 , como sabido, é uma das operações
formais que explicam, em nível lógico, o fenômeno da incidência jurídica 208.
A outra operação que integra a incidência normativa é a implicação do
consequente pelo antecedente, que, formalizada, é assim expressa: (F ϵ Hn) Rj,
significando que se o fato F pertence à classe da hipótese normativa (Hn), então deve
ser () a relação jurídica (Rj) 209.
Essa recordação do fenômeno da incidência 210 ao tratarmos do tema das
normas gerais/individuais e abstratas/concretas é justificada na medida em que
207
Diz-se que o fato, assim, se subsume à imagem abstrata da lei. Por isso, se houver subsunção do fato à
h.i., ele será fato imponível. Se não houver subsunção, estar-se-á diante de fato irrelevante para o
direito tributário”. (ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6. ed., 9. tiragem. São
Paulo: Malheiros, 2012, p. 68).
208
“Aquilo que se convencionou chama de ‘incidência’ é, no fundo, uma operação lógica entre conceitos
conotativos (da norma geral e abstrata) e conceitos denotativos (da norma individual e concreta). […]
Exatamente porque se dá entre conceitos de extensão diversa, tal operação é conhecida como
‘inclusão de um elemento’ (o fato protocolarmente identificado) na classe correspondente, expressa no
enunciado contativo da hipótese tributária. Utiliza-se também a palavra ‘subsunção’ para fazer
referência a esse processo do quadramento do fato na ambitude da norma”. (CARVALHO, Paulo de
Barros. Direito tributário: linguagem e método. 5. ed. São Paulo: Noeses, 2013, p. 153).
209
Ibid., p. 31).
210
“O fenômeno da incidência normativa opera, pois, com a descrição de um acontecimento do mundo
físico-social, ocorrido em condições determinadas de espaço e tempo, que guarda estreita consonância
com os critérios estabelecidos na hipótese da norma geral e abstrata (regra-matriz de incidência). Por
isso mesmo, a consequência desse enunciado será, por motivo de necessidade deôntica, o surgimento
de outro enunciado protocolar, denotativo, com a particularidade de ser relacional, vale dizer,
instituidor de uma relação entre dois ou mais sujeitos de direito. Este segundo enunciado, como
sequência lógica e não cronológica, há de manter-se, também, em rígida conformidade ao que for
estabelecido nos critérios da consequência da norma geral e abstrata. Em um, na norma geral e
abstrata, temos enunciado conotativo; em outro, na norma individual e concreta, um enunciado
denotativo. Ambos, com a prescritividade inerente à linguagem jurídica”. (ibid., p. 142).
211
Ibid., p. 141.
212
“Ao lado das normas gerais e abstratas, coexiste imensa gama de normas individuais e concretas. Sem
estas, a conduta humana restaria não regulada em virtude de aquelas não terem condições efetivas de
atuação em um caso materialmente definido”. (MOUSSALLEM, Tárek Moysés. MOUSSALLEM,
Tárek Moysés. Fontes no direito tributário. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2006, p. 88).
93
213
“Quando faço alusão ao conteúdo do ato competencial introdutor de norma, estou me referindo à
conduta autorizada do sujeito competente da norma introdutora, isto é, à norma ou às normas gerais e
abstratas, gerais e concretas, individuais e concretas ou individuais e abstratas, inseridas no
ordenamento por força da juridicidade da regra introdutora. Essas normas introduzidas são a própria
substância da norma introdutora. Isto implica reconhecer que, sem tal núcleo de significação, o
veículo introdutor fica oco, vazio, perdendo o sentido de sua existência”. (CARVALHO, Paulo de
Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 8. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2010,
p. 59).
214
Ibid., p. 142.
94
conduta serão todas aquelas que disciplinam as relações intersubjetivas, isto é, que
determinam a conduta aos seus destinatários 215.
Paulo de Barros Carvalho 216 afirma:
215
“Até aqui, ao falar de normas que compõem um ordenamento jurídico, referimo-nos a normas de
conduta. Em todo ordenamento, ao lado das normas de conduta, existe um outro tipo de normas, que
costumamos chamar de normas de estrutura ou de competência. São aquelas normas que não
prescrevem a conduta que se deve ter ou não ter, mas as condições e os procedimentos por meio dos
quais emanam normas de conduta válidas. Uma norma que prescreve caminhar pela direita é uma
norma de conduta; uma norma que prescreve que duas pessoas estão autorizadas a regular seus
interesses em certo âmbito mediante normas vinculantes e coativas é uma norma de estrutura, na
medida em que não determina uma conduta mas fixa as condições e os procedimentos para produzir
normas válidas de conduta. Vimos até agora que não é concebível um ordenamento jurídico composto
de uma só norma de conduta. Perguntamos: é concebível um ordenamento composto de uma só norma
de estrutura? Um ordenamento desse tipo é concebível. Geralmente, assim se considera o
ordenamento de uma monarquia absoluta, em que todas as normas parecem poder ser condensadas na
seguinte: ‘É obrigatório tudo aquilo que o soberano ordena’. Por outro lado, que um tal ordenamento
tenha uma só norma de estrutura não implica que também haja apenas uma norma de conduta. As
normas de conduta são tantas quantas forem em dado momento as ordens do soberano. O fato de
existir uma só norma de estrutura tem por consequência a extrema variabilidade de normas de conduta
no tempo, e não a exclusão de sua pluralidade em determinado tempo”. (BOBBIO, Norberto. Teoria
do ordenamento jurídico. Tradução de Ari Marcelo Solon São Paulo: Edipro, 2011, grifos do autor).
216
Curso de direito tributário. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 187).
217
LINS, Robson Maia (Controle de constitucionalidade da norma tributária – Decadência e
prescrição. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 57); EURICO MARCOS DINIZ DE SANTI
(Lançamento tributário. São Paulo: Max Limonad, 1996, p. 43) classifica as normas, baseado em
sua estrutura sintática, em normas primárias dispositivas, primárias sancionadoras e secundárias.
95
José Souto Maior Borges 221 ensina que a Constituição Federal, ao mesmo
tempo em que atribui competência para tributar, permite e, por vezes, programa o não
218
BARRETO, Paulo Ayres. Contribuições: regime jurídico, destinação e controle. 2. ed. São Paulo:
Noeses, 2011, p. 7.
219
QUEIROZ, Luiz Cezar Souza. Sujeição passiva tributária. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 67.
220
MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Fontes no direito tributário. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2006, p. 80).
221
Teoria geral da isenção tributária. 3. ed., 3. tiragem. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 31.
96
exercício dessa aptidão através da isenção, sem prejuízo dos princípios constitucionais
tributários que devem lastrear essa atividade.
Em paralelo a esse ensinamento, depreendemos que a instituição dos incentivos
fiscais, pelo ordenamento constitucional tributário, está sujeita a condicionamentos
idênticos aos que são estabelecidos para a instituição de tributos. Torna-se manifesta,
assim, a interligação entre o regime jurídico do tributo e o dos incentivos fiscais, dado
que o poder de instituir incentivos fiscais é, nada mais, do que o próprio poder de
tributar visto ao inverso.
Hermano Notaroberto Barbosa 222 trata o que denomina “poder de não tributar”
como categoria jurídica autônoma, revelada pela possibilidade de o ente político, após
receber a competência tributária, não exercê-la ou fazê-lo parcialmente. No seu
entender, tal poder tem natureza de direito constitucional público patrimonial.
Referido autor separa o poder de não tributar em sentido amplo do poder de
não tributar em sentido estrito: aquele, nos casos em que o ente, tendo recebido a
competência tributária, não a exerce; este, manifestado quando do exercício parcial da
competência tributária, com os benefícios fiscais ou incentivos fiscais, efetivados
juridicamente por modalidades diferentes 223.
Em vista disso, apresentamos alguns aspectos gerais sobre a competência
tributária, entendida como a aptidão para legislar sobre matéria tributária, produzir
normas jurídicas sobre tributos. Trata-se de tema constitucional, sendo uma fração da
possibilidade de inovar no ordenamento jurídico em assuntos tributários atribuída às
pessoas políticas.
Assim, exercita-se através do processo legislativo, nas esferas federal, estadual,
municipal e distrital, com a elaboração, promulgação e publicação da lei (em sentido
amplo), que passa a integrar o ordenamento e disciplinar a conduta intersubjetiva.
Relaciona-se à forma federativa do Estado, adotada no Brasil.
Como anota Luis Eduardo Schoueri 224:
222
O poder de não tributar: benefícios fiscais na constituição. São Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 83.
223
Ibid., p. 85-88.
224
Discriminação de competências e competência residual. In: ______; ZILVETI, Fernando Aurélio
(Coords.). Direito tributário: estudos em homenagem a Brandão Machado, São Paulo: Dialética,
1998, p. 83.
97
Tácio Lacerda Gama 226, atento aos diversos sentidos da expressão, classifica as
competências em legislativas, abrangendo a criação de leis ou atos normativos, e
infralegislativas, isto é, as competências administrativa, jurisdicional e privada. O
objetivo é manter o equilíbrio entre a generalidade da forma e o casuísmo de analisar
cada uma das competências tributárias.
Acerca das características da competência tributária impositiva no
ordenamento jurídico pátrio, costuma-se apontar as seguintes: a) indelegabilidade;
b) irrenunciabilidade; c) incaducabilidade; d) inalterabilidade; e) privatividade; e
f) facultatividade.
Para Paulo de Barros Carvalho 227 , apenas três características se sustentam,
quais sejam, a indelegabilidade, a irrenunciabilidade e a incaducabilidade. Conforme
225
Direito tributário: linguagem e método. 5. ed. São Paulo: Noeses, 2013, p. 236.
226
Competência tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. 2. ed. revista e ampliada. São
Paulo: Noeses, 2011, p. 230-231.
227
Curso de direito tributário. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 274 et seq.
98
observa Tácio Lacerda Gama 228, os diálogos travados entre Paulo de Barros Carvalho e
Roque Antônio Carrazza conduziram a algumas modificações na classificação das
características acima indicadas.
A indelegabilidade, na lição de Roque Antônio Carrazza 229 , refere-se à
titularidade de seu exercício, e não à sua disponibilidade. As competências são
intransmissíveis. Na parafiscalidade, não se transfere a competência tributária, mas a
capacidade tributária ativa e a disponibilidade do produto arrecadado, ou seja, a
parafiscalidade é analisável após o exercício da competência. Ainda, a delegação de
competências é incompatível com a rígida discriminação constitucional.
A irrenunciabilidade consiste na impossibilidade de a pessoa política
competente tornar res nullius a sua competência. Acaso renunciável, teríamos outra
incompatibilidade com a discriminação constitucional de competências, dada sua
rigidez.
A incaducabilidade refere-se à ausência de prazo para seu exercício, podendo a
pessoa competente exercê-la conforme suas decisões políticas, não sujeitas a controle
jurisdicional.
A competência tributária é a aptidão para legislar em matéria tributária, ou seja,
instituir tributos com a descrição da regra-matriz de incidência correspondente ou,
ainda, majorá-los, alterando as bases de cálculos e alíquotas, no critério quantitativo do
consequente.
Considerando que legislar é inovar, não se admite que a Constituição tenha
estabelecido um prazo para o exercício da competência. Assim, pode o Poder
Legislativo competente criar leis, inovando na ordem jurídica, conforme lhe aprouver.
A inalterabilidade traduz a impossibilidade de modificação da competência
pela pessoa política, que deve exercitá-la nos termos traçados pela Constituição. Roque
Antônio Carrazza assevera que a competência pode ser modificada através de emenda
constitucional, que “venha a redefinir as fronteiras dos campos tributários das pessoas
políticas” 230. Entretanto, o constituinte derivado deve cuidar para não afrontar a forma
federativa do Estado, cláusula pétrea resguardada no artigo 60, § 4º, I, da Constituição
228
Competência tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. 2. ed. revista e ampliada. São
Paulo: Noeses, 2011, p. 278 et seq.
229
Curso de direito constitucional tributário. 27. ed., revista, ampliada e atualizada até a Emenda
Constitucional n. 67/2010. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 670.
230
Ibid., p. 675.
99
Federal, porque, ao reduzir a competência de certo ente político, pode acabar retirando-
lhe a autonomia financeira e, por conseguinte, sua autonomia jurídica. Critica-se a
inalterabilidade como característica universal da competência diante da possibilidade de
modificação pelo poder reformador: a alteração excepcional via emenda constitucional
afasta a regra/característica da inalterabilidade.
A privatividade manifesta-se no fato de que cada pessoa política tem sua
competência exclusiva. Desse modo, podemos falar na cláusula vedatória implícita, pela
qual a Constituição, ao dar competência a um ente político, ao mesmo tempo nega essa
competência aos demais. A crítica que se faz a essa característica é de que apenas a
União tem competência exclusiva, uma vez que ela poderá instituir impostos de
competência dos demais entes, nas hipóteses dos artigos 147 e 154, II, da Constituição
Federal. Essas exceções, portanto, derrubam a afirmação universal da privatividade
como característica.
Por fim, a facultatividade (do exercício) aparece como decorrência da própria
incaducabilidade, porque representa que a instituição do tributo, o exercício da
competência, sujeita-se à decisão política do ente. O exemplo mais adequado é a
possibilidade de instituição do imposto sobre grandes fortunas, até agora não
disciplinado.
No contexto das normas de competência e do conceito mesmo de competência
tributária, podemos tecer considerações sobre a competência para instituir incentivos
fiscais, visto que o exercício dessa aptidão deve ser feito pelo veículo próprio, qual seja,
lei, em atenção ao princípio da legalidade. Por isso, Paulo de Barros Carvalho 231 afirma
que, assim como a introdução de qualquer norma tributária que regule a relação jurídica
entre o contribuinte e o Fisco deve ser feita através de lei, a instituição de isenções,
incentivos ou benefícios fiscais também deve ser realizada por lei do órgão legislativo
encarregado. 232
231
CARVALHO, Paulo de Barros; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Guerra fiscal: reflexões sobre a
concessão de benefícios no âmbito do ICMS. São Paulo: Noeses, 2012, p. 35.
232
“O mesmo pode afirmar-se de quaisquer outras alterações na regra-matriz do tributo, que representem
incentivo ou benefício fiscal: dependem do regular exercício da competência, mediante atuação do
Poder Legislativo, culminando na publicação de lei que discipline a matéria. E o preceito é reiterado
no art. 150, § 6º, do Texto Constitucional, que enuncia, expressamente, a necessidade de lei federal,
estadual ou municipal, conforme o tributo que se trate, para introduzir isenções, incentivos ou
benefícios fiscais no ordenamento”. (ibid., p. 36).
100
233
MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Fontes no direito tributário. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2006, p. 82-
83, grifos do autor.
234
GAMA, Tácio Lacerda. Competência tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. 2. ed.
revista e ampliada. São Paulo: Noeses, 2011, p. 65.
101
235
GAMA, Tácio Lacerda. Competência tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. 2. ed.
revista e ampliada. São Paulo: Noeses, 2011, p. 56.
236
Ibid., p. 63.
237
Ibid., p. 64.
102
238
Competência tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. 2. ed. revista e ampliada. São
Paulo: Noeses, 2011, p. 68.
239
Ibid., p. 68-69.
240
Ibid., p. 70.
241
“Os termos ‘Constituição da República’, ‘Emenda Constitucional”, ‘Lei Complementar’, ‘Lei
Ordinária’, ‘Lançamento de Ofício’, ‘Norma de Pagamento’ e outros tantos utilizados para denotar o
‘instrumento introdutor de normas’, são apenas locuções diferentes para identificar a mesma conduta.
São formas de legitimar a criação de normas jurídicas, atendendo às próprias escolhas positivadas pelo
Sistema Constitucional Tributário”. (ibid., p. 74).
