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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO

PAULO – PUC/SP

Sílvia Helena Gomes Piva

TEMA: INCENTIVOS FISCAIS: UMA VISÃO A PARTIR DO


CONSTRUCTIVISMO LÓGICO-SEMÂNTICO

Tese de Doutoramento em Direito

(Direito Tributário)

São Paulo
2014
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO
PAULO – PUC/SP

Sílvia Helena Gomes Piva

TEMA: INCENTIVOS FISCAIS: UMA VISÃO A PARTIR DO


CONSTRUCTIVISMO LÓGICO-SEMÂNTICO

Tese de Doutoramento em Direito

(Direito Tributário)

Tese de Doutoramento apresentada à


Banca Examinadora do Programa da
Pós-Graduação em Direito da
Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, como exigência parcial para
obtenção do título de Doutor em
Direito, sob orientação do Professor
Doutor Estevão Horvath.

São Paulo
2014
Folha de Notas

Banca Examinadora

_________________________________

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_________________________________

_________________________________

_________________________________

São Paulo, 11 de junho de 2014.


AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus pais, Maria Elisa e José Agostinho, ao meu esposo, Adriano, e aos
meus filhos, Otávio e Antônio, pelo grande incentivo para a conclusão do meu
Doutorado e, principalmente, da minha tese.

Agradeço ao Professor Paulo de Barros Carvalho, pelos ensinamentos construídos há


mais de dez anos, quando iniciei meus estudos no Instituto Brasileiro de Estudos
Tributários.

Agradeço ao meu Orientador, Estevão Horvath, pelo exemplo de grande professor, de


competência, seriedade, ética, bem como pelo incentivo no tema que escolhi para ser o
objeto do meu trabalho.

Agradeço também à Susy Hoffmann e Susete Gomes, por estarem sempre ao meu lado,
no trabalho e na vida.

Aos meus sócios, Maurício Bellucci e Roberto Miranda, pela parceria e apoio na
conclusão deste trabalho.

Agradeço às minhas amigas, especialmente Andrea Darzé, Julia Nogueira e Simone


Barreto, pela união ao longo dos créditos do Doutorado, bem como pelo apoio mútuo
para a concretização deste projeto.
“Gostaria que você soubesse que existe
dentro de si uma força capaz de mudar sua
vida, basta que lute e aguarde um novo
amanhecer.”
Margaret Thatcher
RESUMO

A tese que apresentamos tem por objetivo analisar os incentivos fiscais do ponto de
vista normativo e com base no constructivismo lógico-semântico. O ponto de partida é a
análise sobre a ausência de consenso que envolve a expressão incentivos fiscais e o
desgaste em sua utilização pela doutrina. Para isso, foram analisados os principais
estudos relacionados aos incentivos fiscais já desenvolvidos, bem como a ausência de
organização sistêmica entre as regras que tratam dos incentivos fiscais no plano
constitucional e infraconstitucional. A análise dos incentivos fiscais que é apresentada
no presente trabalho é baseada no constructivismo lógico-semântico, o que traz uma
nova visão aos trabalhos já empreendidos sobre o tema. Considerando que a maioria das
análises relacionadas aos incentivos fiscais leva em consideração a finalidade, a visão
apresentada neste trabalho se diferencia por buscar uma análise de sua estrutura
normativa. A compreensão dos incentivos fiscais calcada no estudo linguístico permite
agregar uma visão mais rica aos trabalhos já desenvolvidos sobre o tema, pois
intersecciona esta carga pragmática empreendida pelos demais estudos às duas
instâncias semióticas – sintática e semântica – para permitir uma visão completa do
fenômeno jurídico. Assim, buscou-se retirar o sentido vago e ambíguo da expressão
incentivos fiscais e realocá-lo conforme o regime jurídico dos tributos, de acordo com
uma classificação que parte da análise das normas jurídicas e a sua respectiva
interferência na regra-matriz de incidência tributária. Neste trilhar, foi realizada a
análise dos incentivos fiscais a partir do plano constitucional, para encontrar o seu
fundamento de validade, os limites e motivações da ordem constitucional, de modo que
foram analisados os princípios constitucionais que norteiam os incentivos fiscais. A
partir de uma construção normativa para os incentivos fiscais, foi construída a norma
estrutural de incentivo fiscal, que parte de uma norma de competência esboçada na
Constituição Federal. Criou-se a identificação de que os incentivos fiscais são
verdadeiras normas jurídicas e atuam mediante um conjunto de normas que interferirão
na regra-matriz de incidência tributária. Assim, as normas que não interferem na regra-
matriz de incidência tributária não poderão ser consideradas como incentivo fiscal.
Finalizamos o nosso trabalho com a análise sobre o controle de constitucionalidade dos
incentivos fiscais ilegítimos e quais os mecanismos de que o sistema constitucional
dispõe para expulsar as normas que concedem incentivos de forma irregular e, ao
mesmo tempo, prestigiar os princípios constitucionais que protegem as relações entre
Fisco e contribuintes.

Palavras-chave: Incentivo fiscal. Norma estrutural. Norma de competência.


Constructivismo lógico-semântico. Responsabilidade fiscal. Isenções. Guerra fiscal.
ABSTRACT

This thesis analyzes tax incentives under the regulation point of view and based on
logical-semantic constructivism. The starting point is the analysis of the lack of
consensus surrounding the term tax incentives and the wastage in the use of it by the
doctrine. The main studies related to tax incentives already produced were analyzed, as
well as the absence of systemic organization of the rules dealing with tax incentives at
the constitutional and infraconstitutional levels. The analysis of tax incentives that are
presented in this work is based on logical semantic constructivism, which brings a new
point of view on the subject. Whereas most tax incentives related analysis takes into
consideration the tax object, the view presented here differs from previous studies by
seeking a review of its regulatory framework. Understanding tax incentives in a
linguistic study allows adding a richer view on previous work already developed on the
matter, because it intersects this pragmatic load other studies undertaken by the two
semiotic instances – syntactic and semantic – to allow a full view of the legal
phenomenon. Thus an attempt was made to remove the vague and ambiguous sense of
the term tax incentives and relocate it according to its legal regime of taxes, according
to a classification of the analysis of legal rules and their respective interference in
matrix rule of tax incidence. In this way, the analysis of tax incentives on a
constitutional perspective was carried out to find its validity, limitations and
motivations of constitutional order, so that the constitutional principles underlying the
tax incentives were analyzed. From a normative perspective for fiscal incentives, the
standard structural fiscal stimulus was built, and it starts from a standard of competence
outlined in the Constitution. The identification about tax incentives being true legal
rules was created and it acts upon a set of rules that interfere with the matrix rule of tax
incidence. Thus, the rules that do not interfere with the matrix rule of tax incidence can
be regarded as a tax incentive. The work was finished with the analysis of the
constitutionality of illegitimate tax incentives and the mechanisms that the
constitutional system has to flush the rules that grant incentives erratically while
honoring the constitutional principles that protect the relationship between tax
authorities and taxpayers.
Keywords: Tax incentives. Structural standard. Competence norm. Logical semantic
constructivism. Fiscal responsibility. Exemptions. Tax war.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 13

1 O CONSTRUCTIVISMO LÓGICO-SEMÂNTICO COMO MÉTODO DE


ANÁLISE DOS INCENTIVOS FISCAIS.............................................................. 17
1.1 Introdução .............................................................................................................. 17
1.2 O Conhecimento, a Linguagem e o Direito ........................................................... 17
1.3 A Escolha do Método: O Constructivismo Lógico-Semântico ............................. 19
1.4 O Corte Metodológico para a análise dos Incentivos Fiscais ................................ 23
1.5 A importância da análise dos Incentivos Fiscais sob o enfoque do
Constructivismo Lógico-Semântico ...................................................................... 25
1.6 Pontos de partida: o sistema de referência e a trajetória interpretativa ................. 26
1.6.1 O Sistema de referência: o Direito Positivo e a Ciência do Direito ................. 26
1.6.2 A trajetória interpretativa.................................................................................. 29
1.6.2.1 O texto jurídico positivo e os quatro subsistemas ........................................ 34
1.6.2.2 A existência de imprecisões dos textos de direito positivo e que
dificultam a trajetória interpretativa............................................................. 36

2 INCENTIVOS FISCAIS E O SISTEMA CONSTITUCIONAL


TRIBUTÁRIO .......................................................................................................... 39
2.1 Introdução .............................................................................................................. 39
2.2 Os Incentivos Fiscais na Constituição Federal de 1988 ........................................ 39
2.3 O Pacto Federativo e os Incentivos Fiscais ........................................................... 40
2.4 A extrafiscalidade e o objetivo dos incentivos fiscais na Constituição
Federal ................................................................................................................... 42
2.5 A intervenção do Estado no Domínio Econômico e os Incentivos Fiscais ........... 48

3 ANÁLISE SEMÂNTICA DA EXPRESSÃO INCENTIVOS FISCAIS ............... 57


3.1 Introdução .............................................................................................................. 57
3.2 Os Incentivos Fiscais: múltiplos sentidos para uma única expressão ................... 58
3.2.1 Incentivos Fiscais como sinônimo de Benefícios Fiscais ou Privilégios ......... 59
3.2.2 Incentivos Fiscais como Gênero ....................................................................... 63
3.2.3 Incentivos Fiscais como Espécie ...................................................................... 65
3.2.4 Incentivos Fiscais como instrumentos redutores da carga tributária ................ 67
3.2.5 Incentivos Fiscais como Normas Indutoras de Comportamento ...................... 69
3.2.6 Incentivos Fiscais como Normas Sancionatórias Premiais .............................. 70
3.3 Demarcação da nossa posição ............................................................................... 81

4 A ESTRUTURA NORMATIVA DOS INCENTIVOS FISCAIS ........................ 83


4.1 Introdução .............................................................................................................. 83
4.2 Primeira aproximação: enunciados, proposições, norma jurídica em sentido
amplo, norma jurídica em sentido estrito e norma jurídica em sentido
completo ................................................................................................................ 83
4.3 Segunda aproximação: a Norma de Competência e uma proposta de análise
estrutural dos incentivos fiscais ............................................................................. 93
4.3.1 O exercício da competência tributária: aptidão para a instituição de
tributos e de incentivos fiscais .......................................................................... 95
4.3.2 Definição de Norma de Competência ............................................................. 100
4.4 A norma de competência enquanto norma estrutural dos Incentivos Fiscais...... 111
4.5 Analisando a norma de incentivo fiscal a partir da norma jurídica tributária
em sentido estrito................................................................................................. 113
4.6 Limites à concessão de incentivos fiscais ........................................................... 124

5 OS INCENTIVOS FISCAIS: DEFINIÇÃO, PROPOSTA


CLASSIFICATÓRIA E ESPÉCIES .................................................................... 127
5.1 Introdução ............................................................................................................ 127
5.2 Definição de Incentivos Fiscais ........................................................................... 129
5.3 Proposta de Classificação dos Incentivos Fiscais e suas Espécies ...................... 131
5.3.1 Incentivos Fiscais: Conjunto de Normas que interferem diretamente na
regra-matriz de incidência tributária com diminuição ou supressão da
obrigação tributária de pagar o tributo ........................................................... 133
5.3.1.1 Isenções ...................................................................................................... 133
5.3.1.2 Redução de base de cálculo e redução de alíquota .................................... 141
5.3.1.3 Alíquota zero .............................................................................................. 144
5.3.1.3.1 Depreciação e amortização acelerada ................................................... 147
5.3.1.4 Crédito presumido ou crédito outorgado ................................................... 148
5.3.1.4.1 Diferimento ........................................................................................... 150
5.3.1.4.2 Drawback .............................................................................................. 153
5.3.2 Normas que não interferem na relação jurídica tributária .............................. 154
5.3.2.1 Subvenção .................................................................................................. 157
5.3.2.2 Créditos Financeiros .................................................................................. 159
5.3.2.3 Remissão .................................................................................................... 160
5.3.2.4 Anistia ........................................................................................................ 161
5.3.2.5 Regras que podem trazer a simplificação das obrigações acessórias ........ 162

6 OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E OS INCENTIVOS FISCAIS ........ 165


6.1 Introdução ............................................................................................................ 165
6.2 O Desenvolvimento Econômico Nacional como princípio norteador dos
incentivos fiscais ................................................................................................. 169
6.3 Princípio da Isonomia: princípio elementar da Federação .................................. 169
6.4 Princípio da Capacidade Contributiva como elemento balizador na
concessão dos Incentivos Fiscais ........................................................................ 171
6.5 O Princípio da Legalidade como elemento indispensável à concessão dos
incentivos............................................................................................................. 173
6.6 O Princípio Federativo como núcleo fundamental para a concessão dos
incentivos fiscais ................................................................................................. 174
6.7 Princípio da Uniformidade Geográfica da Tributação ........................................ 176
6.8 Incentivos Fiscais no Tempo: anterioridade e segurança jurídica ....................... 176
6.8.1 Da necessidade de observância ao Princípio da Anterioridade para a
revogação dos incentivos fiscais..................................................................... 176
6.9 O Princípio da Segurança Jurídica e a proteção aos contribuintes ...................... 183

7 CONDICIONANTES FINANCEIROS AOS INCENTIVOS FISCAIS ........... 185


7.1 Introdução ............................................................................................................ 185
7.2 Os Incentivos Fiscais e a Lei de Responsabilidade Fiscal .................................. 186
7.2.1 O conteúdo semântico do termo renúncia ...................................................... 186
7.2.2 Situações excepcionais à aplicação do artigo 14 da LRF ............................... 191
8 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DOS INCENTIVOS
FISCAIS: ANÁLISE DE CASO CONCRETO SOBRE A GUERRA
FISCAL ENTRE OS ESTADOS DA FEDERAÇÃO ......................................... 193
8.1 Introdução ............................................................................................................ 193
8.2 A guerra fiscal entre os Estados da Federação e seus efeitos .............................. 195
8.3 Análise de caso concreto: incentivo fiscal concedido unilateralmente e a
tendência da Jurisprudência................................................................................. 205
8.3.1 O Programa FOMENTAR ............................................................................... 205
8.3.2 ADI nº 2.441-8 – SÃO PAULO X GOIÁS .................................................... 207
8.3.3 Panorama Jurisprudêncial do Supremo Tribunal Federal sobre a Guerra
Fiscal ............................................................................................................... 208
8.4 Modulação de efeitos das decisões do STF: conceito e efeitos práticos ............. 216
8.5 Delimitação do problema: riscos decorrentes da adesão ao contribuinte ao
Programa FOMENTAR........................................................................................ 218
8.6 Tendência jurisprudencial aplicável aos casos de GUERRA FISCAL ................ 219
8.6.1 Modulação dos efeitos das decisões judiciais das ADIs ou da Súmula
Vinculante, pelo STF ...................................................................................... 220
8.6.2 Julgamento dos casos concretos (controle difuso), acerca da
responsabilidade pelos eventuais indébitos passados ..................................... 222
8.6.3 Celebração de acordo pelo CONFAZ, tal como ocorrido no caso São
Paulo X Espírito Santo ................................................................................... 224
8.6.4 Resolução, pelo Senado Federal, tal como recentemente ocorrido com a
Guerra dos Portos ........................................................................................... 226
8.7 Conclusão ............................................................................................................ 227

CONCLUSÕES ........................................................................................................... 231

REFERÊNCIAS .......................................................................................................... 239


13

INTRODUÇÃO

A análise dos incentivos fiscais tem sido empreendida pela doutrina ao longo
dos anos, abarcando as mais ricas abordagens no que diz respeito a sua relevância no
ordenamento jurídico brasileiro, especialmente quanto à necessidade da concessão de
incentivos fiscais com o objetivo de minimizar as desigualdades econômicas das mais
diversas regiões do país.
Dentre as questões analisadas pela doutrina, notamos que, até os dias atuais,
não há um consenso envolvendo a questão terminológica da expressão incentivos
fiscais, o que também não é reforçado nem pelo Texto Constitucional e demais normas
do plano infraconstitucional, tampouco pela Jurisprudência.
De fato, é possível notar o grande desgaste sofrido com a utilização da
expressão incentivos fiscais, cujo uso foi feito de forma tão diversificada e a partir de
premissas tão diversas, que não é tarefa fácil sistematizar o seu estudo.
Além disso, não encontramos uma organização sistêmica entre as regras que
tratam dos incentivos fiscais no plano constitucional. Da mesma forma, o Código
Tributário Nacional também não nos traz normas gerais que prescrevam a respeito da
uniformização dessas regras de incentivos fiscais.
Buscamos, então, no presente estudo, analisar os incentivos fiscais baseados no
constructivismo lógico-semântico e, com isso, trazer uma nova visão aos trabalhos já
empreendidos sobre o tema. Considerando que a maioria das análises relacionadas aos
incentivos fiscais leva em consideração a finalidade, a nossa visão se diferencia por
buscar justamente uma análise de sua estrutura normativa.
Não queremos desprezar a importância da análise do fenômeno jurídico
relacionado à interferência que as normas de incentivos fiscais são capazes de produzir
nos acontecimentos sociais, especialmente quanto ao papel que desempenham no
cenário econômico.
Até porque sabemos que os incentivos fiscais, sob a perspectiva do
desenvolvimento nacional e da economia, têm grande relevância, especialmente no que
se refere ao manejo político dessas regras pelos entes federados, que dispõem desse
mecanismo para promover o desenvolvimento de cada região do país ou de determinada
atividade econômica.
14

Todavia, acreditamos que a compreensão adequada dos incentivos fiscais


calcada no estudo linguístico permite agregar uma visão mais rica aos trabalhos já
desenvolvidos sobre o tema, pois intersecciona essa carga pragmática empreendida
pelos demais estudos às duas instâncias semióticas – sintática e semântica – para
permitir uma visão completa do fenômeno jurídico.
Esta nova visão busca verificar os incentivos fiscais a partir da análise das
normas jurídicas de incentivo fiscal dentro do ordenamento jurídico.
Com isso, ao delimitar o objeto de nossa análise, tentaremos retirar o sentido
de vago e ambíguo da expressão incentivos fiscais para buscar, de acordo com a nossa
visão, o sentido mais próximo ao contexto estudado. Após, realocarmos os incentivos
fiscais conforme o regime jurídico dos tributos e de acordo com uma classificação, a
partir da análise das normas jurídicas e a sua respectiva interferência na regra-matriz de
incidência tributária.
Logo, ao traçar a análise dos incentivos fiscais a partir da visão do
constructivismo lógico-semântico, traremos uma visão diferenciada com relação aos
estudos já estruturados na Ciência do Direito.
Buscaremos agregar um método mais uniforme para a análise dos incentivos
fiscais para responder a uma indagação central: os incentivos fiscais são instrumentos
de manejo do poder público ou são normas jurídicas que devem obedecer, além de
princípios constitucionais, a regras próprias que o sistema jurídico impõe?
Assim, percorreremos a análise dos incentivos fiscais a partir do plano
constitucional, para encontrar o seu fundamento de validade. Consideramos que, da
mesma forma como a competência tributária deve ser exercida nos moldes estritamente
definidos pela Constituição Federal, com a parcela designada especialmente a cada ente
federativo, os incentivos fiscais deverão, da mesma forma, observar os limites e
motivações da ordem constitucional, estando, inevitavelmente, vinculados às
competências materiais e formais para a sua instituição.
Nesse contexto, a importância da identificação dos princípios que deverão
nortear o tratamento das regras incentivadoras fica ressaltada, pois estamos certos de
que a análise dos incentivos fiscais deverá sempre levar em consideração os princípios
constitucionais, bem como as finalidades colimadas na ordem jurídica vigente.
15

Construiremos nosso estudo buscando demonstrar a necessidade de estabelecer


um rigor semântico no emprego da expressão incentivos fiscais. Para isso, buscamos no
constructivismo lógico-semântico o método consistente para esta construção.
Estabeleceremos, ainda, que os incentivos fiscais são verdadeiras normas
jurídicas e atuam mediante um conjunto de normas que interferirão na regra-matriz de
incidência tributária.
Constituiremos, contudo, a distinção dos incentivos fiscais daquelas demais
normas que não agem interferindo na regra-matriz de incidência tributária, de modo
que, se tal fenômeno não ocorre, não poderemos denominá-lo de incentivo fiscal, e sim
incentivos de outra ordem, tal e qual os incentivos financeiros.
Finalizaremos o nosso trabalho com a análise sobre o controle de
constitucionalidade dos incentivos fiscais ilegítimos e quais os mecanismos de que o
sistema constitucional dispõe para expulsar as normas que concedem incentivos de
forma irregular e, ao mesmo tempo, prestigiar os princípios constitucionais que
protegem as relações entre Fisco e contribuintes.
16
17

1 O CONSTRUCTIVISMO LÓGICO-SEMÂNTICO COMO MÉTODO DE


ANÁLISE DOS INCENTIVOS FISCAIS

1.1 Introdução

Neste capítulo, abordaremos o ponto de partida do nosso trabalho, cujo


objetivo principal será o de fornecer uma análise jurídica dos incentivos fiscais sob a
perspectiva do constructivismo lógico-semântico.
Iniciaremos invocando a metodologia adotada a qual será determinante para as
conclusões apresentadas. Após a análise do método, apresentaremos o corte
metodológico para a análise do nosso objeto de estudo, qual seja, os incentivos fiscais,
bem como a importância da análise científica, partindo das premissas adotadas, assim
como também o plano de abordagem para a análise do nosso objeto de estudo.

1.2 O Conhecimento, a Linguagem e o Direito

Conhecer é possuir linguagem para tratar sobre um objeto. Esse “possuir


linguagem” importa a posse de um repertório, ou seja, uma série de experiências para
com o objeto que nos habilita a transmitir informações sobre ele. Assim, o
conhecimento é uma condição pragmática para se comunicar de forma eficiente.
Podemos dizer que o conhecimento é a diminuição das complexidades que
permeiam determinado objeto. Com o conhecimento, o ser humano constrói a relação
entre as significações em face de determinado objeto. Conhecimento é tudo aquilo que
armazenamos em nossa mente como informação por meio da crença, dos dogmas, da
história, das ciências, dos estudos etc.
A linguagem cria o canal entre o sujeito cognoscente e a realidade, de forma
que o conhecimento é a relação entre linguagens e significações, é dizer, são os
enunciados emitidos sobre determinado objeto. O conhecimento é provisório e está
sempre em mutação.
Se conhecimento, genericamente concebido, é a aptidão para transmitir
informações sobre um objeto, o conhecimento no direito, isto é, aquele que se faz pelo
18

operador na atividade constitutiva de normas, é a circunstância em que se pode afirmar,


juridicamente, a ocorrência de um evento relevante para o ordenamento.
Vilém Flusser 1 sustenta que a língua é mecanismo que nos faz estruturar, em
nosso intelecto, a própria realidade, pois os dados brutos, considerados como aquilo que
captamos por nossos sentidos, adquirem significado à medida que são processados por
palavras que, combinadas em frases, textos etc., permitirão a construção de nosso
cosmos. Sem língua, portanto, há um nada. Nesse sentido, a língua é, cria e propaga
realidade, transformando o “poder-ser” do dado bruto em “ser”.
As coisas são apenas “dados brutos” e tornam-se palavras com texto e
contexto. Isso se dá pelo fato de que o conhecimento está em contínuo aprimoramento,
e, a todo instante, estamos em contato com objetos naturais, ideais, culturais e
metafísicos através de seus atos gnosiológicos e métodos próprios, sem nos darmos
conta de que são dados novos com que, a cada momento, construímos nosso mundo e
seus limites. Isso tudo só é possível através da linguagem. A linguagem é o único
instrumento capaz de construir o homem, o objeto e mundo: não apenas serve de ligação
entre eles, como se pensava antes do “giro-linguístico”, mas é o próprio objeto de
criação.
A linguagem, desse modo, antecede o direito. O direito só existe por meio da
linguagem. A construção do nosso mundo está sempre limitada pela linguagem. A
necessidade de organizar um mundo caótico faz surgir o direito – aqui tomado como
conjunto de normas –, que tem essa função precípua de organizar o mundo em que
vivemos e as relações intersubjetivas. A aparência é aquilo que está imperfeito,
inacabado, sem ordem e que ainda não foi descoberto; a ciência é a tentativa de
classificar as aparências. A “realidade”, por sua vez, é a aquilo que foi descoberto e que
está em ordem. O caos é aparente, e a realidade é ordenada, segundo Vilém Flusser 2.
Por isso, aludido autor diz que conhecimento, verdade e realidade são aspectos da
língua. É necessário apontar que Vilém Flusser toma língua em seu conceito amplo,
abrangente tanto da matemática como da poesia, um conceito que confere à língua um
poder soberano descrito como “mágico” ou “supremo”.
Se os acontecimentos não ingressam no plano da realidade senão por meio da
linguagem, não há como negar que a redução das complexidades do objeto de

1
Língua e realidade. 3.ed. São Paulo: Annablume, 2007.
2
Ibid., p. 31-32.
19

conhecimento por meio da organização linguística é imprescindível ao conhecimento.


Alia-se a esta circunstância o homem, que apreende e constrói o juízo a respeito de
determinado objeto.
Se tomarmos o direito como uma língua, passando a falar assim em uma
“língua do direito”, observaremos que essa língua está para a realidade jurídica assim
como o idioma português está para realidade social que nos cerca. De tal sorte que
poderíamos enunciar, assim como faz Vilém Flusser 3, que o “direito cria suas próprias
realidades” porque “fala uma língua própria”, que é a língua do direito.
Essa língua jurídica constitui uma realidade porque nos condiciona na maneira
como qualificamos os institutos, os fatos, as relações. Quando em contato nesse cosmos
do direito, pensamos no modo jurídico de dever ser: nosso pensamento é um fluxo da
própria língua do direito 4.

1.3 A Escolha do Método: O Constructivismo Lógico-Semântico

Quando falamos de método, invariavelmente teremos que eleger qual deles


mais adequadamente nos aproximará de determinado objeto. Para a aproximação ao
objeto do conhecimento, inevitavelmente deveremos contar com a utilização de um
instrumento seguro de verificação.
Método é a forma pela qual nos aproximamos de determinada realidade,
visando conhecê-la. Para a Ciência, o método é fundamental, eis que delimita o objeto
de estudo, indica o sistema de referência e permite que o labor científico se dê em bases
sólidas e com a necessária coerência. Nesse sentido, que é uma das acepções possíveis

3
Língua e realidade. 3.ed. São Paulo: Annablume, 2007.
4
Tomadas ambas as realidades como sistemas (a social e a jurídica) podemos dizer que a realidade
social é constituída pela linguagem da realidade social, e sobre ela incide a linguagem prescritiva do
direito positivo, que juridiciza certos eventos, certas condutas e, assim, desenha o campo da
facticidade jurídica e o segrega do campo da facticidade social segundo critérios de eleição. Dito isso,
a linguagem se apresenta como ingrediente fundamental ao Direito e por meio dela se cumpre o
objetivo maior, seja do direito positivo, seja da Ciência do Direito. Para a conversão dos
acontecimentos sociais que interessam ao direito em linguagem competente nesse domínio,
transformando tais acontecimentos em fatos jurídicos, é fundamental a observância da teoria das
provas, isto é, a correlação entre fato e evento deve ser feita por meio da linguagem competente,
justamente a linguagem das provas, dado que estas, igualmente, são constituídas para o direito por
meio da linguagem. Não obedecida a teoria das provas, a linguagem produzida poderá ser
desconstituída por outra linguagem. E, ainda que obedecida a teoria das provas, mas tendo estas sido
constituídas para o direito de forma equivocada (p. ex., escuta telefônica ilegal), também exporá esse
elemento aos controles oferecidos pelo próprio sistema na produção da linguagem.
20

para o termo método, este é aproximado de uma das acepções possíveis para o termo
metodologia. De fato, para o estudo de qualquer ciência, é necessário realizar a
demarcação de seu objeto de análise, o qual é feito a partir de um corte abstrato.
O método científico em geral obriga a eleição de um objeto de investigação,
sendo certo que esse objeto não se coloca pronto para o estudo e análise do cientista; ao
contrário, é um objeto construído, a partir da seleção de alguns critérios, da sua
especialização frente à totalidade em que está inserido.
O que deve ser estabelecido num modelo para o estudo do direito devem ser as
premissas a partir das quais se desenvolverá um raciocínio, estabelecendo, assim, os
limites de investigação do objeto a ser estudado.
Assim, o método pode ser definido como uma série de regras gerais para tentar
resolver um problema. Os métodos não são infalíveis e não suprem o apelo à
imaginação e à intuição do cientista. A importância do método científico é uma de suas
características básicas, que é a tentativa de resolver problemas por meio de suposições,
ou seja, hipóteses que possam ser testadas através de observações ou experiência.
Para o direito, adotar um método ou um sistema de referência é importante
porque testa, criticamente, dentro das premissas estabelecidas e seleciona as melhores
hipóteses e teorias. Desse modo, vemos que o direito demanda um método para que dele
nos aproximemos e será através do método que o direito pode ser analisado. Cada
método traça um corte metodológico para facilitar a aproximação do objeto do
conhecimento; assim, só o método é capaz de dar uniformidade na apreciação do objeto
e demarcação precisa no campo do conhecimento.
Para que se possa realizar essa análise com rigor e precisão, torna-se necessária
a utilização de um método e de uma certeza na linguagem empregada, a qual deve ser
rigorosa, descritiva, construída de forma apta a descrever o fenômeno que se objetiva
conhecer.
Diversos são os modelos teóricos que poderão ser adotados para o estudo do
Direito, de modo que, mudando-se o modelo, transforma-se, consequentemente, a
conclusão sobre determinado objeto de análise. Todavia, é necessário valer-se de um
método que permita conhecer o objeto, não apenas em sentido amplo, mas sob
determinada forma de consciência, de percepção, de imagem e de conceito.
21

O que deve ser estabelecido num modelo para o estudo do direito devem ser as
premissas a partir das quais se desenvolverá um raciocínio, estabelecendo, assim, os
limites de investigação do objeto a ser estudado.
Nosso método é pautado no Direito entendido como um fenômeno
comunicacional 5.
O constructivismo lógico-semântico nada mais é do que um dos métodos de
trabalho hermenêutico que auxilia no exame do direito e que faz uma precisa
demarcação a respeito da uniformidade do objeto, sem deixar de lado o contexto
cultural em que está inserido. Como o método de investigação tem de ser seguro e
rigoroso, com a preocupação de fornecer precisão ao discurso científico, verifica-se que
o constructivismo lógico-semântico atende essa necessidade porque se utiliza da análise
das estruturas sintática, semântica e pragmática em sua investigação. Nele, o rigor
apresenta-se na linguagem, pois seu método de investigação é o analítico-hermenêutico,
ou seja, o objeto de estudo é decomposto analiticamente em partes, para só depois ser
reconstruído contextualmente por meio da hermenêutica. Sua aplicação no estudo do
direito possibilita a coerência no pensamento, permitindo, além do rigor linguístico, o
conhecimento do sistema jurídico como um todo.
Calcado nos ensinamentos de Lourival Vilanova, cuja continuidade e
aprimoramento do método foi e continua sendo realizado por Paulo de Barros Carvalho,
o Constructivismo Lógico-Semântico permite a aproximação mais detalhada do
fenômeno jurídico pelo sujeito, sendo que essa análise é decomposta pelas estruturas
mínimas normativas, que, somada à análise de outras estruturas (mínimas e integradas
ao contexto axiológico dos sujeitos cognoscentes), constitui o sistema do direito

5
Conforme Paulo de Barros Carvalho (1999 apud LINS, Robson Maia. Controle de
constitucionalidade da norma tributária – Decadência e prescrição. São Paulo: Quartier Latin,
2005, p. 45.), “o giro lingüístico é uma vertente da filosofia da linguagem que rediscute os conceitos
de verdade com olhos bem voltados para a linguagem, cuja função, longe de ser meramente descritiva
de qualquer realidade dada, é constitutiva dessa realidade. Por isso, anota-se como traço principal
dessa escola a auto-referencialidade da linguagem, ou seja, a linguagem, descrevendo a realidade a
constituir, independentemente do ‘dado’ objetivo que descreve. Assim, a realidade, que até então era
dominada pelo homem, passa a ser por ele mesmo constituída em forma de linguagem. Sobre o tema:
Dardo Scavino (La filosofia actual: pensar sin certezas. Buenos Aires: Paidós, 1999), Gregório
Robles Morchón. (O Direito como texto: quatro estudos de teoria comunicacional do direito.
Tradução de Roberto Barbosa Alves. Barueri: Manole, 2005).
22

positivo. É “antes de tudo, um instrumento de trabalho, modelos para ajustar a precisão


da forma à pureza e à nitidez do pensamento”. 6
Este mesmo autor coloca que

A conversação tecida entre o constructivismo, a teoria comunicacional


e a filosofia retórica […] flui, como se vê, de maneira natural e
produtiva. Seus resultados são auspiciosos e percebe-se enorme
entusiasmo entre todos aqueles que superam os obstáculos
convencionais e alimentam as expectativas de implantar o diálogo. 7

O “Constructivismo” permite entrelaçar os termos da linguagem. Sob a


perspectiva epistemológica, torna possível entender a relação entre o objeto de estudo e
o ser cognoscente. De fato, o objeto só existe após o ato de conhecimento realizado pelo
sujeito, o que é feito a partir do trajeto pelo percurso gerador de sentido. Por sua vez, o
“Lógico” indica a análise sintática da língua ao solicitar a decomposição do objeto de
análise em partes. O corte é metodológico, permite a separação lógica da estrutura
linguística, sendo que a análise de cada elemento individual permite o melhor
conhecimento do todo, reduzindo, assim, a complexidade linguística. Por “Semântico”
podemos entender pela relação dos signos com os objetos que se constrói e que cuja
representação é almejada, abrangendo, inevitavelmente, a interpretação como processo
gerador de sentido. Certamente, sabemos que a linguagem é um objeto da cultura, e,
como tal, sem a análise dos valores e do contexto em que se encontra submerso
determinado signo, não se pode construir objeto de forma adequada
Por fim, ainda que o campo “pragmático” não faça parte da denominação do
método utilizado, este não é afastado como método de análise. Na configuração do
plano semiótico, é plano imprescindível que as referências sintáticas e semânticas
estejam acompanhadas da pragmática. 8
Desse modo, analisar os incentivos fiscais na visão do construtivismo lógico-
semântico pretende empreender um estudo de investigação baseado na decomposição da
estrutura dos incentivos fiscais, analisando a polissemia da expressão, sua estrutura, seu
regime jurídico e, consequentemente, as limitações formais e materiais para a concessão
desses incentivos.

6
CARVALHO, Paulo de Barros. Algo sobre o Constructivismo Lógico-Semântico. In: ______ (Org.).
Constructivismo lógico-semântico. v. 1. São Paulo: Noeses, 2014, p. 5.
7
Ibid., p. 6.
8
Ibid., p. 2.
23

Portanto, inserindo a análise dos incentivos fiscais conforme os critérios


metodológicos do constructivismo lógico-semântico, analisaremos toda a estrutura
dessa categoria dentro do sistema do direito positivo, que nos possibilitará decompor a
estrutura dos incentivos fiscais, seguindo o método proposto no presente trabalho, para,
após, reconstruí-lo e destacá-lo como uma categoria de direito tributário, que pode ser
analisado segundo sua estrutura normativa.

1.4 O Corte Metodológico para a análise dos Incentivos Fiscais

A análise científica pressupõe a demarcação de seu objeto de análise, a qual é


feita a partir de um corte abstrato.
Em qualquer objeto, seja ele jurídico ou não, temos três instâncias
cognoscitivas: sujeito, objeto e a própria representação. O objeto é aquilo a que a
consciência se dirige, cognitiva ou conativamente. O objeto cognitivo é aquele item
percebido, imaginado, concebido ou pensado. E o objeto conativo é qualquer item
desejado, pretendido ou evitado.
Os objetos nascem quando deles se fala. A Teoria dos Objetos reconhece que
todo objeto tem sempre um lado subjetivo, conteúdo de alguma forma subjetiva,
apresentando-se, portanto, como um dado, um elemento integrante do mundo da
consciência. O conhecimento precisa do sujeito, por isso dizemos que existe uma
relação dialética entre sujeito e objeto, de tal sorte que um, não sendo o outro, não existe
sem o outro: um é pelo outro. “Objeto” em sentido amplo é a coisa-em-si, percebida por
nossos órgãos sensoriais; “objeto” em sentido estrito, vale dizer, em sentido epistêmico,
é o conteúdo de uma forma de consciência.
Oportuno analisar as quatro regiões ônticas exploradas pela teoria de Edmund
Husserl 9, que posteriormente foi retomada e reformulada por Carlos Cossio 10, que toma
o ser humano como referência de onde se irradiam os espaços correspondentes e o
objeto para o qual necessariamente se volve a consciência intencional (conhecer é
sempre conhecer algo).

9
Apud CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 5. ed. São Paulo:
Noeses, 2013, p. 15.
10
Apud ibid., loc. cit.
24

Partindo do homem que ficaria em primeiro lugar, poderemos dizer que em


segundo lugar teremos a região ôntica dos objetos naturais, que apresentam as seguintes
características: são reais com existência no tempo e no espaço; estão na experiência e
são neutros, cujo ato gnosiológico é o da explicação, e o método é empírico-indutivo.
Em terceiro lugar, teremos a região ôntica dos objetos ideais, que possuem as
características da irrealidade, sem apresentação de existência no tempo e no espaço; não
estão na experiência, possuindo seus valores neutros, cujo ato gnosiológico é o da
intelecção, e o método é racional-dedutivo. Em quarto lugar, teremos a região ôntica
dos objetos culturais, que apresentam as seguintes características: são reais, com
existência no tempo e no espaço; estão na experiência; são valiosos, positiva ou
negativamente; e acessados cognitivamente pela compreensão e pelo método empírico-
dialético. Em quinto e último lugar, teremos os objetos metafísicos, que são reais, com
existência no tempo e no espaço; não estando na experiência, são valiosos, positiva ou
negativamente. Quanto a estes últimos objetos, não são passíveis de ato gnosiológico e,
consequentemente, não possuem método de aproximação.
Segundo Lourival Vilanova 11, o objeto do conhecimento pertence ao domínio
das ciências especializadas de cada sistema científico, porque as proposições
especificadas pelo objeto são parte do sistema científico que lhes determina as
condições de verdade e de verificabilidade (metodologia).
Analisar os incentivos fiscais não é tarefa fácil. A ausência de um método de
análise para os incentivos fiscais tem tornado o estudo mais árido, pois dificulta uma
análise estritamente jurídica dos incentivos fiscais, seu regime jurídico e seus limites.
Assim, o corte metodológico para a análise dos incentivos parte do pressuposto
que, para conhecê-lo, faremos o corte segundo o qual os incentivos fiscais se inserem no
sistema do direito positivo; logo, são normas jurídicas que, de uma forma especial,
afetam a regra-matriz de incidência tributária, obedecidas as condições estabelecidas em
lei e os princípios constitucionais, desencadeando na relação jurídica de incentivo fiscal.
Além disso, ao realizarmos esse corte, estamos excluindo da nossa análise,
inexoravelmente, as interferências do Direito Financeiro na relação de incentivos
fiscais, bem como os fatos econômicos ou qualquer outro elemento estranho à norma
jurídica.