242
“A positivação dessa hipótese faz surgir o fato jurídico do exercício da competência, que coincide
com o que a doutrina vem chamando de antecedente do veículo introdutor de norma”. (ibid., p. 77).
243
Ibid., p. 73.
103
como garantia de que a norma produzida seja válida, justificando o relevo dado aos
aspectos da enunciação 244.
Identificado um verbo na hipótese da norma de competência, qual seja,
“enunciar”, a ação a que ele se refere, como toda ação, ocorre em tempo e espaço, razão
por que tempo e espaço são também âmbitos de vigência. O elemento “tempo” define o
interregno em que a enunciação pode ocorrer 245, ao lado do “espaço” em cujos limites
ela se realizará 246.
Se, na hipótese, encontramos a forma pela qual se deve exercer a competência,
no consequente, devemos encontrar a matéria, enquanto objeto da relação jurídica.
Vinculando forma e matéria, ou seja, hipótese e consequência, estará o conectivo
interproposicional, que resume o ato de decisão do legislador, que prescreveu a
determinada matéria uma certa forma de enunciação: como todo conectivo
interproposicional, será neutro, vinculando os termos do juízo hipotético-condicional, já
que, no território jurídico, não há que se falar em causalidade física 247.
Já no consequente da norma de competência, encontraremos a relação jurídica
de competência, na qual repousa a matéria ou o conteúdo da norma inferior que será
editada como resultado da positivação daquela 248 . Num paralelo com o antecedente
dessa mesma norma de competência, pode-se afirmar que, se o antecedente programa a
enunciação, no consequente, delineiam-se os enunciados-enunciados 249.
Como toda relação jurídica, no consequente encontramos o sujeito ativo e o
passivo. O sujeito ativo executa duas funções: ser o agente da enunciação e também ser
a pessoa que pode dispor sobre determinada matéria. Em outras palavras, ele será tanto
244
Competência tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. 2. ed. revista e ampliada. São
Paulo: Noeses, 2011, p. 74.
245
“Neste ponto, estamos falando dos limites cronológicos da enunciação, quando ela deve ser válida
para ser válida”. (ibid., p. 76).
246
Ibid., loc. cit.
247
“A forma, já vimos, é descrita pela hipótese da norma de competência; a matéria, por seu turno,
encontra-se delineada no objeto da relação jurídica. O vínculo entre ambas, então, só pode ser
estabelecido pelo conectivo deôntico neutro (), aquele que vincula o acontecimento A à
consequência B. Destarte, o encontro entre forma e matéria é sintetizado pelo ‘dever-ser’ que vincula
a previsão hipotética do fato – enunciação da norma – à relação jurídica entre sujeito competente e os
demais que integram a sociedade, tendo como objeto a possibilidade de inserir texto jurídico versando
sobre certa matéria. E esse conectivo interproposicional sintetiza a decisão, positivada na norma de
competência, de submeter determinada matéria à enunciação de certo tipo”. (ibid., p. 79, grifos do
autor).
248
Ibid., p. 80.
249
“Por isso, os contornos materiais da norma criada devem ser compatíveis com o conteúdo dos
dispositivos que integram o consequente da norma de competência. Ocorrendo o contrário, e sendo
esta incompatibilidade reconhecida por quem de direito, a norma será inválida”. (ibid., loc. cit.).
104
250
“Como se pode perceber, o atributo de ser ‘sujeito ativo’ da competência pode ser desdobrado em: ter
aptidão para editar o texto; propor medida judicial para que seja reconhecida a validade do texto com
eficácia ‘erga omnes’; e ser chamado a defender a validade/licitude do texto na hipótese de haver a
propositura de ação judicial voltada a configurar a sua ilicitude”. (GAMA, Tácio Lacerda.
Competência tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. 2. ed. revista e ampliada. São
Paulo: Noeses, 2011, p. 83).
251
Ibid., loc. cit.
252
“Essa omissão, que percebemos nos direitos potestativos e de propriedade, é dever comum de todo
sujeito que ocupe a posição de sujeito passivo da competência”. (ibid., p. 85).
253
Ibid., p. 84
254
Ibid., p. 85.
255
Ibid., p. 92-93.
256
“A competência jurisdicional, a competência administrativa para lavrar lançamentos de ofício, a
competência do particular para apresentar declaração de tributos são exemplos de competência
modalizada em obrigatório”. (ibid., p. 92).
105
257
“A matéria é composta por um ou mais verbos que descrevem uma conduta. Assim, toda referência à
materialidade é sempre uma referência a verbos e seus respectivos complementos”. (GAMA, Tácio
Lacerda. Competência tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. 2. ed. revista e
ampliada. São Paulo: Noeses, 2011, p. 93).
258
Ibid., p. 94.
259
“E esse conectivo interproposicional sintetiza a decisão, positivada na norma de competência, de
submeter determinada matéria à enunciação de certo tipo”. (ibid., p. 79).
260
Ibid., loc. cit.
261
“De fato, ao prescrever a ação de criar outras normas, a hipótese da norma de competência toca no
principal ponto da atividade enunciadora de textos: ela indica o verbo. Esse é o elemento central, tanto
da hipótese como do consequente das normas jurídicas”. (ibid., p. 72).
106
262
“Noutra síntese, de ordem funcional, relacionamos os papéis da norma de competência segundo a
perspectiva de quem é competente e soba óptica daqueles que devem suportar o exercício da
competência. Para esses, a estrutura lógica proposta oferece: i) regras para identificação do direito
válido num sistema de direito positivo qualquer; ii) um roteiro para a organização dos enunciados que
fundamentam a validade de uma norma –regime jurídico; e iii) um caminho para a identificação dos
enunciados que condicionam a forma de interpretar uma norma de inferior hierarquia”. (GAMA,
Tácio Lacerda. Competência tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. 2. ed. revista e
ampliada. São Paulo: Noeses, 2011, p. 96-97).
263
“Os enunciados produzidos com o exercício da competência têm como finalidade, então, prescrever
condutas de forma mais concreta do que prescreve a norma superior, sem, contudo, ser incompatíveis
com ela”. (ibid., p. 101).
264
Ibid., p. 103.
107
265
“Isso porque norma jurídica sem sanção deixa de ser jurídica […] Assim, o descumprimento de toda e
qualquer norma projeta efeitos. O efeito que qualifica uma norma como jurídica é, justamente, a
previsão de uma consequência coercitiva para o seu descumprimento ou o fato de o aparato estatal
estar preordenado à aplicação da norma primária, mesmo contra a vontade do seu destinatário”.
(GAMA, Tácio Lacerda. Competência tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. 2. ed.
revista e ampliada. São Paulo: Noeses, 2011, p. 111).
266
Ibid., loc. cit.
267
Ibid., p. 113.
268
Ibid., p. 114-116.
108
269
Competência tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. 2. ed. revista e ampliada. São
Paulo: Noeses, 2011, p. 21 et seq.
270
Ibid., p. 24.
271
Ibid., p. 25.
272
Ibid., p. 25-26.
109
Por isso, Tácio Lacerda Gama conclui que as normas de competência são
normas que, como quaisquer outras, regulam condutas, quais sejam, as condutas de criar
normas jurídicas. Essa especificidade notada em seu resultado não lhe retira
coercibilidade, visto que as normas de competência estabelecem sanção em caso de sua
inobservância, que nada mais é do que a invalidade da norma criada de modo ilícito 273.
Considerando que a maioria das críticas feitas ao modelo kelseniano
(homogeneidade das normas jurídicas) tem origem em Herbert Hart ou dele derivam,
Tácio Lacerda Gama analisa as ideias desse autor, sem olvidar de que os pressupostos
jusfilosóficos dessas posições são distintos, porque Hans Kelsen situa-se antes do
chamado giro-linguístico, enquanto Herbert Hart laborou após esse movimento 274.
Em síntese, no modelo de Herbert Hart há regras de relação entre os cidadãos
(normas primárias) e entre esses e as normas (normas secundárias), as quais, voltadas a
outras normas, não disciplinam direitos e deveres, mas apenas qualificam sujeitos para
editar normas prescritoras de condutas (outorgando direitos e deveres) 275. Tácio Lacerda
Gama observa que essas normas de competência, chamadas secundárias nesse modelo,
continuam com a mesma função indicada no modelo de Hans Kelsen, mas sem
prescrever uma sanção 276. Ocorre que a própria ideia de validade das normas jurídicas,
que delineia o espaço jurídico, está intimamente relacionada com o tema das normas de
competência 277.
Além disso, Tácio Lacerda Gama critica o uso da expressão fragmento de
norma em referência às normas de competência, o que configuraria uma estratégia de
diferenciação de normas que não se podem diferenciar: as normas de conduta e as
normas de competência, porque estas são, na verdade, normas sobre a conduta
específica de criar normas 278.
Para Alchourrón e Bulygin 279, o sistema de direito positivo não seria composto
apenas por normas, tendo em vista que as proposições que o formam podem apresentar-
se como proposições normativas e definições legais, de acordo com a função que
273
Competência tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. 2. ed. revista e ampliada. São
Paulo: Noeses, 2011, p. 26.
274
Ibid., p. 28, 34.
275
Ibid., p. 31.
276
Ibid., p. 32.
277
Ibid., p. 33.
278
Ibid., p. 33-34.
279
Ibid., p. 34.
110
280
Competência tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. 2. ed. revista e ampliada. São
Paulo: Noeses, 2011, p. 34-35;
281
Ibid., p. 37.
282
Ibid., p. 38.
283
Ibid., p. 40.
284
Ibid., p. 41.
285
Ibid., p. 45-46.
286
Ibid., p. 47.
111
completo 287. Para Ricardo Guastini, o direito difere dos demais sistemas sociais pelo
fato de apresentar, além de normas de conduta, normas sobre produção normativa, isto
é, as normas de competência 288.
Tomando por base os conceitos apresentados, buscando uma análise normativa
dos incentivos fiscais, apresentaremos, a seguir, a norma estrutural dos incentivos
fiscais, formuladas a partir do estudo da norma de competência apresentada neste item.
287
“Ressalvamos, porém, que as funções indicadas para cada uma das normas de produção normativa são
funções parciais e que, por isso, se complementam sem se excluir. Isoladamente, nenhuma delas
prescreve mensagem com sentido completo. Apenas com a reunião de todas as normas de produção
normativa é possível saber onde, quando e a respeito do que uma norma jurídica pode ser criada. Daí
o porquê de não ser possível identificar em qualquer destas normas sobre produção jurídica uma
mensagem normativa que expresse ‘o mínimo e irredutível de manifestação do deôntico’.” (GAMA,
Tácio Lacerda. Competência tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. 2. ed. revista e
ampliada. São Paulo: Noeses, 2011, p. 51).
288
Ibid., p. 47.
289
“Altera-se o mundo físico mediante o trabalho e a tecnologia, que o potencia em resultados. E altera-
se o mundo social mediante a linguagem das normas, uma classe da qual é a linguagem das normas do
Direito”. (VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. 4. ed. São
Paulo: Noeses, 2010, p. 4).
112
290
A título exemplificativo, confira-se: “Antecedente: se o Município quiser exercer (querer-fazer) a
faculdade de instituir o IPTU. Consequente: deve-ser a obrigação de observar o procedimento
estabelecido para a criação de Lei Municipal. O órgão competente tem o dever jurídico de observar o
procedimento para exercer a competência e a comunidade, o direito subjetivo de ver observada essa
prerrogativa”. (MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Fontes no direito tributário. 2. ed. São Paulo:
Noeses, 2006, p. 86, grifos do autor).
291
“Kelsen insistiu na diferença entre as leis da natureza, submetidas ao princípio da causalidade física, e
as leis jurídicas, articuladas pela imputabilidade deôntica. Lá, a síntese do ‘ser’; aqui, a do ‘dever-ser’.
Nas duas causalidades temos a implicação, o conectivo condicional atrelando o antecedente ao
consequente. Entretanto, quando usado e não simplesmente mencionado, o ‘dever-ser’ denota uma
região, um domínio ontológico que se contrapõe ao território do ‘ser’, em que as proposições
implicante e implicada são postas por um ato de autoridade: D(pq) (deve-ser que p implique q).
Falamos, por isso, num operador deôntico interproposicional, ponente da implicação. Não fora o ato
de vontade da autoridade que legisla e a proposição-hipótese não estaria conectada à proposição-tese.
Daí por que esse operador deôntico seja chamado neutro, visto que nunca aparece modalizado”.
113
(CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 8. ed. rev.
São Paulo: Saraiva, 2010, p. 48, grifos do autor).
114
Neste contexto, não queremos dizer que os incentivos atuam apenas na relação
jurídica tributária prescrita no consequente da regra-matriz de incidência, mas apenas
que a sua atuação global afeta, em última análise, essa relação jurídica tributária,
impedindo seu nascimento ou lhe diminuindo a intensidade.
Em outras palavras, os incentivos fiscais, na perspectiva normativa ora
proposta, interferem na regra-matriz de incidência, quer nos três critérios do
antecedente, quer nos dois outros critérios do consequente, tendo como resultado final
um obstáculo ao aperfeiçoamento da relação jurídica tributária ou à sua conformação
originalmente esperada.
Feito este pequeno preâmbulo, retomamos analisando o fenômeno relacionado
à norma tributária.
Podemos dizer que as normas de conduta são aquelas destinadas a regular as
condutas intersubjetivas.
É certo que todas as normas jurídicas podem ser consideradas, de alguma
forma, como normas de conduta. De fato, tanto a norma de competência (norma de
estrutura) quanto a norma de conduta regulam comportamentos. A norma de
competência regula o comportamento intersubjetivo que o legislador entendeu por
juridicizar a partir dos modais (O, P, V). Logo, a diferença reside no tipo de conduta a
ser regulada.
Neste sentido, ensina José Souto Maior Borges:
Cabe de pronto ressaltar que toda norma jurídica tem como vetor
semântico a conduta humana. Dirige-se à conduta humana como
escopo final (norma de conduta), volta à conduta humana com a
finalidade de pautar a produção normativa (norma de produção
normativa), ou dirige-se imediatamente a uma norma para
mediatamente regular a conduta humana (norma de revisão sistêmica).
292
BORGES, José Souto Maior. Teoria geral da isenção tributária. 3. ed., 3. tiragem. São Paulo:
Malheiros, 2011, p. 380.
293
Fontes no direito tributário. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2006, p. 77.
115
295
Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 8. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 132.
296
LINS, Robson Maia. Controle de constitucionalidade da norma tributária – Decadência e
prescrição. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 878.
117
297
LINS, Robson Maia. Controle de constitucionalidade da norma tributária – Decadência e
prescrição. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 878.
118
298
Do mesmo modo que Tácio Lacerda Gama, Tárek Moysés Moussallem (Fontes no direito tributário.
2. ed. São Paulo: Noeses, 2006, p. 127, grifos do autor) delineia a norma de produção jurídica:
“Rememoremos que a norma sobre a produção jurídica descreve, em seu antecedente, uma agente
competente e o procedimento prescrito pelo ordenamento para a produção normativa e, em seu
consequente, prescreve a obrigação de todos respeitarem as disposições inseridas, pelo próprio
veículo introdutor, no sistema do direito positivo”.
119
próprio ordenamento prevê 299. Por isso, ensina Paulo de Barros Carvalho 300 que
299
MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Fontes no direito tributário. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2006, p.
132.
300
Direito tributário: linguagem e método. 5. ed. São Paulo: Noeses, 2013, p. 422-423, grifos do autor.
301
Ibid., p. 127.