11
As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2010, p. 2.
25

1.5 A importância da análise dos Incentivos Fiscais sob o enfoque do


Constructivismo Lógico-Semântico

Os incentivos fiscais surgiram no século XX, quando da crise de 1929 e da


segunda guerra mundial, que implicaram um aumento na tributação sobre a renda para
custear os gastos também decorrentes desses episódios. Entendeu-se, na época, que era
preciso isentar ou reduzir a tributação incidente sobre alguns grupos de contribuintes,
sob pena de que a economia fosse atingida injusta e demasiadamente 12 . No Brasil,
ganhou grande relevo com a edição da Lei Complementar nº 101/2000, qual seja, a
chamada Lei de Responsabilidade Fiscal.
Há, de fato, uma importância pragmática do objeto exteriorizada a partir da
análise histórica dos incentivos fiscais 13 ; todavia, nosso foco não será analisar a
evolução histórica dos incentivos fiscais, mas o ponto de partida a partir da Constituição
Federal, cujo Texto trouxe as diversas manifestações do Constituinte Originário, que
são as verdadeiras balizas para a análise dos incentivos fiscais. Assim, embora a
disposições constitucionais tenham sido colocadas de forma desordenada, encontramos,
nas diversas passagens do Texto Constitucional, o fundamento de validade e os
princípios norteadores dos incentivos fiscais.
Analisar os incentivos fiscais dentro da perspectiva do constructivismo lógico-
semântico contribui para a eliminação da ambiguidade e vaguidade da expressão
incentivos fiscais. Além disso, a análise estritamente jurídica permite a construção de
um método consistente, voltado para a análise do “dever ser” e não do “ser”.
Logo, quando encontramos estudos baseados em outros sistemas de referência,
identificamos uma dificuldade em atingir uma análise coerente dos incentivos fiscais,
delineados a partir de um ponto de partida que permita conclusões atreladas às
premissas invocadas.

12
PISTONE, Pasquale apud GRUPENMACHER, Betina Treiger. Das exonerações tributárias.
Incentivos e benefícios fiscais. In.: ______; CAVALCANTE, Denise Lucena; RIBEIRO, Maria de
Fátima; QUEIROZ, Mary Elbe. Novos horizontes da tributação: um diálogo luso-brasileiro.
Coimbra: Almedina, 2012, p. 15.
13
Regime jurídico dos incentivos fiscais. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 15.
26

1.6 Pontos de partida: o sistema de referência e a trajetória interpretativa

1.6.1 O Sistema de referência: o Direito Positivo e a Ciência do Direito

A escolha do método pressupõe estabelecer um sistema de referência para a


análise do objeto de estudo. Nesse contexto, mister fixar a distinção entre sistema do
direito positivo e sistema da ciência do direito. Trata-se de corpos de linguagem
diferentes, sendo o primeiro linguagem-objeto sobre a qual se volta o segundo, na
condição de metalinguagem.
Sobre o direito positivo, entendemos que não há distinção entre ordenamento e
sistema, uma vez que as normas presentes no ordenamento estão dispostas numa
estrutura hierarquizada, regida pela fundamentação ou derivação que se opera tanto no
aspecto material quanto no formal ou processual, o que lhe imprime possibilidade
dinâmica, regulando, ele próprio, sua criação e suas transformações.
Por sua vez, a Ciência que descreve esse ordenamento mostra-se como um
sistema nomoempírico (tal como o sistema do direito positivo ou ordenamento), mas
teorético ou declarativo, vertido em linguagem que se propõe ser eminentemente
científica. Por isso, deve ter uma hipótese-limite sobre a qual possa construir suas
estruturas.
Não conseguimos obter distinção entre ordenamento e sistema quando
analisamos os binômios sincronia/diacronia e estática/dinâmica. Podemos, ao contrário,
analisar sob perspectivas diferentes, uma vez que, no caso da sincronia, as normas
jurídicas são analisadas num dado instante, ao passo que, na diacronia, essa análise
considerará as normas introduzidas no sistema em momentos distintos, permitindo a
análise da relação de coordenação entre as normas. A análise estática também considera
as normas num dado instante, mas o foco de análise são as relações de subordinação que
se instauram entre as normas. Na análise dinâmica, as normas são vistas como um filme,
contemplando todo o seu processo de transformação e não apenas o momento de sua
criação.
Em síntese, podemos dizer que é possível realizar uma análise estática do
ordenamento jurídico – nomoestática – e uma análise dinâmica do funcionamento do
sistema positivo – nomodinâmica –, sendo que, na primeira, as unidades normativas são
27

surpreendidas num determinado instante, como se fossem fotografadas, enquanto, na


segunda, é possível indagar do ordenamento nas suas constantes mutações, quer no que
diz com a criação de regras novas, quer no tocante às transformações internas que o
complexo de normas tem idoneidade para produzir.
No plano da nomodinâmica deparamo-nos, entre a norma fundante e a norma
fundada, com o ser humano, suas crenças, seus valores, suas ideologias, atuando para
movimentar o sistema, positivando-o e realizando, assim, efetivamente o direito.
Portanto, ordenamento é sistema estático, e sistema do direito positivo é
dinâmico. Ambos, entretanto, sistemas, pois que presentes suas características em
ambas as realidades. Nota-se que a mudança é na perspectiva de análise, eis que ambos
são compostos por normas jurídicas, que podem ser vistas num determinado instante ou,
ainda, a partir das relações que mantêm entre si.
Sistema de referência é o conjunto de premissas adotadas pelo investigador na
análise de determinado objeto, a fim de produzir um discurso coerente e com rigor
científico.
Quando se elege um sistema de referência, evita-se o percurso para o
conhecimento por caminhos inconsistentes e contraditórios, o que permite maior
precisão e profundidade do discurso científico.
Nessa linha de pensamento, podemos dizer que o conhecimento de
determinado objeto é relativo porque a adoção de um sistema de referência está
condicionada ao descarte de outro sistema. Mudando-se o sistema de referência, pode-se
modificar a conclusão da análise sobre determinado objeto. Além disso, o conhecimento
está atrelado aos nossos valores, que nos conduzirão à adoção de determinadas
premissas, fazendo com que o conhecimento seja sensível também a essas variações.
Como premissas ao presente trabalho, abordaremos os conceitos de sistema
jurídico, bem como abordaremos o percurso que deverá atravessar o intérprete ao
analisar o fenômeno jurídico de acordo com os planos sintático, semântico, pragmático.
Consideramos que o direito positivo é o conjunto de normas jurídicas válidas
em determinado espaço e tempo. O direito somente pode ser concebido por meio da
linguagem, por se manifestar, invariavelmente, como um corpo dotado de signos.
28

Assim, não há que se falar em direito sem linguagem, ao menos “no direito”
tomado como objeto de nossas investigações: o que é intrassubjetivo passa a ser
irrelevante.
Na postura do giro-linguístico, que adotamos, o próprio mundo que nos cerca é
um dado próprio de linguagem. Tudo é texto, porque o que está sujeito à nossa
interpretação é texto. O dado não linguístico, nessa seara, é o dado bruto de Flusser 14,
aquilo que não é, mas “pode ser”. Em outras palavras, o “nada”.
Portanto, falar que direito é linguagem se tornaria tautológico, pois, sendo
“tudo linguagem” e “tudo texto” e sendo o direito um “algo”, é inafastável assinalar que
“direito é linguagem” e que direito é “texto”.
No entanto, essa tautologia se dissolve, porque, ao enunciar que “direito é
linguagem”, pretendemos exprimir mais: o direito não é qualquer linguagem, mas é
linguagem idiomática. Mais do que isso, é linguagem idiomática suscetível de ser
transcrita em linguagem escrita, por meio do procedimento competente.
Daí por que toda argumentação jurídica – e aqui estamos em uma feição
positivista do direito – tem de se basear em um texto que está objetivado (veículos
introdutores de normas, documentos aptos a inserir normas no sistema).
Paulo de Barros Carvalho 15 assevera que língua é sistema convencional de
signos em vigor numa determinada comunidade social, que se presta a fins
comunicacionais. Assim, a língua, entendida como instituição e sistema se difere da
fala, que é ato individual de seleção e atualização. Já linguagem – mais abrangente –
significa a capacidade do ser humano para comunicar-se por intermédio de signos cujo
conjunto sistematizado é a língua. A língua é praticamente a linguagem menos a fala. A
linguagem, língua e fala são indissociáveis, sendo linguagem a palavra mais abrangente,
significando a capacidade do ser humano para comunicar-se por intermédio de signos
cujo conjunto sistematizado é a língua.
A Semiótica representa a teoria geral dos signos e estuda os elementos
representativos do processo de comunicação. Trata-se de disciplina independente, tendo
por objeto os signos dos mais variados temas.

14
Língua e realidade. 3.ed. São Paulo: Annablume, 2007.
15
Língua e Linguagem – Signos Lingüísticos – Funções, Formas e Tipos de Linguagem –
Hierarquia da Linguagens. Apostila da disciplina de lógica jurídica. São Paulo: PUC, 2010.
29

Por meio da Semiótica, distinguem-se três planos de investigação dos sistemas


sígnicos, com os respectivos objetos de indagação: i) sintático – relações dos signos
entre si; por exemplo, gramática de um idioma; ii) semântico – vínculo do signo
(suporte físico) com a realidade que ele exprime; ex.: dicionário; e iii) pragmático –
relação entre emissor e destinatário.
A Semiótica presta-se ao estudo da linguagem de qualquer Ciência Social. Por
sua vez, a Lógica estuda a estrutura de qualquer tipo de linguagem.
O direito só pode ser manifestado por meio de linguagem, pois, enquanto
realidade jurídica, somente é por meio dela (linguagem) construído. A lógica, a
semiótica e a linguística são Ciências que se relacionam em função de um objeto
comum de estudo, qual seja, o processo comunicacional. Todavia, a lógica, a semiótica
e a linguística terão por foco determinadas etapas do processo de comunicação, mas
todos fornecem elementos precisos que permitem a análise profunda do discurso, no
caso, do discurso jurídico, do texto jurídico.

1.6.2 A trajetória interpretativa

Definir a atividade de interpretar não é tarefa fácil. O termo interpretação é


dotado de diversas significações. O trabalho interpretativo é visto de diferentes formas
pela Teoria Geral do Direito, pela linguística, pela dogmática do direito ou pela teoria
da argumentação jurídica.
Para cada uma delas, a interpretação corresponde a um conceito diferente, com
sentidos diversos.
De acordo com as premissas por nós fixadas no início deste trabalho,
interessar-nos-á tão somente compreender a interpretação do direito dentro de um
sistema de linguagem.
Feita essa escolha, podemos iniciar nossa análise afirmando que a aplicação do
direito necessariamente pressupõe a interpretação, sendo essa uma atividade do intelecto
humano, que busca a significação dos enunciados. Essa atividade intelectual é pautada
nos princípios hermenêuticos, objetivando a construção, sentido e alcance das normas
jurídicas.
30

Sem a interpretação, não temos como acessar o conhecimento do direito, sendo


ela um processo contínuo e inesgotável de geração de sentido.
Segundo Paulo de Barros Carvalho 16 , interpretar é “atribuir valores aos
símbolos, isto é, adjudicar-lhes significações e, por meio dessas, referências a objetos”.
A interpretação difere da hermenêutica. A hermenêutica pode ser entendida
como uma teoria científica que tem por objetivo investigar os diversos métodos de
interpretação, como esta é realizada, quais são os critérios e esquemas 17.
Conforme já anotamos, o direito positivo é um plano de linguagem
determinado por comandos prescritivos, os quais são voltados para a regulação das
condutas humanas nas suas relações de intersubjetividade. Nessa esteira, toda
manifestação de linguagem para ser investigada necessita, inarredavelmente, percorrer o
plano sintático, o plano semântico, o plano pragmático até atingir a forma superior do
sistema normativo.
Somente interpretamos os textos do direito positivo quando percorremos todos
esses planos, compondo, assim, a significação do texto jurídico.
O plano sintático é formado pelo relacionamento que os signos linguísticos
mantêm entre si, sem qualquer alusão ao mundo exterior; o plano semântico diz respeito
ao relacionamento dos signos com os objetos significados, e o plano pragmático é a
forma pela qual os utentes da linguagem a empregam na comunidade do discurso e na
comunidade social para motivar comportamentos.
Resumidamente, o plano sintático se apresenta nas articulações das normas
entre si; a semântica jurídica é o campo das significações do direito; enquanto que a
forma de motivação da conduta, de acordo com os valores da ordem jurídica, é cuidada
pela pragmática.
Diversos são os métodos interpretativos, e podemos distribuí-los dentro desses
três planos de investigação da linguagem, senão vejamos.

16
Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 8. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 103.
17
“Para bem explicar a diferença que se instala entre a Hermenêutica e a interpretação, convém dizer
neste instante, enquanto tratamos, de modo genérico, dos meios, critérios e esquemas interpretativos,
estamos laborando em campo nitidamente hermenêutico. Agora, se nos propusermos analisar um
determinado dispositivo legal e formos aplicar os princípios, instrumentos e fórmulas preconizados
pela Hermenêutica, aí, sim, estaremos certamente desenvolvendo uma atividade interpretativa”.
(CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p.
128-129).
31

O método literal, gramatical ou léxico é o método que se utiliza simplesmente


do texto jurídico e, dentro dos três planos de investigação da linguagem, está localizado
no plano sintático. O lógico-sistemático, que se refere ao método de acordo com o
contexto do texto jurídico, também está localizado no plano sintático. O método
histórico ou genético, que se reporta ao material que serviu de base para a elaboração da
lei e seu histórico, transita tanto no nível semântico quando no plano pragmático. Da
mesma forma, o método teleológico, que se baseia na finalidade do texto, transita entre
os dois planos: semântico e pragmático 18.
Por sua vez, o método sistemático transita entre os três planos de investigação
e, nesse sentido, é considerado o método por excelência da interpretação da linguagem
do direito 19 , pois permite a construção do conteúdo, sentido e alcance das normas
jurídicas implícitas nos textos legais.
Neste ponto, merece destacar, para nós, o artigo 111 do Código Tributário
Nacional 20. Referido artigo dispõe que “interpreta-se literalmente a legislação tributária
que disponha sobre: I – suspensão ou exclusão do crédito tributário; II – outorga de
isenção; III – dispensa do cumprimento de obrigações acessórias”.
Na verdade, entendemos que a disposição acima tentou trazer a interpretação
restritiva ao conteúdo.
De fato, consideramos que a interpretação literal não é possível, uma vez que,
de acordo com as premissas que adotamos, o processo interpretativo exige um percurso
que integra todos os planos – sintático, semântico e pragmático –, de modo que não há
como levar em consideração tão somente um dos planos nesta trajetória, no caso, o
plano sintático.
Porém, entendemos que o sentido que buscou o artigo 111 do CTN é o de
tentar evitar qualquer interpretação que possa vir a ampliar os seus termos, ajustando-o
a situações para alcançar analogias.
Todavia, da mesma forma, entendemos que a interpretação da norma tributária
sempre levará em consideração a integração com todas as demais normas do sistema,

18
NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de direito tributário. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 11.
19
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 23.ed., São Paulo: Saraiva, 2011, p.
134.
20
BRASIL. Presidência da República. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema
Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e
Municípios. Brasília: DOU, 1966, artigo 11.
32

inclusive dos princípios constitucionais, de modo que não há como afastar a aplicação
dos princípios, ainda que a regra imponha uma “interpretação literal” ou “restritiva”.
Interessante a abordagem dos julgados abaixo:

EMENTA: TRIBUTÁRIO. ISENÇÃO DO IMPOSTO SOBRE


OPERAÇÕES DE CÂMBIO NAS IMPORTAÇÕES. DECRETO-LEI
N. 2.434, DE 19 DE MAIO DE 1988, ARTIGO. 6. A isenção
tributária, como o poder de tributar, decorre do jus imperii estatal.
Desde que observadas as regras pertinentes da Constituição Federal,
pode a lei estabelecer critérios para o auferimento da isenção, como no
caso in judicio. O real escopo do artigo 111 do CTN não é o de impor
a interpretação apenas literal – a rigor impossível – mas evitar que a
interpretação extensiva ou outro qualquer princípio de hermenêutica
amplie o alcance da norma isentiva. Recurso provido, por
unanimidade. 21

DEFICIENTE FÍSICO IMPOSSIBILITADO DE DIRIGIR. AÇÃO


AFIRMATIVA. LEI 8.989/95 ALTERADA PELA LEI Nº
10.754/2003. PRINCÍPIO DA RETROATIVIDADE DA LEX
MITIOR. 1. A ratio legis do benefício fiscal conferido aos deficientes
físicos indicia que indeferir requerimento formulado com o fim de
adquirir um veículo para que outrem o dirija, à míngua de condições
de adaptá-lo, afronta ao fim colimado pelo legislador ao aprovar a
norma visando facilitar a locomoção de pessoa portadora de
deficiência física, possibilitando-lhe a aquisição de veículo para seu
uso, independentemente do pagamento do IPI. Consectariamente,
revela-se inaceitável privar a Recorrente de um benefício legal que
coadjuva às suas razões finais a motivos humanitários, posto de
sabença que os deficientes físicos enfrentam inúmeras dificuldades,
tais como o preconceito, a discriminação, a comiseração exagerada,
acesso ao mercado de trabalho, os obstáculos físicos, constatações que
conduziram à consagração das denominadas ações afirmativas, como
esta que se pretende empreender. 2. Consectário de um país que
ostenta uma Carta Constitucional cujo preâmbulo promete a
disseminação das desigualdades e a proteção à dignidade humana,
promessas alçadas ao mesmo patamar da defesa da Federação e da
República, é o de que não se pode admitir sejam os direitos
individuais e sociais das pessoas portadoras de deficiência, relegados a
um plano diverso daquele que o coloca na eminência das mais belas
garantias constitucionais. 3. Essa investida legislativa no âmbito das
desigualdades físicas corporifica uma das mais expressivas técnicas
consubstanciadoras das denominadas " ações afirmativas". 4. Como de
sabença, as ações afirmativas, fundadas em princípios legitimadores
dos interesses humanos reabre o diálogo pós-positivista entre o direito
e a ética, tornando efetivos os princípios constitucionais da isonomia e
da proteção da dignidade da pessoa humana, cânones que remontam
às mais antigas declarações Universais dos Direitos do Homem.
Enfim, é a proteção da própria humanidade, centro que hoje ilumina o

21
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 14.400/SP. Relator: Ministro Demócrito
Reinaldo. Julgamento: 20 nov. 1991. Órgão Julgador: Primeira Turma. Publicação: DJ, 16 dez. 1991,
grifo nosso.
33

universo jurídico, após a tão decantada e aplaudida mudança de


paradigmas do sistema jurídico, que abandonando a igualização dos
direitos optou, axiologicamente, pela busca da justiça e pela
pessoalização das situações consagradas na ordem jurídica. 5.
Deveras, negar à pessoa portadora de deficiência física a política fiscal
que consubstancia verdadeira positive action significa legitimar
violenta afronta aos princípios da isonomia e da defesa da dignidade
da pessoa humana. 6. O Estado soberano assegura por si ou por seus
delegatários cumprir o postulado do acesso adequado às pessoas
portadoras de deficiência. 7. Incumbe à legislação ordinária propiciar
meios que atenuem a natural carência de oportunidades dos
deficientes físicos. 8. In casu, prepondera o princípio da proteção aos
deficientes, ante os desfavores sociais de que tais pessoas são vítimas.
A fortiori, a problemática da integração social dos deficientes deve ser
examinada prioritariamente, maxime porque os interesses sociais mais
relevantes devem prevalecer sobre os interesses econômicos menos
significantes. 9. Imperioso destacar que a Lei nº 8.989/95, com a nova
redação dada pela Lei nº 10.754/2003, é mais abrangente e beneficia
aquelas pessoas portadoras de deficiência física, visual, mental severa
ou profunda, ou autistas, diretamente ou por intermédio de seu
representante legal pela Lei nº 10.690, de 16.6.2003), vedando-se,
conferir-lhes na solução de seus pleitos, interpretação deveras literal
que conflite com as normas gerais, obstando a salutar retroatividade
da lei mais benéfica. (Lex Mitior). 10. O CTN, por ter status de Lei
Complementar, não distingue os casos de aplicabilidade da lei mais
benéfica ao contribuinte, o que afasta a interpretação literal do art. 1º,
§ 1º, da Lei 8.989/95, incidindo a isenção de IPI com as alterações
introduzidas pela novel Lei 10.754, de 31.10.2003, aos fatos futuros e
pretéritos por força do princípio da retroatividade da lex mitior
consagrado no art. 106 do CTN. 11. Deveras, o ordenamento jurídico,
principalmente na era do pós-positivismo, assenta como técnica de
aplicação do direito à luz do contexto social que: "Na aplicação da lei,
o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do
bem comum". (Art. 5º LICC) 12. Recurso especial provido para
conceder à recorrente a isenção do IPI nos termos do art. 1º, § 1º, da
Lei nº 8.989/95, com a novel redação dada pela Lei 10.754, de
31.10.2003, na aquisição de automóvel a ser dirigido, em seu prol, por
outrem. 22

Veja-se que, em momentos distintos, o Superior Tribunal de Justiça já


enfrentou o tema, ora prestigiando a interpretação restritiva (e não literal) e ora
contemplando a integração dos princípios constitucionais para a aplicação da norma de
incentivo fiscal.
De qualquer forma, a nossa intenção em ressaltar as disposições do artigo 111
do CTN foi no sentido de afastar, ainda que se tratando de regras de isenção (que é para

22
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 567.873/MG. Relator: Ministro Luiz
Fux. Julgamento: 10 fev. 2004. Órgão Julgador: Primeira Turma. Publicação: DJ, 25 fev. 2004, p.
120).
34

nós uma espécie do gênero incentivos fiscais), a possibilidade de interpretação literal,


pois, conforme nossas premissas, o método sistemático é o método por excelência, em
que todo o sistema normativo será integrado para a construção, pelo intérprete, da
norma jurídica.

1.6.2.1 O texto jurídico positivo e os quatro subsistemas

Todo texto é dotado de um plano de expressão e de um plano de conteúdo.


O intérprete, ao iniciar o processo de interpretação, entra em contato com a
literalidade textual, isto é, com as formulações literais, como os enunciados prescritivos
contidos naquele texto. Após esse primeiro contato com o plano de expressão, o
intérprete atinge o plano do conteúdo. É nesse momento que o intérprete efetivamente
inicia o processo interpretativo, pois passa a construir os conteúdos de significação,
ordenando as frases soltas, em relações semânticas, em estruturas de normas jurídicas.
Após essa articulação, o intérprete atinge a instância das normas jurídicas propriamente
ditas e, por fim, alcança a forma superior do sistema normativo, obtida por meio do
percurso completo dentro da trajetória de formação de sentido.
A atividade de interpretação passa, numa análise mais atenta, por uma série de
dificuldades para atingir a mensagem prescritiva.
Muitas vezes, a mensagem de fórmulas gráficas trazidas pelo legislador, ao
compor o texto jurídico, para que coincida com a mensagem normativa atingida pelo
intérprete, percorre caminhos intrincados, pois o direito, como um objeto da cultura, é
acompanhado pelos problemas da metalinguagem, pelas ideologias que carregam o
intérprete da norma, pelas dúvidas sintáticas e pelos problemas relativos à semântica e à
pragmática.
Malgrado a interpretação implique muitas vezes passar por esse caminho cheio
de obstáculos, o direito, como já dissemos, só pode ser conhecido, atingido, a partir da
construção do conteúdo, sentido e alcance do texto positivado.
Para que o intérprete alcance o sentido último do texto positivado, é preciso
passar pelos quatro subsistemas jurídicos, conhecidos por S1, S2, S3 e S4,
respectivamente, os quais são instrumentos de um sistema, derivado de um corte
35

epistemológico, que objetiva a adequação da exploração dos textos do direito positivado


visando ao seu aprofundamento, o seu conhecimento.
Paulo de Barros Carvalho 23 explica, de maneira definitiva, esse processo.
Utilizando-se de conceitos da Teoria Geral do Direito e de lógica jurídica, define tal
processo chamando cada uma das etapas por subsistemas S1, S2, S3 e S4. Em cada um
deles, teríamos um plano de aprofundamento da construção, sempre em direção à
criação de significação completa, a norma jurídica. 24
O campo ou subsistema S1 é constituído pelos enunciados ou suportes físicos à
espera de interpretação. Já no plano S2, esses mesmos enunciados estarão presentes,
desta vez, interpretados, resultando nas proposições jurídicas, as quais ainda não estão
revestidas de um conteúdo completo de significação. No plano S3, encontraremos o
resultado da interpretação conjunta de todos os enunciados, a fim de construirmos a
significação completa, isto é, atingirmos a norma jurídica. Por fim, em S4, haverá a
articulação das normas construídas em S3, baseada em regras de coordenação e de
subordinação, a fim de organizar um sistema de normas. Assim, explica o autor a
existência de tais sistemas:

[…] os primeiros (os enunciados) se apresentam como frases, digamos


assim soltas, como estruturas atômicas, plenas de sentido, uma vez
que a expressão sem sentido não pode aspirar à dignidade de
enunciado. Entretanto, sem encerrar uma unidade completa de
significação deôntica, na medida que permanecem na expectativa de
juntar-se a outras unidades da mesma índole. Com efeito, terão que
conjugar-se a outros enunciados, consoante específica estrutura
lógico-molecular, para formar normas jurídicas, estas sim, expressões
completas de significação deôntico-jurídica. Por certo que também as
normas ou regras do direito posto, enquanto manifestações mínimas e,
portanto, irredutíveis do conjunto, permanecerão à espera de outras
unidades da mesma espécie, para a composição do sistema jurídico-
normativo. 25

23
Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 8. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 103-
126.
24
O autor evidencia que esse percurso é um processo trilhado muitas vezes pelo intérprete até a
construção da norma jurídica, sendo difícil a identificação desse percurso na prática: “As mencionadas
incisões, como é obvio, são de caráter meramente epistemológico, não podendo ser vistas as fronteiras
dos subsistemas no trato superficial com a literalidade dos textos.” (CARVALHO, Paulo de Barros.
Curso de direito tributário. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 110). O sistema S4 também foi
introduzido em recente revisão da obra Direito tributário, 2010, op. cit., p. 119-126.
25
CARVALHO, 2011, op. cit., p. 142-143). Paulo de Barros Carvalho (ibid., p. 123), ainda, explica o
sistema S4: “Da mesma maneira que o subdomínio S3 é formado pela articulação de sentidos de
enunciados, recolhidos no plano S2, o nível S4 de elaboração é estrato mais elevado, que organiza as
normas numa estrutura escalonada, presentes laços de coordenação e de subordinação entre as
36

Então, uma vez cumpridos os quatro subsistemas o intérprete terá diante de si a


norma jurídica dotada de sentido completo.

1.6.2.2 A existência de imprecisões dos textos de direito positivo e que


dificultam a trajetória interpretativa

Importante brevemente tecer algumas considerações acerca das dificuldades


eventualmente encontradas pelo jurista durante o percurso de interpretação das regras
do direito positivo.
Conforme foi visto, enormes são as dificuldades encontradas pelo jurista
durante o percurso de interpretação das regras do direito positivo e, ao aplicar o direito,
cabe a ele analisar com grande prudência todo o sistema jurídico para que se evitem
incoerências entre os comandos legais e a conduta exigida concretamente. Esse
problema se mostra ainda mais grave quando nos deparamos com a imprecisão da
linguagem técnica do legislador, repleta de contradições e indeterminações no que se
refere aos tipos normativos e às condutas prescritas, principalmente quanto à
repercussão do direito tributário, aos excessos quanto à exação tributária e intromissão
no direito de propriedade dos sujeitos passivos das relações tributárias nascidas.
Karl Engisch 26 cuida com muita precisão do problema da subsunção e da
pluralidade de métodos interpretativos, concluindo que

As leis, porém, são hoje, em todos os domínios jurídicos, elaboradas


por tal forma que os juízes e os funcionários da administração não
descobrem e fundamentam as suas decisões tão-somente através da
subsunção a conceitos jurídicos fixos, a conceitos cujo conteúdo seja
explicitado com segurança através da interpretação, mas antes são
chamados a valorar autonomamente e, por vezes, a decidir e agir de
um modo semelhante ao do legislador.

Ademais, a existência de termos indeterminados acaba por permitir que o


aplicador do direito interprete as prescrições legais imerso em um amplo campo de

unidades construídas […] Enquanto, em S3, as significações se agrupam no esquema de juízos


implicacionais (normas jurídicas), em S4 teremos o arranjo final que dá o status de conjunto montado
na ordem superior de sistema. Preside este trabalho de composição hierárquica um punhado de
normas, em número finito, conhecidas como ‘regras de estruturas’, mas aptas para gerar infinitas
outras normas.”
26
ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. 7. ed. Trad. Baptista Machado. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 1996, p. 205-207.
37

subjetividade. É verdade que cabe ao intérprete sacar o conteúdo de significação das


regras de direito positivo; todavia, essa atividade não deve estar pautada na
indeterminação dos termos utilizados pela lei.
Para Paulo Ayres Barreto 27, é importante, no processo interpretativo, controlar
as possibilidades que vão surgindo, a partir de critérios firmes:

Ficar à mercê de um certo nível de arbítrio ou discricionariedade na


seleção de valores a serem mais enfaticamente considerados implica
excessiva abertura à exegese jurídica. Fixar limites estreitos a este
processo seletivo não é tarefa fácil. Seria, todavia, um erro não buscar
alternativas que reduzam as possibilidades interpretativas.

Nesse ponto, muito esclarecedor é o comentário de Celso Antônio Bandeira de


Mello 28, quando observa que a imprecisão será sempre do conceito e não da palavra
utilizada pelo legislador, uma vez que “se a palavra fosse imprecisa – e não o conceito –
bastaria substituí-la por outra ou cunhar uma nova para que desaparecesse a fluidez do
que se quis comunicar”.

Conforme adverte José Juan Ferreiro Lapatza 29, as indeterminações encontradas


na legislação, bem como a dificuldade em decifrar os seus termos, acabam por provocar
um excesso de poder manejáveis pelos “técnicos” da Administração, justificado por um
tecnicismo artificial da burocracia tributária. Com isso, esses agentes da Administração
detêm um amplo poder regulamentar, a fim de dar aplicabilidade às complicadas leis
tributárias, o que, sem dúvida, pode propiciar excessos injustificados. 30

27
BARRETO, Paulo Ayres. Contribuições: regime jurídico, destinação e controle. 2. ed. São Paulo:
Noeses, 2011, p. 12.
28
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Discricionariedade e Controle Jurisdicional. 2. Ed. São
Paulo: Malheiros, 1993, p. 21, grifos do autor.
29
FERREIRO LAPATZA, José Juan. El estatuto del contribuyente y las facultades normativas de la
administración (Derecho Tributario y orden democrático). In: TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.).
Justiça Tributária. São Paulo: Max Limonad, 1988, p. 326-327.
30
Ibid., p. 322.
38
39

2 INCENTIVOS FISCAIS E O SISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO

2.1 Introdução

Iniciaremos a análise dos incentivos fiscais a partir do Texto Constitucional,


em que buscaremos o seu fundamento de validade, bem como o regramento
constitucional relacionado ao nosso objeto de análise.

2.2 Os Incentivos Fiscais na Constituição Federal de 1988

Buscando analisar os incentivos fiscais como elementos do sistema


constitucional tributário, inevitável percorrer o Texto Constitucional para verificar o
fundamento de validade, para que os entes da federação possam instituir incentivos
fiscais, bem como os princípios constitucionais relacionados ao instituto.
O que se verifica, no entanto, é que a análise a Constituição Federal não tratou
dos incentivos fiscais de forma sistematizada.
Observamos, ao longo do Texto Magno, diversas passagens em que a aplicação
dos termos relacionados aos incentivos fiscais é feita de forma indiscriminada. Ora se
fala em “incentivos”, “benefícios”, anistias, remissões, crédito presumido, redução de
base de cálculo, etc.
Verifica-se, em muitas passagens do Texto Constitucional, o conectivo ou para
separar incentivos de benefícios fiscais, demonstrando a ausência de qualquer rigor na
conceituação dos incentivos fiscais e, consequentemente, a possibilidade de
interpretação desses termos como institutos de categorias diversas.
Diversas são as passagens em que o Texto Constitucional dispõe sobre as
competências que permitem a criação dos incentivos fiscais.
A fim de exemplificar algumas destas passagens, podemos mencionar o artigo
151, I, que, atrelado ao artigo 43, prevê a tributação uniforme pela União, sendo
admitida a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio
socioeconômico entre as diferentes regiões do País, artigo 146, III, c, no que tange aos
incentivos que os entes federativos devem conceder às cooperativas, art. 149, § 2º, I, art.
40

153, § 3º, III, e 155, § 2º, X, a, que tratam do comércio exterior e estímulo às
exportações, dentre outros.
Além disso, como demonstração da ausência de uniformidade terminológica
quanto ao uso da expressão incentivos fiscais no Texto Constitucional, citamos o artigo
155, § 2º, XII, g, e o artigo 156, § 3º, III, que se utilizam dos termos isenções, incentivos
e benefícios fiscais para determinar que cabe à lei complementar instituí-los e revogá-
los. Do mesmo modo, o artigo 195, § 3º, proíbe que os contribuintes com débito com o
sistema da seguridade social recebam “benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios”.
Assim, podemos concluir que não foi ordenado e uniforme o tratamento dos
incentivos fiscais na Constituição Federal.
Todavia, ainda que ausente esta sistematização dos incentivos fiscais na
Constituição Federal, em se tratando de fundamento constitucional, buscaremos os
alicerces, isto é, qual o ensejo dado ao Constituinte para permitir a concessão dos
incentivos fiscais pelos entes da federação.
Trataremos dos princípios que balizam os incentivos fiscais no Capítulo 6, de
modo que, a seguir, apresentaremos o contexto constitucional em que os incentivos
fiscais estão inseridos.

2.3 O Pacto Federativo e os Incentivos Fiscais

O Sistema Constitucional Brasileiro elegeu, como estrutura elementar, os


princípios federativo e republicano.
O artigo 1º da Constituição Federal estabelece que o Brasil é uma República
Federativa, formada pela união indissolúvel dos Estados, Municípios e do Distrito
Federal, determinando-se, assim, a existência de várias ordens na composição de nossa
Federação: a União – ordem total, os Estados – ordens regionais, e os Municípios –
ordens locais, ficando assim o poder político repartido entre os entes coletivos que
compõem a Federação.
As disposições dos artigos 18 31 , 29 32 e 30 33 da Constituição fortalecem a
equiparação formal dos Municípios com os Estados-membros e a União.

31
“Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a
União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta
41

Conforme afirma Roque Antônio Carrazza 34, no Brasil, o princípio federativo é


verdadeira coluna mestra do sistema jurídico, no qual convivem harmonicamente a
ordem jurídica global, isto é, o Estado brasileiro, e as ordens jurídicas parciais – a União
e os Estados-membros. A União e os Estados-membros são iguais, isto é, não há
hierarquia entre eles. O que há são campos de ação autônomos e exclusivos,
estritamente traçados na Carta Suprema, que lei alguma pode alterar. Além disso, a
federação é indissolúvel, em razão da rigidez constitucional, de modo que há uma
coexistência das autonomias federais e estaduais.
Vê-se que ficou garantida pela Constituição a autonomia aos Estados
Federados e aos Municípios, que se consubstancia na sua capacidade de auto-
organização, de autolegislação, de autogoverno e de autoadministração 35.
Um importante traço da federação é a autonomia, que significa a capacidade ou
poder de gerir os próprios negócios, dentro de um círculo prefixado por entidade
superior, sendo a Constituição Federal a detentora do poder de distribuir as
competências e impor limites às três esferas de governo 36.
Depreende-se, então, que a ideia de autonomia e, consequentemente, do
reconhecimento estabelecido pela Constituição Federal da autogestão dos entes
federados, está intimamente ligada à repartição de competências.
A autonomia dos entes federados é essencial para a Federação, de forma que,
sem ela, não haveria diferença entre o Estado federado de um Estado unitário complexo.
Nota-se, então, que a autonomia dos Estados, dos Municípios e do Distrito
Federal é a base do princípio republicano, sendo um dos mais importantes princípios do
nosso sistema constitucional.

Constituição.” (BRASIL. Presidência da República. Constituição da República Federativa do


Brasil de 1988. Brasília, 8 out. 1998).
32
“Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de
dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos
os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes
preceitos: […]” (ibid.).
33
“Art. 30. Compete aos Municípios: […]” (ibid.).
34
CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 27. ed., revista, ampliada
e atualizada até a Emenda Constitucional n. 67/2010. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 147.
35
Arts. 18, 29 e 30 da CF (BRASIL, op. cit.).
36
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 22. ed. São Paulo: Malheiros,
2003, p. 592).
42

Portanto, verifica-se que o princípio da autonomia dos entes federados é uma


derivação dos princípios fundamentais da república e da federação, verdadeira cláusula
pétrea, nos termos do artigo 60, § 4º, I, da Constituição Federal.
Em se tratando de incentivos fiscais, certo é que o federalismo impõe limites
para a concessão de incentivos fiscais.
Todavia, tem sido bastante comum a concessão de incentivos fiscais em
desrespeito ao pacto federativo em que Estados e Municípios tentam, de todo modo,
sobrepor os interesses nacionais, colocando em risco a harmonia e unidade da
federação.
Portanto, inegável que, enquanto cláusula pétrea, a federação não pode ser
afrontada quando da concessão de incentivos fiscais que não observem os critérios
constitucionais que protegem a federação.