120
302
Em referência às regras de conduta e as de estrutura, comenta Paulo de Barros Carvalho: “Quero
repisar a nota de que a adoção desse esquema classificatório atende a certo padrão de
operacionalidade com a experiência do sistema de normas, mas, como toda classificação, vai cedendo
seu rigor, à proporção em que a investigação se aprofunda. O próprio Norberto Bobbio, que a utiliza
fartamente, ao formalizar as chamadas ‘regras de estrutura’ não pôde evitar o reconhecimento
ostensivo da tônica ‘conduta’, como destino finalístico de toda regulação normativa”. (CARVALHO,
Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 8. ed. rev. São Paulo:
Saraiva, 2010, p. 63).
303
“Ao mesmo tempo, a regra-matriz de incidência, como anunciamos anteriormente, se inscreve entre as
normas gerais e abstratas, havendo nela condicionalidade. O antecedente é posto em formulação
hipotética: ‘se ocorrer o fato F’. Além disso, integra o quadro das regras de conduta, pois define por
inteiro a situação de fato, sobre qualificar deonticamente os comportamentos inter-humanos por ela
alcançados”. (ibid., loc. cit.).
304
“Por fim, o veículo introdutor (6) é aquilo que os estudiosos da linguagem (Noam Chomsky) chamam
de atuação da competência, ou seja, a norma que tem no seu antecedente um acontecimento concreto,
aplicação-produto, ou seja, o exercício da competência ‘x’ e do procedimento ‘y’, e no seu
conseqüente uma relação jurídica que estabelece a obrigação de todos observarem os enunciados
criados pelo exercício da competência. A negação de quaisquer das relações jurídicas acima arroladas
enseja a possibilidade de deflagração da norma secundária (norma de aplicação judicial) por parte dos
sujeitos ativos detentores de direito subjetivos”. (MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Fontes no direito
tributário. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2006, p. 87, grifos do autor).
121
305
BRASIL. Presidência da República. Lei nº 10.973, de 2 de dezembro de 2004. Lei de Inovação.
Dispõe sobre incentivos à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo e dá
outras providências. Brasília: DOU, 3 dez. 2004.
122
306
BRASIL. Presidência da República. Lei nº 10.973, de 2 de dezembro de 2004. Lei de Inovação.
Dispõe sobre incentivos à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo e dá
outras providências. Brasília: DOU, 3 dez. 2004.
307
Id. Lei nº 11.196, de 21 de novembro de 2005. Lei do Bem. Brasília: DOU, 22 nov. 2005.
308
Ibid.
123
Deve-se ressaltar que essas exclusões são limitadas ao valor do lucro real e da
base de cálculo da CSLL antes da própria exclusão, sendo vedado aproveitar de
eventual excesso em período de apuração posterior, nos termos do § 5º, do artigo 19 da
Lei do Bem.
Além disso, poderá, ainda, o contribuinte valer-se da:
309
PIVA, Sílvia Helena. Os incentivos fiscais às atividades de pesquisa e desenvolvimento de inovação
tecnológica. In: FISCOSoft. Artigos. São Paulo: FISCOSoft, 13 ago. 2013. Disponível em:
<http://www.fiscosoft.com.br/a/66zu/os-incentivos-fiscais-as-atividades-de-pesquisa-e-
desenvolvimento-de-inovacao-tecnologica-silvia-helena-gomes-piva>. Acesso em: 27 abr. 2014.
310
Ibid.
124
incidência que constrói a relação jurídica entre Fisco e Contribuinte para aqueles que
não estarão sujeitos ao conjunto normativo de NIF 1, 2 e 3.
O exemplo citado ressalta incentivos fiscais relacionados ao consequente da
regra-matriz de incidência tributária, contudo, conforme já afirmamos, a atuação da
norma de incentivo fiscal não se restringe à relação jurídica, isto é, pode ter efeitos tanto
no antecedente quanto no consequente normativos da regra-matriz, resultando, afinal,
mudanças na relação jurídica tributária em que repousa a prestação.
Assim, apresentamos o que, para nós, é o modelo normativo que melhor
representa a atuação dos incentivos demais frente às normas jurídicas tributárias do
sistema do direito positivo.
311
Artigo 3, II, Constituição Federal.
125
limitação, contida no art. 155, § 2º, XII, g, o qual se relaciona exclusivamente a uma
exceção para o ICMS, cuja disposição é no sentido de que isenções, incentivos e
benefícios fiscais devem ter sua concessão e revogação com base nos critérios previstos
em lei complementar.
Neste sentido, cabe-nos citar Marcos André Vinhas Catão:
É certo, pois, que a instituição de incentivos fiscais – aqui tida como uma
competência para reduzir a tributação – está vinculada aos mesmos princípios e regras
que limitam o poder de tributar. Nesse sentido, Souto Maior Borges leciona que o
“poder de isentar é o próprio poder de tributar visto ao inverso”. 313
De se notar ainda, no que se refere ao regime jurídico dos incentivos fiscais,
que há uma verdadeira conexão entre a competência, o regime tributário dos tributos e
os incentivos fiscais, pois constata-se que os incentivos fiscais não só são veiculados
pelo mesmo ente político que detém competência para instituir o correlato tributo, como
também estão adstritos aos princípios e regras balizadores do poder de tributar e da
própria sistemática dos tributos específicos instituídos ou que se busca instituir um
determinado incentivo fiscal. Assim, afirmamos que o regime jurídico dos incentivos
fiscais está balizado pela Constituição Federal, pelo próprio desenho constitucional de
cada tributo.
Não podemos deixar de lado que os incentivos fiscais também se submetem as
normas orçamentárias que também limitam a concessão de incentivos fiscais, conforme
adentraremos no Capítulo 8.
No capítulo seguinte, apresentaremos nossa definição de incentivos fiscais, a
proposta de classificação dela decorrente, bem como exemplificaremos as espécies de
incentivos fiscais e financeiros mais comumente utilizados.
312
CATÃO, Marcos André Vinhas. Regime jurídico dos incentivos fiscais. Rio de Janeiro: Renovar,
2004.
313
BORGES, José Souto Maior. Teoria geral da isenção tributária. 3. ed., 3. tiragem. São Paulo:
Malheiros, 2011, p. 31.
126
127
5.1 Introdução
314
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 5. ed. São Paulo: Noeses,
2013, p. 120.
128
ou, mais simples, na própria indicação das espécies tributárias, no artigo 145, da
Constituição Federal.
Para Paulo de Barros Carvalho 315 , a atividade lógica de classificar é uma
atividade arbitrária do intérprete, o qual, como sujeito cognoscente, escolhe os critérios
com que diferenciará seu objeto de estudo dos outros elementos.
No estudo do direito positivo, o intérprete deverá valer-se de critérios do
próprio direito, ou seja, critérios colhidos no próprio sistema e que lhe permitam
estabelecer as diferenças específicas. A classificação, sendo jurídica, deve considerar o
dado jurídico principal, que é a norma jurídica, pois é o elemento desse sistema. Por
isso, afirma Roque Antônio Carrazza 316 que a norma jurídica é o ponto de partida
fundamental para qualquer classificação que se queira jurídica. Portanto, é no direito
positivo que se devem buscar os critérios necessários à diferenciação jurídica
pretendida.
317
Oportunas as observações de José Souto Maior Borges sobre as
classificações no ambiente jurídico. Para ele, é preciso cercar antecipadamente o campo
da investigação científica como medida de pureza metodológica, abstraindo, no nosso
caso, todo e qualquer critério que não seja jurídico.
Malgrado as críticas sobre a tentativa de classificar os incentivos fiscais, bem
como buscar elementos comuns às espécies, sobre o fundamento de que seria um
reducionismo ineficaz para a compreensão da dimensão e amplitude dos incentivos
fiscais, entendemos inevitável, dentro da proposta empregada no presente estudo,
propor uma classificação para a análise dos incentivos fiscais, bem como delimitar os
elementos comuns desse instituto e suas respectivas espécies. 318
Vejamos, a seguir, de forma mais detalhada a definição de incentivos fiscais,
bem como nossa proposta de classificação e sua distinção dos incentivos financeiros, os
quais não são objeto de análise aprofundada no presente trabalho.
315
Direito tributário: linguagem e método. 5. ed. São Paulo: Noeses, 2013, p. 117-122.
316
CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 27. ed., revista, ampliada
e atualizada até a Emenda Constitucional n. 67/2010. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 557.
317
“Faz-se necessária, desta sorte, uma delimitação prévia do âmbito de investigação científica (político,
sociológico, econômico, jurídico etc.) a ser coberto. Por exigência de pureza metodológica, esta
tomada de posição importa necessariamente em se abstrair, na análise do assunto, outros aspectos que
não o jurídico”. (Teoria geral da isenção tributária. 3. ed., 3. tiragem. São Paulo: Malheiros, 2011,
p. 238).
318
CATÃO, Marcos André Vinhas. Regime jurídico dos incentivos fiscais. Rio de Janeiro: Renovar,
2004, p. 10-11.
129
319
“É precisamente na amplitude dessas idas e venidas aos sistemas S1 e S2 que o sujeito gerador do
sentido vai incorporando as diretrizes constitucionais. E, além disso, há que se pensar na integração
das normas, nos eixos de subordinação e de coordenação, pois aquelas unidades não podem
permanecer soltas, como se não pertencessem à totalidade sistêmica. Eis o plano S4”. (CARVALHO,
Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 8. ed. rev. São Paulo:
Saraiva, 2010, p. 125).
320
CORREIA NETO, Celso de Barros. O avesso do tributo: incentivos e renúncias fiscais no direito
tributário. 2013. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo,
São Paulo, 2013, p. 145).
131
esparsa pode levar em consideração alguns efeitos que não se tratam exclusivamente de
cunho tributário.
Nem sempre as espécies analisadas a seguir serão classificadas pela doutrina
como incentivos fiscais; no entanto, estamos realizando esta análise com base nesse
viés, é dizer, os institutos podem assumir a faceta de incentivos fiscais quando
analisados a partir da norma estrutural de incentivos construída a partir do Texto
Constitucional, bem como quando assegurado, no campo pragmático, a finalidade ali
prevista.
Destaca-se, ainda, que não é objeto do nosso trabalho analisar as espécies de
forma aprofundada, uma vez que isso demandaria longas linhas de exposição, que
fugiriam do objetivo deste trabalho, tampouco as polêmicas que as envolvem.
Desse modo, a partir deste primeiro corte, podemos distinguir os incentivos
fiscais daqueles outros, também conhecidos como incentivos financeiros, como:
i) conjunto de normas que interferem diretamente na regra-matriz de incidência
tributária (incentivos fiscais) com diminuição ou supressão da obrigação tributária e
ii) conjunto de normas que não interferem na relação jurídica tributária (incentivos
financeiros).
Nesse sentido, aproximamo-nos, de certo modo, da concepção de José Souto
Maior Borges 321:
321
A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e sua inaplicabilidade a incentivos financeiros estaduais.
Revista Dialética de Direito Tributário, n. 63, dez. 2000, p. 97.
133
5.3.1.1 Isenções
Segundo Rubens Gomes de Sousa 322, a isenção é um favor fiscal dado pela lei,
consubstanciado na dispensa do pagamento de um tributo devido. Nesse conceito, está
pressuposta a incidência da regra-matriz, fenômeno sem o qual não haveria como falar
em pagamento devido.
322
Compêndio de legislação tributária. Coordenação: IBET, Instituto Brasileiro de Estudos
Tributários; obra póstuma. São Paulo: Resenha Tributária, 1975, p. 97.
134
323
“É importante fixar bem as diferenças entre não-incidência e isenção: tratando-se de não incidência,
não é devido o tributo porque não chega a surgir a própria obrigação tributária; ao contrário, na
isenção o tributo é devido, porque existe obrigação, mas a lei dispensa o seu pagamento; por
conseguinte, a isenção pressupõe a incidência, porque é claro que só se pode dispensar o pagamento
de um tributo que seja efetivamente devido”. (SOUSA NETO, Rubens Gomes de Compêndio de
legislação tributária. Coordenação: IBET, Instituto Brasileiro de Estudos Tributários; obra póstuma.
São Paulo: Resenha Tributária, 1975, p. 97, grifos do autor).
324
“Finalmente, a não incidência decorre da própria definição do fato gerador contida na lei tributária:
desde que o fato ocorrido não corresponda àquela definição, dá-se a não incidência; a isenção, ao
contrário, depende de lei expressa, justamente por ser um favor, isto é, uma exceção à regra de que,
verificado o fato gerador, é devido o tributo”. (ibid., p. 97).
325
Manual de direito fiscal I. Lisboa: Manuais da Faculdade de Direito de Lisboa, 1974, p. 281.
135
326
“Muitas vezes, na verdade, faz paralisar a eficácia desse facto pela previsão de um outro cuja
verificação impede a produção dos efeitos típicos do primeiro: esse outro facto é a isenção do
imposto”. (XAVIER, Alberto. Manual de direito fiscal I. Lisboa: Manuais da Faculdade de Direito
de Lisboa, 1974, p. 281-282).
327
Ibid., p. 282.
328
“A não incidência decorre da não verificação de um elemento positivo do tipo legal do facto tributário
ou da verificação de um seu elemento negativo – fenómenos que são por vezes objecto de preceitos
meramente definitórios ou declarativos. A isenção dá-se quando, não obstante se ter verificado o facto
tributário em todos os seus elementos, a eficácia constitutiva deste é paralisada originariamente pela
ocorrência de um outro facto a que a lei atribui assim eficácia impeditiva”. (ibid., p. 283-284).
329
BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2007, p.
33-324.
136
Sobre esta última, Alfredo Augusto Becker 330 afirma que a maioria da doutrina
tributária nacional vê na isenção a dispensa do pagamento do tributo, pois pressupõe,
erroneamente, a incidência, já que só se pode dispensar o pagamento de um tributo
devido em decorrência da incidência de uma regra jurídica de tributação. Essa ideia está
calcada em plano pré-jurídico da política fiscal, que sucumbe à análise efetivamente
jurídica.
Mas, para ele, em verdade, não existem relação jurídica ou obrigação tributária
anteriores que legitimem um tributo, devido a serem desfeitas pela incidência da regra
jurídica de isenção.
A regra jurídica de tributação não incide para posterior incidência da regra de
isenção: a regra jurídica de tributação nem chega a incidir porque um elemento da
hipótese de incidência estava ausente, o qual compõe a hipótese de incidência da regra
jurídica de isenção e que permite diferenciar essas duas regras.
Esse elemento realiza apenas a hipótese de incidência da regra de isenção, cujo
efeito jurídico é negar a existência da relação jurídica tributária. Em resumo, a regra
jurídica de isenção incide para que a regra tributária não incida 331.
Entre as críticas que podem ser feitas a esta última posição, há a de que a regra
jurídica que prescreve a isenção é definida por uma formulação negativa ou inversa da
regra jurídica tributária (regra-matriz de incidência).
Paulo de Barros Carvalho 332 explica que havia duas teorias para explicar o
fenômeno das isenções tributárias, baseadas, em última análise, na velocidade da
incidência das normas. Segundo a teoria tradicional, a regra tributária incidiria antes,
juridicizando o fato, ao passo que a norma da isenção incidiria após, promovendo a
dispensa do pagamento do tributo devido em razão da incidência da norma tributária. A
teoria renovadora, por sua vez, inverteu a ordem da teoria tradicional, preconizando que
a norma da isenção incidiria primeiramente, impedindo a incidência posterior da norma
330
BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2007, p.
324.
331
“A realização da hipótese de incidência da regra jurídica de isenção, faz com que esta regra jurídica
incida justamente para negar a existência de relação jurídica tributária. Por sua vez, as hipóteses não
enquadráveis dentro da hipótese de incidência da regra jurídica explícita de isenção tributária são
precisamente as hipóteses de incidência de regras jurídicas implícitas de tributação” (ibid., p. 325,
grifos do autor).
332
Direito tributário: linguagem e método. 5. ed. São Paulo: Noeses, 2013, p. 597.
137
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO JOAQUIM BARBOSA (RELATOR): Trata-se de agravo
regimental interposto da seguinte decisão:
337
“As normas superiores não prescindem de normas de inferior hierarquia (dentro do processo de
positivação do direito) para que se aproximem ao máximo da conduta a ser regrada (curva
assintótica)”. (MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Fontes no direito tributário. 2. ed. São Paulo:
Noeses, 2006, p. 91).
139
Em síntese, sustenta-se:
140
VOTO
O SENHOR MINISTRO JOAQUIM BARBOSA (RELATOR): Sem razão o
agravante.
O acórdão recorrido alude expressamente ao caráter condicional do
benefício setorial:
"A despeito do substancioso teor do r. voto minoritário, alinho-me ao
lado dos prolatores dos votos majoritários, pois entendo que o referido
art. 41, do ADCT se aplica ao caso, uma vez entender que a isenção
tributária aqui concedida, trata-se da espécie do gênero 'incentivos
fiscais' ali consignado. Além deste fato verifica-se que a isenção
concedida à Embargante, anterior à Constituição de 1988, o foi sob
condição, nos termos do Ato Complementar 63/69 (uma vez que a
embargante sempre foi subvencionada pelo Tesouro Nacional)" (Fls.
117).
A circunstância de o incentivo revestir a forma de isenção ao
pagamento do 1PTU é insuficiente para afastar a caracterização
setorial dada pelo acórdão recorrido.
Ademais, como o acórdão recorrido nada disse acerca do agora
alegado vício formal do Ato Complementar 63/1969, falta ao
argumento o necessário prequestionamento.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É como voto. 338
338
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 630.820/MG. Relator: Ministro
Joaquim Barbosa. Julgamento: 15 fev. 2011. Órgão Julgador: Segunda Turma. Publicação: DJe, 30
mar. 2011.
141
339
Teoria geral da isenção tributária. 3. ed., 3. tiragem. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 280.
142
340
“Ao relacionar as espécies de receitas que são excluídas da base de cálculo tributária, referidas leis
acabaram por instituir verdadeira isenção, mediante mutilação parcial do critério quantitativo da regra-
matriz de incidência. Se a base de cálculo é a medida do fato jurídico tributário (função mensuradora),
qualquer exclusão que se pretenda fazer implicará reduzir a regra-matriz de incidência, colocando o
fato excluído fora do âmbito da percussão tributária”. (CARVALHO, Paulo de Barros. Direito
tributário: linguagem e método. 5. ed. São Paulo: Noeses, 2013, p. 602).
341
O poder de não tributar: benefícios fiscais na constituição. São Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 107.
143
342
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Embargo de Declaração no Recurso Extraordinário n.
174.478/SP. Relator: Ministro Cezar Peluso. Julgamento: 14 abr. 2008. Órgão Julgador: Tribunal
Pleno. Publicação: DJe, 30 maio 2008.
144
343
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Normas Jurídicas e Proposições sobre Normas jurídicas –
prescrições jurídicas – o papel dos intérpretes. Revista Dialética de Direito Tributário, n. 173, fev.
2010, p. 146.
145
Luís Eduardo Schoueri 344 chama a atenção para a redução de alíquota que
chega a alíquota zero e sua relação com o princípio da legalidade e sua possível
mitigação:
344
Direito tributário. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 242.
146
345
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 475.551/PR. Relator: Min. Cezar
Peluso. Relator para Acórdão: Ministra Carmen Lucia. Julgamento: 06 de maio de 2009. Órgão
Julgador: Tribunal Pleno. Divulgação: 12 nov. 2009. Publicação DJe-213, 13 nov. 2009. v. 02382-03,
p. 568.
346
Id. Recurso Especial 896.928/SP. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgamento: 05 de maio 2009. Órgão
Julgador: Primeira Turma. Publicação: DJe, 03 jun. 2009.
147
347
BRASIL. Presidência da República. Lei nº 11.196, de 21 de novembro de 2005. Lei do Bem.
Brasília: DOU, 22 nov. 2005, artigo 17.
348
“Ao relacionar as espécies de receitas que são excluídas da base de cálculo tributária, referidas leis
acabaram por instituir verdadeira isenção, mediante mutilação parcial do critério quantitativo da regra-
matriz de incidência. Se a base de cálculo é a medida do fato jurídico tributário (função mensuradora),
qualquer exclusão que se pretenda fazer implicará reduzir a regra-matriz de incidência, colocando o
fato excluído fora do âmbito da percussão tributária”. (CARVALHO, Paulo de Barros. Direito
tributário: linguagem e método. 5. ed. São Paulo: Noeses, 2013, p. 602).
349
O poder de não tributar: benefícios fiscais na constituição. São Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 112.
149
350
OLIVEIRA, Régis Fernandes de; HORVATH, Estevão. Manual de direito financeiro. 4. ed. rev.,
atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 42.
351
“SEÇÃO III - DOS CRÉDITOS OUTORGADOS Artigo 62 - Constituirão, também, crédito do
imposto os valores indicados no Anexo III, nas hipóteses ali indicadas (Lei 6.374/89, art. 44)”. (SÃO
PAULO. (Estado). Assembleia Legislativa. Decreto nº 45.490, de 30 de novembro de 2000. Aprova
o Regulamento do Imposto Sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Sobre
Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - RICMS. São
Paulo: DO, 1 dez. 2000).
Ressalta-se, quanto a este artigo do RICMS, o que dispõe o artigo 44 da Lei 6374/89: “O Poder
Executivo poderá conceder e vedar crédito do imposto, bem como dispensar e exigir seu estorno,
segundo o que for estabelecido em acordo celebrado com outros Estados ou com o Distrito Federal,
observado, quando for o caso, o disposto em lei complementar federal.” (id. Lei nº 6.374, de 01 de
março de 1989. Dispõe sobre a instituição do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de
Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de
Comunicação - ICMS. São Paulo: DO, 2 mar. 1989).
150
5.3.1.4.1 Diferimento
352
O ICMS e os Regimes Especiais. Revista de Direito Tributário, v. 8, p. 93-98, 1996, p. 93.
151
353
Entendimento de Hermano Notaroberto Barbosa: “Sob o ponto de vista jurídico, o diferimento, em
seu sentido mais abrangente, cuja classificação é menos tormentosa, se verifica nos casos em que a
legislação, geralmente de forma excepcional, em relação a uma determinada classe de contribuintes ou
de fatos econômicos, posterga o recolhimento de um tributo devido para momento cronologicamente
posterior àquele em que deveria, normalmente, ocorrer, a se aplicar a regra geral de incidência. O
diferimento opera, portanto, seus efeitos no elemento temporal do consequente da regra de incidência
tributária. Uma vez ocorrida situação de fato que se subsume ao tipo descrito abstratamente na norma,
então produzem-se os efeitos jurídicos da incidência, que incluem a descrição do quantum da
obrigação, representado pela combinação da base de cálculo e da alíquota (elemento material), do
sujeito responsável pelo recolhido (elemento subjetivo), bem como do momento em que esse deve
ocorrer (elemento temporal)”. (O poder de não tributar: benefícios fiscais na constituição. São
Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 109, grifos do autor).
354
A Lei Complementar nº. 87/96 não dispõe a respeito do diferimento, contudo, por meio da Lei
Complementar 24/75 fica claro que este somente poderá ser estabelecido lei própria do Estado,
utilizando a via da ratificação dos Convênio. (BRASIL. Presidência da República. Lei
Complementar nº 24, de 7 de janeiro de 1975. Dispõe sobre os convênios para a concessão de
isenções do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias, e dá outras providências.
Brasília: DOU, 9 jan. 1975).
355
ATALIBA, Geraldo; GIARDINO, Cleber. ICM – DIFERIMENTO – Estudo Teórico-prático, Estudos
e Pareceres n. 1. São Paulo: Resenha Tributária, 1980, p. 119.
152
356
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. Rio de Janeiro: Forense,
2009, p. 598.
357
CHIESA, Clélio. ICMS: Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: LTr, 1997.
153
5.3.1.4.2 Drawback
O regime de drawback foi instituído pelo Decreto Lei nº 37, de 21/11/66 359 e
consiste na suspensão ou eliminação de tributos incidentes sobre insumos importados
para utilização em produto exportado. Trata-se de uma modalidade de incentivo fiscal
promovido às exportações, cujo objetivo é reduzir os custos de produção de produtos
exportáveis, tornando-os mais competitivos no mercado internacional. Pode se
apresentar por meio de três formas: i) isenção, ii) suspensão e iii) restituição de tributos,
sendo que esta última não mais é utilizada. 360
O regime de drawback foi bastante aprimorado ao longo dos anos, sendo que
atualmente vigora o modelo de drawback integrado, que permitirá a “desoneração” de
tributos quando da aquisição de insumos também no mercado interno.
No regime de drawback suspensão, haverá, como o próprio nome diz, a
“suspensão” de diversos tributos incidentes nas operações de importação, tais como IPI,
II, PIS e Cofins, Pis Cofins Importação, AFRMM e ICMS (apenas para importação de
insumos).
358
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 318.902/MT. Relatora: Ministra
Cármen Lúcia. Julgamento: 9 dez. 2009. Órgão Julgador: Ministra Cármen Lúcia. Publicação: DJe, 12
fev. 2010.
359
Id. Presidência da República. Decreto Lei nº 37, de 18 de novembro de 1966. Dispõe sobre o
imposto de importação, reorganiza os serviços aduaneiros e dá outras providências. Brasília: DOU, 21
nov. 1966.
360
Id. Receita Federal. 2. O regime especial de drawback. Disponível em:
<http://www.receita.fazenda.gov.br/aduana/drawback/regime.htm>. Acesso em: 27 abr. 2014.
154
361
“Art. 1º - As isenções do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias serão
concedidas ou revogadas nos termos de convênios celebrados e ratificados pelos Estados e pelo
155
Pedro Guilherme Accorsi Lunardelli 363 recorda que o termo incentivo, quando
qualificado de “fiscal”, teria sua aplicação restrita à regra-matriz de incidência
tributária, não englobando os chamados incentivos financeiros.
Contudo, ele discorda dessa posição doutrinária porque, na sua visão, essa
interpretação não é contextual, estando presa à composição sintática dos termos
incentivo e fiscal 364.
Distrito Federal, segundo esta Lei. Parágrafo único - O disposto neste artigo também se aplica: I - à
redução da base de cálculo; II - à devolução total ou parcial, direta ou indireta, condicionada ou não,
do tributo, ao contribuinte, a responsável ou a terceiros; III - à concessão de créditos presumidos; IV -
à quaisquer outros incentivos ou favores fiscais ou financeiro-fiscais, concedidos com base no
Imposto de Circulação de Mercadorias, dos quais resulte redução ou eliminação, direta ou indireta, do
respectivo ônus; V - às prorrogações e às extensões das isenções vigentes nesta data. Art. 2º - Os
convênios a que alude o art. 1º, serão celebrados em reuniões para as quais tenham sido convocados
representantes de todos os Estados e do Distrito Federal, sob a presidência de representantes do
Governo federal. § 1º - As reuniões se realizarão com a presença de representantes da maioria das
Unidades da Federação. § 2º - A concessão de benefícios dependerá sempre de decisão unânime dos
Estados representados; a sua revogação total ou parcial dependerá de aprovação de quatro quintos,
pelo menos, dos representantes presentes. § 3º - Dentro de 10 (dez) dias, contados da data final da
reunião a que se refere este artigo, a resolução nela adotada será publicada no Diário Oficial da União.
(BRASIL. Presidência da República. Lei Complementar nº 24, de 7 de janeiro de 1975. Dispõe
sobre os convênios para a concessão de isenções do imposto sobre operações relativas à circulação de
mercadorias, e dá outras providências. Brasília: DOU, 9 jan. 1975).
362
A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e sua inaplicabilidade a incentivos financeiros estaduais.
Revista Dialética de Direito Tributário, n. 63, dez. 2000, p. 81, grifos do autor.
363
O ICMS e os incentivos fiscais. Revista Dialética de Direito Tributário, n. 14, p. 54-58, nov. 1996.
156
364
“Isto porque o contexto em que está inserido a expressão ‘incentivos fiscais’ sofre a influência de
outros significados de suma importância, dos quais não há permissão para qualquer afastamento”.
(LUNARDELLI, Pedro Guilherme Accorsi. O ICMS e os incentivos fiscais. Revista Dialética de
Direito Tributário, n. 14, nov. 1996, p. 56).
365
“Os incentivos assim, embora instrumentalizados por contratos celebrados com instituições
financeiras, devem ser classificados como tributários ou fiscais, pois baseados apenas e tão somente
na propriedade de o beneficiário ser contribuinte de ICMS”. (ibid., p. 57).
366
Ibid., loc. cit., grifos do autor.
367
Anulação de incentivos fiscais – efeitos no tempo. Revista Dialética de Direito Tributário, n. 121,
out. 2005, p. 135.
157
5.3.2.1 Subvenção
368
BARBOSA, Hermano Notaroberto. O poder de não tributar: benefícios fiscais na constituição. São
Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 118.
369
“O instituto do subsídio designa, genericamente, todas as subvenções financeiras concedidas, direta ou
indiretamente, pelo poder público, de forma específica, que beneficiem o setor produtivo nacional e
penalizem, materialmente, seus competidores estrangeiros, nos mercados interno ou internacional”.
(ibid., p. 120).
158
370
BARBOSA, Hermano Notaroberto. O poder de não tributar: benefícios fiscais na constituição. São
Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 119.
371
Ibid., p. 120.
372
“Com efeito, como apontado anteriormente, os incentivos a operar sobre a despesa teriam a grande
vantagem de permitir um melhor controle orçamentário, posto que a despesa se torna mais
transparente”. (CATÃO, Marcos André Vinhas. Regime jurídico dos incentivos fiscais. Rio de
Janeiro: Renovar, 2004, p. 75).
373
Ibid., p. 63-64.
374
Ibid., p. 65.
375
Ibid., p. 73-74.
159
José Souto Maior Borges 377 afirma que os incentivos fiscais em sentido amplo
podem referir-se tanto ao âmbito tributário, quando são chamados incentivos tributários
propriamente ditos, dos quais são exemplos as isenções e as reduções de tributo, quanto
ao âmbito financeiro, como nos casos de financiamento empresarial.
Para ele, o financiamento bancário não se classifica como incentivo tributário,
mas financeiro, porque não visa ao tributo. É que o pagamento do tributo demarca o
campo das relações tributárias e financeiras: após a extinção da obrigação tributária, as
novas relações surgidas entre fisco e contribuinte serão de caráter financeiro 378 . Na
sequência, exemplifica:
376
Regime jurídico dos incentivos fiscais. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 75, 83, 89.
377
“Se o incentivo não visa o tributo, mas a receita tributária, terá como objeto uma relação jurídica
instaurada após a extinção da relação tributária, dado que alcança receita pública já realizada. Noutras
palavras: será um incentivo financeiro stricto sensu”. (BORGES, José Souto Maior. A Lei de
Responsabilidade Fiscal (LRF) e sua inaplicabilidade a incentivos financeiros estaduais. Revista
Dialética de Direito Tributário, n. 63, dez. 2000, p. 85).
378
Ibid., p. 84.
379
Ibid., p. 85.
160
5.3.2.3 Remissão
380
Direito tributário: linguagem e método. 5. ed. São Paulo: Noeses, 2013, p. 565.
381
O poder de não tributar: benefícios fiscais na constituição. São Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 97.
382
Direito tributário. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 625.
383
CARVALHO, op. cit., p. 566.
161
mediante linguagem competente, ou seja, deve haver lançamento tributário prévio que o
documente 384.