2.4 A extrafiscalidade e o objetivo dos incentivos fiscais na Constituição Federal

Muitos estudos colocam a extrafiscalidade como o fundamento de validade por


excelência dos incentivos fiscais. Assim, segundo essa visão, os incentivos fiscais
teriam seu berço na natureza extrafiscal de alguns tributos.
Alguns autores consideram a extrafiscalidade, basicamente, como medidas
fiscais de incentivo ou de desestímulo a determinados comportamentos. Misabel Derzi 37
afirma que "a doutrina e a jurisprudência têm reconhecido ao legislador tributário a
faculdade de estimular ou desestimular comportamentos, por meio de uma tributação
progressiva ou regressiva, ou da concessão de benefícios e incentivos fiscais". Casalta
Nabais 38identifica extrafiscalidade nas normas tributárias que têm o "intuito de actuar
directamente sobre os comportamentos económicos e sociais de seus destinatários".
Segundo Regis Fernandes de Oliveira e Estevão Horvath 39, a extrafiscalidade:

[…] ocorre quando a legislação de um tributo é elaborada com


providências no sentido de prestigiar certas situações (ou, ao
contrário, desprestigiar outras), tidas como social, política ou

37
BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. Edição atualizada por Misabel Abreu Machado
Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 233.
38
NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos: contributo para a compreensão do
estado fiscal contemporâneo. Coimbra: Livraria Almedina, 1998, p. 629.
39
OLIVEIRA, Régis Fernandes de; HORVATH, Estevão. Manual de direito financeiro. 4. ed. rev.,
atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 59.
43

economicamente valiosas, às quais o legislador dispensa tratamento


mais confortável ou menos gravoso (ou, em outras situações, mais
gravoso). Em suma, utiliza-se do tributo com fins diversos dos
meramente arrecadatórios.

Assim, as diversas conceituações para a extrafiscalidade verificam que este


instituto, além de provocar estímulos ou desestímulos a comportamentos, agrega ao
conceito toda modalidade que tenha por objetivo a “mera arrecadação de tributos”.
Nessa linha, Ricardo Lobo Torres sustenta:

A extrafiscalidade, como forma de intervenção estatal na economia,


apresenta uma dupla configuração: de um lado, a extrafiscalidade se
deixa absorver pela fiscalidade, constituindo a dimensão finalista do
tributo; de outro, permanece como categoria autônoma de ingressos
públicos, a gerar prestações não tributárias 40.

Dentro da nossa concepção, embora possamos encontrar tributos que se


revelam mais propensos à arrecadação, outros se mostram mais voltados a finalidades
extrafiscais, de modo que salienta Paulo de Barros Carvalho 41 não haver entidade
tributária dita pura, isto é, que concretize apenas a fiscalidade ou a extrafiscalidade,
porque ambos os vieses coexistem em harmonia num mesmo tributo, com
predominância de um sobre o outro.
Ainda que tenhamos esta opinião, podemos traçar uma distinção entre as
finalidades fiscais, que podem ser identificadas como aquelas destinadas a simples
arrecadação para o custeio da Administração Pública, das extrafiscais, que podem ser
utilizadas como instrumentos para direcionar as condutas dos contribuintes para aquilo
que for conveniente ao interesse público. Dentro da extrafiscalidade, duas posturas são
determinantes: ou se eleva a carga tributária para desestimular uma determinada
conduta (exemplificamos, nesse aspecto, a utilização da progressividade do IPTU) ou
ocorre a diminuição ou supressão de tributo a pagar para estimular condutas. Neste
caso, estaremos diante da extrafiscalidade para a concessão dos incentivos.
Assim é que os valores do sistema jurídico identificados durante o processo
interpretativo 42 são implantados, no campo tributário, por meio das regras de caráter

40
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito financeiro e tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2001,
p. 167.
41
CARVALHO, Paulo de Barros; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Guerra fiscal: reflexões sobre a
concessão de benefícios no âmbito do ICMS. São Paulo: Noeses, 2012, p. 37.
42
“Os problemas aqui mencionados, é verdade, extrapolam os limites da especulação jurídica. Formam,
no entanto, um substrato axiológico que, por tão próximo, não se pode ignorar. A contingência de
carecerem de positivação explícita não deve conduzir-nos ao absurdo de negá-los, mesmo porque
44

extrafiscal, que não se relacionam às finalidades arrecadatórias. Nesse contexto, Paulo


de Barros Carvalho 43 aponta as isençõ
es como fortes instrumentos de extrafiscalidade:

Dosando equilibradamente a carga tributária, a autoridade legislativa


enfrenta as situações mais agudas, onde vicissitudes da natureza ou
problemas econômicos e sociais fizeram quase que desaparecer a
capacidade contributiva de certo segmento geográfico ou social. A par
disso, fomenta as grandes iniciativas de interesse público e incrementa
a produção, o comércio e o consumo, manejando de modo adequado o
recurso jurídico das isenções.

Ao afirmar que as regras tributárias de caráter extrafiscal buscam objetivos


estranhos aos meramente arrecadatórios e que os incentivos fiscais são importantes
instrumentos da extrafiscalidade, Paulo de Barros Carvalho não lhes nega a dignidade
tributária 44; ao contrário, entende que os incentivos fiscais se caracterizam pelo objetivo
principalmente extrafiscal que buscam cumprir, como a diminuição das desigualdades
regionais, o estímulo à abertura de vagas para emprego, a captação de investimentos em
atividade econômica e empresarial em certas regiões do Brasil, o incentivo às
exportações, por exemplo, e outros mais. Com isso, provocam estímulo de cunho
econômico.
Para Marcos André Vinhas Catão, a teoria dos incentivos fiscais assenta-se
sobre a extrafiscalidade 45 , a qual diminui a importância arrecadatória da tributação,
impondo-lhe finalidades corretivas de situações econômicas, sociais ou políticas não
desejadas. Segundo ele, atualmente a extrafiscalidade

[…] se insere como um dos mais importantes meios de consecução


dos objetivos sociais e econômicos, na medida em que, agregado à
atividade arrecadatória, fiscal, funde-se em um único instrumental,
indispensável para o desenvolvimento das sociedades
contemporâneas, naquilo que se convencionou denominar de Política
Fiscal, terminologia que acende tema de profunda preocupação no
cipoal democrático 46.

penetram a disciplina normativa e ficam depositados, implicitamente, nos textos do direito posto. O
intérprete do produto legislado, ao arrostar as tormentosas questões semânticas que o conhecimento da
lei propicia, fatalmente irá deparar-se com resquícios dessa intencionalidade que presidiu a elaboração
legal”. (CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 5. ed. São Paulo:
Noeses, 2013, p. 604).
43
Ibid., p. 604.
44
CARVALHO, Paulo de Barros; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Guerra fiscal: reflexões sobre a
concessão de benefícios no âmbito do ICMS. São Paulo: Noeses, 2012, p. 38-39.
45
Regime jurídico dos incentivos fiscais. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 4.
46
Ibid., p. 25.
45

Veja-se que não exclui a importância arrecadatória dos tributos, apenas a


desloca para outro degrau de importância. Dado seu caráter não excludente, o autor
explica que todas as espécies tributárias podem operar com função extrafiscal e ensejar
a concessão de incentivos fiscais, os quais não se restringem, portanto, a alguns tributos
que, supostamente, teriam índole extrafiscal 47.
Com apoio em Gerd Willi Rothmann 48, afirma-se que há três grupos de normas
tributárias: a) de finalidade fiscal; b) de finalidade social e extrafiscal ou indutora; e c)
de simplificação. As normas de simplificação objetivam facilitar a aplicação das normas
tributárias propriamente ditas, ou seja, tornar a aplicação mais praticável, mais
econômica, mais exequível.
As normas de finalidade fiscal, por sua vez, são aquelas cujo fim é arrecadar
recursos com que o Estado possa suprir as necessidades dos cidadãos, as quais estão em
constante aumento. Gerd Willi Rothmann recorda que, para Tipke, as normas tributárias
devem render recursos ao Estado sem prejuízo da justiça distributiva aos cidadãos
contribuintes, cujos contornos são dados por valores presentes nas normas jurídicas
tributárias, especialmente nos princípios constitucionais. O princípio da capacidade
contributiva, lastreado que é na igualdade, serve aos impostos fiscais, mas não aos
extrafiscais/indutores, exatamente por balizar o que o cidadão pode fazer para o Estado,
e não o que este pode fazer para o cidadão individualmente considerado.
Ainda, de acordo com essa visão, as normas tributárias de finalidade social/
extrafiscal/indutora não objetivam imediatamente arrecadar dinheiro para atendimento
das necessidades públicas, mas sobretudo concretizar as finalidades que carregam no
nome. Em outras palavras, as normas tributárias extrafiscais almejam modificar a
conduta intersubjetiva independentemente do rendimento fiscal do seu destinatário.
Segundo Tipke, trata-se da dupla finalidade: entregar àqueles que afetam os recursos
com ela conseguidos, bem como distribuir esses recursos aos demais destinatários
eleitos. Nem por isso deixam de ser normas tributárias: por trabalharem com o poder de
tributar, e não o poder de polícia, conservam seu status de tributárias, embora não visem

47
CATÃO, Marcos André Vinhas. Regime jurídico dos incentivos fiscais. Rio de Janeiro: Renovar,
2004, p. 23.
48
ROTHMANN, Gerd Willi. Natureza, finalidade, interpretação e aplicação das normas tributárias
extrafiscais – conceitos de lucro da operação e de resultado operacional – classificação dos aluguéis
como receita operacional. Revista Direito Tributário Atual, São Paulo: Dialética, n. 23, p. 192-206,
2009.
46

à arrecadação de maneira principal. Se conservam tal dignidade, seguem o mesmo


regime das demais normas tributárias.
Gerd Willi Rothmann 49 cita, ainda, Joachim Lang, para quem as normas
extrafiscais são apenas formalmente tributárias, sendo materialmente pertinentes aos
“ramos” com que se relacionam. Isso explicaria a razão de elas não se conformarem ao
princípio da capacidade contributiva, aproximando-se do princípio do bem comum, da
carência e do mérito. Pelo princípio do bem comum ou da solidariedade, a
responsabilidade de cada um pelo chamado bem comum justifica a repartição da carga
tributária. O princípio da carência enseja a desoneração fiscal nos casos de incapacidade
contributiva, mais específica do que a simples falta geral de capacidade contributiva. O
princípio do mérito, por fim, retribui a conduta do cidadão que beneficiou a sociedade
em geral, como nos casos de incentivos ambientais.
Na visão desse autor, nem todos os princípios constitucionais tributários se
aplicam às normas tributárias extrafiscais, por exemplo, o princípio da capacidade
contributiva, da anterioridade, da uniformidade geográfica, entre outros. Mas, por outro
lado, elas são conformes aos princípios da estrita legalidade, irretroatividade e
igualdade. E, dada a relação que estabelecem com outros “ramos” do direito (Direito
Econômico e Social), devem observar princípios peculiares destes, operando, enfim,
harmonia entre as questões econômicas e sociais e as tributárias, a exemplo do que se
infere do artigo 151, I, da Constituição Federal.
Diante desse quadro, inegável que a interpretação das normas tributárias
extrafiscais não pode prescindir da análise de sua finalidade, que revela, em última
análise, os valores que justificam sua aplicação e, através desta, buscados.
Betina Treiger Grupenmacher, na sua visão instrumental dos incentivos fiscais,
reconhece a idoneidade dessas figuras nas finalidades que buscam, como a
redistribuição da carga tributária, o desenvolvimento econômico e social, a promoção
do bem estar da família e a preservação do meio ambiente e respectivas riquezas. As
reduções na carga tributária revelam objetivos importantes economicamente por
desempenharem uma função regulatória da economia, já que são meios de concretização

49
ROTHMANN, Gerd Willi. Natureza, finalidade, interpretação e aplicação das normas tributárias
extrafiscais – conceitos de lucro da operação e de resultado operacional – classificação dos aluguéis
como receita operacional. Revista Direito Tributário Atual, São Paulo: Dialética, n. 23, p. 192-206,
2009.
47

de direitos e garantias individuais ao lado da própria liberdade de atividade econômica


(artigos 5º, XIII, e 170, ambos da Constituição Federal). Ademais, independentemente
da forma como se apresentam (isenções, crédito presumido, redução de base de cálculo,
alíquota zero), incentivos e benefícios fiscais, enquanto instrumentos de desoneração
tributária são providências extrafiscais de exceção que afetam a arrecadação e o
orçamento 50.
Roque Antônio Carrazza 51 considera os incentivos fiscais tema afeto à
extrafiscalidade, a qual opera não só através de estímulos, mas também de desestímulos
fiscais, com vistas a que os contribuintes deixem de realizar condutas inadequadas sob o
ponto de vista político, econômico ou social, muito embora sejam permitidas por lei.
Como exemplo, cita o estabelecimento de alíquotas elevadas para importação de
produtos supérfluos.
Para Alberto Xavier 52 , muitos incentivos fiscais podem ser considerados
desconformes ao ordenamento pelo ângulo da capacidade contributiva exclusivamente;
contudo, como toda análise parcial, peca por desconsiderar os demais objetivos
jurídicos de caráter econômico e social contemplados no mesmo ordenamento:

Subordina-se aqui a ideia de aptidão para contribuir à aptidão para


realizar outros fins do Estado. À justiça fiscal, entendida em sentido
estático, sobrepõe-se um conceito mais lato e dinâmico de justiça,
relacionado com o crescimento económico e a justiça social. Como
tais fins são objectivamente fundamentados não pode fala-se em
privilégio fiscal; e como tais fins são objeto de preceitos
constitucionais com o mesmo grau hierárquico dos que definem o
princípio da igualdade, não pode sustentar-se a inconstitucionalidade
das normas que, criando isenções extrafiscais, lhes tenham
reconhecido prevalência.

Os incentivos fiscais, para nós, são normas jurídicas que atuam como fortes
instrumentos de extrafiscalidade, uma vez que o Estado poderá legislar sobre situações
para fomentar iniciativas de interesse público para incremento da produção de alguns
setores da economia, promovendo o desenvolvimento regional (e nacional),
especialmente se esse mecanismo for objeto de um manejo adequado pelo ente político.

50
GRUPENMACHER, Betina Treiger. Das exonerações tributárias. Incentivos e benefícios fiscais. In.:
______; CAVALCANTE, Denise Lucena; RIBEIRO, Maria de Fátima; QUEIROZ, Mary Elbe.
Novos horizontes da tributação: um diálogo luso-brasileiro. Coimbra: Almedina, 2012, p. 10-13, 43.
51
CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 27. ed., revista, ampliada
e atualizada até a Emenda Constitucional n. 67/2010. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 93-94.
52
XAVIER, Alberto. Manual de direito fiscal I. Lisboa: Manuais da Faculdade de Direito de Lisboa,
1974, p. 286.
48

A extrafiscalidade, então, traduz para os incentivos fiscais uma postura de


estímulo, que orientará a interpretação da norma jurídica de incentivo fiscal, uma vez
que esta penetra (ainda que sem positivação explicita) no texto normativo e ali se
deposita, implicitamente, sendo que, na construção do sentido do produto legislado,
fatalmente se notará tal intenção do legislador.

2.5 A intervenção do Estado no Domínio Econômico e os Incentivos Fiscais

A Constituição Federal de 1988 trouxe, expressamente, a previsão de


princípios gerais que devem nortear a atividade econômica e financeira do Estado,
consoante se verifica do artigo 170 da CF 53.
Por sua vez, os artigos 173 e 174 da Constituição Federal estabelecem os
limites e as formas como o Estado poderá intervir sobre o domínio econômico para tal
fim, estabelecendo, juntamente com o artigo 170 referido, as linhas gerais de como o
Estado poderá realizar esta “intervenção”.
A intervenção do Estado trazida pela Constituição Federal, portanto, carrega
um importante instrumento estatal de promoção do bem comum na seara econômica e
social. Assim, consagraram-se duas formas de intervenção do Estado na economia: uma
de forma excepcional, que determina que o Estado somente poderá atuar como agente
econômico nos casos expressamente previstos no Texto Constitucional, e outra, a
intervenção indireta, a verdadeira regra, podendo o Estado atuar como agente normativo
e regulador. 54
Na função indireta, o Estado, então, assume a posição de agente normativo e
regulador da Ordem Econômica e passa a exercer as funções de fiscalização, incentivo e
planejamento.

53
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem
por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os
seguintes princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da
propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente,
inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e
de seus processos de elaboração e prestação; VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII
- busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte
constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. Parágrafo único.
É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de
autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.
54
Artigo 173 da CF e Artigo 174 da CF.
49

Então, a atividade interventiva, no que se refere aos incentivos, diz respeito ao


comando constitucional que determina que o Estado regule, fiscalize e aplique políticas
de incentivos, a fim de reparar desigualdades regionais ou promovendo o
desenvolvimento econômico.
Muitos estudos voltados aos incentivos fiscais buscam analisar o fenômeno
jurídico enquanto uma forma de intervenção estatal na economia, pois consideram os
incentivos fiscais normas tributárias genuinamente indutoras. 55
Não será este o objetivo do nosso trabalho, pois entendemos que a atividade do
Estado intervém em todos os domínios da Economia, consoante o entendimento de
Gastão Alves de Toledo, que assim ensina:

[…] em seu sentido amplo, toda atuação do Estado na Economia pode


ser admitida como uma intervenção, entendendo-se por atuação
qualquer tipo de atividade institucional, instrumental ou de
participação direta ou indireta na atividade econômica. Em seu sentido
restrito, a intervenção do Estado no domínio econômico só pode
ocorrer sob condições especialíssimas, que a própria Constituição
prevê, expressa ou implicitamente. 56

Assim, a própria instituição de tributos pelos entes competentes é, para nós,


uma forma de intervenção estatal.
Não se pode, porém, confundir, a atividade estatal de “intervir” com as normas
de conteúdo econômico. De fato, quando falamos em sistema do direito positivo,
conforme ensinamentos de Tácio Lacerda Gama, qualquer intervenção é inviável,
porque as normas jurídicas da ordem econômica, sendo normas, não tocam a realidade,
mas apenas regulam condutas, de modo que não se pode misturar realidade econômica e
realidade jurídica, pois tratam-se de mundos diferentes e independentes 57. E, para fixar
o que toma a intervenção no domínio econômico no sentido de edição, pela União, de
atos normativos referentes ao sistema social econômico, em exercício de uma
competência constitucional 58, exemplifica que

55
Demonstraremos, no Capítulo 3 do nosso trabalho, as teorias mais utilizadas na conceituação dos
incentivos fiscais, dentre elas a que considera os incentivos fiscais como normas tributárias de
indução.
56
TOLEDO, Gastão Alves de. O Direito Constitucional Econômico e sua Eficácia. Rio de Janeiro:
Renovar, 2004, p. 100.
57
GAMA, Tácio Lacerda. Contribuição de intervenção no domínio econômico. São Paulo: Quartier
Latin, 2003, p. 236.
58
“A ‘ordem econômica’ prescreve um conjunto de competências que podem ser exercidas pelo Estado
no domínio econômico”. (ibid., p. 238).
50

Não é porque existem normas jurídicas prescrevendo a prosperidade


da nação que ela será necessariamente próspera, pois a tarefa de
produzir riqueza é do sistema econômico e não do jurídico. Daí a
ênfase em afirmar que, rigorosamente, não há intervenção do Estado
no domínio econômico 59.

Tácio Lacerda Gama 60 adota uma acepção ampla de domínio econômico,


justificável em razão dos propósitos de sua pesquisa, englobando o conjunto de
atividades econômicas em sentido estrito como também os serviços públicos prestados
sob regime jurídico de direito público. Com essas premissas, traz a seguinte definição
estipulativa:

Conceitua-se “domínio econômico” como estrato de linguagem


descritiva das relações sociais, diretamente relacionadas a atividades
de produção, circulação de bens e prestação de serviços para o
mercado.

Ressalta-se que o “domínio econômico”, nessa definição, é linguagem


descritiva. Desse modo, não compõe o sistema do direito positivo, o qual é integrado
por normas, que se apresentam em linguagem prescritiva 61.
O tema impele à distinção entre o domínio econômico e a ordem econômica.
Tácio Lacerda Gama 62 o faz exatamente com base no tipo de linguagem, pois, enquanto
o domínio econômico é camada de linguagem descritiva, a ordem econômica é o “o
conjunto de normas jurídicas que disciplinam as relações econômicas” 63, isto é, estrato
de linguagem prescritiva de condutas intersubjetivas. Essas condutas, por sua vez, são
as atividades empreendidas no domínio econômico 64.
Luís Eduardo Schoueri 65 emprega a locução intervenção econômica no sentido
da ação que o Estado desenvolve no e sobre o processo econômico, seguindo Eros
Roberto Grau, com vistas à preservação do mercado, tomado este como instituição
elementar do sistema capitalista, através da correção das distorções do liberalismo.

59
GAMA, Tácio Lacerda. Contribuição de intervenção no domínio econômico. São Paulo: Quartier
Latin, 2003, p. 237.
60
Ibid., p. 230.
61
“A referência ao tipo de linguagem serve para situar o ‘domínio econômico’ fora do sistema de direito
positivo. É linguagem descritiva, pois tem a função de relatar atividades desenvolvidas fora do
sistema jurídico”. (ibid., p. 231).
62
Ibid., p. 232-235.
63
Ibid., p. 232.
64
Ibid., p. 234.
65
Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 34.
51

Ressalta-se que referido autor não distingue “intervencionismo” de “dirigismo”, por


entender tratar-se de momentos e modalidades de um único processo.
Nesse contexto, explica 66 que a intervenção do Estado no domínio econômico
pode ser direta ou indireta. Direta é a intervenção no domínio econômico, quando o
Estado atua tal qual um empresário, quer em regime de monopólio, quer em regime de
concorrência: em outras palavras, o Estado atua no mesmo patamar do agente
econômico privado.
Já a intervenção indireta ou sobre o domínio econômico é aquela em que o
Estado atua na orientação, na limitação ou na estimulação da atividade empresária dos
particulares, sem agir como empresário, mediante o emprego da legislação reguladora,
por exemplo. Divide-se em intervenção por direção e por indução.
A intervenção por direção é a que se realiza mediante normas cogentes, como
as que determinam o controle de preços, por exemplo, as quais, no aspecto sintático,
vinculam apenas um consequente para uma hipótese 67.
Por indução é a intervenção realizada mediante normas dispositivas, em que ao
destinatário são oferecidas opções, operando como estímulos e desestímulos para
formação de sua vontade na senda daquilo que o legislador propôs, como numa
influência, em que se admite a possibilidade de comportamento distinto do que se
esperava ou planejava, sem, entretanto, configuração de ilicitude. No aspecto sintático,
portanto, essas normas vinculam ao antecedente duas consequências alternativas 68.
A intervenção por indução pressupõe o mercado, pois transfere a ele, em última
análise, a decisão sobre o consumo, ao agir sobre a formação da vontade, oferecendo
alternativas de comportamento, em vez da decisão política:

Assim, quando se cogita, por exemplo, do instrumento tributário como


meio de internalizar as chamadas “externalidades”, o que se faz é
transferir ao mercado, por meio do mecanismo de preço, aqueles
custos, cabendo aos produtores e consumidores decidir, em última
instância, sobre o sucesso ou fracasso de um produto. Do mesmo
modo, o incremento da tributação de um produto poderá implicar seu
menor consumo, conforme esteja ou não o mercado disposto a assumir

66
SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de
Janeiro: Forense, 2005, p. 41.
67
Ibid., p. 43.
68
Ibid., p. 44.
52

tais custos. No sentido inverso, isenções pontuais podem induzir os


consumidores em direção a determinados produtos 69.

Sobre as normas tributárias indutoras 70, Luís Eduardo Schoueri conclui que a
identificação delas a partir do atendimento ao princípio da capacidade contributiva é
falha porque a presença da finalidade indutora na norma tributária não exclui a
finalidade arrecadadora 71, sendo artificial, portanto, a oposição entre normas indutoras e
arrecadadoras 72 . Daí a razão por que referido estudioso toma as normas tributárias
indutoras por sua função, qual seja, a indutora, enquanto aspecto da norma tributária 73,
revelando um critério pragmático, pois se estuda o efeito indutor das normas tributárias
e não sua finalidade previamente determinada 74.
Do ponto de vista sintático, Luís Eduardo Schoueri explica que a função
indutora da norma tributária corresponde a um novo desdobramento da norma primária:

Ter-se-á uma primeira norma primária, na qual se fará presente a


própria indução, pelo legislador, que, do ponto de vista jurídico, nada
mais é que uma ordem para que o sujeito passivo adote certo
comportamento. Não se perfazendo o comportamento, nasce uma
obrigação tributária, que colocará o sujeito passivo em situação mais
onerosa que aquela em que se situaria se adotado o comportamento
prescrito pelo legislador. Finalmente, não se altera a norma
secundária, já que do descumprimento da obrigação tributária, surgirá
a providência sancionatória, aplicada pelo Estado 75.

69
SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de
Janeiro: Forense, 2005, p. 44.
70
“A opção, neste estudo, pela referência às ‘normas tributárias indutores’, em lugar dos ‘tributos
indutores’ ou ‘tributos arrecadadores’ deve-se à premissa de que as últimas categorias dificilmente se
concretizariam, em sua forma pura. De um lado, por mais que um tributo seja concebido, em sua
formulação, como instrumento de intervenção sobre o Domínio Econômico, jamais se descuidará da
receita dele decorrente, tratando o próprio constituinte de disciplinar sua destinação. Fosse irrelevante
ou indesejada a receita proveniente dos chamados ‘impostos extrafiscais’, não haveria porque o
constituinte contemplá-la. Por outro lado, a mera decisão, da parte do legislador, de esgotar uma fonte
de tributação no lugar de outra implica a existência de ponderações extrafiscais, dado que o legislador
necessariamente considerará o efeito sócio-econômico de sua decisão. Afinal, de regra, o legislador
tributário não precisa valer-se de um ‘tributo indutor’ propriamente dito, para atingir suas finalidades,
preferindo antes adotar modificações motivadas por razões indutoras em normas tributárias
preexistentes”. (ibid., p. 16).
71
“A expressão ‘normas tributárias indutoras’, por outro lado, tem o firme propósito de não deixar
escapar a evidência de, conquanto se tratando de instrumentos a serviço do Estado na intervenção por
indução, não perderem tais normas a característica de serem elas, ao mesmo tempo, relativas a tributos
e portanto sujeitas a princípios e regras próprias do campo tributário”. (ibid., p. 34).
72
Ibid., p. 25, 29-30.
73
Ibid., p. 30.
74
Ibid., p. 40.
75
Ibid., p. 31.
53

Esse entendimento sugere a obrigação tributária, ou seja, o próprio tributo,


como sanção, tal qual a norma primária sancionadora exposta por Eurico Marcos Diniz
de Santi 76 , em confronto com o que prescreve o artigo 3º, do Código Tributário
Nacional 77, ainda que sem a presença do Estado-juiz em sua cominação.
Por outro lado, a distinção entre intervenção por indução e por direção nem
sempre será identificável de plano. Apesar disso, sobre o enfoque jurídico haverá
diferença quanto ao grau de liberdade do administrado, como sedimenta Luís Eduardo
Schoueri 78 : principalmente na seara tributária, a intervenção por direção é inviável,
porque a possibilidade de o contribuinte realizar ou não a conduta descrita na hipótese
de incidência é pressuposta; se o contribuinte for obrigado a realizá-la, haverá efeito
confiscatório, ao passo que, se ela for impossível, não haverá nem mesmo norma
tributária, porque inexistirá tributo 79.
As normas de direção parecem mais adequadas às hipóteses em que se quer
que todos os destinatários das normas adotem um mesmo comportamento, com efeito
absoluto e sem lacunas, ou seja, um efeito imediato. Mas, se o caso admite que nem
todos os destinatários ajam conforme a norma e que essa não observância não configure
uma conduta ilícita, a escolha pela norma de indução se fará, agora, com base no
mercado, ao passo que nas normas de direção o legislador funcionará como substituto
do mercado na decisão 80.
Ainda, há casos em que a opção por normas de direção é obrigatória, não
havendo meio de considerar o mercado como fator de decisão; é o que se dá com o
serviço militar em que não há respaldo para dispensar os mais abastados desse dever.
Do mesmo modo, há casos em que será obrigatório utilizar normas indutoras, a fim de

76
Lançamento tributário. São Paulo: Max Limonad, 1996, p. 39-40.
77
Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa
exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade
administrativa plenamente vinculada.
78
Op. cit., p. 46.
79
“O antecedente da norma jurídica assenta-se no modo ontológico da possibilidade, que dizer, os
eventos da realidade tangível nele recolhidos terão de pertencer ao campo do possível. Se a hipótese
fizer a previsão de fato impossível, a consequência que prescreve uma relação deôntica entre dois ou
mais sujeitos nunca se instalará, não podendo a regra ter eficácia social. Estaria comprometida no lado
semântico, tornando-se inoperante para a regulação das condutas intersubjetivas. Tratar-se-ia de um
sem-sentido deôntico, ainda que pudesse satisfazer a critérios de organização sintática”.
(CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 5. ed. São Paulo: Noeses,
2013, p. 132-133).
80
SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de
Janeiro: Forense, 2005, p. 47.
54

equilibrar a intervenção do Estado com a liberdade de iniciativa, podendo haver


benefícios a alguns setores da economia, tais quais prêmios (e não privilégios),
considerando o interesse coletivo em que a economia se desenvolva de maneira
eficiente 81.
Quanto às modalidades de intervenção por indução, Luís Eduardo Schoueri
explica que a indução por estímulos se dá quando o Estado oferece vantagens extras aos
que praticarem as condutas abrangidas pela norma, as quais não seriam observadas
naturalmente no mercado; a indução por desestímulos, por sua vez, traz custos aos
contribuintes, em vez de vantagens 82. Contudo, como estímulos e desestímulos são dois
lados da mesma moeda – pois quando uns são estimulados, outros são desestimulados
igualmente –, podem-se estudar as normas tributárias indutoras por quaisquer desses
ângulos 83.
Escolhendo estudar os estímulos do Estado, o autor referido prefere tratá-los
indistintamente por subvenções, abrangendo os créditos e as assunções de garantia. Isso
porque os créditos, muitas vezes, não têm previsão de juros ou, se a têm, é em taxa
menor do que as praticadas no mercado, significando verdadeiras subvenções; por sua
vez, as garantias oferecidas sem exigência de contrapartida ou em patamar inferior ao
que seria exigido pelo mercado resultam, igualmente, em subvenções 84.
Da perspectiva financeira, as normas tributárias indutoras, portanto, podem ter
efeito de pagamento a fundo perdido ou de concessão de crédito sem juros, com o que
se conclui que os incentivos fiscais são uma forma de subvenção, sujeitando-se ao
regime que as rege 85. Juridicamente, se o conceito de subvenção requer uma prestação
pecuniária do Estado, que não ocorre com os incentivos fiscais lastreados em renúncias,
nem por isso se pode excluir do grupo de subvenções as normas tributárias indutoras
que afastam a tributação. É que a visão puramente formal não deixa entrever que
privilégios e desgravações são conversíveis mutuamente, permitindo que se avalie sua
legitimidade jurídica 86.

81
SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de
Janeiro: Forense, 2005, p. 48-49.
82
Ibid., p. 54.
83
Ibid., p. 55.
84
Ibid., loc. cit.
85
Ibid., p. 57.
86
Ibid., p. 57-58.
55

E é a própria Constituição Federal que, segundo o autor 87 , determina a


indicação das normas tributárias indutoras, conforme artigos 165, § 6º, e 150, § 6º.
Ainda, a Lei Complementar n. 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), em seu
artigo 14, prescreve que a concessão ou majoração de incentivo fiscal deverá ser
acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que
deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes 88.
Em vista disso, Luís Eduardo Schoueri 89 conclui que a importância da fixação
do regime jurídico das normas tributárias indutoras emerge das peculiaridades que as
formas de intervenção por indução podem assumir, provocando consequências jurídicas
distintas. Assim, tal fixação parte dos fundamentos e objetivos da intervenção
econômica.
Tendo em vista os objetivos da intervenção do Estado sobre o Domínio
Econômico, a atuação pode dar-se positiva ou negativamente. Em sentido positivo, tem-
se a instalação da Ordem Econômica tal qual prevista na Constituição Federal, para
nosso Estado Democrático Social de Direito, com a imanente valorização da pessoa
humana, baseada nos pilares da valorização do trabalho e na livre iniciativa. Já em
sentido negativo, a eliminação das carências do mercado, ou seja, correções realizadas
mediante normas tributárias indutoras 90.
Operando com outro modelo, Tácio Lacerda Gama 91 subdivide a atuação do
Estado na economia em normativa e participava. Na atuação normativa, o Estado exerce
a competência inserindo no ordenamento normas e fiscalizando o respectivo
cumprimento, conforme preceitua o artigo 174, da Constituição Federal, sem compor a
teia das relações econômicas. Na ação participativa, age na condição de agente
econômico, ou seja, tal qual um autêntico empresário, produzindo as riquezas ou as
fazendo circular, como se verifica no artigo 173, da Constituição.
Os incentivos, assim delineados, possibilitam o único modo de intervenção na
economia pelo Estado: os outros exemplos configuram meras atuações no domínio

87
SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de
Janeiro: Forense, 2005, p. 59.
88
BRASIL. Presidência da República. Lei Complementar n. 101, de 4 de maio de 2000. Lei de
Responsabilidade Fiscal. Estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na
gestão fiscal e dá outras providências. Brasília: DOU, 5 maio 2000.
89
Op. cit., p. 69.
90
Ibid., p. 106.
91
GAMA, Tácio Lacerda. Contribuição de intervenção no domínio econômico. São Paulo: Quartier
Latin, 2003, p. 239 et seq.
56

econômico. Assim, segundo essa visão, os incentivos, como subespécie de ação


normativa, permitem a implementação, pelo Estado, das normas gerais e abstratas de
direito econômico através de pessoas jurídicas competentes e é nesse sentido que
intervêm na economia 92.
Esse sentido conferido pelo autor Tácio Lacerda Gama, para nós, é o mais
adequado ao enfoque pretendido neste estudo, pois auxilia na compreensão dos
incentivos fiscais no enfoque que pretendemos atribuir ao presente trabalho, uma vez
que a intervenção, por si só, não carrega conteúdo cogente, porém permite que o Estado,
por meio da expedição de normas competentes, possa agir de forma interventiva.
Assim, os incentivos fiscais figuram como normas que, a partir do exercício da
competência tributária para instituir seu regramento respectivo, conforme o regime
jurídico específico de cada tributo, trarão consigo as normas gerais e abstratas que
permitirão ao Estado agir de forma interventiva.

92
“Sempre que houver o preenchimento simultâneo de todos esses requisitos, o tipo de atuação que o
Estado desempenha na economia será ‘incentivo’. É nessa acepção, e somente nesta, que se poderá
falar em ‘intervenção do Estado na Economia’. Todos os demais casos são exemplos de atuação no
domínio econômico”. (GAMA, Tácio Lacerda. Contribuição de intervenção no domínio
econômico. São Paulo: Quartier Latin, 2003, p. 252).
57

3 ANÁLISE SEMÂNTICA DA EXPRESSÃO INCENTIVOS FISCAIS

3.1 Introdução

A investigação de determinado objeto implica, muitas vezes, afastar a


ambiguidade e a vaguidade dos termos analisados.
De fato, qualquer enunciado linguístico está sujeito à ambiguidade e à
vaguidade, porque tais características são inerentes à linguagem e com os incentivos
fiscais não é diferente. Atualmente, notamos que a expressão incentivos fiscais, quando
analisada sem um método rigoroso, carrega consigo a incerteza sobre o real sentido da
expressão.
Todavia, fato é que, de uma mesma expressão, é possível colher uma série de
acepções. Para os incentivos fiscais inferimos, seja a partir da análise do Texto
Constitucional, seja do plano infraconstitucional, da Jurisprudência ou da Doutrina,
várias acepções para a expressão mencionada.
Verifica-se, então, uma necessidade primordial trazer para o campo de
investigação os principais sentidos possíveis encontrados para a expressão incentivos
fiscais dentro do arcabouço constitucional, infraconstitucional, doutrinário e
jurisprudencial.
A doutrina, ao longo dos anos, estabeleceu, sem consenso, diversos conceitos
para a expressão incentivos fiscais. Críticas a respeito da ausência de uniformidade
nesses conceitos são bastante costumeiras, contudo acreditamos que parte do problema
seja decorrente da carência de um estudo baseado num método, sendo a escolha pela
metodologia fator determinante para obter conclusões consistentes.
Verifica-se que, muitas vezes, os incentivos fiscais são vistos, num mesmo
estudo, como gênero, espécie, benefícios e incentivos e redutores da carga tributária.
Logo, num mesmo estudo, encontramos uma diversidade de acepções para a expressão
incentivos fiscais.
Obviamente, o intuito de construir um estudo calcado na análise de muitos
conceitos já construídos não é o de propor uma substituição aos estudos já até então
formulados; ao contrário, é estabelecer mais uma fonte de visão sobre o assunto, porém
tentando acrescentar nossas conclusões ao estudo da Ciência do Direito calcado na
58

visão do constructivismo lógico-semântico, em que a preocupação em construir uma


linguagem científica, visando ao afastamento máximo das incoerências e contradições
presentes na linguagem.
Inegável que, para tanto, é primordial analisar as formas de verificação
trabalhadas pela doutrina, especialmente para, dentro do objetivo do nosso trabalho,
fornecer uma visão exclusivamente jurídica dos incentivos fiscais, dentro da concepção
do constructivismo lógico-semântico.