Como lembra Luís Eduardo Schoueri 385, a remissão é outro indício de que a
obrigação tributária pode ser extinta, por lei, mesmo sem pagamento, ou seja, deve estar
constituída para que a remissão opere sobre ela.
Nesse sentido é que a remissão não pode ser considerada uma forma de
incentivo fiscal: o fato de ela pressupor um crédito constituído perante o sujeito passivo
mediante o ato de lançamento tributário (linguagem competente) choca-se frontalmente
ao que expusemos sobre o processo de positivação das normas de incentivos fiscais.
Operando sobre a regra-matriz de incidência tributária para o fim de impedir o
nascimento da obrigação tributária, o incentivo não pode se dar mediante o instituto da
renúncia, que depende essencialmente de que a obrigação tributária a ser remitida tenha
nascido.
Apenas no sentido de resultar numa relação jurídica tributária cuja prestação
seja reduzida é que podemos considerar a remissão como forma de incentivo fiscal.
A remissão é, para Regis Fernandes de Oliveira e Estevão Horvath, além de
forma de renúncia fiscal, consoante art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal, o perdão
da dívida ou renúncia ao seu recebimento, conforme art. 172, do CTN 386.
5.3.2.4 Anistia
Paulo de Barros Carvalho 387 define a anistia como o perdão da falta cometida
pelo infrator de deveres tributários, bem como da penalidade a ele cominada (perdão do
ilícito e da penalidade).
Segundo Regis Fernandes de Oliveira e Estevão Horvath, a anistia, forma de
renúncia fiscal, é o perdão da penalidade imposta ao sujeito passivo tributário ou
mesmo do próprio ilícito cometido, concedida por lei 388.
384
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 5. ed. São Paulo: Noeses,
2013, p. 565.
385
Direito tributário. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 625.
386
OLIVEIRA, Régis Fernandes de; HORVATH, Estevão. Manual de direito financeiro. 4. ed. rev.,
atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 42.
387
Op. cit., p. 604.
388
OLIVEIRA; HORVATH, op. cit., p. 42.
162
389
Direito tributário. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 663.
390
“Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória. § 1º A obrigação principal surge com a
ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e
extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente.”
391
“Art. 139. O crédito tributário decorre da obrigação principal e tem a mesma natureza desta.”
392
“Se o crédito tributário for composto de principal, juros e multa, apenas a última é atingida pela
anistia”. (ibid., p. 663).
393
“Art. 175. Excluem o crédito tributário: I - a isenção; II - a anistia. Parágrafo único. A exclusão do
crédito tributário não dispensa o cumprimento das obrigações acessórias dependentes da obrigação
principal cujo crédito seja excluído, ou dela conseqüente.”
394
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 5. ed. São Paulo: Noeses,
2013, p. 605.
395
“Remitindo, o Estado dispensa o pagamento do crédito relativo ao tributo e, pela anistia, dá-se o
perdão correspondente ao ilícito ou à penalidade pecuniária. As duas realidades são parecidas, mas
estão subordinadas a regimes jurídicos bem distintos. A remissão se processa no contexto de um
vínculo de índole obrigacional tributária, enquanto a anistia diz respeito a liame de natureza
sancionatória, podendo desconstituir a antijuridicidade da própria infração”. (ibid., p. 566).
163
396
“É preciso assinalar que os deveres instrumentais cumprem papel relevante na implantação do tributo
porque de sua observância depende a documentação em linguagem de tudo que diz respeito à
pretensão impositiva. Por outros torneios, o plexo de providências que as leis tributárias impõem aos
sujeitos passivos, e que nominamos de ‘deveres instrumentais’ ou ‘deveres formais’, tem como
objetivo precípuo relatar em linguagem os eventos do mundo social sobre os quais o direito atua, no
sentido de alterar as condutas inter-humanas para atingir seus propósitos ordinatórios. Tais deveres
assumem, por isso mesmo, uma importância decisiva para o aparecimento dos fatos tributários, que,
sem eles, muitas vezes não poderão ser constituídos na forma jurídica própria”. (CARVALHO, Paulo
de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 5. ed. São Paulo: Noeses, 2013, p. 504).
397
“Trata-se de relato em linguagem competente, não há dúvida, mas ainda não credenciada àquele fim
específico. É indispensável a edição de norma individual e concreta, no antecedente da qual aparecerá
a configuração do fato jurídico tributário e, no consequente, a respectiva relação”. (ibid., p. 505).
398
Direito tributário. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 466, grifos do autor.
164
165
6.1 Introdução
Num estudo que se propõe a analisar os incentivos fiscais pela ótica normativa,
percorrendo os quatro planos semióticos sintetizados por Paulo de Barros Carvalho e
expostos anteriormente, num constante movimento de idas e vindas, com vistas a
contextualizar o instituto abordado no ordenamento jurídico em que inserido, no esforço
interpretativo, não poderíamos deixar de tratar dos princípios constitucionais que
permeiam os incentivos fiscais.
E é exatamente por permearem as normas de incentivos fiscais, assim como as
demais normas jurídicas, que os princípios são tão importantes: mais do que
simplesmente envolver, eles atravessam as normas jurídicas com sua forte carga
axiológica, atuando como direcionadores, aqui, dos incentivos fiscais, impelindo a
positivação das normas estruturais de incentivos edificadas a partir do texto
constitucional 399. Essa força dos princípios é constatada na interpretação sistemática.
Tomamos o sistema jurídico como um conjunto de normas. Os princípios,
enquanto elementos desse sistema, não são outra coisa senão normas, as quais têm
acentuado viés axiológico.
Há muitos sentidos para o termo princípio, sendo que destacamos aquele que
considera o princípio como norma em sentido amplo ou proposição, com marcante
carga valorativa, ao lado do que o toma como um limite objetivo prescrito pelo
ordenamento ao qual pertence. Em ambos os casos, encerram valores, isto é,
representam algo que a sociedade entendeu importante para servir como referência na
regulação das condutas intersubjetivas.
400
Roque Antônio Carrazza apresenta a seguinte definição de princípio
jurídico:
399
“A norma jurídica surge como fruto de um esquema de interpretação realizado pelo homem para
construir o sentido deôntico do texto do direito positivo”. (MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Fontes
no direito tributário. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2006, p. 67).
400
Curso de direito constitucional tributário. 27. ed., revista, ampliada e atualizada até a Emenda
Constitucional n. 67/2010. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 46-47.
166
Paulo de Barros Carvalho 401 aduz que é possível construir, a partir do termo
princípio, várias significações, entre as quais aponta: i) princípio como norma jurídica
de posição superior e com valor relevante; ii) princípio enquanto norma jurídica
também de posição privilegiada que determina limites objetivos; iii) princípio como
valor interno de regra jurídica de posição privilegiada, mas analisada de modo
independente das outras normas; e iv) princípio como limite objetivo delineado em
regra de forte hierarquia, sem consideração à estrutura da norma. Nos itens “i” e “ii”,
temos princípios como normas, enquanto em “iii” e “iv”, princípios como valor ou
limite objetivo.
A tentativa de apreender o sentido de “princípio” enquanto valor enfrenta, na
subjetividade, um obstáculo que atrapalha tal tarefa: os sujeitos intérpretes têm suas
próprias cargas ideológicas das quais não se desvencilham, como se verifica ao
trabalharmos, por exemplo, com os valores de justiça e igualdade.
Norma jurídica, tal qual a entendemos, é a significação construída pelo sujeito
cognoscente a partir da leitura dos textos do ordenamento, ou seja, das chamadas
marcas de tinta sobre o papel. Como os princípios são normas (pois o ordenamento é
composto unicamente por normas e os princípios são elementos do ordenamento, sendo,
enfim, normas), a eles aproveita esse conceito: são construídos também com base no
texto do direito positivo, especialmente da Constituição Federal, ora estando expressos
nos enunciados (como os princípios da legalidade, da anterioridade e da irretroatividade
da lei tributária), ora implícitos, quando forçam que o intérprete os identifique e os isole
(tal qual ocorre com o princípio da territorialidade da tributação).
Na lição de Paulo de Barros Carvalho 402, o direito é um objeto cultural. Se seus
elementos são as normas jurídicas, estamos autorizados a concluir que elas também são
objetos culturais. Ora, objetos culturais carregam marcadamente valores; desse modo, as
normas, obviamente, carregam valores, cuja intensidade é variável de uma para outra.
Quando a norma jurídica carrega muito valor e, por isso, influencia o próprio
401
Direito tributário: linguagem e método. 5. ed. São Paulo: Noeses, 2013, p. 266.
402
Ibid., loc. cit.
167
403
O princípio do não-confisco no direito tributário. São Paulo: Dialética, 2002, p. 26.
168
404
GRUPENMACHER, Betina Treiger. Das exonerações tributárias. Incentivos e benefícios fiscais. In.:
______; CAVALCANTE, Denise Lucena; RIBEIRO, Maria de Fátima; QUEIROZ, Mary Elbe.
Novos horizontes da tributação: um diálogo luso-brasileiro. Coimbra: Almedina, 2012, p. 13, 59.
405
Regime jurídico dos incentivos fiscais. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 17.
406
Ibid., p. 37-38.
407
Ibid., p. 41.
169
408
Lei complementar tributária. São Paulo: Revista dos tribunais, 1975, p. 8.
170
409
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed.
São Paulo: Malheiros, 2002, p. 10.
171
410
GRUPENMACHER, Betina Treiger. Das exonerações tributárias. Incentivos e benefícios fiscais. In.:
______; CAVALCANTE, Denise Lucena; RIBEIRO, Maria de Fátima; QUEIROZ, Mary Elbe.
Novos horizontes da tributação: um diálogo luso-brasileiro. Coimbra: Almedina, 2012, p. 48.
172
411
“E daí que certas isenções não só não colidam como até sejam impostas pelo princípio da igualdade na
aludida acepção: referimo-nos em especial às isenções que visam salvaguardar os recursos
económicos vitais dos sujeitos, designadamente as isenções de mínimo nos impostos directos sobre o
rendimento e as isenções dos bens de primeira necessidade nos impostos sobre a despesa”. (XAVIER,
Alberto. Manual de direito fiscal I. Lisboa: Manuais da Faculdade de Direito de Lisboa, 1974, p.
286).
412
GRUPENMACHER, Betina Treiger. Das exonerações tributárias. Incentivos e benefícios fiscais. In.:
______; CAVALCANTE, Denise Lucena; RIBEIRO, Maria de Fátima; QUEIROZ, Mary Elbe.
Novos horizontes da tributação: um diálogo luso-brasileiro. Coimbra: Almedina, 2012, p. 55.
413
Ibid., p. 56.
414
“Conforme salientamos, pensamos que, embora em menor grau, o princípio da capacidade
contributiva há de ser respeitado também na extrafiscalidade, quer na cobrança de tributos, quer nas
exonerações tributárias, quando utilizadas como mecanismo de redistribuição da carga tributária.
Concluímos assim que a extrafiscalidade ínsita aos benefícios e incentivos fiscais os afasta do
princípio da capacidade contributiva em seu sentido estrito; no entanto, a sua relevância e legitimidade
jurídica não podem ser negadas. Embora não se possa defender, em relação às exonerações tributárias,
serem, a priori, instrumentos realizadores de justiça fiscal, no sentido de serem respeitantes ao
princípio da capacidade contributiva, é possível concluir que realizam a justiça fiscal no seu conceito
amplo, no qual está compreendida a justiça social”. (ibid., p. 74, grifos do autor).
173
415
GRUPENMACHER, Betina Treiger. Das exonerações tributárias. Incentivos e benefícios fiscais. In.:
______; CAVALCANTE, Denise Lucena; RIBEIRO, Maria de Fátima; QUEIROZ, Mary Elbe.
Novos horizontes da tributação: um diálogo luso-brasileiro. Coimbra: Almedina, 2012, p. 59.
416
Direito tributário: linguagem e método. 5. ed. São Paulo: Noeses, 2013, p. 301.
174
417
GRUPENMACHER, Betina Treiger. Das exonerações tributárias. Incentivos e benefícios fiscais. In.:
______; CAVALCANTE, Denise Lucena; RIBEIRO, Maria de Fátima; QUEIROZ, Mary Elbe.
Novos horizontes da tributação: um diálogo luso-brasileiro. Coimbra: Almedina, 2012, p. 29.
418
Curso de direito constitucional tributário. 27. ed., revista, ampliada e atualizada até a Emenda
Constitucional n. 67/2010. São Paulo: Malheiros, 2011.
175
419
“Posta a autonomia municipal como princípio constitucional dos mais eminentes – ao lado da forma
republicana representativa e democrática (art. 34, VII, ‘a’) e da independência dos poderes (inciso IV)
–, protegido pela mais drástica das sanções institucionalmente previstas (a intervenção federal, art.
34), é, no Brasil, ingrediente necessário e ínsito da própria república; é decorrência imediata e
indissociável do princípio republicano”. (ATALIBA, Geraldo. República e constituição. 6. ed., 9.
tiragem. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 46).
420
CARVALHO, Paulo de Barros; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Guerra fiscal: reflexões sobre a
concessão de benefícios no âmbito do ICMS. São Paulo: Noeses, 2012, p. 29 et seq.
421
“Nenhuma lei pode ser interpretada sem que se conforme à exegese desses dois princípios. Nesses
termos, podemos apresentar afirmativa peremptória de que um não é o outro, mas um está pelo outro.
Tanto o princípio republicano quanto o princípio federativo são os alicerces necessários da presente
formação do Estado Brasileiro”. (ibid., p. 30).
176
422
CARVALHO, Paulo de Barros; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Guerra fiscal: reflexões sobre a
concessão de benefícios no âmbito do ICMS. São Paulo: Noeses, 2012, p. 13-14.
423
Ibid., p. 39-40.
177
424
Curso de direito constitucional tributário. 27. ed., revista, ampliada e atualizada até a Emenda
Constitucional n. 67/2010. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 233.
425
Ibid., p. 235 et seq.
426
Ibid., p. 239-240.
178
427
BORGES, José Souto Maior. Teoria geral da isenção tributária. 3. ed., 3. tiragem. São Paulo:
Malheiros, 2011, p. 281.
428
Curso de direito constitucional tributário. 27. ed., revista, ampliada e atualizada até a Emenda
Constitucional n. 67/2010. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 968.
429
“A isenção permanente somente cessa de produzir os seus efeitos com a superveniência de lei
revogadora. A isenção temporária, inversamente, é instituída por um prazo fixado de logo na própria
lei que a estabelece ou, noutros termos, a isenção temporária tem sua vigência fixada na lei que a
regula”. (BORGES, op. cit., loc. cit.).
430
“É evidente que a lei revocatória nunca alcançará as isenções (seja as com prazo certo, seja as com
prazo indeterminado) que se perfizerem juridicamente, produzindo os efeitos que lhes eram próprios.
Deveras, ela, em razão da norma constitucional que protege o ato jurídico perfeito, não poderá alterar
ou destruir os benefícios fiscais auferidos sob o império da antiga lei isentiva”. (CARRAZZA, op. cit.,
p. 969).
179
aplicáveis aos incentivos fiscais, dado que os efeitos gerados, quando revogados, são
semelhantes.
Um outro exemplo a ser mencionado é o relativo às isenções incondicionais
(unilaterais ou gratuitas) denominadas aquelas que não exigem, para sua fruição,
431
qualquer contrapartida do beneficiário , enquanto as chamadas condicionais
dependem do implemento de condição legalmente prevista, razão pela qual também são
conhecidas como bilaterais ou onerosas. Por óbvio, a condição não pode ser natureza tal
que compense o próprio benefício advindo da isenção, mostrando-se mais onerosa, ao
final, do que o próprio pagamento do tributo isentado, devendo apresentar-se razoáveis
e adequadas, além de conformes aos princípios constitucionais tributários 432.
Especialmente sobre as isenções com prazo certo e condicionais, afirma Roque
Antônio Carrazza 433 que, se revogadas antes do término de seu prazo, não prejudicam
os contribuintes que implementaram o requisito de sua fruição e, por isso, poderão
usufruir de suas vantagens até o final do lapso incialmente previsto na lei isentiva, como
se revogação não houvesse. Ele entende que, nesses casos, o destinatário da isenção que
cumpre a condição incorpora as vantagens dessa modalidade de isenção ao seu
patrimônio, o que configura direito adquirido de se valer do benefício pelo tempo
previsto na lei que instituiu a isenção, em atenção ao artigo 5º, XXXVI, da Constituição
Federal. Para ele, o direito adquirido e o ato jurídico perfeito ensejam a ultratividade da
lei anterior disciplinadora das situações que se consumaram durante sua vigência, ainda
que, depois da entrada em vigor de lei nova, em virtude da segurança jurídica 434. A lei
revogadora da isenção condicional e com prazo certo regerá as situações futuras; as
anteriores, abrangidas pela lei isentiva, estão incorporadas ao patrimônio do
contribuinte que preencheu as condições, o qual, por essa razão, não será tributado
durante prazo previsto naquela lei (não sofrerá os efeitos da lei revogadora) 435.
431
Sobre o beneficiário da isenção incondicionada, afirma Roque Antônio Carrazza (Curso de direito
constitucional tributário. 27. ed., revista, ampliada e atualizada até a Emenda Constitucional n.
67/2010. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 972) que “Este, portanto, não tem de suportar nenhum ônus
em troca da vantagem fiscal. O isento não assume, no caso, nenhuma obrigação em troca da outorga
do benefício. É suficiente seja colhido pela hipótese de incidência da isenção”.
432
Ibid., p. 969-972.
433
Ibid., p. 972 et seq.
434
Ibid., p. 981.
435
“Presume-se que a lei que concede uma isenção com prazo certo, condicional, traduz o anseio da
pessoa política que a editou de obter, dos virtuais contribuintes, um dado comportamento, reputado de
interesse geral. Ora, tal lei isentiva não tem outro significado senão proteger, para o futuro, seus
beneficiários, isto é, aquelas pessoas que cumpriram os requisitos para não serem tributadas. Se
180
436
José Souto Maior Borges observa que a lei revogatória que
discricionariamente priva da vantagem econômica o beneficiário que cumpriu os
requisitos necessários à sua fruição é incompatível com o prescrito no artigo 5º,
XXXVI, da Constituição Federal. Para ele, no caso de isenção tributária incondicional
(sem contraprestação exigida do beneficiário) e sem prazo, pode ocorrer revogação a
qualquer tempo pelo ente competente, mediante lei embasada na livre convicção do
legislador, na conveniência e oportunidade do ato em função dos critérios de política
fiscal por ele julgados relevantes.
Já nas isenções condicionais, há condições e requisitos previstos em lei, para
sua concessão, mormente investimentos e outros gastos. Essas condições e requisitos
obstam a revogação pura e simples da isenção, porque certamente se instalaria um
ambiente de insegurança no qual nenhuma pessoa colocaria em risco seus recursos a fim
de receber uma vantagem que pode transformar-se, ao final, em verdadeiro prejuízo.
Portanto, a revogação de isenções temporárias e condicionais tem como impedimento
exatamente essas condições e requisitos exigidos para sua concessão, enquanto
perdurarem, caracterizando direito adquirido. Se a isenção que se pretende revogar foi
concedida com prazo certo e tendo em vista contrapartidas do beneficiário, então não
ocorrerá a qualquer tempo. Mantém-se irrevogável até o final do prazo para o qual foi
concedida 437 . Há direito adquirido porque a concessão da isenção, segundo esse
estudioso, coloca o beneficiário em situação protegida da discricionariedade
administrativa, tendo em vista o conjunto de direitos, deveres e obrigações que
constituem o status do beneficiário da isenção.
E, nesse contexto da possibilidade de revogação de isenção condicionada e
com prazo certo, questiona José Souto Maior Borges quem são os destinatários do
artigo 178, do Código Tributário Nacional, afastando-se, desde logo, o particular, que
em nada interfere no processo legislativo, e o legislador propriamente dito, que tem
poder de revogar a isenção a qualquer tempo. Em conclusão, a irrevogabilidade está em
entendermos que ela pode, sem nenhuma consequência jurídica, ser revogada antes do prazo,
estaremos, ipso facto, admitindo que ao legislador é dado iludir os contribuintes, levando-os, por meio
de artimanhas, a certas condutas para, depois, atingido o desiderato, retirar-lhes o benefício”.
(CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 27. ed., revista, ampliada
e atualizada até a Emenda Constitucional n. 67/2010. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 982).
436
Teoria geral da isenção tributária. 3. ed., 3. tiragem. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 78 et seq.
437
“Chega-se a sustentar em doutrina que aplicar a lei revogadora antes do término do prazo para o qual
foi deferida a isenção equivale a aplicar retroativamente a lei nova: a que reduziu ou encerrou o prazo
de duração ao benefício”. (ibid., p. 81).
181
438
Regime jurídico dos incentivos fiscais. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 79-81.
439
“Art. 178 - A isenção, salvo se concedida por prazo certo e em função de determinadas condições,
pode ser revogada ou modificada por lei, a qualquer tempo, observado o disposto no inciso III do art.
104.”
440
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula nº 544. Isenções tributárias concedidas, sob condição
onerosa, não podem ser livremente suprimidas. Julgamento: 03 dez. 1969. Órgão Julgador: Sessão
Plenária: Publicação: DJ, 10 dez. 1969.
182
transformar em isenção pura, com violação aos requisitos formais e materiais para sua
concessão 441.
A propósito, convém esclarecer nosso entendimento acerca das expressões
obrigação tributária e crédito tributário, pois são ambos ambíguos. Obrigação
tributária pode ser entendida como uma quantia em dinheiro, um dever jurídico de uma
pessoa de praticar ou não uma conduta, o dever jurídico de uma pessoa especialmente
entregar uma quantia em dinheiro, uma relação jurídica, uma norma jurídica, um
elemento da norma jurídica; enfim, as acepções são diversas.
Por obrigação tributária, tomada em sentido amplo, devemos entender o dever
jurídico de que está investida uma pessoa de realizar determinada conduta (dar, fazer ou
não fazer), relativamente a uma outra pessoa, pois o Direito tem como objeto regular
condutas intersubjetivas, isto é, entre pessoas distintas, lembrando que a irreflexividade
é uma de suas características 442 . A obrigação tributária é, a nosso sentir, a própria
relação jurídica implicada por um fato jurídico. Trata-se do próprio prescritor da norma
jurídica tributária em sentido estrito.
Portanto, a obrigação, nessa concepção que adotamos, não é norma jurídica,
mas parte ou componente de norma jurídica, com o que está abrangida pelo sistema do
direito positivo, cujos elementos, como afirmados alhures, são exclusivamente normas
jurídicas.
Do mesmo modo que obrigação tributária, crédito tributário é expressão que
contempla mais de uma significação. Apesar disso, consideramos crédito tributário
como o direito subjetivo do sujeito ativo na relação jurídica tributária que o permite ver
satisfeito seu objeto. Por isso, não se pode falar em obrigação tributária sem crédito
tributária ou vice-versa. Na esteira do que adotado pelo Código Tributário Nacional,
Marcos André Vinhas Catão parece diferenciar as expressões que ora comentamos,
admitindo o nascimento da obrigação e do crédito tributário em momentos distintos,
como se a primeira surgisse com a ocorrência do chamado fato gerador e o segundo
outro ato.
441
CATÃO, Marcos André Vinhas. Regime jurídico dos incentivos fiscais. Rio de Janeiro: Renovar,
2004, p. 85.
442
“Hipótese genuína de relação irreflexiva é a jurídica, dado que ninguém pode estar, juridicamente, em
relação consigo próprio. O direito pressupõe, inexoravelmente, dois sujeitos distintos, no mínimo,
como imperativo de sua fundamental bipolaridade”. (CARVALHO, Paulo de Barros. Direito
tributário: linguagem e método. 5. ed. São Paulo: Noeses, 2013, p. 104).
183
443
Direito tributário: linguagem e método. 5. ed. São Paulo: Noeses, 2013, p. 278.
184
444
Direito tributário: linguagem e método. 5. ed. São Paulo: Noeses, 2013, p. 280.
445
Teoria geral da isenção tributária. 3. ed., 3. tiragem. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 80.
185
7.1 Introdução
446
BRASIL. Presidência da República. Lei Complementar n. 101, de 4 de maio de 2000. Lei de
Responsabilidade Fiscal. Estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na
gestão fiscal e dá outras providências. Brasília: DOU, 5 maio 2000.
447
Id. Emenda Constitucional nº 42, de 19 de dezembro de 2003. Altera o Sistema Tributário Nacional
e dá outras providências. Brasília: DOU, 31 dez. 2003.
186
Verifica-se, então, que esse parágrafo traz uma síntese das regras que devem
ser observadas no trato responsável das finanças públicas, especialmente com ênfase
naquelas que tratam da renúncia de receita, que regulamentarão o chamado “controle
orçamentário” na concessão de incentivos fiscais.
Portanto, embora não seja o objeto direto do nosso trabalho, faz parte dele
analisar sobre as condicionantes de caráter financeiro, afetas aos incentivos fiscais e
seus respectivos contornos.
incentivo fiscal e renúncia de receita são, nada mais, do que ângulos diferentes de uma
mesma realidade.
Considerando que a concessão dos incentivos pelos entes tributantes decorre na
diminuição da arrecadação tributária – e aqui tratamos a arrecadação de forma ampla,
ainda que a diminuição não seja decorrente de tributo propriamente, mas de todo o rol
de obrigações a ele inerentes – e, consequentemente, na “perda” de determinada receita,
a Lei de Responsabilidade Fiscal disciplinou, em seu artigo 14, um rol de condições
para não autorizar que incentivos fiscais sejam concedidos de forma deliberada.
O referido artigo assim dispõe:
448
CORREIA NETO, Celso de Barros. O avesso do tributo: incentivos e renúncias fiscais no direito
tributário. 2013. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo,
São Paulo, 2013, p. 205.
449
Manual de direito financeiro. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p.
41-42.
450
OLIVEIRA, Régis Fernandes de; HORVATH, Estevão. Manual de direito financeiro. 4. ed. rev.,
atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 43.
189
451
A revogação de isenção de ICMS e a desnecessidade de Convênio/Confaz. Revista Dialética de
Direito Tributário, n. 106, jul. 2004, p. 89, grifos do autor.
190
452
RAO, Vicente. Ato Jurídico: Nocão. Pressupostos. Elementos essenciais e acidentais: o problema do
conflito entre os elementos volitivos e a declaração. 3. ed. São Paulo: Max Limonad, 1981, p. 425.
191
453
A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e sua inaplicabilidade a incentivos financeiros estaduais.
Revista Dialética de Direito Tributário, n. 63, dez. 2000, p. 90.
454
“Renúncia é o ato pelo qual o titular de um direito voluntariamente o abandona. Ora, os incentivos da
LRF, art. 14, são todos eles correlacionados com matéria tributária e atuam no âmbito da relação
respectiva. Renúncia de receita tributária é renúncia de crédito tributário”. (ibid., p. 91).
455
“O conceito de incentivo fiscal, ou mais rigorosamente de incentivo tributário, na terminologia no art.
14, abrange, além da anistia, remissão, subsídio, isenção, redução da alíquota ou da base de cálculo,
crédito presumido e também os benefícios”. (ibid., p. 96).
456
CORREIA NETO, Celso de Barros. O avesso do tributo: incentivos e renúncias fiscais no direito
tributário. 2013. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo,
São Paulo, 2013, p. 204.
192
457
“A cláusula da ‘renúncia de receita’ (LC 101, art. 14, caput) é adjecta. Não está a rigor vedado
qualquer ato estatal que implique renúncia de receita. Só os atos tributários, melhor dito: os incentivos
tributários latu sensu são interditos pelo art. 14. Dito sob outra fórmula: a renúncia de receita a que se
refere o art. 14, caput está vinculada às categorias tributárias adnumeradas nesse dispositivo. Não está
desvinculada do âmbito material tributário do dispositivo em análise”. (BORGES, José Souto Maior.
A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e sua inaplicabilidade a incentivos financeiros estaduais.
Revista Dialética de Direito Tributário, n. 63, dez. 2000, p. 97).
193
8.1 Introdução
458
Frisa-se que a Lei Complementar nº 24/75 foi editada em atendimento ao disposto no artigo 155, XII,
“g” da Constituição Federal, que assim preconiza:
“Art. 155. […]
XII - cabe à lei complementar:
[…]
g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos
e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.”
459
“O órgão judicial, se provocado, exercitará a sua competência e criará uma norma jurídica que, por
conseqüência, ingressará no sistema do direito positivo, procedendo-se a uma espécie de ‘cálculo
normativo’ (operação entre normas) com a norma produzida em desacordo com as normas
194
463
Guerra fiscal no ICMS – benefícios fiscais X benefícios não fiscais. Revista de Direito Tributário,
São Paulo: Malheiros, n. 102, p. 53-66, 2008.
196
464
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso em Mandato de Segurança nº 39.554/CE. Rel.
Ministro Herman Benjamin. Julgamento: 04 abr. 2013. Órgão Julgador: Segunda Turma. Publicação:
DJe, 10 maio 2013.
465
SIMÕES, Argos Campos Ribeiro. Guerra fiscal no ICMS – benefícios fiscais X benefícios não fiscais.
Revista de Direito Tributário, n. 102. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 56.
197
466
CARVALHO, Paulo de Barros; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Guerra fiscal: reflexões sobre a
concessão de benefícios no âmbito do ICMS. São Paulo: Noeses, 2012.
467
Ibid., p. 5-7.
468
Ibid., p. 10.
198
elidir a descompetitividade entre Estados e Distrito Federal 469 . Nesse contexto, Ives
Gandra da Silva Martins 470 eleva referida unanimidade à condição de cláusula pétrea,
nos termos do artigo, 60, § 4º, I, da Constituição Federal, pois o ICMS é essencial à
autonomia financeira dos Estados: é com base nessas regras constitucionais que se evita
que os entes federativos fiquem impedidos de decidir suas políticas regionais ou que se
sujeitem a verdadeiros leilões causados pela pressão exercida por investidores ávidos
por benefícios; enfim, que se descaracterize o sistema federativo, dada a ausência de
autonomia financeira que acarreta prejuízos às autonomias política e administrativa 471.
472
Contudo, Paulo de Barros Carvalho considera que a necessidade de
unanimidade não gera efeitos, porque os convênios relativos a isenções, incentivos e
benefícios fiscais possuem índole autorizativa e não impositiva. Daí o motivo por que
sugere a redução do quórum de aprovação desses convênios para dois terços, que
facilitaria o desejado estímulo à diminuição das desigualdades regionais tal qual
preconizado pela Constituição 473.
Para chegar a tal conclusão, Paulo de Barros Carvalho 474 lembra que o direito
positivo pátrio está ancorado em quatros planos ou conjuntos de normas: o sistema
nacional, o sistema federal, os sistemas estaduais e os sistemas municipais. Dado o
caráter nacional do ICMS, sua regulação observa, grandemente, normas do sistema
nacional. Assim é que os titulares da competência para instituição do ICMS não são
dotados da faculdade para o fazer, mas, diversamente, estão obrigados a instituí-lo,
469
CARVALHO, Paulo de Barros; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Guerra fiscal: reflexões sobre a
concessão de benefícios no âmbito do ICMS. São Paulo: Noeses, 2012, p. 17.
470
Ibid., p. 18-20.