3.2 Os Incentivos Fiscais: múltiplos sentidos para uma única expressão

Conforme mencionado, muitos estudos e teorias já foram empreendidos sobre


os incentivos fiscais. Os incentivos fiscais vêm sendo analisados de forma bastante
abrangente, indo além dos aspectos jurídicos que permeiam o tema, para aprofundar em
outros planos de investigação, quais sejam, os aspectos de Direito Financeiro e de
Direito Econômico, buscando fornecer cada vez mais elementos para a compreensão
dos incentivos fiscais.
Neste item, abordaremos como os principais estudos empreendidos pela
doutrina sobre o tema incentivos fiscais aborda o instituto e como tem sido a
classificação fornecida por ela para esse objeto de análise.
Destacamos que todos esses estudos foram estruturados a partir de premissas
absolutamente diversas daquelas buscadas no presente trabalho.
Portanto, o objetivo deste tópico é conhecer as construções doutrinárias mais
relevantes sobre os incentivos fiscais, ainda que tenham sido baseadas em premissas
distintas do nosso trabalho.
Com isso, buscaremos diferenciar a nossa visão daquelas já trabalhadas pela
doutrina, porém, neste capítulo, trataremos dessas manifestações doutrinárias como
exemplificativas das mais diversas formas de analisar os incentivos fiscais, para, no
capítulo seguinte, estabelecer a distinção do nosso estudo com aqueles já empreendidos.
Ressaltamos, desde já, que não adotamos as teorias abaixo discriminadas
porque todas elas partem de premissas diversas da que escolhemos. Assim, serão
apresentadas como forma de acrescentar as principais formas de visão já empreendidas
para o estudo dos incentivos fiscais.
59

3.2.1 Incentivos Fiscais como sinônimo de Benefícios Fiscais ou Privilégios

Enquanto expressão dotada de polissemia, os incentivos fiscais podem ser


equiparados, logo num primeiro olhar, como sinônimo de privilégios, benefícios,
favores fiscais.
A costumeira equiparação entre “incentivos fiscais” e “benefícios fiscais” é
questão comum quando se inicia um estudo sobre o tema.
Esse, ao nosso ver, é o primeiro ponto quando tratamos da análise semântica
dos incentivos fiscais.
Considerar incentivos fiscais como benefícios ou privilégios continua sendo
questão não uniforme na doutrina.
Todavia, a doutrina mais atual tende a afastar a equiparação entre incentivos
fiscais e benefícios fiscais.
José Souto Maior Borges 93, ao tratar sobre os incentivos fiscais, discorre sobre
a impossibilidade de equiparação com benefícios fiscais, uma vez que “privilégio” ou
“favor” são significados imprecisos e equivocados na linguagem científica.
Julio Cesar Pereira 94, a partir da análise do art. 14, da Lei Complementar nº
101/2000, trabalha a distinção entre incentivo e benefício fiscal. Para esse autor,
benefício fiscal se refere a uma vantagem econômica do ente que o arrecada, em
prejuízo de uma efetiva ação política do Estado, normalmente protecionista, no domínio
econômico, sem exigir do beneficiário qualquer conduta específica e condicional, nem
obediência à capacidade contributiva. O incentivo, por sua vez, relaciona-se a uma ação
normativa do Estado com vistas a uma reação da pessoa mediante condutas, a favor de
certos aspectos, programas ou valores desejados pela coletividade (ação política voltada
a que as condutas dos administrados correspondam efetivamente a uma atividade
protegida normativamente). Nesse contexto, surge a questão da extrafiscalidade.
Ressalta-se, atentando-se à questão terminológica, que subvenções e subsídios, de
natureza genuinamente financeira, impactam o orçamento no âmbito das despesas
públicas, não sendo, portanto, enquadráveis no campo da extrafiscalidade.

93
Teoria geral da isenção tributária. 3. ed., 3. tiragem. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 66.
94
Incentivo fiscal à cultura: do do-in antropológico à iconoclastia. 2010. Dissertação (Mestrado em
Direito) – Departamento de Direito Econômico e Financeiro, Universidade de São Paulo, São Paulo,
2010, cap. XVI.
60

Na sequência, destaca que é incorreto relacionar incentivos fiscais à ideia de


desoneração fiscal, porque esta equivale à ideia de remoção de onerosidade, à de
desobrigação, o que pressupõe tenha havido incidência de norma de tributação. Porém,
nem sempre há onerosidade, como no caso de isenções enquanto instituto tipicamente
exoneratório.
Ao final, afirma que a figura dos incentivos fiscais, cuja estrutura lógica tem
como fim intrínseco engendrar no plano social condutas específicas, é passível de ser
estudada a partir de hipóteses de exoneração e desoneração, mesmo transitando nos
limites da fiscalidade em direção à extrafiscalidade.
Quanto à diferenciação entre incentivos e benefícios fiscais, Hermano
Notaroberto Barbosa 95 observa que, no Brasil, optou-se por designar um mesmo
fenômeno quer como benefícios quer como incentivos fiscais, em razão da ausência de
uma definição legal. Em decorrência disso, o conceito tem sua definição dada por
propósitos pragmáticos, cuja justificativa está relacionada a objetivos peculiares que
ditarão os critérios de diferenciação julgados bastantes 96. Para ele, benefícios fiscais
constituem:

[…] os casos de renúncia de receita tributária nos quais o legislador,


em caráter excepcional, a fim de promover a realização de uma
finalidade extrafiscal específica, desonera, total ou parcialmente, um
grupo de contribuintes ou uma determinada atividade econômica em
relação a um tributo que, a se aplicar sua regra geral, deveria incidir
sobre os mesmos 97.

O Supremo Tribunal Federal emprega os termos benefício e incentivo, grosso


modo, como figuras afins:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE


OPERAÇÃO DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E

95
O poder de não tributar: benefícios fiscais na constituição. São Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 94-
95.
96
“No presente trabalho não são estabelecidas distinções entre ambas as expressões, que designam,
indistintamente, as manifestações jurídicas de que se quer identificar como poder de não tributar em
sentido estrito. De todo modo, a fim de evitar que o uso repetido de ambos os termos pudesse
confundir ou prejudicar a compreensão das ideias ora desenvolvidas, optou-se, de forma proposital,
pela uniformização do texto pela adoção estipulativa da expressão benefícios fiscais. Não há razão
técnica especial para a escolha empreendida. Embora o termo “incentivos” talvez ressaltasse a
dimensão indutiva das exonerações tributárias, como instrumento de políticas extrafiscais, por outro
lado a expressão “benefícios fiscais” sugere conteúdo mais genérico e abrangente que, portanto, ao ser
menos diretamente orientado por um critério teleológico, melhor se coaduna com os propósitos deste
estudo”. (ibid., loc. cit., grifos do autor).
97
Ibid., p. 96.
61

SERVIÇOS. ICMS. BENEFÍCIOS FISCAIS. NECESSIDADE DE


AMPARO EM CONVÊNIO INTERESTADUAL. ART. 155, XII, G
DA CONSTITUIÇÃO. Nos termos da orientação consolidada por esta
Corte, a concessão de benefícios fiscais do ICMS depende de prévia
aprovação em convênio interestadual, como forma de evitar o que se
convencionou chamar de guerra fiscal. Interpretação do art. 155, XII,
g da Constituição. São inconstitucionais os arts. 6º, no que se refere a
“benefícios fiscais” e “financeiros-fiscais”, 7º e 8º da Lei
Complementar estadual 93/2001, por permitirem a concessão de
incentivos e benefícios atrelados ao ICMS sem amparo em convênio
interestadual. Ação direta de inconstitucionalidade julgada
parcialmente procedente. (ADI 3794, Relator(a): Min. JOAQUIM
BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 01/06/2011, DJe-146
DIVULG 29-07-2011 PUBLIC 01-08-2011 EMENT VOL-02556-01
PP-00014).

Para Roque Antônio Carrazza 98 , incentivos fiscais, benefícios fiscais e


estímulos fiscais são expressões sinônimas, porém que não se confundem com isenções
fiscais, porque estas são apenas uma das maneiras de os conceber, já que podem ser
identificados, por exemplo, em normas sobre imunidades, como a que trata da
imunidade de imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS) às
exportações de produtos industrializados.
Interessante a distinção feita por Herrera Molina 99 ao considerar que o
benefício fiscal estaria vinculado a uma ação protecionista do Estado em relação a certa
categoria econômica, ao passo que o incentivo fiscal seria uma atitude proativa de
estímulo a uma determinada atividade econômica:

El beneficio fiscal es aquella exención fundada en principios ajenos a


la capacidad contributiva: con él se busca otorgar una ventaja
económica. […]
Incentivos Tributarios, son aquellas exencionas configuradas de tal
modo que estimulan la realización de determinada conducta.

Betina Treiger Grupenmacher 100 rechaça considerar as reduções na carga


tributária como privilégios odiosos concedidos a alguns contribuintes. Ao contrário,
estando a concessão de incentivos e benefícios fiscais autorizadas pela Constituição

98
CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 27. ed., revista, ampliada
e atualizada até a Emenda Constitucional n. 67/2010. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 93.
99
HERREIRA MOLINA, Pedro M. La exencion tributária, Madrid: Colex, 1990, p. 57 TÔRRES,
Heleno Taveira. Crédito Prêmio de IPI. São Paulo: Minha Editora; Manole, 2005, p. 161.
100
GRUPENMACHER, Betina Treiger. Das exonerações tributárias. Incentivos e benefícios fiscais. In.:
______; CAVALCANTE, Denise Lucena; RIBEIRO, Maria de Fátima; QUEIROZ, Mary Elbe.
Novos horizontes da tributação: um diálogo luso-brasileiro. Coimbra: Almedina, 2012, p. 12.
62

Federal, não haverá privilégios odiosos ou injustos, uma vez que a disciplina jurídica
desses institutos será dada pela própria Constituição, que legitimará sua aplicação.
Ainda nesse tema, quanto ao adjetivo odiosos, que se tem atribuído aos
101
incentivos fiscais, Heleno Taveira Torres , ao constatar o crescimento desse
fenômeno, considera se tratar de um triste equívoco, baseado em análise superficial de
casos de concessão de incentivos a empresas de médio e grande porte. Entende esse
estudioso que os incentivos têm por fim reduzir desigualdades, as quais, além de
funcionarem como único critério de discriminação admissível na seara fiscal, lastreiam
o princípio da capacidade contributiva em intensidade maior do que a própria igualdade.
José Souto Maior Borges 102, quando analisa o instituto das isenções, identifica
uma contradição naqueles que as consideram privilégios, ao mesmo tempo em que
defendem que sua concessão se subordine aos princípios constitucionais. Para se
caracterizar como privilégios, teriam que ser concedidas apenas a grupos de
contribuintes com capacidade contributiva, em atenção a seu status jurídico-político e
sem motivos econômicos ou sociais, com que violariam o princípio da isonomia
tributária. Portanto, sua justificativa seria política e impeditiva do controle jurisdicional,
no caso, da isenção-favor ou privilégio 103.
Embora sua origem envolva a concessão de privilégios, atualmente com eles
não se confundem, porque, como a sociedade não está mais dividida em classes
(nobreza, clero, burguesia) de maneira estanque como nos séculos anteriores 104 , o
sentido de “privilégio” perdeu sua razão de ser em face do interesse público que as
orienta. Mesmo nos casos de isenções subjetivas, o fundamento não é interesse
particular do destinatário, mas sim questões de ordem econômica, política e social 105.
Assim, tomar as isenções como privilégios parece, de certo modo, anacrônico,
sobretudo considerando o princípio da isonomia que concorre incisivamente para a

101
Prefácio. In: CATÃO, Marcos André Vinhas. Regime jurídico dos incentivos fiscais. Rio de Janeiro:
Renovar, 2004.
102
Teoria geral da isenção tributária. 3. ed., 3. tiragem. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 64-66.
103
“Considerada a isenção uma liberalidade, favor ou privilégio, segue-se que estaria ditada apenas por
motivos de conveniência e oportunidade, cuja apreciação é discricionariamente objeto de decisão
política do poder tributante, sem o mínimo de vinculação jurídica material, necessária para legitimar a
intervenção do poder judiciário, como último intérprete da constitucionalidade dos atos legislativos.
Se a isenção é um favor, somente ao poder que a estabelece compete apreciar o conteúdo do ato
legislativo de instituição. Introduzem-se, assim, inadvertidamente, critérios estritamente políticos na
análise jurídica desse instituto”. (ibid., p. 63, grifos do autor).
104
Ibid., p. 68.
105
Ibid., p. 69.
63

moderna definição de isenção. Ademais, ressalta o autor que a utilização das expressões
favor ou privilégio no tema de isenções traz imprecisões para o discurso científico.
Marcos André Vinhas Catão 106 reconhece a ilegitimidade dos incentivos
quando se apresentam como privilégios, exatamente por violarem princípios. Dentre
esses, o mais evidente seria a capacidade contributiva, dada sua proximidade com o
princípio da igualdade, tido pelo autor como um sobreprincípio. Violada a isonomia na
concessão de “privilégios” em vez de incentivos, violam-se também princípios gerais da
atividade econômica. Por fim, o autor aponta violação à liberdade na concessão de
incentivos ilegítimos, seja no tocante àquele que arcará com a tributação maior, seja
quanto ao próprio privilegiado, dado que esse privilégio custaria sua própria liberdade
por ensejar uma certa dependência em relação ao Estado e por tolher sua criatividade e
iniciativa 107.
Por fim, a concessão de incentivos fiscais, na visão desse estudioso, deve
nortear-se pela presença de interesse público, o que leva a considerar a moralidade e a
publicidade referidas no artigo 37, da Constituição Federal: caso contrário, o incentivo
passará a ser privilégio 108.
Verifica-se, então, que encontramos estudos que equiparam os incentivos
fiscais a benefícios fiscais, bem como outros que apresentam distinções entre as
expressões incentivos e benefícios fiscais.
No presente trabalho, considerando que buscamos a eliminação da
ambiguidade e vaguidade da expressão incentivos fiscais, optamos por não utilizar a
expressão benefícios fiscais, e sim utilizar o termo incentivos fiscais, conforme será
detalhado oportunamente.

3.2.2 Incentivos Fiscais como Gênero

Encontramos na doutrina a análise da expressão incentivos fiscais enquanto


gênero que alberga determinada espécie. Esta talvez seja a categorização mais clássica
dos incentivos fiscais.

106
Regime jurídico dos incentivos fiscais. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 16.
107
Ibid., p. 18-19.
108
Ibid., p. 43.
64

Embora não seja o objetivo deste tópico tratar a respeito da classificação dos
incentivos fiscais, uma vez que discorreremos sobre ela em tópico específico, a
abordagem feita pela doutrina em considerar incentivos fiscais como gênero já
pressupõe tratar-se também de uma classificação fornecida para o tema.
Betina Treiger Grupenmacher 109analisa os incentivos fiscais no sentido de que
estes compreendem as exonerações de qualquer natureza cuja finalidade seja estimular
certas atividades ou pessoas e que sejam vinculadas, normalmente, a uma contrapartida,
compreendendo isenções, créditos presumidos, reduções de base de cálculo e de
alíquota 110 . Nessas hipóteses, a autoridade fazendária, com base em lei ou contrato,
desonera, total ou parcialmente, o sujeito passivo do pagamento do tributo, sob
condição de que ele cumpra requisitos ou faça investimentos determinados.
Estevão Horvath e Julio Cesar Pereira 111 classificam os incentivos fiscais como
gênero que tem como uma de suas espécies as normas de isenção. Assim, entendem que
os incentivos fiscais não se restringem às formas de exclusão do crédito tributário, mas
englobam todo e qualquer instrumento que possa provocar, no sujeito passivo da
obrigação tributária, uma incitação de caráter pecuniário que, embora referente ao
pagamento do tributo, ultrapassa essa dimensão singular de cumprimento do dever
tributário exatamente por se destinar à concretização de um fim diferente desse.
Em outras palavras, os incentivos fiscais, que remetem à ideia de fomento,
proteção, acesso, trazem a marca da extrafiscalidade, já que seu emprego evidencia

109
GRUPENMACHER, Betina Treiger. Das exonerações tributárias. Incentivos e benefícios fiscais. In.:
______; CAVALCANTE, Denise Lucena; RIBEIRO, Maria de Fátima; QUEIROZ, Mary Elbe.
Novos horizontes da tributação: um diálogo luso-brasileiro. Coimbra: Almedina, 2012, p. 15.
110
A autora não considera subsídios e subvenções como incentivos ou benefícios tributários, porque se
trata de desembolsos feitos pelo Estado em favor de particulares, o que lhes retira a natureza tributária.
Apenas quando os subsídios se apresentam como créditos presumidos é que se revestem da natureza
tributária: nesses casos, não há um desembolso efetivo pelo Estado, mas, havendo concessão de um
crédito “fictício” cuja natureza é tributária, o subsídio pode ser considerado benefício ou incentivo
tributário. O diferimento, por sua vez, também não é tido, pela autora, como exemplo de incentivo ou
benefício fiscal, porque não há, numa visão global da tributação, diminuição da arrecadação, pois, em
algum momento, haverá o pagamento integral do tributo. Nessa hipótese, o Estado não perde receita e
ofende duplamente o princípio da capacidade contributiva, tanto perante o contribuinte que se
beneficia do diferimento, como diante daquele que arca com esse pagamento na etapa seguinte.
Somente se o diferimento for acompanhado de crédito presumido poderá ser considerado benefício
fiscal. Nos casos de alíquota zero e redução de base de cálculo ou alíquota, havendo desoneração da
carga tributária, mesmo que não completamente, têm-se benefícios fiscais. (ibid., p. 29 et seq.).
111
Notas sobre incentivo fiscal à cultura. In: PAULA JUNIOR, Aldo de et al. Congresso nacional de
estudos tributários: direito tributário e os conceitos de direito privado. São Paulo: Noeses, 2010. p.
345-363.
65

interesses diferentes da finalidade arrecadatória do Estado, interesses esses com sede


constitucional.
Nesse contexto, emerge desta classificação fator teleológico para guiar a
interpretação dos incentivos fiscais. Se eles são instituídos com o propósito de realizar
finalidades de caráter axiológico previstas, em última análise, na Constituição Federal,
distantes da arrecadação tributária, então operam no terreno da extrafiscalidade.
Os incentivos fiscais, na perspectiva desses autores, envolvem o direito
tributário, o direito financeiro, o direito administrativo e a política. Essa última é, para
eles, um atributo essencial do conceito de incentivo fiscal, o qual se origina
invariavelmente de um ato de vontade política que diminui ou subtrai determinado
tributo, cuja imposição prejudica certa conduta que se quer incentivada. Destaca-se a
conclusão dos autores sobre os incentivos fiscais à cultura 112 : com eles, podem-se
atingir as mesmas finalidades da arrecadação tributária, sem demandar o recolhimento e
a posterior distribuição ou aplicação, conforme o orçamento.
O estudo baseado nos incentivos fiscais como gênero considera que abaixo dos
incentivos estão as respectivas espécies, isto é, formas de concessão dos incentivos
fiscais, que poderão ocorrer sob a forma de isenções, diferimento, reduções de alíquota
e base de cálculo, crédito presumido, remissão, anistia, dentre outros.

3.2.3 Incentivos Fiscais como Espécie

É sabido que a separação dos objetos em gêneros e espécies deve guiar-se pela
diferença específica. Assim, uma espécie de um gênero pode configurar uma nova
classe que ensejará nova classificação em espécie, passando a figurar, perante essa nova
espécie que engloba, como gênero.
Enquanto considera os incentivos fiscais como gênero em que se inserem as
espécies isenções, créditos presumidos e reduções de base de cálculo de alíquota, enfim,
exonerações tributárias de qualquer natureza criadas com a finalidade de incentivar

112
“Afinal, a destinação de recursos tributários a finalidades escolhidas pelo orçamento tem o mesmo
propósito do incentivo à cultura, objeto deste trabalho: o atingimento, por vias distintas de objetivos
de interesse público contemplados pelo Direito posto neste momento histórico”. (HORVATH,
Estevão; PEREIRA, Julio Cesar. Notas sobre incentivo fiscal à cultura. In: PAULA JUNIOR, Aldo de
et al. Congresso nacional de estudos tributários: direito tributário e os conceitos de direito privado.
São Paulo: Noeses, 2010, p. 361-362).
66

determinadas atividades ou indivíduos mediante uma contrapartida 113, Betina Treiger


Grupenmacher também os considera espécie de um gênero mais amplo, o das
desonerações tributárias, abrangente também dos benefícios fiscais. Embora faça a
distinção entre incentivos fiscais e benefícios fiscais, ressalva que, comumente, se
equiparam as figuras 114.
Entende Betina Treiger Grupenmacher 115 que as figuras desonerativas podem
funcionar como instrumentos importantes de regulação e adequação da carga tributária,
ao preservá-la em patamares razoáveis ou equilibrados e opostos ao confisco, além de
possibilita a renovação das riquezas tributáveis, no círculo virtuoso – e não vicioso – da
arrecadação aos cofres públicos. Nesse contexto, uma tributação desmedida pode
comprometer essas riquezas, que geram, através da incidência tributária, recursos aos
cofres públicos: em outras palavras, o aumento da carga fiscal coloca em risco, para
mais das atividades desenvolvidas pelo setor produtivo, a existência do Estado como um
todo. Desestimulado pela elevada carga tributária, o setor produtivo para de investir,
levando à retração da economia e atingindo, em última análise, toda a sociedade 116. A
tributação excessiva, a seu ver, é aquela que supera o necessário para o atingimento dos
desígnios estatais.
Para a referida autora, diferem dos incentivos os benefícios fiscais pela
ausência tanto da contrapartida como da intenção de estimular uma atividade ou grupo
de pessoas. Identificam-se os benefícios fiscais pelos motivos de política fiscal que os
guiam ou pelo objetivo de realização da capacidade contributiva, configurando
hipóteses de favorecimento extraordinário (a redução ou desoneração total do tributo)
de grupos específicos de contribuintes com fins extrafiscais na maioria dos casos, sem
que esses contribuintes precisem realizar uma contraprestação, como investimento, por
exemplo 117.
Desse modo, caracteriza-se uma desoneração tributária (gênero) como sendo
um incentivo (espécie) ou um benefício fiscal (espécie), primeiramente, pela análise da
exposição de motivos de seu veículo introdutor e, após, mediante interpretação

113
GRUPENMACHER, Betina Treiger. Das exonerações tributárias. Incentivos e benefícios fiscais. In.:
______; CAVALCANTE, Denise Lucena; RIBEIRO, Maria de Fátima; QUEIROZ, Mary Elbe.
Novos horizontes da tributação: um diálogo luso-brasileiro. Coimbra: Almedina, 2012, p. 16.
114
Ibid., p. 15.
115
Ibid., p. 12-13.
116
Ibid., p. 15.
117
Ibid., p. 17-18.
67

sistemática desse mesmo texto. Caso a ideia do instrumento seja estimular certa
atividade ou pessoa, identificaremos um incentivo fiscal; de outro modo, se vislumbrar
uma vantagem motivada pela política fiscal, teremos um benefício 118. Em todo caso, o
Estado tem de arcar por si só com o ônus financeiro (a diminuição da arrecadação)
decorrente da opção de estimular determinado setor da economia 119.
Especialmente sobre isenções, essa autora as classifica, juntamente com as
imunidades, como hipóteses de não incidência de direito, sendo ambas exemplos de
mecanismos de desoneração da carga tributária, despontando, no Brasil, as primeiras
como instrumento mais empregado para essa finalidade, ora configurando incentivos,
ora benefícios fiscais 120. Para ela, há casos de não incidência de fato (o fato concreto
não se adéqua à descrição normativa ou ainda não se realizou) e de não incidência de
direito, entre os quais se encontram as isenções e as imunidades, enquanto fatores
normativos (legais ou constitucionais) que impedem o fenômeno da incidência.

3.2.4 Incentivos Fiscais como instrumentos redutores da carga tributária

Encontramos, também, na doutrina a identificação dos incentivos fiscais, de


forma ampla, como instrumentos redutores da carga tributária.
Marcos André Vinhas Catão 121, após apontar a ideia inicial de incentivo fiscal
vinculada à supressão ou à redução da carga tributária, com base num referencial médio,
subdivide os incentivos fiscais conforme sua atuação sobre a despesa ou a receita
pública. Entre os que atuam sobre a despesa pública, indica as subvenções, os créditos
presumidos 122 e os subsídios.
Segundo José Eduardo Soares de Melo 123, os incentivos e benefícios fiscais
exemplificam situações de desoneração de gravames tributários, cuja finalidade

118
GRUPENMACHER, Betina Treiger. Das exonerações tributárias. Incentivos e benefícios fiscais. In.:
______; CAVALCANTE, Denise Lucena; RIBEIRO, Maria de Fátima; QUEIROZ, Mary Elbe.
Novos horizontes da tributação: um diálogo luso-brasileiro. Coimbra: Almedina, 2012, p. 18.
119
Ibid., p. 36.
120
Ibid., p. 25 et seq.
121
Regime jurídico dos incentivos fiscais. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 57 et seq.
122
“Antes de se constituírem em figura desonerativa típica, o crédito presumido é em verdade uma
técnica legislativa financeira para adequação do montante a ser tributado. […] Nesse contexto o
crédito presumido pode assumir natureza jurídica diversa, sendo por vezes um subsídio, uma
subvenção ou mera redução de base de cálculo”. (ibid., p. 71).
123
Curso de direito tributário. 9. ed. São Paulo: Dialética, 2010, p. 413-414.
68

imediata é estimular a adoção, pelo sujeito passivo tributário, de certos


comportamentos, tendo em vista a consecução de interesses do ente concedente.
Considerando que representam dispêndio ao Estado e benefício para o sujeito
passivo, referido tributarista classifica como prêmios as imunidades, as isenções, as
reduções de base de cálculo, entre outras figuras, tendo como critério o fato de se
subordinarem a regime jurídico diferenciado, dada sua extrafiscalidade. Esse regime
jurídico diferenciado não se identifica com o regime jurídico tributário, porque nessas
figuras dos benefícios fiscais tem-se relação jurídica em que o contribuinte ocupa o polo
ativo, enquanto o Estado ocupa o polo passivo, isto é, relação diametralmente contrária
àquela verificada na relação jurídica tributária. Portanto, os incentivos fiscais, na visão
desse autor, somente se coadunam com regime jurídico diverso do tributário que abranja
a percepção de receitas públicas (tributos).
Nesse contexto, aduz que o regime financeiro não se restringe à rigidez dos
princípios constitucionais por gozar de razoável discricionariedade na aplicação dos
incentivos fiscais, sem prejuízo aos direitos dos cidadãos que sofrem a tributação.
Assim, tal regime exsurge como um direito premial, na medida em que permite a
concessão dos benefícios e incentivos fiscais sem a rigidez normativa própria das
normas de natureza tributária 124.
Aurélio Pitanga Seixas Filho destaca esse tipo de intervenção estatal como um
estímulo de índole econômica ao exercício de atividades privativas. Diz o autor que “os
incentivos fiscais são concedidos para exercerem uma função de desenvolver
determinada atividade, considerada relevante para o legislador”.
Entende Roque Antônio Carrazza 125 que os incentivos fiscais, por diminuírem
ou eliminarem a carga tributária, são o instrumento de que se vale a pessoa política,
quando do exercício ou não exercício de sua competência tributária, para incitar os
destinatários das normas a realizarem condutas consideradas convenientes, interessantes
ou oportunas do ponto de vista jurídico.

124
“O Direito Premial denota singular característica jurídica no sentido de que os benefícios e as
recompensas são outorgadas, reguladas, e operacionalizadas sem a rigidez normativa. A elasticidade
na concessão de quaisquer incentivos fiscais em absoluto implica desrespeito ao consagrado postulado
da legalidade, significando peculiarmente que os princípios, critérios e procedimentos norteadores
desses benefícios (natureza financeira) não se revestem da mesma inflexibilidade das normas fiscais
(natureza tributária)”. (MELO, José Eduardo Soares de. Curso de direito tributário. 9. ed. São
Paulo: Dialética, 2010, p. 414, grifos do autor).
125
Curso de direito constitucional tributário. 27. ed., revista, ampliada e atualizada até a Emenda
Constitucional n. 67/2010. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 93-94.
69

3.2.5 Incentivos Fiscais como Normas Indutoras de Comportamento

Importante estudo veiculado por Luís Eduardo Schoueri 126 e já abordado


brevemente no Capítulo 2 do presente trabalho, quando analisamos a intervenção do
Estado no domínio econômico, foi o de considerar os incentivos fiscais como normas
indutoras de comportamento. Para este autor, é necessário pensar nas funções do tributo
e do orçamento diante da crescente importância que a tributação vem assumindo. Ao
mesmo tempo em que a tributação é a principal fonte de arrecadação de recursos para o
Estado exercer suas tarefas, ela influencia a economia, quer positiva, quer
negativamente. Assim, tanto gera distorções como funciona tal qual um meio de
alcançar as finalidades do Estado, e, por esses motivos, há de ser controlada
juridicamente.
Segundo este autor, a tributação é o principal meio pelo qual o Estado angaria
recursos necessários ao cumprimento de suas finalidades, de modo que isso revela a
relação mediata entre a atividade tributária e a função fiscal, tendo o tributo, nessa
perspectiva, função arrecadadora.
Já na função indutora de comportamentos, a tributação está em relação
imediata com as funções fiscais. Ao lado da função arrecadadora, o tributo está
envolvido na atividade financeira do Estado quando exerce as funções distributiva,
alocativa ou indutora e estabilizadora.
Como efeitos distributivos, pode-se citar a redistribuição de renda que
concretiza a igualdade tributária aliada à capacidade contributiva, reduzindo as
desigualdades sociais. O efeito alocativo é caracterizado pela própria função indutora de
comportamento, pois a incidência tributária não atinge a economia de maneira neutra,
tendo consequências na orientação dos tributos a serem utilizados pelo setor público e
pelo privado. Por fim, o efeito estabilizador revela-se ao considerarmos que a política
fiscal a ser implementada objetiva, entre outros fins, oportunizar e manter um bom nível
de emprego, uma certa estabilidade de preços, tudo com vistas ao crescimento
econômico.

126
Direito tributário. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 36-37.
70

Segundo esse estudioso, ao pesar nas decisões e consequentes atuações dos


agentes econômicos, o tributo toca o equilíbrio em que o mercado se encontra, fato que
não pode ser subestimado na análise do fenômeno tributário 127.
Nesse contexto, cabe destacar o posicionamento de Geraldo Ataliba e José
Artur Lima Gonçalves:

Os incentivos fiscais manifestam-se, assim, sob várias formas


jurídicas, desde a forma imunitória até a de investimentos
privilegiados, passando pelas isenções, alíquotas reduzidas, suspensão
de impostos, manutenção de créditos, bonificações, créditos especiais
– dentre eles os chamados créditos-prêmio – e outros tantos
mecanismos, cujo fim último é, sempre, o de impulsionar ou atrair, os
particulares para a prática das atividades que o Estado elege como
prioritárias, tornando, por assim dizer, os particulares em participantes
e colaboradores da concretização das metas postas como desejáveis ao
desenvolvimento econômico e social por meio da adoção do
comportamento ao qual são condicionados.

Entendemos que, dentro do contexto normativo, há uma dificuldade em


caracterizar uma norma como indutora, pois, para nós, de certa forma, todas as normas
são indutoras de comportamento. Na verdade, não conseguimos identificar critérios
intranormativos que permitam expressar a finalidade indutora da norma jurídica. Isso
ocorre porque a finalidade indutora faz parte da seara da política fiscal e está fora do
campo do sistema do direito positivo, que não se comunica com o sistema político e
econômico.

3.2.6 Incentivos Fiscais como Normas Sancionatórias Premiais

Não há como tratar de normas sancionatórias premiais sem falar na conhecida


distinção de Norberto Bobbio entre sanções positivas e negativas.
Antes, porém, interessante destacar o contexto desse entendimento, conforme
Tércio Sampaio Ferraz Jr. 128:

Modernamente, no entanto, a própria transformação e o aumento de


complexidade industrial vieram colocando as coisas em outro rumo.

127
“Ao afetar o comportamento dos agentes econômicos, o tributo poderá influir decisivamente no
equilíbrio antes atingido pelo mercado. As distorções daí decorrentes também haverão de ser
consideradas na análise da tributação”. (SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 3. ed. São
Paulo: Saraiva, 2013, p. 36).
128
FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Apresentação. In.: BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento
jurídico. Tradução de Ari Marcelo Solon São Paulo: Edipro, 2011, p. 26.
71

Não resta dúvida de que, sobretudo a partir da Segunda Guerra


Mundial, o Estado cresceu para além de sua função protetora-
repressora, aparecendo até muito mais como produtor de serviços de
consumo social, regulamentador da economia e produtor de
mercadorias. Com isso, foi sendo montado um complexo sistema
normativo que lhe permite, de um lado, organizar sua própria máquina
de serviços, de assistência e de produção de mercadorias, e, de outro,
montar um imenso sistema de estímulos e subsídios. […] Ora, nesse
contexto, uma teoria jurídica da sanção, limitada ao papel das sanções
negativas e, pois, ignorando o papel assistencial, regulador e
empresarial do Estado, estaria destinada a fechar-se num limbo,
entendendo mal, porque entenderia limitadamente relação entre o
Direito, o Estado e a sociedade.

Nesse tema, cumpre inicialmente distinguir, seguindo Norberto Bobbio 129 ,


normas positivas e negativas de sanções positivas e negativas: uma norma será positiva
quando prescrever um comando, e negativa quando prescrever uma proibição 130. Assim,
devemos diferenciar ordens e proibições de prêmios e castigos.
Norberto Bobbio 131 observa que, em seu tempo, o direito ainda é concebido
majoritariamente como instrumento repressivo, tanto porque a força é tomada como um
meio para conseguir o maior respeito possível às normas, como também em razão do
conteúdo das normas, no caso, as normas secundárias. Com isso, vinculava-se
estreitamente o direito e a coação. Mas isso vem mudando 132 , e um dos indícios é
justamente a maior adoção das sanções positivas 133.

129
BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. Trad. Daniela
Beccaccia Versiani. Barueri: Manole, 2008, p. 6.
130
Muito embora saibamos que, ao proibir uma conduta p (Ph p), se está obrigando a conduta –p (O -p),
dada a interdefinibilidade dos modais deônticos: -P p ≡ O –p ≡ Ph p (ECHAVE, Delia Tereza;
URQUIJO, María Eugenia; GUIBOURG, Ricardo. Lógica, proposición y norma. Buenos Aires:
Astrea, 1995, p. 123).
131
Op. cit., p. 7.
132
“Uma análise dos ordenamentos jurídicos dos Estados modernos, a começar pelos documentos
constitucionais, em que o termo ‘promover’ suplantou ou colocou de lado o termo ‘garantir’, induz a
modificar a imagem tradicional do direito, ou, pelo menos, a perfilar ao seu lado uma nova, na qual a
função promocional se sobrepõe à função repressivo-protetiva. Isso não quer dizer que o direito não
tenha tido, inclusive no passado, além da função de repressão, também a função de promoção.
Contudo, o primeiro tipo de função sempre foi tão predominante que a maior parte das teorias do
direito não registraram, nas suas definições do direito, a função e promoção. Aliás, com frequência, a
distinção entre as duas funções serviu de critério para distinguir o direito de outros sistemas de
controle social […]”. (ibid., p. 135-136).
133
“Todavia, dado que entre essas tarefas é predominantemente a de dirigir a atividade econômica, é
igualmente inegável que o Estado moderno se vale cada vez mais das técnicas de encorajamento, além
das técnicas de desencorajamento que lhe eram habituais. Entre essas técnicas de encorajamento o uso
do aparelho jurídico (isto é, do sistema normativo coativo) assume um papel cada vez mais evidente,
não para tornar difíceis ou desvantajosos os comportamentos considerados nocivos à sociedade, mas
para tornar fáceis ou vantajosos os comportamentos considerados úteis, isto é, o uso das sanções
positivas. Isso é tão evidente que nos faz considerar agora inadequadas as teorias do direito que não as
levem em consideração, e desfocada a imagem essencialmente repressivo-protetiva, ainda
72

Dentro dessa perspectiva, sanção seria um gênero que comporta duas espécies:
as sanções negativas e as positivas 134. Embora o ordenamento repressor ainda seja uma
visão em voga, tem se tornado mais frequente o emprego de técnicas de encorajamento,
revelando a função promocional do direito ao lado da repressiva 135.
As condutas humanas são conformes ou desviantes daquilo que o ordenamento
prescreve. Pela técnica do desencorajamento, a prática de atos conformes é protegida, e
à de desviantes é atribuída uma consequência. Já pela técnica do encorajamento, além
de protegida, a prática de atos conformes é provocada, estimulada; os atos desviantes,
por sua vez, também são afetados por consequências 136.
Norberto Bobbio diferencia o ordenamento protetivo-repressivo do
ordenamento promocional, considerando que o primeiro se preocupa com as condutas
não desejadas, a fim de obstar sua prática, enquanto o segundo, ao contrário, se
preocupa com as condutas desejadas, inclusive para que elas sejam praticadas até
mesmo por quem normalmente não as realiza. Isso denota uma mudança de
paradigmas 137:

A introdução da técnica do encorajamento reflete uma verdadeira


transformação na função do sistema normativo em seu todo e no modo
de realizar o controle social. Além disso, assinala a passagem de um
controle passivo – mais preocupado em desfavorecer as ações nocivas
do que em favorecer as vantajosas – para um controle ativo –
preocupado em favorecer as ações vantajosas mais do que em
desfavorecer as nocivas 138.