471
“Se um Estado sofre, na Federação, desfiguração tributária devido à sistemática não-cumulativa do
ICMS, sendo obrigado a reconhecer créditos presumidos, mas inexistentes, concedidos por outros
Estados, SEM A SUA CONCORDÂNCIA, as empresas estabelecidas em seu território tornam-se
descompetitivas e sem condições concorrenciais, dada a invasão de produtos estimulados, à margem
do consenso unânime. Nitidamente, o pacto federativo torna-se uma farsa e a Federação, um sistema
debilitado, restando a tríplice autonomia (política, administrativa e financeira) seriamente maculada”.
(ibid., p. 21, grifos do autor).
472
Ibid., p. 56-57.
473
“É preciso considerar, porém, que a Lei Complementar n. 24/75 foi produzida sob o manto da Carta
de 1967, tendo por base contexto socioeconômico diverso daquele que se verifica hoje, no âmbito da
vigência da Constituição de 1988. Se, àquela época, a aprovação por unanimidade era requisito
indispensável para conferir ao ICM a uniformidade então constitucionalmente preconizada, hoje esse
pressuposto não deve estar presente com tanta rigidez, sendo admissível mitigá-lo em situações
peculiares, quando as disparidades socioeconômicas dos Estados e o objetivo de reduzi-las assim
justificarem”. (ibid., p. 55).
474
Ibid., p. 46.
199
ocasião em que deverão atender àquelas normas do chamado sistema nacional, entre
elas as leis complementares, as resoluções do Senado e os convênios.
Anota referido autor 475 que a distribuição rígida das competências tributárias
entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios permite que se inter-
relacionem com amparo nos princípios federativo e da autonomia dos Municípios. Em
auxílio à produção legislativa desses entes, tem-se a lei complementar com a função de
ajustar essa atividade com os preceitos constitucionais.
Em outras palavras, a lei complementar, pertencente ao sistema nacional na
condição de normas gerais de direito tributário, no caso, desempenha o papel de veículo
introdutor capaz de detalhar as outorgas de competência, de modo a harmonizar os
diversos interesses envolvidos (locais, regionais e federais) segundo uma disciplina
única 476.
Tal é o papel da lei complementar referida no artigo 155, § 2º, XII, da
Constituição Federal, por se tratar de imposto de caráter nacional e de competência
estadual e distrital: é a lei complementar que determinará como serão celebrados os
convênios que possibilitarão a concessão e a revogação de isenções, incentivos e
benefícios fiscais 477.
Nesse ínterim, oportuno tecer algumas considerações sobre a função da lei
complementar no Direito Tributário. A lei complementar é uma das espécies normativas
previstas pelo artigo 59, da Constituição Federal; é, portanto, um dos tipos de veículos
introdutores de normas admitidos pelo nosso ordenamento. Enquanto espécie, possui
peculiaridades que permitem diferenciá-la das demais, como seu processo legislativo e
as matérias de que pode tratar, por exemplo.
A Constituição Federal embasa toda a construção do sistema jurídico, e é o
veículo introdutor que define as competências dos outros veículos introdutores. Desse
475
CARVALHO, Paulo de Barros; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Guerra fiscal: reflexões sobre a
concessão de benefícios no âmbito do ICMS. São Paulo: Noeses, 2012, p. 49.
476
Ibid., p. 50-51.
477
“Em outras palavras, não é a lei complementar de que trata o art. 155, §2º, XII, da Constituição, que
institui o ICMS no interior de cada Estado e Distrito Federal. Tais atos cabem apenas aos entes a
quem a Carta Maior tenha atribuído aptidão para tanto: os Estados e o Distrito Federal. E essa outorga,
aliás, é indelegável. A circunstância de que o exercício dessa competência, no que diz respeito aos
itens destacados no mencionado dispositivo constitucional da Carta Magna, esteja limitado aos termos
a lei complementar, faz-se em respeito ao princípio federativo, com o objetivo de, respeitadas as
diversidades entre as regiões, promover o valor igualdade, refletido na homogeneidade da tributação
pelo ICMS” (ibid., p. 52-53, grifos do autor).
200
modo, é nela que encontraremos a discriminação das matérias que devem ser tratadas
mediante lei complementar.
Do ponto de vista do processo legislativo, os artigos 61 e 69, ambos da
Constituição Federal, conformam um critério jurídico (porque estabelecido em norma
jurídica) que permite diferenciar a lei complementar das demais espécies de veículos
introdutores, visto que se exige a aprovação da maioria absoluta de cada uma das casas
legislativas.
Já sob a ótica das matérias de que pode tratar, verifica-se que à lei
complementar foram reservadas apenas algumas matérias específicas, indicadas tanto
expressa quanto implicitamente, caso este em que se tem matéria aplicável, por sua
própria natureza, a todos os entes tributantes.
Com base nesses dois vieses, Paulo de Barros Carvalho 478 atribui à lei
complementar natureza ontológico-formal, isto é, espécie normativa caracterizada por
um procedimento específico e por matérias também específicas. Assim, a competência
da espécie lei complementar deve ser delimitada, dado seu caráter excepcional.
A função da lei complementar em matéria tributária requer a análise do artigo
146, da Constituição Federal, in verbis:
478
Direito tributário: linguagem e método. 5. ed. São Paulo: Noeses, 2013, p. 391.
201
479
A previsão do artigo 146, I, da Constituição Federal, justifica-se em face da grande diversidade de
condutas sujeitas à tributação no sistema tributário, que podem ensejar dúvida sobre qual ente político
tem aptidão para instituir tributo sobre aquela atividade. Como exemplo, tem-se o caso de
fornecimento de produto e prestação de serviço ao mesmo tempo, que possibilitam, em tese, a
tributação via ICMS, IPI ou ISS.
480
CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 27. ed., revista, ampliada
e atualizada até a Emenda Constitucional n. 67/2010. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 1000; BORGES,
José Souto Maior. Lei complementar tributária. São Paulo: Revista dos tribunais, 1975, p. 55.
481
“O primeiro passo é saber que são as tão faladas normas gerais de direito tributário. E a resposta vem
depressa: são aquelas que dispõem sobre conflitos de competências entre as entidades tributantes e
também as que regulam as limitações constitucionais ao poder de tributar. Pronto: o conteúdo está
firmado. […] Com tal interpretação, daremos sentido à expressão normas gerais de direito tributário,
prestigiaremos a Federação, a autonomia dos Municípios e o princípio da isonomia das pessoas
políticas de direito constitucional interno, além de não desprezar, pela coima de contraditórias, as
palavras extravagantes do citado art. 146, III, a e b, que passam a engrossar o contingente das
202
Por sua vez, a corrente tricotômica 482 identifica, em cada um dos incisos, uma
função distinta da lei complementar em matéria tributária. As normas gerais, nessa
concepção, objetivam estabelecer regras de padronização da tributação pelos entes
competentes, conforme as alíneas do inciso III do artigo 146, acima transcrito, que
exemplificam, sem esgotar, a matéria objeto.
Nessa interpretação, a lei complementar que disponha sobre a matéria arrolada
exemplificativamente no artigo 146, III, da Constituição Federal, não implica invasão
das competências dos outros entes tributantes, sobretudo se observados os princípios e
valores constitucionais em uma visão sistemática do ordenamento 483.
Optamos pela corrente tricotômica tendo em vista que o artigo 146 da
Constituição nos parece suficientemente claro no estabelecimento das funções da lei
complementar, sem violação do federalismo, da autonomia dos municípios e da
isonomia. O rol de seu inciso III não implica, automaticamente, afronta às competências
tributárias rigidamente discriminadas, o que ocorrerá somente se houver
desconformidade em relação aos princípios constitucionais.
Os princípios federativo e da autonomia municipal não são suprimidos pela
edição das normas gerais pela União, mas apenas limitados a fim de evitar a desarmonia
quando da instituição dos tributos, isto é, quando do exercício da competência tributária.
Em se tratando de lei complementar de caráter nacional, a União não edita as normas
gerais apenas para o nível federal.
484
CARVALHO, Paulo de Barros; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Guerra fiscal: reflexões sobre a
concessão de benefícios no âmbito do ICMS. São Paulo: Noeses, 2012, p. 53.
485
Ibid., p. 57-58.
486
Ibid., p. 89.
204
487
“Essas considerações permitem afirmar que a acepção dos termos do art. 155, §2º, XII, “g”, da
Constituição, mais adequada ao peritexto constitucional, é a segunda de que tratei acima, ou seja, deve
considerar-se a exigência de convênios como etapa indispensável do processo de enunciação, a ser
continuado nas casas legislativas de cada Estado, submetendo a proposição isentiva ou o incentivo
fiscal ao escrutínio dos representantes eleitos pelo povo para, em seu nome, exercer o poder
constitucionalmente criado e instituir as modificações necessárias na regra-matriz de incidência
tributária ou em outras normas a ela relacionadas”. (CARVALHO, Paulo de Barros; MARTINS, Ives
Gandra da Silva. Guerra fiscal: reflexões sobre a concessão de benefícios no âmbito do ICMS. São
Paulo: Noeses, 2012, p. 58-59).
488
Competência tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. 2. ed. revista e ampliada. São
Paulo: Noeses, 2011, p. 293.
489
Curso de direito constitucional tributário. 27. ed., revista, ampliada e atualizada até a Emenda
Constitucional n. 67/2010. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 236 et seq.
205
Para Roque Antônio Carrazza 490, esse dispositivo tem o condão de evitar disparidades
de política fiscal, dado seu caráter facilitador das operações e prestações entre aqueles
entes.
490
Curso de direito constitucional tributário. 27. ed., revista, ampliada e atualizada até a Emenda
Constitucional n. 67/2010. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 239.
491
Artigo 1º (GOIÁS. Gabinete Civil da Governadoria. Superintendência da Legislação. Lei nº 9.489, de
19 de julho de 1984. Cria o Fundo de Participação e Fomento à Industrialização do Estado de Goiás –
FOMENTAR. Goiânia: DO, 31 jul. 1984.
492
Id. Lei nº 11.180, de 19 de abril de 1990. Estabelece modificações no Fundo de Participação e
Fomento do Estado de Goiás (FOMENTAR) e dá outras providências. Goiânia: DO, 20 abr. 1990.
206
493
Artigo 2º (GOIÁS. Gabinete Civil da Governadoria. Superintendência da Legislação. Decreto nº
3.822, de 10 de julho de 1992. Baixa Regulamento do Fundo de Participação e Fomento à
Industrialização do Estado de Goiás - FOMENTAR. Goiânia: DO, 16 jul. 1992.
494
Id. Lei nº 13.591, de 18 de janeiro de 2000. Institui o Programa de Desenvolvimento Industrial de
Goiás – PRODUZIR e o Fundo de Desenvolvimento de Atividades Industriais - FUNPRODUZIR e dá
outras providências. Goiânia: DO, 20 jan. 2000.
495
Id. Lei nº 16.285, de 30 de junho de 2008. Dispõe sobre a autorização de migração de empresa
beneficiária do FOMENTAR para o PRODUZIR e altera as Leis nos 11.180/90, 13.591/00 e
14.063/01. Goiânia: DO, 30 jun. 2008.
207
496
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.441/GO. Relator:
Ministro Rosa Weber. Julgamento: 18 maio 2012. Órgão Julgador: Ministro Rosa Weber. Publicação:
DJe, 25 maio 2012.
208
497
RIO GRANDE DO SUL. Assembleia Legislativa. Gabinete de Consultoria Legislativa. Lei Estadual
8.820, de 27 de janeiro de 1989. Modifica o Regulamento do Imposto sobre Operações Relativas à
Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e
Intermunicipal e de Comunicação (RICMS). Porto Alegre: DOE, n. 021, 30 jan. 2013.
209
PLENÁRIO
498
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Informativo do STF nº 629. Brasília, 30 de maio a 3 de junho
de 2011. Brasília: STF, 2011. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/
informativo629.htm>. Acesso em: 27 abr. 2014.
210
Por reputar caracterizada ofensa aos artigos 150, § 6º, e 155, § 2º, XII,
g, da CF, o Plenário julgou parcialmente procedente pedido formulado
em ação direta ajuizada pelo Procurador-Geral da República para
declarar a inconstitucionalidade do caput do art. 12 da Lei 5.780/93,
do Estado do Pará [“Fica o Poder Executivo autorizado, nos casos em
que identificar notória necessidade de defender a Economia do Estado
e a capacidade competitiva de empreendimentos locais, a conceder,
provisoriamente, independentemente de deliberação do Conselho
Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), benefícios fiscais ou
financeiros, que poderão importar em redução ou exclusão do
ICMS”], bem assim da expressão “sem prejuízo do disposto no
‘caput’ deste artigo” contida no parágrafo único do referido
dispositivo. Reiteraram-se, para tanto, os fundamentos expendidos
quando da apreciação da medida cautelar.
ADI 1247/PA, rel. Min. Dias Toffoli, 1º.6.2011. (ADI-1247).
Por entender caracterizada ofensa aos artigos 150, § 6º; 155, § 2º, XII,
g e 152, todos da Constituição, o Plenário julgou procedente pedido
formulado em ação direta ajuizada pelo Governador do Estado do
Paraná para declarar a inconstitucionalidade dos dispositivos
constantes do Decreto paulista 52.381/2007, com as alterações dadas
pelos Decretos 52.586/2007 e 52.824/2008. A norma impugnada
outorga benefícios fiscais a estabelecimentos fabricantes de leite
esterilizado (longa vida) e laticínios a produtores de leite situados no
Estado de São Paulo, ao reduzir em 100% a base de cálculo de ICMS
nas saídas internas desses produtos fabricados naquele ente federativo.
Ademais, concede crédito presumido de 1% do valor correspondente
às aquisições de leite cru, desde que provenientes de seus produtores.
Aduziu-se que a concessão de incentivos tributários em matéria de
ICMS deveria, por imperativo constitucional, ser precedida da
celebração de convênio entre todos os Estados-membros e o Distrito
Federal, vedado aos Poderes Executivos estaduais valer-se de outras
figuras legislativas.
ADI 4152/SP, rel. Min. Cezar Peluso, 1º.6.2011. (ADI-4152).
A partir de tais decisões é que se acirrou a discussão jurídica acerca dos seus
efeitos, isto é, se a declaração de inconstitucionalidade de tais leis, pelo Supremo
Tribunal Federal, teria o condão de obrigar as empresas contribuintes, detentoras dos
benefícios, a ressarcirem os Estados da Federação que se consideram lesados, ou se, de
outro lado, tal obrigação caberia ao próprio Estado concessor do incentivo fiscal.
É de se observar que, em todos os julgados suprarreferidos, o objeto das
demandas era o reconhecimento da inconstitucionalidade das leis “em tese”, não
abrangendo situações in concreto.
Ademais, outro aspecto da discussão que passou a ganhar destaque estava no
suposto direito adquirido das empresas que realizaram investimentos de vulto para se
beneficiarem de incentivos fiscais e que estariam à mercê da declaração de
inconstitucionalidade, não podendo ser ressarcidas pelos referidos investimentos.
Ciente dessa realidade e considerando ainda as inúmeras leis estaduais que
concedem incentivos fiscais unilaterais no âmbito do ICMS é que o Ministro Gilmar
Mendes fez uma proposta de Súmula Vinculante, com o objetivo de declarar
inconstitucional qualquer isenção, incentivo, redução de alíquota ou base de cálculo,
crédito presumido, dispensa de pagamento ou outro benefício fiscal relativo ao ICMS,
concedido sem prévia autorização, em convênio celebrado, do Conselho Nacional de
Política Fazendária (CONFAZ). Eis o texto da proposta, que pende de aprovação:
Tem-se, assim, que, linhas gerais, o cenário jurisprudencial atual tende a repelir
quaisquer incentivos fiscais, relativos ao ICMS, que não sejam conveniados, havendo
grandes chances de que esse posicionamento se sedimente, atingindo todos os
programas atualmente vigentes nessas condições, em especial se a proposta de Súmula
Vinculante vier, efetivamente, a ser aprovada.