Quanto à sanção, verifica-se que, na técnica de encorajamento, ela se dá quer


como consequência propriamente dita, conferida após a prática da conduta desejada,
quer prévia ou simultaneamente ao ato, estimulando-o 139. Como consequência, temos a

predominante, do ordenamento jurídico”. (BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos


de teoria do direito. Trad. Daniela Beccaccia Versiani. Barueri: Manole, 2008, p. 137).
134
Ibid., p. 7.
135
Ibid., p. 13.
136
Ibid., p. 15.
137
“É notória a importância que têm, para uma análise funcional da sociedade, as categorias da
conservação e da mudança. Considerando agora as medidas de desencorajamento e as de
encorajamento de um ponto de vista funcional, o essencial a se destacar é que as primeiras são
utilizadas predominantemente com o objetivo da conservação social e as segundas, com o objetivo da
mudança”. (ibid., p. 19).
138
Ibid., p. 15.
139
Ibid., p. 17.
73

configuração de uma recompensa; se precede ou é simultânea à conduta, temos uma


facilitação 140.
Em todo caso, a sanção positiva pode ser um prêmio consistente numa
vantagem ou na privação de uma desvantagem 141 . Nesse contexto, os incentivos
fiscais 142, cujo resultado final é possibilitar um pagamento a menor ou mesmo impedir
tal pagamento, trazem, numa ótica individualista e imediatista, a privação de uma
desvantagem, pois o pagamento do tributo, embora fundamental socialmente, não é
vantajoso para o contribuinte, que terá retorno apenas difuso do valor pago,
considerando a atividade financeira do Estado.
Tratando das sanções jurídicas tributárias, Cristiano Rosa de Carvalho 143
propõe analisá-las sob a ótica estruturalista e funcionalista, expondo, ao final, sua
natureza jurídica, contextualizada dentro do direito tributário.
A visão estruturalista, segundo ele 144 , está apoiada no juspositivismo em
termos epistemológicos, ou seja, constrói normas jurídicas a partir de textos jurídicos
válidos, privilegiando aspectos sintáticos e semânticos, revelando, por fim, como o
direito é.
Já a visão funcionalista permite estudar o comportamento humano em face das
normas jurídicas. Nesse campo, nota-se a recíproca influência entre Direito e Economia,
na interdisciplinaridade, que considera algumas máximas da teoria econômica, como a
racionalidade instrumental e a análise do custo-benefício, que, por sua vez, revela o
direito em sua função.

140
“Por técnica de facilitação, entendo o conjunto de expedientes com os quais um grupo social
organizado exerce um determinado tipo de controle sobre os comportamentos de seus membros (neste
caso, trata-se do controle que consiste em promover a atividade na direção desejada), não pelo
estabelecimento de uma recompensa à ação desejada, depois que esta tenha sido realizada, mas
atuando de modo que a sua realização se torne mais fácil ou menos difícil”. (BOBBIO, Norberto. Da
estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. Trad. Daniela Beccaccia Versiani. Barueri:
Manole, 2008, p. 30).
141
Ibid., p. 24-25.
142
“Na hipótese, a LC 101, art. 14, discrimina esses conceitos de direito tributário promocional”.
(BORGES, José Souto Maior. A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e sua inaplicabilidade a
incentivos financeiros estaduais. Revista Dialética de Direito Tributário, n. 63, dez. 2000, p. 95).
143
CARVALHO, Cristiano Rosa de. Sanções Tributárias. Uma visão estruturalista e funcionalista do
Direito. Latin American and Caribbean Law and Economics Association, jan. 2013. Disponível
em: <http://works.bepress.com/cristiano_carvalho/28>. Acesso em: 27 abril. 2014.
144
Ibid.
74

Por não serem excludentes, entende o autor 145 que a conjugação dessas
perspectivas de análise trará um quadro adequado do instituto sobre o qual volta suas
atenções: a primeira permite estudar a sanção pelo prisma lógico, enquanto a segunda
permite pesquisar como ela motiva o comportamento humano.
Com essas premissas, não podia ser outra sua definição de sanção jurídica:
maneira pela qual o Direito estimula que os indivíduos cumpram suas ordens. Mais do
que motivadores de comportamento, as sanções são, portanto, a principal maneira
através da qual o sistema jurídico preserva sua funcionalidade 146.
Sobre a estrutura lógica da norma jurídica completa, isto é, aquela em que
temos a norma primária e a norma secundária de caráter sancionatório, o autor destaca
que o vínculo entre elas é condicional, mas não no mesmo sentido da
“condicionalidade” que une o antecedente e o consequente de uma mesma norma
primária ou secundária 147.
A condição 148 , nesta última, é intranormativa, enquanto, para a norma
completa, é internormativa 149 . Neste modelo, a norma sancionatória tem caráter
punitivo, pois é a consequência do descumprimento da norma primária.
Contudo, há também as chamadas sanções premiais, além das sanções
punitivas; ambas visam à motivação das condutas intersubjetivas.
Até o século XX, os ordenamentos jurídicos utilizavam majoritariamente
sanções punitivas, dada sua atuação repressora. A partir do século XX, com o
surgimento do Estado Social (welfare state), os ordenamentos passaram a ter, além da
função repressora, uma atuação indutora, revelando o lado finalístico do Direito. Nessa

145
CARVALHO, Cristiano Rosa de. Sanções Tributárias. Uma visão estruturalista e funcionalista do
Direito. Latin American and Caribbean Law and Economics Association, jan. 2013. Disponível
em: <http://works.bepress.com/cristiano_carvalho/28>. Acesso em: 27 abril. 2014.
146
Ibid.
147
“Dizemos que há uma relação-de-ordem não-simétrica, a norma sancionadora pressupõe,
primeiramente, a norma definidora da conduta exigida. Também, cremos, com isso não ser possível
considerar a norma que não sanciona como supérflua. Sem ela, carece de sentido a norma
sancionadora. O Direito-norma, e sua integridade constitutiva, compõe-se de duas partes. […] As
denominações adjetivas ‘primária’ e ‘secundária’ não exprimem relações de ordem temporal ou
causal, mas de antecedente lógico para consequente lógico”. (VILANOVA, Lourival. As estruturas
lógicas e o sistema do direito positivo. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2010, p. 73-74).
148
CARVALHO, op. cit.
149
Sobre a estrutura da norma completa, confira-se capítulo 4.
75

esfera, nasceu o funcionalismo jurídico, que toma o Direito enquanto instrumento para a
concretização dos valores considerados importantes pela sociedade 150.
Nesse contexto, ao lado das sanções punitivas, que mantiveram seu status de
principal motivador das condutas inter-humanas, ganham atenção as sanções premiais,
enquanto formas também bastante úteis para incentivo dos comportamentos 151.
Se as sanções punitivas correspondem às sanções secundárias de que já
falamos, as sanções premiais diferem daquelas: se a norma secundária pressupõe um
descumprimento, aqui, diversamente, confere-se inicialmente uma escolha ao
destinatário da norma, o qual, dentre as opções dadas, é incentivado a cumprir uma das
alternativas, à qual está vinculada uma sanção premial.
Oferecem-se opções de conduta ao destinatário, e se atrela um prêmio ao
cumprimento de uma delas, qual seja, aquela que o legislador quer ver realizada e que é,
pela sanção premial, incentivada.
Nesse funcionamento, o caráter incentivador ou indutor da sanção premial resta
evidente. Diante disso, Cristiano Carvalho define a sanção premial como “um prêmio,
uma recompensa oferecida ao indivíduo de modo a incentivá-lo a escolher determinada
ação” 152.
Essa diferença de mecanismo é encontrada logo na conformação lógica dessa
sanção premial, que, segundo o autor 153, pode ser assim formalizada:
D[(p q w -q) . (q r)]
Nessa estrutura apresenta-se: “D” indicando o dever-ser caracterizador do
direito; “p” como hipótese de incidência; “q” e “-q” representam as opções de condutas
oferecidas ao destinatário, sendo “w” representativo do disjuntor excludente, pelo qual
uma ou outra das opções será realizada necessariamente, porém não se pode realizar as
duas ou não cumprir nenhuma delas; “r” indica a sanção premial.
Nota-se que a opção incentivada é a “q”, porque seu cumprimento implica ()
a sanção premial “r”. Na sanção punitiva, como se verá adiante, não há escolha por

150
CARVALHO, Cristiano Rosa de. Sanções Tributárias. Uma visão estruturalista e funcionalista do
Direito. Latin American and Caribbean Law and Economics Association, jan. 2013. Disponível
em: <http://works.bepress.com/cristiano_carvalho/28>. Acesso em: 27 abril. 2014.
151
Ibid.
152
Ibid.
153
Ibid.
76

parte do destinatário, mas apenas a obrigação de cumprir a conduta; caso contrário, ser-
lhe-á imposta a sanção punitiva.
Para Gregório Robles Morchón 154 , as chamadas sanções positivas não têm
caráter coativo, porque conceder um benefício ou um prêmio ao beneficiário de forma
coercitiva parece difícil: “Se isso acontecesse, o sujeito destinatário do benefício
evidentemente não o consideraria como tal, já que não seria objeto de seu desejo”.
Ele classifica as sanções positivas como um dos possíveis objetos da norma de
execução, a qual corresponde à norma que carrega o dever de realizar uma ação,
imposto ao órgão executivo pelo órgão de decisão:

A norma que impõe ao órgão o dever de outorgar esse benefício é uma


norma de execução não coativa, já que o mencionado benefício não é
concedido ao seu destinatário por meio da força. A execução constitui
tão somente o cumprimento do dever, cumprimento que redunda
diretamente em benefício de um sujeito determinado155.

Como ressalta Cristiano Carvalho 156, a grande questão a ser pensada é qual
desses tipos de sanção se mostra mais eficiente ao cumprimento das normas jurídicas.
Essa reflexão pode levar o legislador a avaliar mais adequadamente a racionalidade que
orienta os indivíduos quando do cumprimento das normas, de forma a estimular com
mais eficiência as condutas.
Sobre essa racionalidade, Cristiano Carvalho 157 cita autores que concluem que
é inerente ao ser humano buscar aumentar ao máximo seu bem-estar, e isso contribuiu
decisivamente para a evolução humana da pré-história aos dias atuais. Se, por um lado,
essa racionalidade é positiva, por outro, o autointeresse individual prejudica a
sociedade.
Pensemos nos bens públicos sustentados pelo tributo. Seu uso é caracterizado
pela não rivalidade e pela não exclusividade: o uso de um bem por uma pessoa não
impede nem pode impedir o uso pelas demais.
Essas características causam externalidades positivas, que são os efeitos que
ultrapassam as partes implicadas na relação jurídico-econômica, envolvendo os

154
As regras do direito e as regras dos jogos: ensaio sobre a teoria analítica do direito. Tradução de
Pollyana Mayer. São Paulo: Noeses, 2011, p. 201-202.
155
Ibid., p. 202.
156
CARVALHO, Cristiano Rosa de. Sanções Tributárias. Uma visão estruturalista e funcionalista do
Direito. Latin American and Caribbean Law and Economics Association, jan. 2013. Disponível
em: <http://works.bepress.com/cristiano_carvalho/28>. Acesso em: 27 abril. 2014.
157
Ibid.
77

terceiros beneficiados pelo bem público mesmo sem contribuir financeiramente para sua
consecução.
É nesse sentido que se diz, em economia (já que a classificação referida é da
ciência econômica), que os bens públicos são falhas de mercado: as pessoas de direito
privado não têm recursos necessários para produzir esses bens, razão por que são
cometidos ao Estado; este, por sua vez, busca os recursos através da tributação, além de
outras receitas.
Para o autor, esse é o retrato da compulsoriedade do tributo 158. Transferências
voluntárias de dinheiro ao Estado a fim de custear os bens públicos logo deixariam de
ser realizadas, tendo em vista o oportunismo gerado pelas externalidades positivas
(terceiros que acabam usando o bem mesmo sem ter pagado por ele). Assim, as
transferências são obrigatórias.
Através da analogia à teoria dos jogos e ao dilema do prisioneiro 159, Cristiano
Carvalho conclui que o que se passa com a tributação não é muito diferente. A
racionalidade que busca maximizar o bem-estar cede ao oportunismo, em vez de
continuar pagando os tributos, o que gera um aumento da carga tributária pela
redistribuição dos custos, num consequente efeito cíclico de incentivo a mais sonegação
fiscal 160.

158
CARVALHO, Cristiano Rosa de. Sanções Tributárias. Uma visão estruturalista e funcionalista do
Direito. Latin American and Caribbean Law and Economics Association, jan. 2013. Disponível
em: <http://works.bepress.com/cristiano_carvalho/28>. Acesso em: 27 abril. 2014.
159
“Dois acusados de serem cúmplices em um crime são mantidos isolados pela polícia, sem nenhuma
possibilidade de se comunicarem. Interrogados separadamente, aos prisioneiros são oferecidas as
seguintes alternativas: 1) se ambos confessarem o crime, serão sentenciados a cinco anos de prisão; 2)
se ambos negarem o crime, serão sentenciados a um ano de prisão (porque o promotor só conseguirá
provar um crime de menor importância); 3) se um confessar e o outro negar, o acordo com o promotor
é que aquele que tiver confessado ficará livre e o que tiver negado receberá dez anos de prisão. […]
No dilema acima, o jogo é de informação completa (os dois jogadores sabem as recompensas – ou
sanções – advindas de suas escolhas) e simultâneo (só é jogado uma vez, e as escolhas ocorrem sem
que um jogador saiba da escolha do outro, logo, não pode haver ameaças ou reciprocidades entre
eles). Por isso mesmo, cada jogador agirá levando em conta a possível escolha do outro, sendo que as
recompensas incentivam o oportunismo e desestimulam a cooperação, por falta de confiança mútua
suficiente. O resultado melhor para o grupo seria ambos negarem a autoria do crime, cuja recompensa
é a menor pena. Contudo, há o receio de fazer isso, pois o outro pode confessar (para sair livre),
aproveitando-se (pegando carona) daquele que nega a culpa, condenando este à pena máxima. Logo, a
escolha racional é ambos confessarem, acarretando o pior resultado para o grupo (porém não o pior
resultado individual)”. (ibid.).
160
“A única forma pela qual é possível condicionar comportamentos é por meio de punições ou prêmios,
pois estes são os principais incentivos processados pelo indivíduo racional. O direito tributário é o
segmento do sistema jurídico que mais acarreta a tensão entre a necessidade de obtenção de recursos
para a manutenção do Estado e a preservação da liberdade econômica individual, ou, em outras
palavras, o conflito entre o interesse público e o interesse particular. A adequada instituição de
78

Nesse cenário, as sanções premiais apresentam-se como medida para diminuir


ou suavizar o não pagamento dos tributos devidos, tornando a tributação mais funcional:

A forma pela qual o Direito pode tentar minimizar o problema é a


alocação das recompensas adequadas (pay offs, no jargão da teoria dos
jogos) às ações dos contribuintes, ou seja, instituir as consequências
eficientemente motivadoras das condutas desejadas pelo legislador:
cumprir com as obrigações tributárias, principais e acessórias. As
recompensas ou consequências são as sanções tributárias, punitivas ou
premiais 161.

Pela teoria da escolha racional, as pessoas realizam suas escolhas com base nas
vantagens e desvantagens que lhes advirão. Ou seja, a pessoa avalia a relação custo x
benefício, sendo considerada racional a escolha em que os benefícios superam os
custos.
Cristiano Carvalho 162 conclui que, no sistema jurídico, as sanções são tomadas
como preços a serem pagos quando da prática de ilícitos, e, por isso, esse sistema “é,
sobretudo, um sistema de preços normativos, sendo estes fixados pelas sanções”.
Marcos André Vinhas Catão, após explicar a doutrina de Norberto Bobbio,
conclui que as normas de promoção não condizem com o conceito de “sanção” colhido
no direito público ou privado. Em vista disso, trata as normas de incentivo fiscal como
normas de organização do Estado que têm função promocional sob o pálio da
extrafiscalidade, não qualificadas como sanção 163.
Analisando a natureza jurídica das normas de incentivo financeiro, José Souto
164
Maior Borges afirma que haverá incentivo estatal sempre que as atividades
particulares são estimuladas pelo Estado em razão das repercussões sociais que
provocam, merecendo esse incentivo, com base na interpretação global do ordenamento

sanções jurídicas é uma das formas de minorar esse conflito, evitando o indesejado efeito carona de
oportunistas em contribuintes adimplentes”. (CARVALHO, Cristiano Rosa de. Sanções Tributárias.
Uma visão estruturalista e funcionalista do Direito. Latin American and Caribbean Law and
Economics Association, jan. 2013. Disponível em: <http://works.bepress.com/cristiano_carvalho/28>.
Acesso em: 27 abril. 2014).
161
Ibid.
162
Ibid.
163
“Quer nos parecer assim, sob certa dogmática, absolutamente pertinentes as colocações do mestre
italiano, acrescentando aqui o modesto entendimento de que as normas de ‘promoção’, por refugirem
ao conceito de sanção do direito público ou privado, não se assemelham a uma verdadeira ‘sanção’
(positiva), criação esta que se justifica a partir de uma possível dificuldade de se admitir uma
categoria de norma sem sanção”. (Regime jurídico dos incentivos fiscais. Rio de Janeiro: Renovar,
2004, p. 8).
164
A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e sua inaplicabilidade a incentivos financeiros estaduais.
Revista Dialética de Direito Tributário, n. 63, dez. 2000, p. 82.
79

jurídico 165. Ele reconhece nessas normas uma função diversa das normas sancionatórias
negativas, qual seja, a função promocional 166:

A instalação e ampliação de indústrias estarão portanto no pressuposto


normativo (descritor) do comportamento empresarial regulado. O
efeito da realização concreta desse suporte fáctico corresponde ao
dever de financiamento (conseqüente). Essa relação é portanto
incentivadora e não repressiva, como ocorre nas sanções negativas
imputáveis a atos ilícitos. Entre o comportamento descrito na hipótese
normativa e os efeitos incentivadores dá-se, pela implicação
normativa, uma relação sintática (imputação). Relação entre a hipótese
descritiva do ônus empresarial legalmente condicionante para a
obtenção do incentivo e a conseqüêcia: atribuição de efeitos
estimuladores para a atividade incentivada 167.

Ainda nesse contexto, José Souto Maior Borges enxerga nos incentivos fiscais
não setoriais tal efeito estimulante 168.
Luís Eduardo Schoueri 169, ao tratar da diferença entre a intervenção por direção
e por indução sobre o domínio econômico, alerta que os incentivos fiscais demandam

165
“Logo, ao instituir o programa de apoio ao desenvolvimento econômico estadual, a norma
incentivadora coloca-se a serviço de um dos objetivos fundamentais da República Federativa do
Brasil, a promoção do desenvolvimento econômico e recebe fundamento de validade nos respectivos
preceitos constitucionais, que não veiculam simples normas, mas princípios e garantias fundamentais,
assim nomeados pela própria CF, no seu Título I”. (ibid., loc. cit., grifos do autor).
166
“Promover o cumprimento de atos socialmente desejáveis, como os atos impulsionadores do
desenvolvimento industrial, no âmbito de um determinado Estado-membro da federação brasileira,
corresponde ao exercício da função promocional. Consiste numa técnica de encorajamento, i.é, de
estímulo a uma atividade empresarial com vistas ao desenvolvimento econômico estadual. É
precisamente quando o Estado pretende encorajar uma atividade determinada, p. ex., econômica, que
ele se vale de um incentivo, constituído por um subconjunto de normas estimulantes, destacado das
demais normas do ordenamento tributário, porque visam estimular a atividade e não reprimi-la, como
sucede nas tradicionais sanções negativas ou repressivas”. (ibid., p. 81-82, grifos do autor).
167
Ibid., p. 81.
168
“O subconjunto dos incentivos fiscais não-setoriais é composto por normas integrativas da CF a que
são constitucionalmente imputados efeitos estimulantes pela inexigibilidade de convalidação legal, em
contraposição aos efeitos repressivos (melhor dito: desestimulantes) dos incentivos fiscais setoriais
(= exigência de revalidação legal). Facilitando o inter-relacionamento sintático dos incentivos fiscais
não-setoriais com ela própria, pela dispensa de revalidação, a CF assume uma função promocional ou
de estímulo do comércio exterior (supra, 4.2). Essa facilitação consiste na dispensa de reavaliação e
confirmação – exigíveis apenas para os incentivos setoriais. Porém o desestímulo constitucional aos
incentivos fiscais setoriais é tênue, eis que não se trata de atos ilícitos”. (BORGES, José Souto Maior.
Sobre o crédito-prêmio à exportação. Revista Dialética de Direito Tributário, n. 112, p. 87-88, jan.
2005).
169
“Do ponto de vista constitucional, a oposição entre privilégio e prêmio exige uma análise mais detida
de ambas as medidas. Conquanto tanto a intervenção por indução quanto por direção sejam
compatíveis, em princípio, com o ordenamento constitucional, importa ver que atuam de modo
diverso, implicando, também, diferentes ponderações constitucionais, seja no que tange à limitação da
liberdade, seja no princípio da proporcionalidade. […] Assim, normas obrigatórias ou proibitivas
implicam evidente limitação da liberdade individual. O rígido controle constitucional de tais medidas
é imediato”. (Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de Janeiro: Forense,
2005, p. 50).
80

verificação de sua conformidade perante a Constituição Federal, pois é incorreto pensar


que, por ampliar as possibilidades econômicas do contribuinte, ao invés de as limitar,
dispensam referido controle. É que, através de medidas aparentemente benéficas, o
Estado pode ampliar ainda mais seu poder do que o faria com medidas restritivas. Nesse
sentido, é a lição de Tércio Sampaio Ferraz Jr. 170:

A meu ver, isso cria a impressão de que, no uso das sanções positivas,
o agente sancionador restringe sua própria força, uma vez que não
ameaça, mas encoraja; “embora”, ao que parece, aqui se colocasse a
importante questão de se saber se, no caso das técnicas de
encorajamento, “a autonomia da vontade não estaria sendo sutilmente
escamoteada”, implicando o reconhecimento de que o Estado com
função promocional (Estado regulador) desenvolve formas de poder
ainda mais amplas do que o Estado protetor das liberdades. Isto é, ao
prometer, via subsídios, incentivos e isenções, ele substitui o mercado
e a sociedade no modo de “controlar” (no sentido amplo da palavra) o
comportamento.

Não bastasse isso, a carga tributária dos contribuintes não beneficiados por tais
incentivos é aumentada com a redução por eles implicada, o que denuncia o interesse de
toda a sociedade em ver tais medidas controladas 171.
Nesse mesmo contexto, referido autor analisa os desestímulos ou proibições.
Para ele, embora o artigo 174 da Constituição Federal não empregue o termo
desincentivo, não se pode concluir que medidas desse jaez estejam proibidas, pois um
desincentivo é apenas o outro lado da moeda do incentivo, isto é, “ao incentivar uma
atividade, o Estado ‘desincentiva’ outras” 172.
E os desincentivos exigem o mesmo controle constitucional dos incentivos.
Como exemplo, Luís Eduardo Schoueri cita a possibilidade levantada por outros autores
de que as normas tributárias indutoras podem significar um prêmio aos contribuintes
com maior capacidade econômica, fortalecendo-os perante os demais em termos de
concorrência. Isso porque esses contribuintes mais abastados podem investir com vistas
a otimizar sua produção, ao passo que os de menor capacidade econômica acabarão
deixando tais investimentos para cumprir as obrigações tributárias que os atingem de

170
FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Apresentação. In.: BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento
jurídico. Tradução de Ari Marcelo Solon São Paulo: Edipro, 2011, p. 28.
171
“Por tais razões, fica clara a necessidade de estrito controle dos benefícios concedidos, seja pelo
controle sobre os próprios beneficiados, seja porque, afinal, terceiros afetados não necessariamente
exerceram qualquer escolha, antes de serem colocados em situação desvantajosa”. (SCHOUERI, op.
cit., p. 51).
172
Ibid., p. 52.
81

forma proporcionalmente mais onerosa. Com o tempo, o mais forte economicamente se


vê em melhores condições de concorrência em relação ao demais. Nesse exemplo, a
norma tributária indutora representou, de certo modo, um prêmio para o empresário de
maior capacidade econômica, que, apesar da tributação mais pesada, pode continuar
praticando a conduta que a lei tentou evitar com o desincentivo 173.
E, assim, conclui 174:

Fica clara, daí, a necessidade do estrito controle constitucional das


normas tributárias indutoras de caráter gravoso, à semelhança do que
se concluía para os casos dos incentivos fiscais, implicando tal
controle o exame dos efeitos indesejados da norma, sob risco de
caracterizarem privilégio ou sobrecarga incompatíveis com o
ordenamento vigente. Na feliz metáfora de Böckli, a norma tributária
indutora é um medicamento forte, cujos efeitos colaterais danosos
podem superar os efeitos desejados.

Como veremos na sequência, diferenciamos incentivos tributários ou fiscais


dos incentivos de outra natureza, como os financeiros, com base na sua interferência na
regra-matriz de incidência tributária ao longo do processo de positivação das normas
jurídicas.
Tratando-os como normas sancionatórias premiais, não conseguimos distinguir
os incentivos fiscais dos demais tipos de incentivos, como os financeiros 175. Assim, esse
critério não resolve as questões sobre as quais nos propomos a refletir neste trabalho.

3.3 Demarcação da nossa posição

A exposição das formas mais comuns de manifestação doutrinária sobre os


incentivos fiscais teve por objetivo buscar fundamento para uma nova proposta para a
construção de um modelo de análise dos incentivos fiscais.

173
SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de
Janeiro: Forense, 2005, p. 54.
174
Ibid., loc. cit.
175
“Há pontos de contacto entre incentivos tributários e financeiros. Por exemplo, ambos são medidas
para execução de uma política pública incentivadora das atividades econômicas dos particulares.
Ambos são instituídos e efetivados com a adoção de sanções premiais (qualificação não de todo
precisa, mas doutrinariamente consagrada), cuja finalidade não é a de coibir a atividade, mas a de
estimulá-la. Ficam por aí entretanto os pontos de semelhança – não há identidade do regime jurídico”.
(BORGES, José Souto Maior. A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e sua inaplicabilidade a
incentivos financeiros estaduais. Revista Dialética de Direito Tributário, n. 63, dez. 2000, p. 97,
grifos do autor).
82

Sabemos que as teorias exploradas no presente capítulo, conforme afirmamos


no início, baseiam-se, notadamente, em premissas distintas das quais adotamos no
presente trabalho. Todavia, é imprescindível trabalhar todas essas abordagens para
identificar que, sem a escolha do método e consequentemente das premissas, a análise
do rigor semântico dos incentivos fiscais fica comprometida, de modo que, sem a
delimitação do objeto de estudo, diversas serão as conclusões e formas de abordagem
para um único tema.
Notamos, a partir das teorias já desenvolvidas pela doutrina no que se refere
aos incentivos fiscais, que as abordagens já empreendidas são bastante ricas e
diversificadas, de modo que o estudo de todas essas teorias permite identificar as
diferenciações que cada uma delas traz para a análise deste instituto.
Nossa posição, no entanto, analisa os incentivos fiscais de forma distinta,
primeiramente porque partimos de um método de análise não utilizado nas teorias aqui
apresentadas, pois escolhemos o constructivismo lógico-semântico como base para o
entendimento do nosso objeto de estudo e, em consequência disso, nossa análise é
voltada para a estrutura normativa dos incentivos fiscais, inserindo-a dentro dos
aspectos sintático, semântico e pragmático.
83

4 A ESTRUTURA NORMATIVA DOS INCENTIVOS FISCAIS

4.1 Introdução

Após a verificação das múltiplas significações para a expressão incentivos


fiscais apresentada no capítulo anterior, formularemos a proposta de verificação dos
incentivos fiscais enquanto o conjunto de normas jurídicas que interferem na regra-
matriz de incidência tributária, com a consequente redução ou supressão do tributo a
pagar.
No Capítulo anterior, a partir da análise dos mais relevantes estudos sobre os
incentivos fiscais, depreendemos que esta expressão é muitas vezes empregada como
normas, sejam elas como normas indutoras de comportamento, normas incentivadoras
ou sancionatórias premiais.
Contudo, verificamos de grande importância considerar os incentivos fiscais,
de forma ampla, como verdadeiras normas jurídicas que interferem nas relações
tributárias concretizadas entre Fisco e contribuinte.
A partir desse primeiro enfoque, buscaremos elucidar a estrutura normativa dos
incentivos fiscais, bem como apresentar sua forma de manifestação ante as demais
normas do sistema tributário, para, na sequência, apresentar como ocorre a interferência
das normas de incentivo fiscal sobre a regra-matriz de incidência tributária. Da mesma
forma, verificaremos que, quando não se verificar aludida interferência, diante de
incentivos fiscais não estaremos.
Todavia, antes temos de nos aproximar do conceito de norma jurídica e das
classificações apresentadas, uma vez que ela, a norma jurídica, é o verdadeiro núcleo do
sistema do direito positivo, cuja compreensão é imprescindível.

4.2 Primeira aproximação: enunciados, proposições, norma jurídica em sentido


amplo, norma jurídica em sentido estrito e norma jurídica em sentido
completo

A norma jurídica, enquanto elemento nuclear do sistema do direito positivo,


merece especial atenção no presente trabalho, uma vez que partimos da análise de um
84

sistema de referência que considera a norma jurídica como o elemento essencial do


direito.
A norma jurídica, antes de mais nada, é resultado da interpretação construída
pelo intérprete a partir da leitura dos textos de direito positivo. Logo, a norma jurídica
não é a letra da lei, e sim o resultado construído a partir da interpretação.
Tomando o direito como um fenômeno comunicacional, oportuno elucidar os
conceitos de enunciado, proposição e norma com que trabalhamos.
Iniciando pelo enunciado, temos que este é o produto da atividade psicofísica
da enunciação (produto da enunciação, ou seja, do ato de fala). Uma vez concluído o
processo psicofísico de enunciação, resta o enunciado. Mostra-se como um conjunto de
fonemas ou grafemas que consubstancia a mensagem do sujeito emissor para o seu
destinatário, no processo de comunicação. Ele deve ser um segmento de linguagem bem
construído, pois só assim poderá transmitir o seu sentido completo, sujeitando-se aos
valores “verdadeiro” ou “falso”, segundo o acontecimento efetivo que indica. Ao nos
comunicarmos, nós o fazemos por meio de enunciados, que nada mais são do que um
conjunto de palavras que formam orações e se referem a algo de que falamos;
expressam, enfim, uma ideia.
O enunciado prescritivo, por sua vez, nada mais é do que o conjunto de termos
colocados no sistema, por meio de agente competente e mediante o procedimento
adequado.
Por sua vez, a proposição, segundo Paulo de Barros Carvalho 176 , é o
significado de um enunciado declarativo ou descritivo. É, na verdade, o conteúdo do
enunciado, que é a sua base, o seu suporte físico. A proposição constitui um dos
componentes do conhecimento. É o juízo admitido pelo sujeito cognoscente acerca de
determinado objeto, revestido numa estrutura de linguagem. Se equipararmos os
enunciados às marcas de tintas sobre o papel, podemos dizer que as proposições são,
por sua vez, as significações construídas pelo intérprete a partir dessa base material, o
que nos permite concluir que não existem proposições em si mesmas,
independentemente de quem possa pensá-las.

176
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 8. ed. rev.
São Paulo: Saraiva, 2010, p. 110-112.
85

Norma jurídica em sentido amplo e proposições nada mais são que


sinônimos.177
Então, a norma jurídica pode ser definida como a significação ou juízo que é
produzido na mente do intérprete a partir da leitura dos textos de direito positivo, mais
especificamente dos enunciados prescritivos contidos nestes textos.
Dizemos, apoiados na doutrina de Paulo de Barros Carvalho 178, que a norma
jurídica é a significação formada pelas diversas proposições prescritivas, das quais
resulta uma mensagem normativa com sentido completo (hipótese e consequência).
Verifica-se, portanto, que a norma jurídica é o componente elementar do
ordenamento jurídico, de modo que muitas questões podem ser analisadas sob a
perspectiva dessa figura 179, numa ótica normativa, tal qual proposta por Paulo de Barros
Carvalho 180, cujo cerne é o estudo da norma enquanto manifestação do deôntico, nas
dimensões lógica, semântica e pragmática, evidenciando o constructivismo lógico-
semântico como método adequado.
Considerando nossa exposição sobre as normas jurídicas em sentido amplo,
cabe-nos, então, a partir desse conceito, traçar a definição de normas jurídicas em
sentido estrito.
Normas jurídicas organizadas conforme a estrutura lógica que lhe proporciona
sentido deôntico-jurídico completo passam à condição de normas jurídicas em sentido
estrito 181.
As normas jurídicas em sentido estrito são portadoras de conteúdo deôntico
completo, isto é, carregam e transmitem o dever-ser, embasadas numa estrutura lógica

177
Neste sentido, Tácio Lacerda Gama (Competência tributária: fundamentos para uma teoria da
nulidade. 2. ed. revista e ampliada. São Paulo: Noeses, 2011, p. 57).
178
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 5. ed. São Paulo: Noeses,
2013, p. 188.
179
“A norma jurídica tem sido, muitas vezes, o ponto de referência para importantes construções
interpretativas do direito”. (ibid., p. 126).
180
“Devo esclarecer, contudo, que a visão normativa a que me refiro não pretende assumir caráter
absoluto que a levaria, certamente, ao ‘normativismo’, entendido o termo como algo excessivo, que se
põe logo em franca competição com outros esquemas de compreensão, afastando iniciativas
epistemológicas que se dirigem aos diferentes setores de que se compõe o fenômeno. A teoria da
norma de que falo há de cingir-se à manifestação do deôntico, em sua unidade monádica, no seu
arcabouço lógico, mas também em sua projeção semântica e em sua dimensão pragmática,
examinando a norma por dentro, num enfoque intranormativo, e por fora, nua tomada extranormativa,
norma com norma, na sua multiplicidade finita, porém indeterminada”. (ibid., p. 127).
181
Ibid., p. 128.
86

na forma de juízo hipotético-condicional, estrutura essa preenchida com os conteúdos


de significação construídos a partir das normas jurídicas em sentido amplo 182.
Daí porque temos, em linguagem lógica, a norma jurídica portadora da
mensagem deôntica com sentido completo expressa em: D[f(S’R S”)], significando
que deve-ser (D) que, dado o fato (f), se instale por força da vontade do legislador () a
relação jurídica (R), vinculando os sujeitos distintos entre si (S’ e S”) 183.
Assim, a norma jurídica tem estrutura dual, isto é, o juízo hipotético-
condicional é composto por duas proposições, vinculadas pelo ato de vontade neutro do
legislador. Essa neutralidade significa apenas a ausência de modalidades do dever-ser,
ou seja, não aparece nas formas “proibido”, “permitido” nem “obrigatório”. Em
linguagem simbólica, temos “HC”, em que “H” é o antecedente ou hipótese, “C” o
consequente e “” indica o dever-ser neutro que vincula ambas as proposições 184.
A proposição antecedente é descritiva de um evento de possível ocorrência no
mundo fenomênico e implica a proposição tese. Essa descritividade que caracteriza a
proposição antecedente não é cognoscente, mas apenas denotativa ou referencial, pois a
hipótese normativa é válida antes mesmo de ser aplicada, não se submetendo, enquanto
norma, aos critérios de verdade ou falsidade 185. Por isso, o antecedente ou suposto é um
conceito, operando como seletor de propriedade e redutor das complexidades dos

182
“Fixemos aqui um marco importante: quando se proclama o cânone da ‘homogeneidade sintática’ das
regras do direito, o campo de referência estará circunscrito às normas em sentido estrito, vale dizer,
aquelas que oferecem a mensagem jurídica com sentido completo (se ocorrer o fato F, instalar-se-á a
relação deôntica R entre os sujeitos S’ e S”), mesmo que essa completude seja momentânea e relativa,
querendo significar, apenas, que a unidade dispõe do mínimo indispensável para transmitir uma
comunicação de dever-ser. E mais, sua elaboração é preparada com as significações dos meros
enunciados do ordenamento, o que implica reconhecer que será tecida com o material semântico das
normas jurídicas em sentido amplo”. (CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem
e método. 5. ed. São Paulo: Noeses, 2013, p. 129).
183
“Em simbolismo lógico, teríamos: D[f(S’ R S”)], que se interpreta assim: deve-ser que, dado o fato
F, então se instale a relação jurídica R, entre os sujeitos S’ e S”. Seja qual for a ordem advinda dos
enunciados prescritivos, sem esse esquema formal inexistirá possibilidade de sentido deôntico
completo”. (ibid., p. 40).
184
Ibid.13, p. 137.
185
“Havendo grande similitude entre as proposições tipificadoras de classes de fatos, como é a hipótese
normativa, e aquel’outras cognoscentes do real, seus traços individualizadores não se evidenciam, à
primeira vista. Uma observação lógica, contudo, pode dar bem a dimensão do antecedente em face de
proposições que dele se aproximem: a hipótese, como a norma na sua integralidade, pressupõe-se
como válida antes mesmo que os fatos ocorram, e permanece como tal ainda que os mesmos eventos
(necessariamente possíveis) nunca venham a verificar-se no plano da realidade. Paralelamente, diante
de um enunciado declarativo ou teorético, teremos de aguardar o teste empírico para então expedirmos
juízo de valor lógico sobre a proposição correspondente. Só depois da experiência será possível dizer
da verdade ou falsidade dos enunciados descritivos, ressalvando-se, por certo, aqueles tautológicos e
os contraditórios”. (ibid., p. 133).
87

acontecimentos escolhidos valorativamente na hipótese 186 . A hipótese é, assim, a


descrição legal de um fato, um conceito elaborado pelo legislador 187.
A descrição de um fato social requer a indicação das notas escolhidas para a
sua comunicação aos demais, pelas quais será possível identificar o fato, distinguindo-o
de outros fatos 188. Isso envolverá, portanto, um critério material, composto por verbo e
complemento, um critério espacial e um critério temporal, pois toda conduta ocorre em
determinada unidade de espaço e tempo.
Formalmente, o que acabamos de dizer é expresso em:
H≡Cm(v.c).Ce.Ct
Na estrutura formal acima, “H” corresponde à hipótese ou antecedente, “Cm
(v.c.)” é o critério material, “Ce” e “Ct” são, respectivamente, critério espacial e critério
temporal.
A interpretação, é sabido, vai além do plano formal, que será preenchido pelos
conteúdos de significação trazidos pela linguagem do direito e também pelos utentes da
linguagem, em nível pragmático. Tal preenchimento se dá com o processo de
positivação, em que se enunciam fatos jurídicos, transformando meros eventos mediante
linguagem competente 189.
É no critério material do antecedente que está a referência ao comportamento
implicador da relação jurídica. No direito, a causalidade não é natural ou física, mas
jurídica, imputabilidade. Em razão dela, o antecedente implica o consequente, quer na
norma geral e abstrata, quer na individual e concreta 190.
Se o antecedente é descritivo, não regra os acontecimentos do mundo; tal
objetivo está no consequente da norma, este sim prescritor de condutas
intersubjetivas 191 . Tanto um como o outro se assentam no modo ontológico da
possibilidade: a hipótese somente pode descrever eventos de possível ocorrência, pois a
previsão de fato impossível jamais desencadeará a relação jurídica do consequente,
186
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 5. ed. São Paulo: Noeses,
2013, p. 132.
187
Em referência à hipótese de incidência em normas gerais e abstratas, ensina Geraldo Ataliba: “A h.i. é
primeiramente a descrição legal de um fato: é a formulação hipotética, prévia e genérica, contida na
lei, de um fato (é o espelho do fato, a imagem conceitual de um fato; é o seu desenho)”. (ATALIBA,
Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6. ed., 9. tiragem. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 58).
188
“Seus aspectos, portanto, não têm natureza ou qualidade diversa. São também conceituais, participam
da natureza de conceitos legais e como entes jurídicos devem ser entendidos”. (ibid., p. 60).
189
CARVALHO, op. cit., p. 149.
190
Ibid., p. 150.
191
Ibid., p. 133.
88

carecendo de sentido deôntico; do mesmo modo, não há sentido prescrever, no


consequente, conduta proibida, permitida ou obrigatória que não se possa praticar 192.
No consequente, encontramos a relação jurídica, composta pelo elemento
subjetivo e pelo prestacional. Quanto ao elemento subjetivo, trata-se dos sujeitos de
direito que ocupam os polos da relação, uma na condição de titular do direito subjetivo
de exigir a prestação e o outro na posição de titular do dever jurídico de realizar a
prestação.
Porque intimamente relacionados, ao tratar do elemento subjetivo, não
pudemos prescindir do elemento prestacional, que é a conduta a ser exigida, modalizada
em obrigatória permitida ou proibida. Enquanto prestação da relação jurídica, a conduta
regulada em estado de determinação ou determinabilidade demanda uma especificação
no tocante a seu objeto: pagar certo valor, realizar uma obra, abster-se de dirigir
embriagado etc. No elemento prestacional, portanto, encontramos a caracterização da
conduta devida pelo sujeito passivo ao sujeito ativo, cuja especificação antes
mencionada traduz-se em segurança e certeza, princípios basilares do sistema jurídico
dada sua indispensabilidade à regulação das condutas humanas.
193
Gregório Robles Morchón classifica as regras em indiretas de ação,
chamando-as de ônticas porque mais bem caracterizadas linguisticamente a partir do
verbo “ser”, como no caso das regras sobre maioridade; e regras diretas, caracterizadas
pelas expressões dever, poder, ter que, ser permitido, entre outras, abrangendo as
normas procedimentais, potestativas e deônticas, estas também subdivididas em normas
de conduta, de decisão e de execução.

Parece-nos uma questão de pontos de vista: Gregório Robles trata as normas


como expressões linguísticas que dirigem a ação humana, direta ou indiretamente.
Dirigir ou orientar a ação humana implica ordenar como deve ser a ação; portanto, o
“dever-ser” que expressa o caráter deôntico, na acepção de Paulo de Barros Carvalho,
com a qual trabalhamos, está presente também na classificação de Gregório Robles, mas
este apenas o aborda de maneira diferente. Lembrando sempre que, embora o legislador

192
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 5. ed. São Paulo: Noeses,
2013, p. 132, 134.
193
Teoría del derecho (fundamentos de teoría comunicacional del derecho). v. I. Madrid: Civitas, 1998,
p. 183-206.
89

trabalhe muitas vezes com enunciados descritivos, a função prescritiva que opera
mediante “dever-ser” (deôntico) está inexoravelmente presente na linguagem jurídica.
Dentro do contexto da regulação das condutas humanas intersubjetivas pelo
direito, com coercitividade, tem-se a inexistência de regras jurídicas sem as
correspondentes normas sancionatórias 194, razão por que se diz que as normas jurídicas
têm feição dúplice, aparecendo aos pares em normas primárias e secundárias, formando
a dita norma jurídica completa:

As duas entidades que, juntas, formam a norma completa, expressam a


mensagem deôntica-jurídica na sua integridade constitutiva,
significando a orientação da conduta, juntamente com a providência
coercitiva que o ordenamento prevê para seu descumprimento. Em
representação formal: D{(pq) v [(p-q) S]}. Ambas são válidas
no sistema, ainda que somente uma venha a ser aplicada ao caso
concreto. Por isso mesmo, empregamos o disjuntor includente (“v”)
que suscita o trilema: uma ou outra ou ambas. A utilização desse
disjuntor tem a propriedade de mostrar que as duas regras são
simultaneamente válidas, mas que a aplicação de uma exclui a da
outra 195.

O antecedente da norma jurídica pode ser adjetivado como abstrato ou como


concreto, pois, como dito, é descritor de eventos possíveis, dado que a possibilidade é o
modo ontológico em que se assenta. Assim, será abstrato, se tipificar um conjunto de
fatos, ou concreto, se especificar o fato em espaço e tempo 196.
Já o consequente, no qual encontramos a relação jurídica, será geral ou
individual em atenção ao seu aspecto subjetivo: geral, quando destinado a sujeitos
indeterminados quanto ao número, e individual, se focado em um indivíduo específico
ou um grupo deles 197.

194
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 5. ed. São Paulo: Noeses,
2013, p. 138.
195
Ibid., p. 139.
196
“Estas linhas deixam manifesta a distinção entre a h.i. – descrição legal hipotética dos fatos aptos a
determinarem o nascimento de obrigações tributárias – e fato imponível, como concretização,
realização efetiva dos fatos descritos. […] Fato imponível é o fato concreto, localizado no tempo e no
espaço, acontecido efetivamente no universo fenomênico, que – por corresponder rigorosamente à
descrição prévia, hipoteticamente formulada pela h.i. legal – dá nascimento à obrigação tributária”.
(ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6. ed., 9. tiragem. São Paulo: Malheiros,
2012, p. 67-68).
197
“Pudemos relevar, outrossim, que argutos conhecedores têm se limitado à apreciação do antecedente
normativo, ao qualificar as normas jurídicas de gerais e individuais, abstratas e concretas. Apesar da
fecundidade de notações, a redução não se justifica. A diferença repousa em que a compostura da
norma reclama atenção para o consequente: tanto pode haver indicação individualizada das pessoas
envolvidas no vínculo como pode existir alusão genérica aos sujeitos da relação. Uma coisa é certa: é
possível que o antecedente descreva fato concreto, consumado no tempo e no espaço; com o
90

Isso nos permite vislumbrar quatro combinações possíveis, quais sejam: norma
geral e abstrata, norma geral e concreta, norma individual e abstrata e, por fim, norma
individual e concreta 198.
Norberto Bobbio 199 cita conhecida distinção das proposições em universais e
singulares. As proposições universais são aquelas cujo sujeito está apresentado como
uma classe, enquanto as proposições singulares têm como sujeito um indivíduo
específico.
Na sequência, Norberto Bobbio 200 toma as chamadas normas gerais como
aquelas universais em relação aos destinatários, a que se contrapõem as normas
individuais, cujo destinatário é um indivíduo singular. Do mesmo modo, toma as
normas abstratas como universais em relação à ação, às quais se contrapõem às normas
concretas que regulam uma ação singular.
Comentando o entendimento das características da generalidade e da abstração
como essenciais a toda norma jurídica, Bobbio 201 considera que tal posicionamento
tenha origem ideológica em vez de lógica, porque a generalidade e a abstração, em um
plano ideal, ou seja, não correspondente à realidade, dariam à norma a justiça que tanto
se deseja, tornando mais do que jurídica, porque a generalidade e a abstração não seriam
requisitos exatamente da norma jurídica, mas da norma justa, em referência a um plano
ideal de justiça 202.

consequente, porém, será isso impossível, uma vez que a prescrição da conduta devida há de ser posta,
necessariamente, em termos abstratos. Briga com a concepção jurídico-reguladora de comportamentos
intersubjetivos imaginar prescrição de conduta que já se consolidou no tempo, estando, portanto,
imutável. Seria um sem-sentido deôntico”. (CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário:
linguagem e método. 5. ed. São Paulo: Noeses, 2013, p. 140).
198
“A doutrina tradicional, ao versar sobre o tem, restringe a análise da norma apenas ao seu antecedente,
efetuando reprovável reducionismo. Se a norma possui estrutura lógica do condicional, imperioso se
faz a verificação das duas proposições componentes – o antecedente e o consequente”.
(MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Fontes no direito tributário. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2006, p.
88).
199
Teoria da norma jurídica. Trad. Fernando Pavan Baptista e Ariani Bueno Sudatti. Apresentação
Alaôr Caffé Alves. 5. ed. revista. São Paulo: Edipro, 2012, p. 178.
200
“Assim, aconselhamos falar em normas gerais quando nos encontramos frente a normas que se
dirigem a uma classe de pessoas, e em normas abstratas quando nos encontramos frente a normas que
regulam uma ação tipo (ou uma classe de ações)”. (ibid., p. 180, grifos do autor).
201
Ibid., p. 181.
202
“Se refletirmos sobre o quanto tenha inspirado a moderna concepção do Estado de direito a ideologia
da igualdade e da certeza frente à lei, não será mais difícil dar-se conta do estreitíssimo nexo
intercorrente entre a teoria e a ideologia, e compreender, portanto, o valor ideológico da teoria da
generalidade e abstração, que tende não a descrever o ordenamento jurídico real, mas a prescrever
regras para tornar o ordenamento jurídico ótimo, aquele em que todas as normas fossem em seu
conjunto gerais e abstratas”. (ibid., p. 182).
91

A começar pela generalidade, uma prescrição geral seria mais apta de realizar a
igualdade, já que, se nem toda norma individual constitui um privilégio, todo privilégio
se outorga mediante uma norma individual. Dirigida a todos os cidadãos sem distinção,
a norma geral garantiria a igualdade.
A abstração, por sua vez, seria garantia da certeza, já que o cidadão saberia
previamente a regulação jurídica de seu comportamento, não se sujeitando a arbítrios
eventuais 203. Para ele, um ordenamento nesses moldes dificilmente subsistiria, o que
confirma seja apenas um ideal; ademais,

Se nós admitirmos, como fizemos até aqui, que estabelecido um


sistema de normas deve-se prever a sua violação, deveremos também
admitir, ao lado das normas gerais e abstratas, normas individuais e
concretas, não fosse exatamente para tornar possível a aplicação, em
determinadas circunstâncias, das normas gerais e abstratas 204.

A norma geral e abstrata assim o é qualificada por apresentar, em seu


antecedente, uma descrição hipotética de um fato e, no seu consequente, estar destinada
a todas as pessoas subordinadas ao sistema de direito em questão, que configuram,
portanto, um conjunto indeterminado de pessoas.
A descrição hipotética do antecedente, sendo um conceito, traz as notas que o
evento fenomênico deve ter para ser relatado enquanto fato jurídico 205 ; é, afinal,
enunciado conotativo, que, no direito, na maioria dos casos, está na forma-de-
construção, por elencar os critérios que o elemento precisa apresentar para pertencer à
classe, e não na forma-tabular, em que se enumeram os elementos da classe.
Ao falarmos em classe e normas, logo nos vem à mente a operação de
subsunção 206, que é inclusão de classes. A subsunção, realizada com o reconhecimento
de que o evento acontecido em espaço e tempo certo se inclui na classe dos fatos

203
BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. Trad. Fernando Pavan Baptista e Ariani Bueno
Sudatti. Apresentação Alaôr Caffé Alves. 5. ed. revista. São Paulo: Edipro, 2012, p. 182.
204
Ibid., p. 182-183.
205
“Na verdade, como a h.i. é um conceito (legal), não tem nem pode ter as características do objeto
conceituado (descrito), mas recolhe e espelha certos caracteres, isolados do estado de fato
conceituado, dele extraídos, na medida necessária ao preenchimento da função técnico-jurídica que
lhe é assinalada, com categoria jurídica conceitual-normativa”. (ATALIBA, Geraldo. Hipótese de
incidência tributária. 6. ed., 9. tiragem. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 61).
206
“Subsunção é o fenômeno de um fato configurar rigorosamente a previsão hipotética da lei. Diz-se
que um fato se subsume à hipótese legal quando corresponde completa e rigorosamente à descrição
que dele faz a lei”. (ibid., p. 69).
92

descritos no antecedente de norma abstrata 207 , como sabido, é uma das operações
formais que explicam, em nível lógico, o fenômeno da incidência jurídica 208.
A outra operação que integra a incidência normativa é a implicação do
consequente pelo antecedente, que, formalizada, é assim expressa: (F ϵ Hn) Rj,
significando que se o fato F pertence à classe da hipótese normativa (Hn), então deve
ser () a relação jurídica (Rj) 209.
Essa recordação do fenômeno da incidência 210 ao tratarmos do tema das
normas gerais/individuais e abstratas/concretas é justificada na medida em que

[…] a norma geral e abstrata, para alcançar o inteiro teor de sua


juridicidade, reivindica, incisivamente, a edição de norma individual e
concreta. Uma ordem jurídica não se realiza de modo efetivo,
motivando alterações no terreno da realidade social, sem que os
comandos gerais e abstratos ganhem concreção em normas
individuais 211.

O percurso das normas jurídicas gerais e abstratas rumo à positivação e


regulação das condutas intersubjetivas com as normas individuais e concretas 212
pressupõe o exercício da competência jurídica que insira normas no sistema.

207
Diz-se que o fato, assim, se subsume à imagem abstrata da lei. Por isso, se houver subsunção do fato à
h.i., ele será fato imponível. Se não houver subsunção, estar-se-á diante de fato irrelevante para o
direito tributário”. (ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6. ed., 9. tiragem. São
Paulo: Malheiros, 2012, p. 68).
208
“Aquilo que se convencionou chama de ‘incidência’ é, no fundo, uma operação lógica entre conceitos
conotativos (da norma geral e abstrata) e conceitos denotativos (da norma individual e concreta). […]
Exatamente porque se dá entre conceitos de extensão diversa, tal operação é conhecida como
‘inclusão de um elemento’ (o fato protocolarmente identificado) na classe correspondente, expressa no
enunciado contativo da hipótese tributária. Utiliza-se também a palavra ‘subsunção’ para fazer
referência a esse processo do quadramento do fato na ambitude da norma”. (CARVALHO, Paulo de
Barros. Direito tributário: linguagem e método. 5. ed. São Paulo: Noeses, 2013, p. 153).
209
Ibid., p. 31).
210
“O fenômeno da incidência normativa opera, pois, com a descrição de um acontecimento do mundo
físico-social, ocorrido em condições determinadas de espaço e tempo, que guarda estreita consonância
com os critérios estabelecidos na hipótese da norma geral e abstrata (regra-matriz de incidência). Por
isso mesmo, a consequência desse enunciado será, por motivo de necessidade deôntica, o surgimento
de outro enunciado protocolar, denotativo, com a particularidade de ser relacional, vale dizer,
instituidor de uma relação entre dois ou mais sujeitos de direito. Este segundo enunciado, como
sequência lógica e não cronológica, há de manter-se, também, em rígida conformidade ao que for
estabelecido nos critérios da consequência da norma geral e abstrata. Em um, na norma geral e
abstrata, temos enunciado conotativo; em outro, na norma individual e concreta, um enunciado
denotativo. Ambos, com a prescritividade inerente à linguagem jurídica”. (ibid., p. 142).
211
Ibid., p. 141.
212
“Ao lado das normas gerais e abstratas, coexiste imensa gama de normas individuais e concretas. Sem
estas, a conduta humana restaria não regulada em virtude de aquelas não terem condições efetivas de
atuação em um caso materialmente definido”. (MOUSSALLEM, Tárek Moysés. MOUSSALLEM,
Tárek Moysés. Fontes no direito tributário. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2006, p. 88).
93

Como veremos a seguir, a ideia do processo de positivação das normas


jurídicas, entre elas, as pertinentes aos incentivos fiscais, é fundamental para a proposta
que trazemos à baila, pois focamos nossa análise justamente na incidência das normas
estruturais de incentivos fiscais, culminando nas normas de conduta que prescrevem
tratamento tributário diferenciado.
Nesse contexto, é importante destacar que, conforme a teoria das fontes, as
normas são inseridas no ordenamento através de outras normas 213 , seus veículos
introdutores, os quais são normas gerais e concretas: gerais porque a todos se destinam;
concretas porque em seu antecedente está o fato demarcado em tempo e espaço da
produção normativa, ou seja, do exercício da competência.
Essas normas importam não só à inserção das normas no sistema, mas também
à esquematização da hierarquia desse mesmo sistema 214. E com elas lidamos ao tratar
das normas que resultam do exercício da competência, sejam as que tratam
especificamente do tributo, sejam as que nascem do exercício da norma estrutural de
incentivo, que é uma norma de competência.

4.3 Segunda aproximação: a Norma de Competência e uma proposta de análise


estrutural dos incentivos fiscais

Dentre as classificações propostas para as normas jurídicas, estas também


poderão ser diferenciadas sob os seguintes aspectos: normas jurídicas de estrutura ou de
conduta.
De acordo com esta divisão, teremos como normas de estrutura aquelas que
disciplinam o próprio processo de produção de normas, enquanto que as normas de

213
“Quando faço alusão ao conteúdo do ato competencial introdutor de norma, estou me referindo à
conduta autorizada do sujeito competente da norma introdutora, isto é, à norma ou às normas gerais e
abstratas, gerais e concretas, individuais e concretas ou individuais e abstratas, inseridas no
ordenamento por força da juridicidade da regra introdutora. Essas normas introduzidas são a própria
substância da norma introdutora. Isto implica reconhecer que, sem tal núcleo de significação, o
veículo introdutor fica oco, vazio, perdendo o sentido de sua existência”. (CARVALHO, Paulo de
Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 8. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2010,
p. 59).
214
Ibid., p. 142.
94

conduta serão todas aquelas que disciplinam as relações intersubjetivas, isto é, que
determinam a conduta aos seus destinatários 215.
Paulo de Barros Carvalho 216 afirma:

Os teóricos gerais do direito costumam discernir as regras jurídicas em


dois grandes grupos: normas de comportamento e normas de estrutura.
As primeiras estão diretamente voltadas para a conduta das pessoas,
nas relações de intersubjetividade; as de estrutura ou de organização
dirigem-se igualmente para as condutas interpessoais, tendo por
objeto, porém, os comportamentos relacionados à produção de novas
unidades deôntico-jurídicas, motivo pelo qual dispõe sobre órgãos,
procedimentos e estatuem de que modo as regras devem ser criadas,
transformadas ou expulsas do sistema. É propriedade das normas em
geral e das proposições jurídico-normativas em particular expressar-se
por intermédio do conectivo dever-ser, o que nos leva a denominar
deôntico o sistema do direito positivo. Umas como outras, portanto,
exibem o dever-ser modalizado em permitido, obrigatório ou proibido,
com o que se exaure a possibilidade normativa da conduta. Qualquer
comportamento caberá sempre num dos três modais deônticos, não
havendo lugar para uma quarta alternativa (lei deôntica do quarto
excluído) […] Com as assim chamadas ‘regras de estrutura’, no
entanto, a regulação das condutas fica na dependência da edição de
outra norma cujo conteúdo é disciplinar a competência. Somente com
o advento desta última, norma de competência (regra de estrutura), é
que surgirá a norma de conduta dela derivada, regendo, então,
diretamente os comportamentos interpessoais. 217

215
“Até aqui, ao falar de normas que compõem um ordenamento jurídico, referimo-nos a normas de
conduta. Em todo ordenamento, ao lado das normas de conduta, existe um outro tipo de normas, que
costumamos chamar de normas de estrutura ou de competência. São aquelas normas que não
prescrevem a conduta que se deve ter ou não ter, mas as condições e os procedimentos por meio dos
quais emanam normas de conduta válidas. Uma norma que prescreve caminhar pela direita é uma
norma de conduta; uma norma que prescreve que duas pessoas estão autorizadas a regular seus
interesses em certo âmbito mediante normas vinculantes e coativas é uma norma de estrutura, na
medida em que não determina uma conduta mas fixa as condições e os procedimentos para produzir
normas válidas de conduta. Vimos até agora que não é concebível um ordenamento jurídico composto
de uma só norma de conduta. Perguntamos: é concebível um ordenamento composto de uma só norma
de estrutura? Um ordenamento desse tipo é concebível. Geralmente, assim se considera o
ordenamento de uma monarquia absoluta, em que todas as normas parecem poder ser condensadas na
seguinte: ‘É obrigatório tudo aquilo que o soberano ordena’. Por outro lado, que um tal ordenamento
tenha uma só norma de estrutura não implica que também haja apenas uma norma de conduta. As
normas de conduta são tantas quantas forem em dado momento as ordens do soberano. O fato de
existir uma só norma de estrutura tem por consequência a extrema variabilidade de normas de conduta
no tempo, e não a exclusão de sua pluralidade em determinado tempo”. (BOBBIO, Norberto. Teoria
do ordenamento jurídico. Tradução de Ari Marcelo Solon São Paulo: Edipro, 2011, grifos do autor).
216
Curso de direito tributário. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 187).
217
LINS, Robson Maia (Controle de constitucionalidade da norma tributária – Decadência e
prescrição. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 57); EURICO MARCOS DINIZ DE SANTI
(Lançamento tributário. São Paulo: Max Limonad, 1996, p. 43) classifica as normas, baseado em
sua estrutura sintática, em normas primárias dispositivas, primárias sancionadoras e secundárias.
95

Consoante exposto, as normas de estrutura objetivam disciplinar o processo


produtivo, e as normas de comportamento, as relações entre os sujeitos. A diferença está
no objeto imediato dessas normas:

As normas jurídicas podem ser classificadas em normas de estrutura e


normas de conduta, com base no objeto imediato da sua regulação. O
critério definidor da classificação proposta é objeto imediato regulado
pela norma jurídica. As de comportamento regulam diretamente a
conduta das pessoas, nas relações e intersubjetividade. As de estrutura
têm como objeto imediato os modos de criação, modificação e
expulsão das normas jurídicas 218.

Importante destacar, contudo, que as denominadas normas de estrutura não


deixam de ser, também, normas prescritivas de conduta.
No entanto, as condutas disciplinadas por tais normas não são especificamente
as condutas intersubjetivas, e sim a conduta do próprio ente estatal no exercício de suas
atividades e funções administrativas. A norma de estrutura também é uma norma de
conduta, direcionada ao agente produtor de novos enunciados.
Frente a essa conclusão Luiz Cesar Souza de Queiroz 219 denominou que as
normas de estrutura são normas de produção sistêmica, e Tárek Moisés Moussallem220
as denominou de normas de produção normativa.
Tácio Lacerda Gama, em conceituação bastante diferenciada, preferiu tratar as
normas de estrutura como normas de competência, cuja denominação e conceito
passaremos a adotar neste trabalho.
Iniciaremos nossa análise a partir das normas de competência.

4.3.1 O exercício da competência tributária: aptidão para a instituição de


tributos e de incentivos fiscais

José Souto Maior Borges 221 ensina que a Constituição Federal, ao mesmo
tempo em que atribui competência para tributar, permite e, por vezes, programa o não

218
BARRETO, Paulo Ayres. Contribuições: regime jurídico, destinação e controle. 2. ed. São Paulo:
Noeses, 2011, p. 7.
219
QUEIROZ, Luiz Cezar Souza. Sujeição passiva tributária. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 67.
220
MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Fontes no direito tributário. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2006, p. 80).
221
Teoria geral da isenção tributária. 3. ed., 3. tiragem. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 31.
96

exercício dessa aptidão através da isenção, sem prejuízo dos princípios constitucionais
tributários que devem lastrear essa atividade.
Em paralelo a esse ensinamento, depreendemos que a instituição dos incentivos
fiscais, pelo ordenamento constitucional tributário, está sujeita a condicionamentos
idênticos aos que são estabelecidos para a instituição de tributos. Torna-se manifesta,
assim, a interligação entre o regime jurídico do tributo e o dos incentivos fiscais, dado
que o poder de instituir incentivos fiscais é, nada mais, do que o próprio poder de
tributar visto ao inverso.
Hermano Notaroberto Barbosa 222 trata o que denomina “poder de não tributar”
como categoria jurídica autônoma, revelada pela possibilidade de o ente político, após
receber a competência tributária, não exercê-la ou fazê-lo parcialmente. No seu
entender, tal poder tem natureza de direito constitucional público patrimonial.
Referido autor separa o poder de não tributar em sentido amplo do poder de
não tributar em sentido estrito: aquele, nos casos em que o ente, tendo recebido a
competência tributária, não a exerce; este, manifestado quando do exercício parcial da
competência tributária, com os benefícios fiscais ou incentivos fiscais, efetivados
juridicamente por modalidades diferentes 223.
Em vista disso, apresentamos alguns aspectos gerais sobre a competência
tributária, entendida como a aptidão para legislar sobre matéria tributária, produzir
normas jurídicas sobre tributos. Trata-se de tema constitucional, sendo uma fração da
possibilidade de inovar no ordenamento jurídico em assuntos tributários atribuída às
pessoas políticas.
Assim, exercita-se através do processo legislativo, nas esferas federal, estadual,
municipal e distrital, com a elaboração, promulgação e publicação da lei (em sentido
amplo), que passa a integrar o ordenamento e disciplinar a conduta intersubjetiva.
Relaciona-se à forma federativa do Estado, adotada no Brasil.
Como anota Luis Eduardo Schoueri 224:

Efetivamente, a discriminação de competências tributárias não é


requisito de um sistema federal. Este exige, outrossim, que se

222
O poder de não tributar: benefícios fiscais na constituição. São Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 83.
223
Ibid., p. 85-88.
224
Discriminação de competências e competência residual. In: ______; ZILVETI, Fernando Aurélio
(Coords.). Direito tributário: estudos em homenagem a Brandão Machado, São Paulo: Dialética,
1998, p. 83.
97

assegurem às pessoas jurídicas de direito público autonomia


financeira. Não é sem razão, neste sentido, que já se disse que “foi a
discriminação de rendas a causa última e decisiva da criação da figura
jurídica e política do Estado Federal.

Portanto, a lei, em sentido amplo, é o instrumento exclusivo de criação de


tributos. Nesse ponto, salienta-se que criar tributos não se confunde com arrecadar
tributos. A primeira atividade é legislativa (competência tributária) e a segunda é de
caráter administrativo (capacidade tributária ativa).
Como anota Paulo de Barros Carvalho 225, detêm competência tributária, além
das pessoas políticas de direito constitucional interno, o Presidente da República ao
expedir um decreto de IR, o juiz e o tribunal ao julgarem uma demanda, o agente
administrativo que lavra um lançamento e também o particular ao praticar o
autolançamento, entre outros exemplos. Dada a variedade de acepções da expressão, o
mestre citado fixa que:

Todos eles operam revestidos de competência tributária, o que mostra


a multiplicidade de traços significativos que a locução está pronta para
exibir. Não haveria por que adjudicar o privilégio a qualquer delas, em
detrimento das demais. Como sugeriram expoentes do Neopositivismo
Lógico, em situações desse jaez cabe-nos tão-somente especificar o
sentido em que estamos empregando a dicção, para afastar, por esse
modo, as possíveis ambiguidades.

Tácio Lacerda Gama 226, atento aos diversos sentidos da expressão, classifica as
competências em legislativas, abrangendo a criação de leis ou atos normativos, e
infralegislativas, isto é, as competências administrativa, jurisdicional e privada. O
objetivo é manter o equilíbrio entre a generalidade da forma e o casuísmo de analisar
cada uma das competências tributárias.
Acerca das características da competência tributária impositiva no
ordenamento jurídico pátrio, costuma-se apontar as seguintes: a) indelegabilidade;
b) irrenunciabilidade; c) incaducabilidade; d) inalterabilidade; e) privatividade; e
f) facultatividade.
Para Paulo de Barros Carvalho 227 , apenas três características se sustentam,
quais sejam, a indelegabilidade, a irrenunciabilidade e a incaducabilidade. Conforme

225
Direito tributário: linguagem e método. 5. ed. São Paulo: Noeses, 2013, p. 236.
226
Competência tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. 2. ed. revista e ampliada. São
Paulo: Noeses, 2011, p. 230-231.
227
Curso de direito tributário. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 274 et seq.
98

observa Tácio Lacerda Gama 228, os diálogos travados entre Paulo de Barros Carvalho e
Roque Antônio Carrazza conduziram a algumas modificações na classificação das
características acima indicadas.
A indelegabilidade, na lição de Roque Antônio Carrazza 229 , refere-se à
titularidade de seu exercício, e não à sua disponibilidade. As competências são
intransmissíveis. Na parafiscalidade, não se transfere a competência tributária, mas a
capacidade tributária ativa e a disponibilidade do produto arrecadado, ou seja, a
parafiscalidade é analisável após o exercício da competência. Ainda, a delegação de
competências é incompatível com a rígida discriminação constitucional.
A irrenunciabilidade consiste na impossibilidade de a pessoa política
competente tornar res nullius a sua competência. Acaso renunciável, teríamos outra
incompatibilidade com a discriminação constitucional de competências, dada sua
rigidez.
A incaducabilidade refere-se à ausência de prazo para seu exercício, podendo a
pessoa competente exercê-la conforme suas decisões políticas, não sujeitas a controle
jurisdicional.
A competência tributária é a aptidão para legislar em matéria tributária, ou seja,
instituir tributos com a descrição da regra-matriz de incidência correspondente ou,
ainda, majorá-los, alterando as bases de cálculos e alíquotas, no critério quantitativo do
consequente.
Considerando que legislar é inovar, não se admite que a Constituição tenha
estabelecido um prazo para o exercício da competência. Assim, pode o Poder
Legislativo competente criar leis, inovando na ordem jurídica, conforme lhe aprouver.
A inalterabilidade traduz a impossibilidade de modificação da competência
pela pessoa política, que deve exercitá-la nos termos traçados pela Constituição. Roque
Antônio Carrazza assevera que a competência pode ser modificada através de emenda
constitucional, que “venha a redefinir as fronteiras dos campos tributários das pessoas
políticas” 230. Entretanto, o constituinte derivado deve cuidar para não afrontar a forma
federativa do Estado, cláusula pétrea resguardada no artigo 60, § 4º, I, da Constituição

228
Competência tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. 2. ed. revista e ampliada. São
Paulo: Noeses, 2011, p. 278 et seq.
229
Curso de direito constitucional tributário. 27. ed., revista, ampliada e atualizada até a Emenda
Constitucional n. 67/2010. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 670.
230
Ibid., p. 675.
99

Federal, porque, ao reduzir a competência de certo ente político, pode acabar retirando-
lhe a autonomia financeira e, por conseguinte, sua autonomia jurídica. Critica-se a
inalterabilidade como característica universal da competência diante da possibilidade de
modificação pelo poder reformador: a alteração excepcional via emenda constitucional
afasta a regra/característica da inalterabilidade.
A privatividade manifesta-se no fato de que cada pessoa política tem sua
competência exclusiva. Desse modo, podemos falar na cláusula vedatória implícita, pela
qual a Constituição, ao dar competência a um ente político, ao mesmo tempo nega essa
competência aos demais. A crítica que se faz a essa característica é de que apenas a
União tem competência exclusiva, uma vez que ela poderá instituir impostos de
competência dos demais entes, nas hipóteses dos artigos 147 e 154, II, da Constituição
Federal. Essas exceções, portanto, derrubam a afirmação universal da privatividade
como característica.
Por fim, a facultatividade (do exercício) aparece como decorrência da própria
incaducabilidade, porque representa que a instituição do tributo, o exercício da
competência, sujeita-se à decisão política do ente. O exemplo mais adequado é a
possibilidade de instituição do imposto sobre grandes fortunas, até agora não
disciplinado.
No contexto das normas de competência e do conceito mesmo de competência
tributária, podemos tecer considerações sobre a competência para instituir incentivos
fiscais, visto que o exercício dessa aptidão deve ser feito pelo veículo próprio, qual seja,
lei, em atenção ao princípio da legalidade. Por isso, Paulo de Barros Carvalho 231 afirma
que, assim como a introdução de qualquer norma tributária que regule a relação jurídica
entre o contribuinte e o Fisco deve ser feita através de lei, a instituição de isenções,
incentivos ou benefícios fiscais também deve ser realizada por lei do órgão legislativo
encarregado. 232

231
CARVALHO, Paulo de Barros; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Guerra fiscal: reflexões sobre a
concessão de benefícios no âmbito do ICMS. São Paulo: Noeses, 2012, p. 35.
232
“O mesmo pode afirmar-se de quaisquer outras alterações na regra-matriz do tributo, que representem
incentivo ou benefício fiscal: dependem do regular exercício da competência, mediante atuação do
Poder Legislativo, culminando na publicação de lei que discipline a matéria. E o preceito é reiterado
no art. 150, § 6º, do Texto Constitucional, que enuncia, expressamente, a necessidade de lei federal,
estadual ou municipal, conforme o tributo que se trate, para introduzir isenções, incentivos ou
benefícios fiscais no ordenamento”. (ibid., p. 36).
100

4.3.2 Definição de Norma de Competência

Analisar a norma de competência pressupõe, antes de mais nada, definir


competência tributária.
Apesar da descrição de forma ampla no tópico anterior sobre a competência no
tópico anterior, cabe-nos adentrar neste conceito específico a fim de, posteriormente,
adotar nosso posicionamento sobre a norma de competência.
A definição do conceito de norma de competência é importante, porque, como
registra Tárek Moysés Moussallem 233 , há mais de seis acepções para a palavra
competência:

Sem levar em conta outros significados da palavra “competência”


(capacidade e imputabilidade), podemos anotar seis acepções que nos
interessam: (1) indicativo de uma norma jurídica; (2) qualidade
jurídica de um determinado sujeito; (3) relação jurídica (legislativa)
modalizada pelo functor permitido entre o órgão competente (direito
subjetivo) e os demais sujeitos da comunidade (dever jurídico de se
absterem); (4) hipótese da norma de produção normativa que
prescreve em seu consequente o procedimento para a produção
normativa (se o agente competente quiser exercer a competência para
produzir uma norma “y” deve-ser a obrigação de observar o
procedimento “z”); (5) previsão do exercício da competência que,
aliada ao procedimento para a produção normativa, resulta na criação
de enunciados prescritivos que a todos obrigam, e a que
denominaremos norma sobre produção jurídica; e (6) veículo
introdutor que tem no seu antecedente a atuação da competência e do
procedimento previstos na norma sobre a produção jurídica, dando por
resultado uma norma específica, que também a todos obriga.

Considerando a análise da norma de competência, que foi estruturada a partir


dos estudos desenvolvidos por Tácio Lacerda Gama, temos, por dever e coerência ao
método, buscar os conceitos de competência e norma de competência em sentido amplo
também por ele desenvolvidos.
Então, podemos dizer, conforme Tácio Lacerda Gama 234:
• Competência tributária: é a aptidão jurídica, modalizada em obrigatório,
para criar normas jurídicas que, direta ou indiretamente, disponham sobre a
instituição, arrecadação e fiscalização de tributos.

233
MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Fontes no direito tributário. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2006, p. 82-
83, grifos do autor.
234
GAMA, Tácio Lacerda. Competência tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. 2. ed.
revista e ampliada. São Paulo: Noeses, 2011, p. 65.
101

• Norma de competência em sentido amplo: é toda proposição prescritiva que


estabelece disposições voltadas a informar como deve ser a criação de
outras normas relacionadas à tributação.
• Norma de competência em sentido estrito: é o juízo condicional que vincula,
em sua estrutura, os elementos fundamentais para regular como deve ser a
produção de norma inferior: Para que se tenha uma norma em sentido
estrito, é necessário que a proposição jurídica i) qualifique o sujeito que
pode criar normas; ii) indique o processo de criação das normas, sugerindo
todos os atos que devem ser preordenados ao alcançar este fim; iii) indique
as coordenadas de espaço em que a ação de criar normas deve ser
desempenhada; iv) indique as condições de tempo em que a ação de criar
normas deve ser desempenhada; v) estabeleça o vínculo que existe entre
quem cria a norma e quem deve se sujeitar à norma criada, segundo as
condições estabelecidas pelo próprio direito; vi) prescreva a modalização da
conduta de criar outra norma, se obrigatória, permitida ou proibida; e
vii) estabeleça a programação material da norma inferior, que é feita
segundo quatro variáveis – sujeito, espaço, tempo e comportamento.
A norma de competência deve reunir sete critérios ou elementos, a fim de
regular a conduta de criar outras normas jurídicas, os quais compõem o mínimo e
irredutível de manifestação do deôntico 235 . Esses sete critérios estão distribuídos no
antecedente e no consequente da norma de competência, a qual, como qualquer norma
jurídica, apresenta-se como um juízo hipotético-condicional.
Para Tácio Lacerda Gama 236 , o núcleo de uma norma jurídica é um verbo,
encontrado no antecedente enquanto fato e no consequente enquanto dever previsto. O
verbo sempre apresenta quatro âmbitos de vigência: sujeitos e predicados da ação a que
ele se reporta, que ocorre em tempo e espaço. Assim, têm-se os âmbitos subjetivo,
material em sentido estrito, espacial e temporal 237.
Na hipótese da norma de competência, são elencados os requisitos para a
identificação de um evento de possível ocorrência no mundo fenomênico que, relatado

235
GAMA, Tácio Lacerda. Competência tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. 2. ed.
revista e ampliada. São Paulo: Noeses, 2011, p. 56.
236
Ibid., p. 63.
237
Ibid., p. 64.
102

em linguagem competente, nascerá juridicamente como fato. O fato hipoteticamente


descrito no antecedente da norma de competência é a enunciação, entendida como
atividade produtora de enunciados; identificada a presença do verbo enunciar na
hipótese, certamente ele terá os quatro âmbitos antes mencionados 238.
Quanto ao âmbito subjetivo, diz-se competente para a criação de normas, para
a enunciação jurídica, o sujeito que introduz norma jurídica válida no ordenamento
jurídico através de um ato ou um conjunto deles 239. Nesse contexto, devemos lembrar,
distinguindo, que o sujeito só é competente porque reúne os requisitos jurídicos
arrolados em norma para, se considerado como tal (o que se deve fazer para ser
competente) e apenas com essa qualificação, poder enunciar novos textos de direito
positivo (o que se pode fazer quando se é competente) 240.
No tocante à forma de enunciar, isto é, exercer a competência, são previstos
atos isolados ou conjuntos de atos que abonem a enunciação. Trata-se do âmbito
procedimental da norma de competência, denunciado na enunciação-enunciada como
tipo de enunciação da norma 241 : o antecedente dos veículos introdutores de normas
jurídicas 242 , cuja divisão em instrumentos introdutores primários e secundários é
indicada por Tácio Lacerda Gama 243:

Os primários inserem normas jurídicas gerais e abstratas que podem


inovar a ordem jurídica, dispondo sobre novos direitos e deveres. Já os
instrumentos secundários inserem disposições destinadas a aplicar
aquilo que está previsto pelos instrumentos primários. Podem fazer
isso mediante a publicação de atos infralegais gerais e abstratos, como
decretos, regulamentos, instruções normativas. E podem, também,
inserir normas individuais e concretas. Essas, por sua vez, podem ser
produzidas por sujeitos competentes.