No caso de aprovação da Súmula Vinculante, seus efeitos se irradiarão de
imediato sobre todas as situações que a ela se amoldem. E, no caso do Programa
FOMENTAR, entendemos que deve haver sua adequação ao teor de tal enunciado, na
medida em que se trata de programa concedido unilateralmente.
215
Portanto, nesta hipótese, poderá, até mesmo, haver a perda de objeto ADI nº
2.441-8, sob o fundamento de que, a partir da vigência da Súmula, a situação esposada
na ADI no tocante ao Programa FOMENTAR teria restado resolvida.
A despeito disso, o cenário ainda permanece incerto e suscita dúvidas quanto
aos seguintes pontos:
efeitos da decisão, é dizer, se haverá ou não modulação, pelo STF; e
a quem cabe a responsabilidade pelo pagamento de eventuais indébitos: se
ficará a cargo dos contribuintes que usufruíram dos benefícios ou do Estado
Federado que os concedeu.
Tais questionamentos se entrelaçam, inclusive porque apenas há sentido em se
discutir sobre responsabilidade pelo indébito na hipótese de não haver modulação dos
efeitos das decisões, pois que, apenas nesse caso, os efeitos serão ex tunc, ou seja,
atingirão todos os eventos acontecidos desde o advento do diploma tido por
inconstitucional.
Portanto, mais do que confirmar a orientação predominante de nossas Cortes
Superiores, em reconhecer a inconstitucionalidade dos incentivos fiscais de ICMS não
conveniados – o que pode ser considerado ponto pacífico –, há que se indicar a vertente
dos efeitos dos julgamentos do Supremo Tribunal Federal nos casos concretos, isto é,
em relação aos contribuintes que usufruíram dos incentivos fiscais, dentre os quais o
FOMENTAR.
Sublinha-se que, nas decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, até o
momento, inclusive aquelas acima indicadas, não há menção expressa à modulação de
efeitos, tampouco é abordada a questão da responsabilidade pelo pagamento dos
eventuais indébitos.
É fato, ademais, que muitas dessas ações ainda não transitaram em julgado,
constatando-se, nos respectivos andamentos processuais consultados no sítio do STF –
www.stf.jus.br – que em muitas delas há a apresentação de Embargos de Declaração,
possivelmente para a postulação da modulação dos efeitos da decisão, o que evidencia
que esse pleito vem sendo colocado, em virtude da relevância da definição da questão,
em debate.
216
499
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso
de Direito Constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 1244.
500
BRASIL. Presidência da República. Lei n° 9.868, de 10 de novembro de 1999. Dispõe sobre o
processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de
constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. Brasília: DOU, 11 nov. 1999.
217
501
BRASIL. Presidência da República. Lei nº 11.417, de 19 de dezembro de 2006. Regulamenta o art.
103-A da Constituição Federal e altera a Lei no 9.784, de 29 de janeiro de 1999, disciplinando a
edição, a revisão e o cancelamento de enunciado de súmula vinculante pelo Supremo Tribunal
Federal, e dá outras providências. Brasília: DOU, 20 dez. 2006.
218
502
Há relatos de ações nesse sentido no âmbito do ISSQN.
219
Assim, a questão sob análise contém duas facetas: (i) reflexos para o
contribuinte beneficiário do incentivo fiscal, que poderá ser exigido em relação ao
tributo que deixou de ser recolhido, para fins de legitimar os créditos aproveitados; e
(ii) reflexos para o adquirente das mercadorias do contribuinte, que poderá ter seus
créditos glosados pelo seu Estado sede, destinatário do produto incentivado, gerando,
até mesmo, problemas “comerciais”.
Diante desses múltiplos reflexos é que a questão acerca da delimitação dos
efeitos das decisões judiciais atinentes ao tema guerra fiscal ganha muita relevância,
dado que são diversas as partes envolvidas e que, potencialmente, podem ser atingidas.
De toda forma, cumpre-nos consignar que, à exceção da hipótese de
modulação, em qualquer outro cenário – decisão do STF ou Súmula Vinculante não
modulada, acordo no CONFAZ ou resolução do Senado –, deverá, necessariamente,
haver a definição sobre a quem incumbirá realizar o ressarcimento e de que forma isso
ocorrerá. Na prática, essa discussão pode gerar inúmeras controvérsias, especialmente
se vier a ocorrer o envolvimento do Ministério Público, uma vez que é imperativa a
observância aos princípios da segurança jurídica, presunção de legalidade, duração
razoável do processo, dentre outros, o que não é tarefa fácil.
Enfim, o mérito da questão traz uma resolução aparentemente simples:
incentivos fiscais não conveniados são inconstitucionais. Porém, seus efeitos práticos
ainda devem ser objeto de intensos debates na hipótese de não haver modulação dos
efeitos nas decisões do STF ou mesmo em eventual Súmula Vinculante.
2. no caso de não modulação dos efeitos das ADIs, pelo julgamento dos casos
concretos (controle difuso), acerca da responsabilidade pelos eventuais
indébitos passados;
3. celebração de acordo pelo CONFAZ, tal como ocorrido no caso São Paulo
X Espírito Santo;
4. resolução pelo Senado Federal, tal como recentemente ocorrido com a
Guerra dos Portos.
Trataremos individualmente de cada uma das hipóteses, seus prós e contras.
8.6.1 Modulação dos efeitos das decisões judiciais das ADIs ou da Súmula
Vinculante, pelo STF
Malgrado não tenha havido, nas ações diretas até agora julgadas 504, menção à
modulação dos efeitos das respectivas decisões, a nossa opinião é no sentido de que o
Supremo Tribunal Federal poderá perpetrá-la, para, por exemplo, declarar a
inconstitucionalidade dos benefícios fiscais apenas a partir do trânsito em julgado da
503
BRASIL. Procuradoria-Geral da República. Proposta de Súmula Vinculante nº 69. Relator:
Presidente do Supremo Tribunal Federal. Proponente: Ministro Gilmar Mendes. Disponível em:
<http://noticias.pgr.mpf.mp.br/noticias/noticias-do-site/copy_of_pdfs/Parecer em PSV n 69.pdf>.
Acesso em: 15 abr. 2014.
504
Nem mesmo houve o julgamento do Recurso Extraordinário nº 628.075, submetido ao rito de
Repercussão Geral pelo Supremo Tribunal Federal em 13.10.2011.
221
Frisa-se que um ponto fundamental que está sendo sopesado, e que é objeto de
anseio dos contribuintes, é que, em muitos casos, a fruição de benefícios é condicionada
à instalação física da empresa no território do Estado concessor e, mais que isso, à
realização de investimentos, geração de número mínimo de empregos, etc.
Concretamente, todos os custos e despesas incorridos para atendimento a essas
condições consistirão ônus exclusivo do contribuinte, visto que não há previsão para
qualquer tipo de reembolso ou restituição nesse sentido.
Portanto, a questão de fundo envolvida na presente discussão não se restringe a
um tema tributário – existência ou não do benefício fiscal – detendo, outrossim, um viés
econômico, financeiro e até social. Toda essa riqueza de pormenores serve de
fundamento para que os efeitos práticos da decisão sejam regulados diretamente pelo
Poder Judiciário, em sede de ADI, o que, consoante já consignado, seria a solução
menos impactante.
Por outro lado, considerando-se que não venha a ocorrer a modulação dos
efeitos das decisões do STF ou da súmula vinculante proposta, em face do entendimento
já fixado pela Suprema Corte a respeito da inconstitucionalidade dos benefícios fiscais
em questão, especialmente se assomar a Súmula Vinculante em fase de aprovação, é de
se ter que a questão não estará plenamente resolvida, particularmente no que concerne à
responsabilidade pelo ressarcimento dos prejuízos acarretados sobre o Estado lesado.
Nessa hipótese – não ocorrência da modulação dos efeitos –, vislumbra-se que,
com base na declaração de inconstitucionalidade promovida pelo STF, diversos
processos subjetivos (provenientes de casos concretos) chegarão ao Superior Tribunal
de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal, para, aí, se discutir se o contribuinte que
participou do benefício poderá ser responsabilizado pelo ressarcimento ao Estado lesado
por aquilo lhe era devido ou se o Estado que criou o benefício inconstitucional deverá
arcar com os prejuízos causados aos demais Estados.
Sobre esse ponto, insta retomar que há, até mesmo, o risco de interferência do
Ministério Público visando à extirpação de todos os efeitos resultantes da indevida
223
505
À guisa de exemplo, tome-se o seguinte julgado do STJ:
“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. TITULO DE PROPRIEDADE OUTORGADO
PELO PODER PÚBLICO, ATRAVES DE FUNCIONARIO DE ALTO ESCALÃO. ALEGAÇÃO
DE NULIDADE PELA PROPRIA ADMINISTRAÇÃO, OBJETIVANDO PREJUDICAR O
ADQUIRENTE: INADMISSIBILIDADE. ALTERAÇÃO NO POLO ATIVO DA RELAÇÃO
PROCESSUAL NA FASE RECURSAL: IMPOSSIBILIDADE, TENDO EM VISTA O PRINCÍPIO
DA ESTABILIZAÇÃO SUBJETIVA DO PROCESSO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR
DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. INSTITUIÇÃO DE PARQUE ESTADUAL. PRESERVAÇÃO
DA MATA INSERTA EM LOTE DE PARTICULAR. DIREITO A INDENIZAÇÃO PELA
INDISPONIBILIDADE DO IMOVEL, E NÃO SO DA MATA. PRECEDENTES DO STF E DO
STJ. RECURSOS PARCIALMENTE PROVIDOS.
I- Se o suposto equivoco no titulo de propriedade foi causado pela própria administração,
através de funcionário de alto escalão, não ha que se alegar o vício com o escopo de prejudicar
aquele que, de boa-fé, pagou o preço estipulado para fins de aquisição. Aplicação dos Princípios
de que "memo potest venire contra factum proprium" e de que "memo creditur turpitudinem suam
allegans".
II- Feita a citação validamente, não e mais possível alterar a composição dos polos da relação
processual, salvo as substituições permitidas por lei (v.g., arts. 41 a 43, e arts. 1.055 a 1.062, todos do
cpc). Aplicação do princípio da estabilização subjetiva do processo. Inteligência dos arts. 41 e 264 do
CPC. Precedente do STF: RE n. 83.983/RJ.
III - O proprietário que teve o seu imóvel abrangido por parque criado pela administração faz jus a
integral indenização da área atingida, e não apenas em relação a mata a ser preservada. Precedente do
STJ: Resp n. 39.842/SP.” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 47.015/SP.
Relator: Ministro Adhemar Maciel. Julgamento: 16 out. 1997. Órgão Julgador: Segunda Turma.
Publicação: DJ, 9 dez. 1997).
224
Ministra Ellen Gracie, ao conceder liminar, até hoje não reformada, na Ação Cautelar n°
2611 506, que inclusive se refere ao Estado de Goiás:
Vê-se, assim, que a análise completa do caso em estudo passa, também, pela
definição acerca da responsabilidade pelo ressarcimento dos prejuízos decorrentes da
indevida concessão de benefícios fiscais. E, nesse particular, a decisão acima, embora
proferida em sede liminar, constitui um importante precedente, revelador do
entendimento de que não pode ser imputada ao contribuinte, de forma exclusiva, a
responsabilidade pelo ônus do ressarcimento.
8.6.3 Celebração de acordo pelo CONFAZ, tal como ocorrido no caso São Paulo
X Espírito Santo
506
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Cautelar nº 2.611/MG. Relatora: Ministra Ellen Gracie.
Julgamento: 07 maio 2010. Órgão Julgador: Ministra Ellen Gracie. Publicação: 13 maio 2010.
225
de 2009 507, os procedimentos a serem adotados nas operações de importação por conta e
ordem de terceiros e de importação por encomenda.
Frisa-se que a definição acerca do Estado a que incumbe o recolhimento do
ICMS nos casos de importações envolvendo tradings estabelecidas no Espírito Santo e
destinatários sediados em São Paulo ilustra, com precisão, uma discussão que era
extremamente controvertida e que gerava acirradas disputas entre tais Estados. Com
efeito, diversos contribuintes paulistas montavam operações complexas para viabilizar o
desembaraço aduaneiro de mercadorias importadas por meio de portos e aeroportos
capixabas, com o propósito exclusivo de ter aquela operação desonerada (ou
praticamente desonerada) do ICMS-Importação.
A solução de tal impasse adveio com a edição do Protocolo ICMS n° 23/2009,
que segregou a sujeição ativa do ICMS-Importação, atribuindo-a ao Estado destinatário
da mercadoria (sede do importador) no caso de operações realizadas “por conta e ordem
de terceiros”. Na prática, essa determinação possibilitou ao Estado de São Paulo manter
a arrecadação no caso dessas operações – por conta e ordem – ainda que a importação
se opere no território do Espírito Santo.
Quanto ao passado, a solução encontrada no caso São Paulo X Espírito Santo
restou formalizada no Convênio ICMS nº 36, de 26 de março de 2010 508, do CONFAZ.
Diante da dificuldade inafastável para a cobrança retroativa, a opção foi pelo
reconhecimento dos recolhimentos efetuados nas operações anteriores ao Protocolo
ICMS nº 23/2009, tendo sido estabelecido, para tanto, um cronograma.
No caso do FOMENTAR, portanto inexistindo a modulação dos efeitos das
decisões da ADI ou mesmo da Súmula Vinculante, reputamos plausível que a solução
se dê por intermédio de um acordo perante o CONFAZ.
Esta alternativa é melhor do que simplesmente haver o reconhecimento da
inconstitucionalidade dos benefícios sem qualquer limitação de efeitos para as decisões,
porque possibilita que, ainda que seja atribuída aos contribuintes a responsabilidade
507
BRASIL. Ministério da Fazenda. Protocolo ICMS nº 23, de 3 de junho de 2009. Dispõe sobre os
procedimentos a serem adotados nas operações de importação por conta e ordem de terceiros e de
importação por encomenda, e dá outras providências. Brasília: DOU, 4 jun. 2009.
508
Id. Convênio ICMS nº 36, de 26 de março de 2010. Autoriza os Estados do Espírito Santo e São
Paulo e o Distrito Federal a reconhecer os recolhimentos efetuados em operações de importação por
conta e ordem de terceiros na hipótese em que específica. Brasília: DOU, 1 abr. 2010.
226
8.6.4 Resolução, pelo Senado Federal, tal como recentemente ocorrido com a
Guerra dos Portos
O efeito de uma decisão dessa natureza é que, diante dela, os Estados podem
criar mecanismos para possibilitar a cobrança retroativa do ICMS de forma menos
gravosa para os contribuintes e mais organizada. Embora seja recentíssima a notícia
sobre a aprovação de Resolução do Senado no tocante à Guerra dos Portos já
identificamos manifestações de diversos Governadores de Estados asseverando que,
frente ao cenário instalado, serão elastecidos prazos para que os contribuintes
promovam os recolhimentos relativos ao passado, bem assim que serão concedidas
anistias de multa e juros, o que pode, eventualmente, vir a ocorrer no presente caso.
8.7 Conclusão
11) Por fim, é possível que a questão seja, também, objeto de Resolução do
Senado Federal, tal como ocorrido com a Guerra dos Portos, no dia 23/04/2012. Nesse
caso, vislumbramos chances de que, tal como na hipótese de celebração de acordo junto
ao CONFAZ, os Estados estabeleçam mecanismos para cobranças retroativas com
impactos minimizados.
230
231
CONCLUSÕES
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