O modo de realizar a enunciação, previsto na hipótese da norma de


competência, importa para que seu exercício seja feito conforme o sistema jurídico,

238
Competência tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. 2. ed. revista e ampliada. São
Paulo: Noeses, 2011, p. 68.
239
Ibid., p. 68-69.
240
Ibid., p. 70.
241
“Os termos ‘Constituição da República’, ‘Emenda Constitucional”, ‘Lei Complementar’, ‘Lei
Ordinária’, ‘Lançamento de Ofício’, ‘Norma de Pagamento’ e outros tantos utilizados para denotar o
‘instrumento introdutor de normas’, são apenas locuções diferentes para identificar a mesma conduta.
São formas de legitimar a criação de normas jurídicas, atendendo às próprias escolhas positivadas pelo
Sistema Constitucional Tributário”. (ibid., p. 74).
242
“A positivação dessa hipótese faz surgir o fato jurídico do exercício da competência, que coincide
com o que a doutrina vem chamando de antecedente do veículo introdutor de norma”. (ibid., p. 77).
243
Ibid., p. 73.
103

como garantia de que a norma produzida seja válida, justificando o relevo dado aos
aspectos da enunciação 244.
Identificado um verbo na hipótese da norma de competência, qual seja,
“enunciar”, a ação a que ele se refere, como toda ação, ocorre em tempo e espaço, razão
por que tempo e espaço são também âmbitos de vigência. O elemento “tempo” define o
interregno em que a enunciação pode ocorrer 245, ao lado do “espaço” em cujos limites
ela se realizará 246.
Se, na hipótese, encontramos a forma pela qual se deve exercer a competência,
no consequente, devemos encontrar a matéria, enquanto objeto da relação jurídica.
Vinculando forma e matéria, ou seja, hipótese e consequência, estará o conectivo
interproposicional, que resume o ato de decisão do legislador, que prescreveu a
determinada matéria uma certa forma de enunciação: como todo conectivo
interproposicional, será neutro, vinculando os termos do juízo hipotético-condicional, já
que, no território jurídico, não há que se falar em causalidade física 247.
Já no consequente da norma de competência, encontraremos a relação jurídica
de competência, na qual repousa a matéria ou o conteúdo da norma inferior que será
editada como resultado da positivação daquela 248 . Num paralelo com o antecedente
dessa mesma norma de competência, pode-se afirmar que, se o antecedente programa a
enunciação, no consequente, delineiam-se os enunciados-enunciados 249.
Como toda relação jurídica, no consequente encontramos o sujeito ativo e o
passivo. O sujeito ativo executa duas funções: ser o agente da enunciação e também ser
a pessoa que pode dispor sobre determinada matéria. Em outras palavras, ele será tanto

244
Competência tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. 2. ed. revista e ampliada. São
Paulo: Noeses, 2011, p. 74.
245
“Neste ponto, estamos falando dos limites cronológicos da enunciação, quando ela deve ser válida
para ser válida”. (ibid., p. 76).
246
Ibid., loc. cit.
247
“A forma, já vimos, é descrita pela hipótese da norma de competência; a matéria, por seu turno,
encontra-se delineada no objeto da relação jurídica. O vínculo entre ambas, então, só pode ser
estabelecido pelo conectivo deôntico neutro (), aquele que vincula o acontecimento A à
consequência B. Destarte, o encontro entre forma e matéria é sintetizado pelo ‘dever-ser’ que vincula
a previsão hipotética do fato – enunciação da norma – à relação jurídica entre sujeito competente e os
demais que integram a sociedade, tendo como objeto a possibilidade de inserir texto jurídico versando
sobre certa matéria. E esse conectivo interproposicional sintetiza a decisão, positivada na norma de
competência, de submeter determinada matéria à enunciação de certo tipo”. (ibid., p. 79, grifos do
autor).
248
Ibid., p. 80.
249
“Por isso, os contornos materiais da norma criada devem ser compatíveis com o conteúdo dos
dispositivos que integram o consequente da norma de competência. Ocorrendo o contrário, e sendo
esta incompatibilidade reconhecida por quem de direito, a norma será inválida”. (ibid., loc. cit.).
104

o titular do direito subjetivo de, na relação jurídica de competência, exigir uma


determinada conduta de outrem, como também de exigir a constitucionalidade da nova
norma, expondo, em contrapartida, sua própria responsabilidade pela criação da
norma 250.
Por sua vez, ao sujeito passivo cabe respeitar o direito subjetivo do sujeito
ativo 251 , não criando impedimentos ao exercício da enunciação nem exercendo
competência alheia 252 . Dentro dessa perspectiva de respeito ao direito subjetivo do
sujeito ativo da competência, Tácio Lacerda Gama 253 sugere dividir os sujeitos passivos
da competência em fortes e fracos, de acordo com a possibilidade de atuação que detêm.
Assim, são sujeitos passivos fracos todos os que, na relação jurídica de competência,
devam apenas saber da existência da norma e a ela se sujeitar. Os sujeitos passivos
fortes, diversamente, não apenas sabem da norma, mas podem, inclusive, se socorrer no
Poder Judiciário caso entendam que a norma apresenta vícios nomogenéticos que
justifiquem a suspensão ou o afastamento de sua juridicidade. Exemplificando com base
no Direito Tributário, são sujeitos passivos fortes e legitimados a questionar uma regra-
matriz de incidência tributária as pessoas que devem pagar o tributo; os que não têm
esse dever são ditos sujeitos passivos fracos e limitam-se a respeitar a norma em virtude
de sua existência, sem legitimação ou interesse para a questionar 254.
Sobre o modal deôntico intraproposicional dessa relação jurídica de
255
competência, Tácio Lacerda Gama cita autores para quem o exercício das
competências não condicionadas é regido pelo modal facultativo, enquanto para as
competências condicionadas o modal seria o obrigatório 256.

250
“Como se pode perceber, o atributo de ser ‘sujeito ativo’ da competência pode ser desdobrado em: ter
aptidão para editar o texto; propor medida judicial para que seja reconhecida a validade do texto com
eficácia ‘erga omnes’; e ser chamado a defender a validade/licitude do texto na hipótese de haver a
propositura de ação judicial voltada a configurar a sua ilicitude”. (GAMA, Tácio Lacerda.
Competência tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. 2. ed. revista e ampliada. São
Paulo: Noeses, 2011, p. 83).
251
Ibid., loc. cit.
252
“Essa omissão, que percebemos nos direitos potestativos e de propriedade, é dever comum de todo
sujeito que ocupe a posição de sujeito passivo da competência”. (ibid., p. 85).
253
Ibid., p. 84
254
Ibid., p. 85.
255
Ibid., p. 92-93.
256
“A competência jurisdicional, a competência administrativa para lavrar lançamentos de ofício, a
competência do particular para apresentar declaração de tributos são exemplos de competência
modalizada em obrigatório”. (ibid., p. 92).
105

Por fim, no consequente da norma de competência estão os requisitos materiais


da norma de inferior hierarquia que será criada. A referência à matéria de que trata a
norma em criação nos remete a verbos e, por consequência, a condutas. Como dissemos
antes, uma conduta é sempre realizada por alguém, num certo modo, em tempo e espaço
dimensionáveis 257. A disciplina de validade das normas a serem criadas, encontrada no
consequente da relação jurídica de competência, necessariamente contempla esses
âmbitos subjetivos, materiais, temporais e espaciais. Com isso, justifica-se que a
estrutura da norma de competência revele, em última análise, um vínculo entre um tipo
de enunciação e uma matéria 258. Esse vínculo entre a forma descrita na hipótese e o
conteúdo ou matéria delimitada na relação jurídica nada mais é do que o conectivo
interproposicional neutro 259.
A fórmula “C=E.M”, em que “C” é a competência, “E” é o tipo de enunciação,
e “M” é a matéria a ser disciplinada, nos permite sedimentar as ideias trazidas 260 .
Desdobrando essa fórmula com o emprego dos critérios da norma de competência que
foram abordados, temos:
Njcom = H {[s.p(p1, p2, p3…)].(e.t)}  R (S (s.sp) . m (s.e.t.c.)}
Nela, a norma jurídica de competência (Njcom) é composta pelo vínculo
deôntico () entre a hipótese (H) e a relação jurídica de competência (R). A hipótese
(H), por descrever um fato, apresenta os âmbitos subjetivo (s), procedimental (p),
espacial (e) e temporal (t); a relação de competência (R), também expressando uma
conduta, terá seu aspecto subjetivo (s e sp), bem como seu aspecto material (m), o qual,
composto por verbos, trará, assim como a hipótese, os âmbitos subjetivo (s), espacial
(e), temporal (t) e material em sentido estrito (c) 261.
Tal estrutura lógica possibilita ao sujeito passivo da norma de competência,
além de um norte para encontrar a validade de uma dada norma, um trajeto para a

257
“A matéria é composta por um ou mais verbos que descrevem uma conduta. Assim, toda referência à
materialidade é sempre uma referência a verbos e seus respectivos complementos”. (GAMA, Tácio
Lacerda. Competência tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. 2. ed. revista e
ampliada. São Paulo: Noeses, 2011, p. 93).
258
Ibid., p. 94.
259
“E esse conectivo interproposicional sintetiza a decisão, positivada na norma de competência, de
submeter determinada matéria à enunciação de certo tipo”. (ibid., p. 79).
260
Ibid., loc. cit.
261
“De fato, ao prescrever a ação de criar outras normas, a hipótese da norma de competência toca no
principal ponto da atividade enunciadora de textos: ela indica o verbo. Esse é o elemento central, tanto
da hipótese como do consequente das normas jurídicas”. (ibid., p. 72).
106

identificação dos enunciados que influenciam a interpretação da norma de inferior


hierarquia criada 262.
As normas de competência são portadoras dos modais deônticos Permitido,
Obrigatório, Proibido, de maneira que veiculam relações jurídicas nas quais as condutas
são a permissão para legislar sobre determinada matéria, a obrigação de seguir o
procedimento estabelecido e a proibição de alterar alguns conteúdos.
O exercício da competência legislativa, no caso, a competência legislativa
tributária, na qual está englobada a competência para instituir incentivos fiscais,
pressupõe o ato de vontade da autoridade encarregada dessa atividade.
Tal ato de vontade expressa-se através das normas introdutoras e das normas
introduzidas. No antecedente da norma introdutora, encontraremos a descrição do fato
jurídico da enunciação, que está previsto abstratamente na hipótese da norma de
competência. Em outras palavras, o conteúdo da norma introduzida é elaborado
consoante o procedimento previsto no antecedente do instrumento introdutor.
Já os enunciados-enunciados tratam da matéria prevista no consequente da
norma de competência, que, em linguagem formalizada, é escrito “m (s.e.t.c.)”, e
estarão localizados no consequente do veículo introdutor.
Em vista disso, podemos concluir, com Tácio Lacerda Gama, que a norma
introduzida, produzida pelo exercício da competência legislativa, deve corresponder ao
objeto da norma de competência 263. Segundo ele 264:

Com isso, demonstramos que a norma de competência, na forma


definida neste trabalho, prescreve como deve ser enunciada a norma e
sobre o que deve versar. A forma de elaboração da norma é positivada
no instrumento introdutor. Já a matéria que é introduzida, segundo
aquela forma de enunciação, é prevista pelo consequente do
instrumento introdutor, ou seja, são os enunciados introduzidos
(enunciados-enunciados).

262
“Noutra síntese, de ordem funcional, relacionamos os papéis da norma de competência segundo a
perspectiva de quem é competente e soba óptica daqueles que devem suportar o exercício da
competência. Para esses, a estrutura lógica proposta oferece: i) regras para identificação do direito
válido num sistema de direito positivo qualquer; ii) um roteiro para a organização dos enunciados que
fundamentam a validade de uma norma –regime jurídico; e iii) um caminho para a identificação dos
enunciados que condicionam a forma de interpretar uma norma de inferior hierarquia”. (GAMA,
Tácio Lacerda. Competência tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. 2. ed. revista e
ampliada. São Paulo: Noeses, 2011, p. 96-97).
263
“Os enunciados produzidos com o exercício da competência têm como finalidade, então, prescrever
condutas de forma mais concreta do que prescreve a norma superior, sem, contudo, ser incompatíveis
com ela”. (ibid., p. 101).
264
Ibid., p. 103.
107

Aproveitando os conceitos de norma primária e secundária já abordados,


podemos avançar para analisar a estrutura das normas sancionatórias.
A norma de competência, enquanto norma e primária, terá, como qualquer
norma jurídica, sua correspondente norma sancionatória 265 . Sua estrutura é, em
linguagem formalizada 266:
Ncom.s = H [s.p(-c).e.t]  R [ S(s.sj) . m(s.e.t.c)]
Como se observa, na hipótese da norma sancionatória, encontramos o
descumprimento da norma de competência, que a qualifica como tal. A infringência do
elemento material (-c) enseja a aplicação da norma sancionatória.
Na hipótese dessa norma sancionatória, vislumbramos os requisitos de sua
aplicação. O sujeito (s) nela indicado é aquele habilitado a exercer a jurisdição, em
determinado tempo (t) e espaço (e), em processo no qual se conclua pela irregularidade
da norma criada, ou seja, pelo irregular exercício da norma de competência, a que nos
remete o símbolo “p(-c)” 267.
Em sua consequência, encontramos dois sujeitos em relação, diante de uma
prestação. O sujeito passivo nessa norma é o Estado-jurisdição, enquanto o sujeito ativo
legitimado é aquele de comprovar interesse de agir para solicitar a aplicação da norma
sancionatória de competência, com vistas a afastar o cumprimento de norma carente de
validade. A prestação, por sua vez, é a própria obrigatoriedade de haver uma
manifestação sobre o pedido efetuado pelo sujeito ativo 268.
Assim, podemos dizer que as normas de competência, seguindo a classificação
das normas jurídicas, podem ser assim representadas:
Norma primária de competência: se a uma hipótese (o fato do exercício da
competência pela autoridade legitimada mediante o processo legislativo estabelecido,
no tempo e local determinados) deve ser imputada uma consequência (a permissão de o
sujeito ativo produzir, em conformidade com as regras do sistema, norma que cria,
revoga ou modifica outra norma e o dever de os sujeitos passivos cumprirem as

265
“Isso porque norma jurídica sem sanção deixa de ser jurídica […] Assim, o descumprimento de toda e
qualquer norma projeta efeitos. O efeito que qualifica uma norma como jurídica é, justamente, a
previsão de uma consequência coercitiva para o seu descumprimento ou o fato de o aparato estatal
estar preordenado à aplicação da norma primária, mesmo contra a vontade do seu destinatário”.
(GAMA, Tácio Lacerda. Competência tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. 2. ed.
revista e ampliada. São Paulo: Noeses, 2011, p. 111).
266
Ibid., loc. cit.
267
Ibid., p. 113.
268
Ibid., p. 114-116.
108

determinações contidas nas normas produzidas).


Norma Secundária de Competência: se a uma hipótese (a desconformidade da
atividade do legislador com o prescritor da norma primária) deve ser imputada uma
consequência (a relação jurídica entre o órgão de controle de constitucionalidade e a
autoridade legisladora, cujo objeto será a conduta obrigatória do Estado-Juiz de expelir
a norma produzida invalidamente).
269
Tácio Lacerda Gama analisa algumas concepções sobre a norma de
competência, partindo das ideias de Hans Kelsen para, na sequência, contrapor a esse
outros modelos teóricos, bem como respectivas críticas.
Segundo ele, Hans Kelsen enfrenta o tema das normas de competência dentro
de seu modelo teórico, que tem na norma hipotética fundamental sua base e que
contempla a criação de normas jurídicas como conduta igual às outras, identificada pelo
seu resultado de produzir mais normas, preservados os pressupostos de unidade,
homogeneidade e consistência do objeto de estudos 270.
A classificação de Hans Kelsen para as normas de competência como normas
incompletas, que precisariam buscar sua complementação coercitiva em outras normas,
acalmou os questionamentos quanto à natureza coercitiva dessas normas. Para Tácio
Lacerda Gama 271, tratou-se de distinção ilusória cujo fim era conservar a coerência do
sistema defendido quanto a sua uniformidade sintática: ao classificar as normas como
incompletas, sugeriu-se a existência de normas completas que regulam condutas,
justificando falar-se em norma de estrutura e de conduta, diferenciação que não se
sustenta num exame mais atento:

Com essa ideia de norma incompleta, a sutileza do gênio de Hans


Kelsen ofereceu um instrumento hábil para que possamos atender à
demanda de diferenciação – entre regulação da conduta e regulação
das normas – sem, todavia, fazer qualquer separação efetiva entre
ambas. […] Podemos afirmar, então, que o ordenamento regula ações
humanas e nada mais. Tomando o critério do resultado, podemos
dividir estas condutas em condutas em geral e condutas de criar outras
normas. Sob esta perspectiva, a criação de criar normas é uma conduta
regulada pelo próprio sistema de direito positivo 272.

269
Competência tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. 2. ed. revista e ampliada. São
Paulo: Noeses, 2011, p. 21 et seq.
270
Ibid., p. 24.
271
Ibid., p. 25.
272
Ibid., p. 25-26.
109

Por isso, Tácio Lacerda Gama conclui que as normas de competência são
normas que, como quaisquer outras, regulam condutas, quais sejam, as condutas de criar
normas jurídicas. Essa especificidade notada em seu resultado não lhe retira
coercibilidade, visto que as normas de competência estabelecem sanção em caso de sua
inobservância, que nada mais é do que a invalidade da norma criada de modo ilícito 273.
Considerando que a maioria das críticas feitas ao modelo kelseniano
(homogeneidade das normas jurídicas) tem origem em Herbert Hart ou dele derivam,
Tácio Lacerda Gama analisa as ideias desse autor, sem olvidar de que os pressupostos
jusfilosóficos dessas posições são distintos, porque Hans Kelsen situa-se antes do
chamado giro-linguístico, enquanto Herbert Hart laborou após esse movimento 274.
Em síntese, no modelo de Herbert Hart há regras de relação entre os cidadãos
(normas primárias) e entre esses e as normas (normas secundárias), as quais, voltadas a
outras normas, não disciplinam direitos e deveres, mas apenas qualificam sujeitos para
editar normas prescritoras de condutas (outorgando direitos e deveres) 275. Tácio Lacerda
Gama observa que essas normas de competência, chamadas secundárias nesse modelo,
continuam com a mesma função indicada no modelo de Hans Kelsen, mas sem
prescrever uma sanção 276. Ocorre que a própria ideia de validade das normas jurídicas,
que delineia o espaço jurídico, está intimamente relacionada com o tema das normas de
competência 277.
Além disso, Tácio Lacerda Gama critica o uso da expressão fragmento de
norma em referência às normas de competência, o que configuraria uma estratégia de
diferenciação de normas que não se podem diferenciar: as normas de conduta e as
normas de competência, porque estas são, na verdade, normas sobre a conduta
específica de criar normas 278.
Para Alchourrón e Bulygin 279, o sistema de direito positivo não seria composto
apenas por normas, tendo em vista que as proposições que o formam podem apresentar-
se como proposições normativas e definições legais, de acordo com a função que

273
Competência tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. 2. ed. revista e ampliada. São
Paulo: Noeses, 2011, p. 26.
274
Ibid., p. 28, 34.
275
Ibid., p. 31.
276
Ibid., p. 32.
277
Ibid., p. 33.
278
Ibid., p. 33-34.
279
Ibid., p. 34.
110

cumprem. As proposições normativas disciplinariam, nesse modelo, as condutas


conforme sejam proibidas, obrigatórias ou permitidas. Tendo em vista que a norma é o
sentido que os signos despertam no destinatário, surgem as definições legais com a
função de especificar o sentido dos termos presentes nas normas, dirigindo a
aplicação 280.
Sobre as normas de competência, lembra Tácio Lacerda Gama 281 que esses
autores as explicam na perspectiva da atividade jurisdicional. As normas de
competência prescreveriam as condições e os temas que poderiam ser objeto de
julgamento por juízes, enquanto as normas de obrigação tratariam dos deveres e
vedações aos magistrados. Portanto, as normas de competência se enquadrariam no
conceito de definição, delineando o sentido das normas na aplicação, não regulando
especificamente a conduta humana, objeto das normas de obrigação 282.
Já Alf Ross, segundo Tácio Lacerda Gama 283 , mesmo distinguindo normas
diretivas de conduta e normas de competência, trabalha com a teoria normativista,
aproximando-se das concepções de Hans Kelsen antes mencionadas, especialmente
quando trata das ideias de responsabilidade, enquanto consequência do exercício
irregular de norma de conduta, e invalidade, como resultado do exercício irregular de
norma de competência. Na visão de Tácio Lacerda Gama 284 , responsabilidade e
invalidade são conceitos aproximados, por configurarem exemplos do gênero sanção.
Para Ross, as normas de competência, assim como no modelo de Hans Kelsen, também
são normas de conduta indiretas; a divergência está na equiparação dos conceitos de
validade e vigência proposta pelo realismo de que Ross faz parte 285.
As ideias de Ricardo Guastini foram consideradas de grande utilidade por
Tácio Lacerda Gama 286, na medida em que, embora chamando de proposição prescritiva
cada uma das espécies de normas de produção normativa referida por Ricardo Guastini,
as considera em conjunto para entender a mensagem prescritiva com sentido

280
Competência tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. 2. ed. revista e ampliada. São
Paulo: Noeses, 2011, p. 34-35;
281
Ibid., p. 37.
282
Ibid., p. 38.
283
Ibid., p. 40.
284
Ibid., p. 41.
285
Ibid., p. 45-46.
286
Ibid., p. 47.
111

completo 287. Para Ricardo Guastini, o direito difere dos demais sistemas sociais pelo
fato de apresentar, além de normas de conduta, normas sobre produção normativa, isto
é, as normas de competência 288.
Tomando por base os conceitos apresentados, buscando uma análise normativa
dos incentivos fiscais, apresentaremos, a seguir, a norma estrutural dos incentivos
fiscais, formuladas a partir do estudo da norma de competência apresentada neste item.

4.4 A norma de competência enquanto norma estrutural dos Incentivos Fiscais

Quando analisamos o acervo de proposições que compõem a Constituição


Federal de 1988, no que diz respeito aos incentivos fiscais, podemos construir que estes
são normas jurídicas cujas edições são permitidas ao legislador e ao administrador para
transformar em realidade 289 as projeções do Constituinte contidas em proposições
jurídicas.
Em outras palavras, tratam-se das normas jurídicas enunciadas a fim de que os
propósitos constitucionais relativos a matérias específicas sejam concretizados,
enquanto finalidade do ordenamento jurídico, cujo objetivo é a regulação da conduta
intersubjetiva, mediante constantes estímulos e coercitividade.
É certo que não conseguimos construir, a partir da leitura do Texto
Constitucional, uma norma jurídica de conduta como: (hipótese): Dado o contribuinte
domiciliado em região social e economicamente pouco desenvolvida, deve ser
(consequência) beneficiado por meio de tratamento fiscal mais brando.
Ao contrário. A partir do Texto Constitucional, é possível construir normas
primárias de competência. Conseguimos construir normas primárias de competência em

287
“Ressalvamos, porém, que as funções indicadas para cada uma das normas de produção normativa são
funções parciais e que, por isso, se complementam sem se excluir. Isoladamente, nenhuma delas
prescreve mensagem com sentido completo. Apenas com a reunião de todas as normas de produção
normativa é possível saber onde, quando e a respeito do que uma norma jurídica pode ser criada. Daí
o porquê de não ser possível identificar em qualquer destas normas sobre produção jurídica uma
mensagem normativa que expresse ‘o mínimo e irredutível de manifestação do deôntico’.” (GAMA,
Tácio Lacerda. Competência tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. 2. ed. revista e
ampliada. São Paulo: Noeses, 2011, p. 51).
288
Ibid., p. 47.
289
“Altera-se o mundo físico mediante o trabalho e a tecnologia, que o potencia em resultados. E altera-
se o mundo social mediante a linguagem das normas, uma classe da qual é a linguagem das normas do
Direito”. (VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. 4. ed. São
Paulo: Noeses, 2010, p. 4).
112

todos os modais deônticos, quais sejam, permitido, proibido e obrigatório, vejamos:


Iniciando pelo modal permitido, construímos: (hipótese) Dada a existência de
órgão legislativo, deve ser (consequência) a permissão do exercício da competência de
tal órgão para criar incentivos fiscais que tenham por objetivo reduzir o desequilíbrio
socioeconômico entre regiões do País; ou então: (hipótese) Dada a existência de órgão
legislativo, deve ser (consequência) a permissão do exercício da competência de tal
órgão para criar incentivos fiscais que estimulem a proteção do desporto nacional, a
pesquisa e a tecnologia, a absoluta prioridade da criança e do adolescente, a produção de
bens e valores culturais (artigos 215, 216, 217, 218 da Constituição Federal).
Podemos também construir, a partir dos enunciados e proposições da
Constituição Federal de 1988, normas de competência com modal deôntico Proibido, a
saber: (hipótese) Dada a existência de órgão legislativo, deve ser (consequência) a
proibição do exercício da competência de tal órgão para criar incentivos fiscais para
pessoa jurídica inadimplente com o sistema de seguridade social (Artigo 195, parágrafo
3, da Constituição Federal).
Ainda, da mesma forma, constrói-se norma de estrutura com modal deôntico
obrigatório: (hipótese) Dada a existência de órgão legislativo, deve ser (consequência) a
obrigação do exercício da competência de tal órgão por meio do instrumento introdutor
lei complementar para criar normas gerais para a concessão de incentivos fiscais
estaduais relacionados ao ICMS 290 (art. 155, XII, g, da Constituição Federal).
Em todos esses exemplos, é possível identificar a estrutura da norma de
competência: Njcom = H {[s.p(p1, p2, p3…)].(e.t)}  R (S (s.sp) . m (s.e.t.c.)}. Nota-
se que o conectivo interproposicional permanece neutro, isto é, não modalizado 291, pois

290
A título exemplificativo, confira-se: “Antecedente: se o Município quiser exercer (querer-fazer) a
faculdade de instituir o IPTU. Consequente: deve-ser a obrigação de observar o procedimento
estabelecido para a criação de Lei Municipal. O órgão competente tem o dever jurídico de observar o
procedimento para exercer a competência e a comunidade, o direito subjetivo de ver observada essa
prerrogativa”. (MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Fontes no direito tributário. 2. ed. São Paulo:
Noeses, 2006, p. 86, grifos do autor).
291
“Kelsen insistiu na diferença entre as leis da natureza, submetidas ao princípio da causalidade física, e
as leis jurídicas, articuladas pela imputabilidade deôntica. Lá, a síntese do ‘ser’; aqui, a do ‘dever-ser’.
Nas duas causalidades temos a implicação, o conectivo condicional atrelando o antecedente ao
consequente. Entretanto, quando usado e não simplesmente mencionado, o ‘dever-ser’ denota uma
região, um domínio ontológico que se contrapõe ao território do ‘ser’, em que as proposições
implicante e implicada são postas por um ato de autoridade: D(pq) (deve-ser que p implique q).
Falamos, por isso, num operador deôntico interproposicional, ponente da implicação. Não fora o ato
de vontade da autoridade que legisla e a proposição-hipótese não estaria conectada à proposição-tese.
Daí por que esse operador deôntico seja chamado neutro, visto que nunca aparece modalizado”.
113

o que se modaliza nas três variantes indicadas é o conectivo intraproposicional da


relação jurídica prescrita no consequente, que trata da matéria a ser veiculada.
A partir dos exemplos acima apresentados, podemos, então, dizer que o Texto
Constitucional trouxe normas de competência primária para que os incentivos fiscais
possam adentrar no sistema do direito positivo, por meio de normas jurídicas, a partir da
sua edição, pelos agentes competentes e mediante um determinado procedimento.
Então, podemos considerar que os incentivos fiscais, dentro do Texto
Constitucional, são normas de competência que regularão como os entes tributantes
poderão emitir a regulação das condutas para a produção das demais normais do sistema
jurídico positivo, que carregarão consigo a possibilidade de diminuir ou suprimir o
montante de tributo a pagar.
Portanto, a norma de competência é a norma estrutural de incentivo fiscal.
De fato, a Constituição Federal traz a norma de competência para que o agente
competente enuncie, mediante o procedimento adequado.
Todavia, esta norma estrutural, isoladamente, não é capaz de interferir
diretamente na relação jurídica tributária, uma vez que haverá necessidade da integração
de outras normas que desempenharão este mister.
Assim, a norma estrutural de incentivo fiscal necessitará estar acompanhada de
outras normas que, juntamente com ela, integrarão completamente a relação jurídica de
incentivo fiscal.
De fato, a Constituição Federal traz a norma de competência para que o agente
competente emita, mediante o procedimento adequado.
É o que demonstraremos no tópico seguinte.

4.5 Analisando a norma de incentivo fiscal a partir da norma jurídica tributária


em sentido estrito

Se há pretensão de estudar os incentivos fiscais enquanto conjunto de normas


que interferem na relação jurídica tributária trazida pela regra-matriz de incidência,
deve-se conhecer primeiro a regra para depois apreendermos a exceção.

(CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 8. ed. rev.
São Paulo: Saraiva, 2010, p. 48, grifos do autor).
114

Neste contexto, não queremos dizer que os incentivos atuam apenas na relação
jurídica tributária prescrita no consequente da regra-matriz de incidência, mas apenas
que a sua atuação global afeta, em última análise, essa relação jurídica tributária,
impedindo seu nascimento ou lhe diminuindo a intensidade.
Em outras palavras, os incentivos fiscais, na perspectiva normativa ora
proposta, interferem na regra-matriz de incidência, quer nos três critérios do
antecedente, quer nos dois outros critérios do consequente, tendo como resultado final
um obstáculo ao aperfeiçoamento da relação jurídica tributária ou à sua conformação
originalmente esperada.
Feito este pequeno preâmbulo, retomamos analisando o fenômeno relacionado
à norma tributária.
Podemos dizer que as normas de conduta são aquelas destinadas a regular as
condutas intersubjetivas.
É certo que todas as normas jurídicas podem ser consideradas, de alguma
forma, como normas de conduta. De fato, tanto a norma de competência (norma de
estrutura) quanto a norma de conduta regulam comportamentos. A norma de
competência regula o comportamento intersubjetivo que o legislador entendeu por
juridicizar a partir dos modais (O, P, V). Logo, a diferença reside no tipo de conduta a
ser regulada.
Neste sentido, ensina José Souto Maior Borges:

A norma de conduta lato sensu é um gênero que inclui as normas de


conduta stricto sensu (as que regulam diretamente a conduta humana).
Pretender que a norma de estrutura tem função diversa é incorrer em
equívoco capital. 292

Não é outro o entendimento de Tárek Moysés Moussallem 293, com base no


efeito da aplicação de uma norma jurídica:

Cabe de pronto ressaltar que toda norma jurídica tem como vetor
semântico a conduta humana. Dirige-se à conduta humana como
escopo final (norma de conduta), volta à conduta humana com a
finalidade de pautar a produção normativa (norma de produção
normativa), ou dirige-se imediatamente a uma norma para
mediatamente regular a conduta humana (norma de revisão sistêmica).

292
BORGES, José Souto Maior. Teoria geral da isenção tributária. 3. ed., 3. tiragem. São Paulo:
Malheiros, 2011, p. 380.
293
Fontes no direito tributário. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2006, p. 77.
115

Diante do que analisamos no tópico anterior, a norma estrutural de incentivo


fiscal é uma norma de competência, de modo que é necessário adentrar, a partir de
agora, nas demais relações jurídicas que deverão ser instauradas a partir da incidência
da norma da aludida norma de competência.
Considerando que a norma de competência irradia seus efeitos para que
determinado agente competente, mediante o procedimento credenciado pelo sistema
jurídico, institua a norma que autorizará a concessão de determinado incentivo fiscal,
calcado nos princípios informados pelo Texto Constitucional, necessitamos saber quais
serão as demais normas que irão ser responsáveis pelos efeitos jurídicos subsequentes à
instauração da norma estrutural de incentivos fiscais.
Construiremos nossa análise a partir do viés das relações jurídicas tributárias,
para, após, traçarmos o seu sentido inverso, é dizer, como será a relação que diminui ou
elimina a obrigação tributária para o sujeito passivo.
Novamente reiteramos nosso entendimento de que as normas de incentivo
fiscal, cuja atuação será a seguir descrita, agem sobre a regra-matriz de incidência
tributária ora na hipótese, ora no consequente. Contudo, em quaisquer dessas atuações,
temos como resultado final uma afetação da relação jurídica tributária, porque é nela
que encontramos o objeto da prestação, ou seja, o tributo na acepção de quantia em
dinheiro 294, pois ou ele não será pago, ou o será a menor, legitimamente. Como o valor
a ser pago ao sujeito ativo, que é o que importa ao devedor colocado no polo passivo,
está previsto na relação jurídica, falamos que a norma de incentivo afeta essa relação.
Dentre as normas de conduta, podemos estabelecer a existência de norma
primária de conduta, na qual se verifica na hipótese, a descrição de um fato de possível
ocorrência no mundo fenomênico e que tem vinculação com uma conduta humana; e, na
tese, prescreve-se o surgimento de uma relação jurídica, cujo objeto será uma conduta a
qual o sujeito ativo terá o direito de exigir e o sujeito passivo o dever de cumprir.
294
Essa é a primeira acepção do vocábulo tributo apontada por Paulo de Barros Carvalho, dentre as seis
que ele comenta: “Uma das mais vulgares proporções semânticas da palavra ‘tributo’ é justamente
aquela que alude a uma importância pecuniária. Indicando um volume de notas, quantas vezes não
dizemos: eis aí o imposto que vou levar ao banco. Essa menção corriqueira, entretanto, não é somente
a do falar comum dos leigos. Pode ser encontrada, até com frequência, no fraseado de nossas leis,
regulamentos e portarias, como, por exemplo, no art. 166 do Código Tributário Nacional: A
restituição de tributos que comportem… Surge aqui a voz ‘tributo’, inequivocamente, como soma de
dinheiro, quantia que, na forma do dispositivo, poderá ser restituída. […] Nesta acepção, fica
acentuado o objeto da prestação ou o conteúdo do dever jurídico cometido ao sujeito passivo, indicado
por $”. (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 23. ed. São Paulo: Saraiva,
2011, p. 52, grifos do autor).
116

Levada em consideração sua inteireza, a estrutura da norma jurídica não se


esgota naquela primária. Isso porque, sendo um dever ser, passível de descumprimento
pelos destinatários, a norma somente estará completa – ou melhor, só será jurídica – se
previr uma sanção institucionalizada, estatal, veiculada pela norma secundária.
Dessa feita, a norma secundária de conduta, igualmente, terá como estrutura
lógica: se uma hipótese (=antecedente, descritor), deve ser uma tese (=consequente,
prescritor).

A regra-matriz de incidência pode ser definida como uma norma tributária em


sentido estrito, na qual encontramos uma proposição-hipótese – antecedente –
descrevendo determinados fatos aptos a promover o nascimento da obrigação tributária,
e, uma proposição-tese – consequente –, em que há a prescrição de uma relação jurídica,
isto é, os efeitos jurídicos que advirão ante o acontecimento daquilo que se encontra
descrito no antecedente.

O comando inserto na regra-matriz de incidência prescreve o dever jurídico de


pagar o tributo, estipulando todos os critérios, isto é, as circunstâncias materiais, de
tempo, lugar, pessoal e quantitativa, que deverão estar preenchidos para que se
caracterize o evento do mundo físico como um fato jurídico tributário. É por conter essa
estrutura essencial para a caracterização da obrigação tributária que Paulo de Barros
Carvalho 295 se refere à regra-matriz de incidência tributária como a “norma tributária
em sentido estrito”.

Antecedente e consequente são compostos por determinados critérios, estando


todos eles vinculados entre si. Resumidamente, podemos dizer que o critério material
traz a essência do fato jurídico tributário, sendo composto por um verbo e um
complemento. Os critérios espacial e temporal, por sua vez, entrelaçam,
respectivamente, o lugar e o tempo nos quais o fato jurídico tributário pode ocorrer 296.

Já no consequente, serão encontrados os critérios subjetivo e quantitativo da


RMIT. O primeiro aponta para os sujeitos ativo e passivo da relação jurídica tributária,

295
Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 8. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 132.
296
LINS, Robson Maia. Controle de constitucionalidade da norma tributária – Decadência e
prescrição. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 878.
117

e o segundo, para os critérios de apuração do quantum pertinente ao tributo, sendo seus


componentes a alíquota e a base de cálculo 297.
Considerando que, para a que ocorra o fenômeno da incidência, a norma
jurídica tributária necessita dos três critérios do antecedente (material, espacial e
temporal) para, em seu consequente, prescrever uma relação jurídica com os outros dois
critérios a que se fez referência (pessoal e quantitativo), os incentivos fiscais alteram a
configuração da regra-matriz de incidência tributária.
Por outro lado, mesmo sendo a regra-matriz norma de comportamento (fisco e
contribuinte), a norma de incentivo fiscal, que lhe diminui a atuação, surge da
incidência de uma norma de competência (norma estrutural de incentivo fiscal), que
cria, então, uma terceira norma.
Para facilitar a exposição, denominaremos:
NT 1: Norma de competência tributária;
NT 2: Norma jurídica resultado do exercício da competência tributária (veículo
introdutor);
NT 3: Norma de conduta – regra-matriz de incidência tributária.
Considerando as estruturas normativas acima, apresentaremos as normas que
compõem a relação jurídica completa de incentivo fiscal:
NIF 1: Norma de competência (norma estrutural de incentivo fiscal);
NIF 2: Norma jurídica resultado do exercício da competência (veículo
introdutor);
NIF 3: Norma de conduta que prescreve tratamento tributário diferenciado.
A partir da estruturação das normas jurídicas que resultam na regra-matriz de
incidência tributária, conseguimos melhor visualizar como se perfaz o resultado do
tratamento diferenciado trazido pela norma de incentivo fiscal enquanto norma de
conduta.
Ao regular a produção do direito, o que inclui a criação, a modificação e a
extinção de normas, nas normas de estrutura, acontecido o fato relatado em seu
antecedente, do consequente deverá surgir nova realidade tão-somente no plano
normativo.
Como asseverado, a regra-matriz de incidência tributária NT 3, sim, atinge a

297
LINS, Robson Maia. Controle de constitucionalidade da norma tributária – Decadência e
prescrição. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 878.
118

conduta, obrigando o contribuinte a recolher aos cofres públicos a exata quantia


estipulada pela norma jurídica.
Importante destacar que não se quer dizer que primeiramente deverá ocorrer o
fato jurídico tributário para que a norma de incentivo fiscal possa, posteriormente,
incidir.
Sabemos que não há velocidade entre normas no campo lógico, logo não se
pode dizer que haveria uma cronologia entre as normas. O que ocorre, na verdade, é
uma integração dessas normas, de modo que a norma construída a partir de NIF 3, para
se concretizar, ou seja, para diminuir ou extinguir a prestação tributária, impede que a
NT 3 incida.
Podemos dizer, contudo, que a incidência “prévia” e natural está relacionada às
normas de competência tributária (NT 1) de uma norma constitucional de estrutura
NIF 1, que, por meio de NIF 2, emitirá a linguagem no sistema jurídico, que,
interpretados, vão de encontro a um ou mais critérios daquela norma-padrão (NT 3).
De imediato, porém, surge a indagação: se a regra-matriz de incidência
tributária NT 3 é modificada em um ou mais de seus critérios pela norma estrutural de
incentivo fiscal NIF 1 que veicula textos mediante a NIF 2 (veículo introdutor), como é
regulado o comportamento do sujeito passivo contemplado pelo incentivo fiscal?
Assim, podemos dizer que a conduta do sujeito passivo de uma determinada
obrigação tributária que irá se utilizar de uma norma que instituiu tratamento tributário
diferenciado (incentivo fiscal regulado pela norma NIF 3) foi criada a partir da
significação dos textos introduzidos pela norma concreta e geral NIF 2, que decorre do
fato jurídico produtor de norma, resultado da incidência da norma estrutural de
incentivo fiscal, NIF 1.
Nesse contexto, NT 2 e NIF 2 são veículos introdutores de normas: resultado
da aplicação de norma sobre produção jurídica 298 , pois nenhuma regra (enunciado-
enunciado) adentra no ordenamento a não ser valendo-se de um veículo introdutor que o

298
Do mesmo modo que Tácio Lacerda Gama, Tárek Moysés Moussallem (Fontes no direito tributário.
2. ed. São Paulo: Noeses, 2006, p. 127, grifos do autor) delineia a norma de produção jurídica:
“Rememoremos que a norma sobre a produção jurídica descreve, em seu antecedente, uma agente
competente e o procedimento prescrito pelo ordenamento para a produção normativa e, em seu
consequente, prescreve a obrigação de todos respeitarem as disposições inseridas, pelo próprio
veículo introdutor, no sistema do direito positivo”.
119

próprio ordenamento prevê 299. Por isso, ensina Paulo de Barros Carvalho 300 que

O significado da expressão fontes do direito implica refletirmos sobre


a circunstância de que regra jurídica alguma ingressa no sistema do
direito positivo sem que seja introduzida por outra norma, que
chamaremos, daqui avante, de “veículo introdutor de normas”. Isso já
nos autoriza a falar em “normas introdutoras” e “normas introduzidas”
ou, em outras palavras, afirmar que “as normas vêm sempre aos
pares”.

Enquanto veículos introdutores, qualificam-se como normas gerais e concretas:


gerais porque seu consequente prescreve uma relação jurídica que envolve todos os
destinatários da norma, obrigados a cumpri-la; e concreta porque seu antecedente relata
o fato jurídico da enunciação por um agente competente mediante um procedimento
determinado, que, como todo fato, ocorre em determinadas circunstâncias de tempo e
espaço e é resultado da aplicação da norma sobre produção jurídica 301.
Desse modo, podemos representar o fenômeno acima da seguinte forma:
Hipótese: dado o exercício da competência do órgão legislativo, no tempo e no
espaço, mediante o procedimento estabelecido, deve ser.
Consequência: a instauração da relação jurídica na qual os destinatários da
norma NIF 2 têm o dever de acatá-la como documento constitucionalmente designado
para inserir textos no ordenamento.
Portanto, com a coexistência das normas relacionadas à incidência tributária
em conjunto com as normas que determinam a concessão de incentivos fiscais em
determinadas situações, há o ingresso, no mundo do direito positivo, de normas
diferenciadas daquelas originalmente estabelecidos na regra-matriz de incidência. Desse
modo, a regulação da conduta é feita de maneira diferenciada pela interferência das
normas de incentivo fiscal sobre a regra-matriz de incidência tributária.
Então, ao lado das estruturas normativas que permitem a construção da regra-
matriz de incidência tributária NT 3 (norma de comportamento), os enunciados trazidos
pela norma NIF 2, que traduz o fato jurídico resultado da incidência da norma de
estrutura NIF 1, inclui no ordenamento jurídico alterações em algum(ns) critério(s)
daquela primeira (NT 3), de modo a permitir a construção de uma nova norma de

299
MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Fontes no direito tributário. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2006, p.
132.
300
Direito tributário: linguagem e método. 5. ed. São Paulo: Noeses, 2013, p. 422-423, grifos do autor.
301
Ibid., p. 127.
120

conduta entre Fisco e contribuinte, caracterizada pela relativização da prestação


tributária em NIF 3.
Contudo, o resultado da atividade da norma que faz incluir textos NIF 2
concorrentes aos critérios da regra-matriz NT 3 produz a supressão de parte daqueles.
Para afastar quaisquer possíveis dúvidas, esclarecemos que, embora tratando de
veículos introdutores de normas, que nada mais são do que normas gerais e concretas,
como explicado acima, trabalhamos também com a classificação das normas em normas
de conduta e de estrutura, considerando ainda estas últimas como normas de conduta,
qual seja, a conduta do legislador 302.
Seria possível fazer uma aproximação entre as normas de estrutura e as normas
gerais e abstratas, e entre as normas de conduta e as normas individuais e concretas.
Contudo, não é o que nos propomos a realizar aqui, porque entendemos que, partindo de
critérios distintos, não convém mesclar classificações diferentes.
Assim, lidamos com as duas classificações sem que isso implique qualquer
contradição quando indicamos a regra-matriz de incidência tributária, que é norma geral
e abstrata, como uma norma de conduta 303.
Por outro lado, a atenção aos veículos introdutores permite o controle da
constitucionalidade e da legalidade das normas de conduta que prescrevem tratamento
tributário diferenciado (NIF 3) e ensejam a aplicação das normas sancionatórias de
competência, como será exposto no capítulo 9 304.

302
Em referência às regras de conduta e as de estrutura, comenta Paulo de Barros Carvalho: “Quero
repisar a nota de que a adoção desse esquema classificatório atende a certo padrão de
operacionalidade com a experiência do sistema de normas, mas, como toda classificação, vai cedendo
seu rigor, à proporção em que a investigação se aprofunda. O próprio Norberto Bobbio, que a utiliza
fartamente, ao formalizar as chamadas ‘regras de estrutura’ não pôde evitar o reconhecimento
ostensivo da tônica ‘conduta’, como destino finalístico de toda regulação normativa”. (CARVALHO,
Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 8. ed. rev. São Paulo:
Saraiva, 2010, p. 63).
303
“Ao mesmo tempo, a regra-matriz de incidência, como anunciamos anteriormente, se inscreve entre as
normas gerais e abstratas, havendo nela condicionalidade. O antecedente é posto em formulação
hipotética: ‘se ocorrer o fato F’. Além disso, integra o quadro das regras de conduta, pois define por
inteiro a situação de fato, sobre qualificar deonticamente os comportamentos inter-humanos por ela
alcançados”. (ibid., loc. cit.).
304
“Por fim, o veículo introdutor (6) é aquilo que os estudiosos da linguagem (Noam Chomsky) chamam
de atuação da competência, ou seja, a norma que tem no seu antecedente um acontecimento concreto,
aplicação-produto, ou seja, o exercício da competência ‘x’ e do procedimento ‘y’, e no seu
conseqüente uma relação jurídica que estabelece a obrigação de todos observarem os enunciados
criados pelo exercício da competência. A negação de quaisquer das relações jurídicas acima arroladas
enseja a possibilidade de deflagração da norma secundária (norma de aplicação judicial) por parte dos
sujeitos ativos detentores de direito subjetivos”. (MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Fontes no direito
tributário. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2006, p. 87, grifos do autor).
121

Vejamos agora a aplicação dessa construção ao caso concreto.


Os artigos 218 e 219 da Constituição Federal assim dispõem:

Art. 218. O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento


científico, a pesquisa a capacitação tecnológicas.
§ 1º - A pesquisa
científica básica receberá tratamento prioritário do Estado, tendo em
vista o bem público e o progresso das ciências. 
§ 2º - A pesquisa
tecnológica voltar-se-á preponderantemente para a solução dos
problemas brasileiros e para o desenvolvimento do sistema produtivo
nacional e regional. 
§ 3º - O Estado apoiará a formação de recursos
humanos nas áreas de ciência, pesquisa e tecnologia, e concederá aos
que delas se ocupem meios e condições especiais de trabalho. 
§ 4º -
A lei apoiará e estimulará as empresas que invistam em pesquisa,
criação de tecnologia adequada ao País, formação e aperfeiçoamento
de seus recursos humanos e que pratiquem sistemas de remuneração
que assegurem ao empregado, desvinculada do salário, participação
nos ganhos econômicos resultantes da produtividade de seu trabalho. 

§ 5º - É facultado aos Estados e ao Distrito Federal vincular parcela de
sua receita orçamentária a entidades públicas de fomento ao ensino e à
pesquisa científica e tecnológica. 

Art. 219. O mercado interno integra o patrimônio nacional e será
incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e sócio-
econômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do
País, nos termos de lei federal.

Tornando concreto o objetivo constitucional, em 2 de dezembro de 2004, foi


editada a Lei nº 10.973, também conhecida como Lei de Inovação, em que nasceram as
medidas de estímulo à inovação e à pesquisa científica e tecnológica voltadas ao
ambiente produtivo, com o objetivo de capacitar e promover a autonomia tecnológica e
desenvolvimento do país. Aqui ainda não estamos diante da NIF 2, mas de um
instrumento normativo que realça a diretriz constitucional e a NIF 1.
O artigo 3º da referida Lei dispõe que:

Art. 3º - A União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e as


respectivas agências de fomento poderão estimular e apoiar a
constituição de alianças estratégicas e o desenvolvimento de projetos
de cooperação envolvendo empresas nacionais, ICT e entidades
nacionais de direito privado sem fins lucrativos voltadas para
atividades de pesquisa que objetivem a geração de produtos e
processos inovadores. 305

305
BRASIL. Presidência da República. Lei nº 10.973, de 2 de dezembro de 2004. Lei de Inovação.
Dispõe sobre incentivos à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo e dá
outras providências. Brasília: DOU, 3 dez. 2004.
122

Fundamentado na necessidade e no dever do Estado em incentivar o


desenvolvimento da pesquisa voltada à inovação tecnológica, o artigo 28 da Lei de
Inovação assim prescreveu:

Art. 28. A União fomentará a inovação na empresa mediante a


concessão de incentivos fiscais com vistas na consecução dos
objetivos estabelecidos nesta Lei. 
 Parágrafo único. O Poder
Executivo encaminhará ao Congresso Nacional, em até 120 (cento e
vinte) dias, contados da publicação desta Lei, projeto de lei para
atender o previsto no caput deste artigo. 306

Em cumprimento a essa disposição legal, foi publicada em 21 de novembro de


2005, a Lei nº 11.196 307 , instituindo, dentre outros temas, incentivos fiscais para as
empresas que promoverem a pesquisa e o desenvolvimento de inovação tecnológica.
Aqui, sim, estamos diante do que denominamos de NIF 2.
Verifica-se que a referida lei, também conhecida como Lei do Bem, foi
promulgada com o intuito de estimular a inovação tecnológica nacional, promovendo
programa especial de incentivos fiscais para este fim e fomentando a pesquisa e o
desenvolvimento da competitividade nacional.
As formas de concessão dos incentivos fiscais para a inovação tecnológica
estão voltadas, de forma mais relevante, ao IRPJ e a CSLL.
Conforme disposto no artigo 17 da Lei nº 11.196/2005, a pessoa jurídica
poderá usufruir dos seguintes incentivos fiscais:

[…] dedução, para efeito de apuração do lucro líquido, de valor


correspondente à soma dos dispêndios realizados no período de
apuração com pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação
tecnológica classificáveis como despesas operacionais pela legislação
do Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica - IRPJ ou como
pagamento na forma prevista no § 2o deste artigo; […] 308

Da leitura do dispositivo acima, vê-se que o objetivo da lei foi o de permitir


que as empresas que promoverem inovação tecnológica deduzam os gastos
classificáveis como despesa operacional pela legislação do IPRJ, para apuração do lucro
líquido e exclusão da base de cálculo da CSLL.

306
BRASIL. Presidência da República. Lei nº 10.973, de 2 de dezembro de 2004. Lei de Inovação.
Dispõe sobre incentivos à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo e dá
outras providências. Brasília: DOU, 3 dez. 2004.
307
Id. Lei nº 11.196, de 21 de novembro de 2005. Lei do Bem. Brasília: DOU, 22 nov. 2005.
308
Ibid.
123

Os percentuais relativos ao IRPJ para a exclusão do lucro líquido e para a


exclusão da base de cálculo da CSLL são os seguintes:

- exclusão, na determinação do lucro real e da base de cálculo da


CSLL, o valor correspondente a até 60% da soma dos dispêndios do
período de apuração com pesquisa tecnológica, classificáveis como
despesa operacional pela legislação do IRPJ (12) (art. 19). Esta
exclusão poderá chegar a até 80% dos dispêndios do período de
apuração, em função da contratação de pesquisadores (art.19, § 1º). -
além do incentivo acima, poderá haver o acréscimo de até 20% dos
dispêndios ou pagamento vinculado à pesquisa, se houver a patente ou
cultivar registrado no período de apuração (art.19, § 3º). 309

Deve-se ressaltar que essas exclusões são limitadas ao valor do lucro real e da
base de cálculo da CSLL antes da própria exclusão, sendo vedado aproveitar de
eventual excesso em período de apuração posterior, nos termos do § 5º, do artigo 19 da
Lei do Bem.
Além disso, poderá, ainda, o contribuinte valer-se da:

- Depreciação integral, para efeito de apuração do IR e CSLL (art. 17,


III, alterado pela Lei nº 11.774/08) de equipamentos, máquinas,
aparelhos destinados a P&D.
- Amortização acelerada, mediante a dedução como custo ou
despesa operacional, dos dispêndios relativos à aquisição de
intangíveis, para atividades de P&D, classificáveis como ativo
diferido, para efeito de apuração do IRPJ (art. 17, IV).
A Lei do Bem prevê também redução no tocante ao IPI. O artigo 17,
II, dispõe acerca da redução de Redução de 50% do Imposto sobre
Produtos Industriais - IPI devido na compra de máquinas,
equipamentos ou instrumentos destinados à P&D.
Quando houver remessas para o exterior destinadas ao registro,
manutenção de marcas, patentes e cultivares, o inciso VI, do artigo 17,
prevê redução a 0% da alíquota do IR retido na Fonte.310

Nitidamente, verificamos que, para que a NIF 3 seja construída dos


dispositivos legais acima, há a inevitável existência das normas NT 1, NT 2 e NT 3, já
que, para que tenhamos um conjunto de normas de incentivo fiscal com a diminuição ou
supressão de tributo a pagar, deve haver, de modo inverso, a existência das demais
normas que disponham sobre a previsão constitucional do tributo, o veículo introdutor
desse mesmo tributo no sistema do direito positivo, bem como a norma padrão de

309
PIVA, Sílvia Helena. Os incentivos fiscais às atividades de pesquisa e desenvolvimento de inovação
tecnológica. In: FISCOSoft. Artigos. São Paulo: FISCOSoft, 13 ago. 2013. Disponível em:
<http://www.fiscosoft.com.br/a/66zu/os-incentivos-fiscais-as-atividades-de-pesquisa-e-
desenvolvimento-de-inovacao-tecnologica-silvia-helena-gomes-piva>. Acesso em: 27 abr. 2014.
310
Ibid.
124

incidência que constrói a relação jurídica entre Fisco e Contribuinte para aqueles que
não estarão sujeitos ao conjunto normativo de NIF 1, 2 e 3.
O exemplo citado ressalta incentivos fiscais relacionados ao consequente da
regra-matriz de incidência tributária, contudo, conforme já afirmamos, a atuação da
norma de incentivo fiscal não se restringe à relação jurídica, isto é, pode ter efeitos tanto
no antecedente quanto no consequente normativos da regra-matriz, resultando, afinal,
mudanças na relação jurídica tributária em que repousa a prestação.
Assim, apresentamos o que, para nós, é o modelo normativo que melhor
representa a atuação dos incentivos demais frente às normas jurídicas tributárias do
sistema do direito positivo.

4.6 Limites à concessão de incentivos fiscais

A partir das diretrizes da Constituição Federal, verificamos que conceder


incentivos é um dever do Estado, baseado na legalidade e nas disposições
constitucionais, principalmente pelo objetivo fundamental da República Federativa que
é o de garantir o desenvolvimento nacional. 311
Ao mesmo tempo em que a Constituição estabelece as competências tributárias
da União, Estados, Distrito Federal e Município, tais entes têm autorização
constitucional para conceder incentivos com o fim de promover o desenvolvimento
socioeconômico do país. É certo também, que, em se tratando de uma federação, alguns
limites para a instituição dos incentivos fiscais também são trazidos pelo Texto Magno,
conforme verificamos das limitações previstas pelo artigo 150, § 6º, de que qualquer
subsídio, isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia
ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, somente poderá ser concedida
por meio de lei específica do ente competente autorizando a instituição do tributo.
Na verdade, verifica-se que a própria repartição e demarcação das
competências tributárias aos entes, pela Constituição Federal, já reflete, ao revés, um
limite à concessão dos incentivos fiscais, que estariam limitados também aos entes que
detêm o poder de instituir os tributos.
Especificamente com relação ao tributo ICMS, encontramos mais uma

311
Artigo 3, II, Constituição Federal.
125

limitação, contida no art. 155, § 2º, XII, g, o qual se relaciona exclusivamente a uma
exceção para o ICMS, cuja disposição é no sentido de que isenções, incentivos e
benefícios fiscais devem ter sua concessão e revogação com base nos critérios previstos
em lei complementar.
Neste sentido, cabe-nos citar Marcos André Vinhas Catão:

[…] desde já, assentamos que os incentivos fiscais, não obstante a


necessidade de atendimento aos requisitos formais e principiológicos
para a sua concessão, se estruturam a partir de norma expedida pelo
próprio ente político competente à instituição do tributo que lhe foi
outorgado na atribuição de competências.312

É certo, pois, que a instituição de incentivos fiscais – aqui tida como uma
competência para reduzir a tributação – está vinculada aos mesmos princípios e regras
que limitam o poder de tributar. Nesse sentido, Souto Maior Borges leciona que o
“poder de isentar é o próprio poder de tributar visto ao inverso”. 313
De se notar ainda, no que se refere ao regime jurídico dos incentivos fiscais,
que há uma verdadeira conexão entre a competência, o regime tributário dos tributos e
os incentivos fiscais, pois constata-se que os incentivos fiscais não só são veiculados
pelo mesmo ente político que detém competência para instituir o correlato tributo, como
também estão adstritos aos princípios e regras balizadores do poder de tributar e da
própria sistemática dos tributos específicos instituídos ou que se busca instituir um
determinado incentivo fiscal. Assim, afirmamos que o regime jurídico dos incentivos
fiscais está balizado pela Constituição Federal, pelo próprio desenho constitucional de
cada tributo.
Não podemos deixar de lado que os incentivos fiscais também se submetem as
normas orçamentárias que também limitam a concessão de incentivos fiscais, conforme
adentraremos no Capítulo 8.
No capítulo seguinte, apresentaremos nossa definição de incentivos fiscais, a
proposta de classificação dela decorrente, bem como exemplificaremos as espécies de
incentivos fiscais e financeiros mais comumente utilizados.

312
CATÃO, Marcos André Vinhas. Regime jurídico dos incentivos fiscais. Rio de Janeiro: Renovar,
2004.
313
BORGES, José Souto Maior. Teoria geral da isenção tributária. 3. ed., 3. tiragem. São Paulo:
Malheiros, 2011, p. 31.
126
127

5 OS INCENTIVOS FISCAIS: DEFINIÇÃO, PROPOSTA CLASSIFICATÓRIA


E ESPÉCIES

5.1 Introdução

Considerando que no capítulo anterior realizamos a análise dos incentivos


fiscais enquanto estruturas normativas, partiremos, agora, para a identificação dessas
estruturas a partir de uma classificação eleita por nós e que está intimamente ligada com
a escolha de analisar os incentivos fiscais por esta ótica.
Sabemos que o corte metodológico, muitas vezes, é feito de forma individual
pelo cientista do direito, de modo que avançar no estudo de determinado objeto leva o
intérprete a classificar o emaranhado de proposições que lhe é colocado. Essa
classificação é, muitas vezes, feita de forma intuitiva, onde o modo de classificar pode
ser o modo de visão como aquele cientista melhor identifica a composição de
determinadas estruturas para facilitar o contato com o objeto a ser estudado. Assim,
queremos dizer que a proposta de classificação que apresentaremos poderá revelar
maior ou menor utilidade, a depender da finalidade e objetivo de estudo pelo cientista.
De qualquer forma, importante destacar que o ato de classificar é distribuir em
classes, é dividir os termos segundo a ordem da extensão, é separar os objetos em
classes de acordo com as semelhanças que entre eles existam, mantendo-os em posições
fixas e exatamente determinadas em relação às demais classes.
A boa classificação depende não só do processo de bem dividir o termo, mas,
antes disso, de elaborar uma definição adequada de seu conceito. E definir é operação
lógica demarcatória dos limites, das fronteiras, dos lindes que isolam o campo de
irradiação semântica de um conceito. Com a definição, outorga-se à ideia sua
identidade, que há de ser respeitada do início ao fim do discurso 314.
A importância da teoria das classes para a Ciência do Direito revela-se na
medida em que fornece importante ferramental de análise para o cientista. Não
desconsideramos que o próprio direito positivo se vale da teoria das classes em seu
discurso, por exemplo, na legislação sobre o Imposto sobre Produtos Industrializados

314
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 5. ed. São Paulo: Noeses,
2013, p. 120.
128

ou, mais simples, na própria indicação das espécies tributárias, no artigo 145, da
Constituição Federal.
Para Paulo de Barros Carvalho 315 , a atividade lógica de classificar é uma
atividade arbitrária do intérprete, o qual, como sujeito cognoscente, escolhe os critérios
com que diferenciará seu objeto de estudo dos outros elementos.
No estudo do direito positivo, o intérprete deverá valer-se de critérios do
próprio direito, ou seja, critérios colhidos no próprio sistema e que lhe permitam
estabelecer as diferenças específicas. A classificação, sendo jurídica, deve considerar o
dado jurídico principal, que é a norma jurídica, pois é o elemento desse sistema. Por
isso, afirma Roque Antônio Carrazza 316 que a norma jurídica é o ponto de partida
fundamental para qualquer classificação que se queira jurídica. Portanto, é no direito
positivo que se devem buscar os critérios necessários à diferenciação jurídica
pretendida.
317
Oportunas as observações de José Souto Maior Borges sobre as
classificações no ambiente jurídico. Para ele, é preciso cercar antecipadamente o campo
da investigação científica como medida de pureza metodológica, abstraindo, no nosso
caso, todo e qualquer critério que não seja jurídico.
Malgrado as críticas sobre a tentativa de classificar os incentivos fiscais, bem
como buscar elementos comuns às espécies, sobre o fundamento de que seria um
reducionismo ineficaz para a compreensão da dimensão e amplitude dos incentivos
fiscais, entendemos inevitável, dentro da proposta empregada no presente estudo,
propor uma classificação para a análise dos incentivos fiscais, bem como delimitar os
elementos comuns desse instituto e suas respectivas espécies. 318
Vejamos, a seguir, de forma mais detalhada a definição de incentivos fiscais,
bem como nossa proposta de classificação e sua distinção dos incentivos financeiros, os
quais não são objeto de análise aprofundada no presente trabalho.

315
Direito tributário: linguagem e método. 5. ed. São Paulo: Noeses, 2013, p. 117-122.
316
CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 27. ed., revista, ampliada
e atualizada até a Emenda Constitucional n. 67/2010. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 557.
317
“Faz-se necessária, desta sorte, uma delimitação prévia do âmbito de investigação científica (político,
sociológico, econômico, jurídico etc.) a ser coberto. Por exigência de pureza metodológica, esta
tomada de posição importa necessariamente em se abstrair, na análise do assunto, outros aspectos que
não o jurídico”. (Teoria geral da isenção tributária. 3. ed., 3. tiragem. São Paulo: Malheiros, 2011,
p. 238).
318
CATÃO, Marcos André Vinhas. Regime jurídico dos incentivos fiscais. Rio de Janeiro: Renovar,
2004, p. 10-11.
129

5.2 Definição de Incentivos Fiscais

Considerando a demarcação exposta no Capítulo 4 acerca do conjunto


normativo que compõe os incentivos fiscais, resta-nos brevemente definir o que seriam,
então, incentivos fiscais sob esta ótica.

Ao considerarmos que os incentivos fiscais são compostos por 3 classes de


normas, quais sejam: norma de competência (norma estrutural de incentivo fiscal) – NIF
1; norma resultado do exercício da competência – NIF 2 (veículo introdutor); e norma
de conduta que prescreve o tratamento tributário de incentivo fiscal (norma que resulta
no tratamento tributário diferenciado) – NIF 3, podemos definir os incentivos fiscais
como o conjunto de normas que, a partir da instauração da norma de competência
(norma estrutural), permite a construção de normas que atuarão diretamente sobre a
regra-matriz de incidência tributária, diminuindo ou eliminando o montante pecuniário a
ser recolhido a título de tributo. Deve-se ressaltar que esta diminuição se refere ao
montante a ser recolhido a título de tributo, contudo, em se tratando de critérios da
regra-matriz de incidência tributária, essa eliminação dos critérios, pelas normas de
incentivo fiscal, não é total, dado que os incentivos fiscais não atingem todas as
situações, e sim aquelas previamente determinadas pela norma de competência.
Importante destacar na definição dos incentivos fiscais que, embora seja
absolutamente necessário estabelecer a estrutura normativa dos incentivos, temos
também que nos ater, quando da construção da norma jurídica, no que se refere ao
âmbito pragmático da norma.
De fato, considerando que a trajetória interpretativa, conforma já exposto, leva
em consideração os planos S1, S2, S3 e S4, é certo que o campo pragmático – isto é, a
finalidade e aplicação da norma jurídica – é indispensável para a completa compreensão
dos incentivos fiscais.
Assim, conjugando-se todos os elementos da interpretação da norma jurídica,
além dos vetores constitucionais que orientarão a norma estrutural de incentivos, a
concretização de sua finalidade fará com que tenhamos a concreta dimensão do instituto
analisado. Daí que reputamos a elevada importância da análise completa do fenômeno
jurídico, em todos os seus planos, para que a análise permita conjugar todos os
elementos e compreendê-lo de forma estruturada perante o ordenamento jurídico.
130

Ao escolher analisar por todos esses ângulos, identifica-se nossa proposta


como aquela que reúne a consideração do percurso gerador de sentido em seus quatro
planos à identificação e à concretização da finalidade e aplicação da norma. Em outras
palavras, nessa proposta conseguimos efetivamente analisar o fenômeno escolhido pelos
ângulos sintático e semântico ao mesmo tempo em que o fazemos também pelo olhar
pragmático. Observamos que o apelo ao ângulo pragmático muitas vezes acaba
subestimando os enfoques sintático e semântico, o que implica, afinal, em estudos
parciais sobre o fenômeno jurídico.
Assim, se é nas idas e vindas ao longo do percurso gerador de sentido que
vamos adquirindo consciência do dinamismo do ordenamento 319 , obviamente que a
análise que despreza a sintaxe e a semântica normativas traz uma explicação pragmática
fraca, pois é justamente ao atingir o plano S4 e retornar aos planos anteriores que a
pragmática se revela. Afinal, é à pragmática jurídica, isto é, dos fatos jurídicos, não à
pragmática dos eventos que estamos nos referindo.
Alguns estudos sobre incentivos fiscais tentam descaracterizar a análise da
estrutura normativa dos incentivos fiscais como método de análise, sob o fundamento de
que estes devem estar voltados à análise do “encorajamento das condutas a que se
referem” de modo que, se não considerarmos esse objetivo pretendido, a noção de
incentivo fiscal estaria descaracterizada. 320
Discordamos dessa posição, uma vez que, em primeiro lugar, os cortes
metodológicos utilizados para a análise de determinado objeto de estudo são feitos pelo
próprio arbítrio do estudioso do direito. Logo, ao nos colocarmos em contato com o
imenso arcabouço das normas jurídicas do direito posto, experimentamos as realidades
e a construímos, conforme o repertório da nossa experiência. Desse modo, ao
analisarmos os incentivos fiscais – partindo de sua estrutura normativa até as finalidades
por ele pretendidas –, buscamos uma análise abrangente do objeto com a redução das
complexidades que permeiam o seu estudo.

319
“É precisamente na amplitude dessas idas e venidas aos sistemas S1 e S2 que o sujeito gerador do
sentido vai incorporando as diretrizes constitucionais. E, além disso, há que se pensar na integração
das normas, nos eixos de subordinação e de coordenação, pois aquelas unidades não podem
permanecer soltas, como se não pertencessem à totalidade sistêmica. Eis o plano S4”. (CARVALHO,
Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 8. ed. rev. São Paulo:
Saraiva, 2010, p. 125).
320
CORREIA NETO, Celso de Barros. O avesso do tributo: incentivos e renúncias fiscais no direito
tributário. 2013. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo,
São Paulo, 2013, p. 145).
131

Obviamente que há muitas dimensões para a análise dos incentivos fiscais.


Nossa proposta, contudo, leva especialmente em consideração o conjunto normativo
que o compõe, e, nesse sentido, nossa proposta classificatória está alinhada com esta
definição.

5.3 Proposta de Classificação dos Incentivos Fiscais e suas Espécies

A classificação tradicional empregada para analisar os incentivos fiscais leva


em consideração se eles atuam sobre a receita ou sobre a despesa pública. Assim, se
atuam sobre a receita, esta classificação os considera como incentivos fiscais genuínos,
de modo que, se atuarem sobre a despesa pública, devem ser considerados como
incentivos financeiros.
Considerando o corte metodológico feito no presente trabalho, bem como
nossa posição de que incentivos fiscais são compostos pelo conjunto de normas
jurídicas que interferem diretamente na regra-matriz de incidência tributária, cujo
resultado é uma diminuição ou supressão da obrigação tributária, realizamos uma
distinção inicial entre os incentivos fiscais que dizem respeito às relações jurídicas de
cunho tributário e aqueles que ficam fora desse campo de análise, isto é, os incentivos
financeiros, cujo âmbito de atuação da norma não se direciona à regra-matriz de
incidência tributária; logo, o efeito não é a diminuição do tributo a pagar.
Já com relação aos incentivos financeiros, portanto, além de estarem sujeitos a
um outro campo de análise, voltado para o Direito Financeiro, não se verifica que o
resultado obtido pela norma de incentivos fiscais interfere na relação de direito
tributário.
Além da nossa proposta de classificação, apontaremos, exemplificadamente, as
espécies mais comuns de incentivos fiscais e financeiros.
Em muitas das espécies trabalhadas encontraremos um conceito que,
aparentemente, os diferencia, porém, muitas vezes, a análise da fenomenologia os
aproximará ou assemelhará as espécies umas às outras.
Todavia, entendemos que, por mais que as espécies possam se assemelhar
umas às outras no que se refere ao fenômeno, ainda assim é importante tratá-las
separadamente, porque, especialmente em se tratando de incentivos fiscais, a legislação
132

esparsa pode levar em consideração alguns efeitos que não se tratam exclusivamente de
cunho tributário.
Nem sempre as espécies analisadas a seguir serão classificadas pela doutrina
como incentivos fiscais; no entanto, estamos realizando esta análise com base nesse
viés, é dizer, os institutos podem assumir a faceta de incentivos fiscais quando
analisados a partir da norma estrutural de incentivos construída a partir do Texto
Constitucional, bem como quando assegurado, no campo pragmático, a finalidade ali
prevista.
Destaca-se, ainda, que não é objeto do nosso trabalho analisar as espécies de
forma aprofundada, uma vez que isso demandaria longas linhas de exposição, que
fugiriam do objetivo deste trabalho, tampouco as polêmicas que as envolvem.
Desse modo, a partir deste primeiro corte, podemos distinguir os incentivos
fiscais daqueles outros, também conhecidos como incentivos financeiros, como:
i) conjunto de normas que interferem diretamente na regra-matriz de incidência
tributária (incentivos fiscais) com diminuição ou supressão da obrigação tributária e
ii) conjunto de normas que não interferem na relação jurídica tributária (incentivos
financeiros).
Nesse sentido, aproximamo-nos, de certo modo, da concepção de José Souto
Maior Borges 321:

O incentivo tributário atua na intimidade, é dizer: no interior, da


relação tributária, antes portanto de sua extinção pelo pagamento ou
outro modo de extinção das obrigações tributárias. O incentivo
financeiro aplica-se após a extinção da obrigação tributária,
consolidada conseqüentemente receita respectiva no patrimônio
público.

Aqui, fazemos a análise sobre a interferência sob a perspectiva normativa, não


apenas pelo ângulo pragmático ou do resultado, o que representa uma distinção ao se
comparar com as classificações que encontramos nos estudos já empreendidos sobre o
tema. Vejamos a seguir cada uma dessas distinções.

321
A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e sua inaplicabilidade a incentivos financeiros estaduais.
Revista Dialética de Direito Tributário, n. 63, dez. 2000, p. 97.
133

5.3.1 Incentivos Fiscais: Conjunto de Normas que interferem diretamente na


regra-matriz de incidência tributária com diminuição ou supressão da
obrigação tributária de pagar o tributo

A nossa proposta de classificação de incentivos fiscais segrega o conjunto de


normas que interferem diretamente na rega-matriz de incidência tributária, que aqui
denominamos de incentivos fiscais, desencadeando a diminuição ou supressão do
tributo a pagar, daquele conjunto de normas que não interferem na conformação da
regra-matriz de incidência e que denominaremos, mais adiante, de incentivos
financeiros.
Neste primeiro enfoque, analisaremos as normas que irão se relacionar
diretamente com a regra-matriz de incidência tributária.
É necessário estabelecer, no entanto, se esta atuação poderá ocorrer, apenas na
hipótese da regra ou apenas no consequente, além de situações em que a atuação das
normas poderá ocorrer tanto na hipótese quanto no consequente.
Quaisquer dessas situações afetam a constituição da relação jurídica tributária,
que será constituída ou não, de acordo com a interferência sofrida pela regra-matriz de
incidência tributária.
Ressaltamos, outrossim, que não adentraremos nas polêmicas que envolvem as
espécies apresentadas e que são decorrentes da classificação proposta, por não se tratar
do escopo do nosso trabalho.
Vejamos, a seguir, uma exemplificação dessas formas de manifestação.

5.3.1.1 Isenções

Segundo Rubens Gomes de Sousa 322, a isenção é um favor fiscal dado pela lei,
consubstanciado na dispensa do pagamento de um tributo devido. Nesse conceito, está
pressuposta a incidência da regra-matriz, fenômeno sem o qual não haveria como falar
em pagamento devido.

322
Compêndio de legislação tributária. Coordenação: IBET, Instituto Brasileiro de Estudos
Tributários; obra póstuma. São Paulo: Resenha Tributária, 1975, p. 97.
134

Então, nesta concepção, a regra-matriz tributária incide e nasce a obrigação


tributária, no bojo da qual está a prestação cujo objeto é devido e será cumprido
mediante um pagamento. Para ser dispensado, ele deve existir previamente à dispensa.
Assim é que referido autor distingue isenção de não incidência: nesta o tributo
não é devido porque sequer nasce a obrigação, dada a não ocorrência do fenômeno da
aplicação da regra-matriz tributária; naquela, o tributo é inicialmente devido porque há
obrigação decorrente da incidência já ocorrida, porém seu cumprimento, ou seja, o
pagamento do objeto da prestação, é dispensado pela lei 323.
Este requisito da dispensa, qual seja, ser veiculada por lei, é consequência da
própria definição dos fenômenos. A não incidência relaciona-se à descrição contida na
hipótese da regra-matriz de incidência tributária, pois o evento verificado e
transformado em fato social não corresponde e, portanto, não se subsome àquela
descrição, não acontecendo a incidência.
A incidência e o nascimento do fato jurídico tributário, que são pressupostos na
isenção, por si só implicam a obrigação tributária e, por consequência, o pagamento do
valor devido. Sendo a dispensa de um dever legal já constituído (pela conformação da
obrigação tributária), a isenção somente pode ser veiculada por lei, exatamente porque
traz uma exceção a uma regra jurídica 324.
Este entendimento baseia-se, portanto, na diferença de velocidade de
incidência das normas: a regra-matriz, mais veloz, incide primeiramente para, num
segundo momento, incidir a regra de isenção que dispensa o pagamento.
Já para Alberto Xavier 325 , a norma de isenção impediria que determinadas
situações fossem atingidas pela lei tributária. A isenção, nesse entendimento,
constituiria um fato impeditivo do nascimento da obrigação tributária: o fato jurídico

323
“É importante fixar bem as diferenças entre não-incidência e isenção: tratando-se de não incidência,
não é devido o tributo porque não chega a surgir a própria obrigação tributária; ao contrário, na
isenção o tributo é devido, porque existe obrigação, mas a lei dispensa o seu pagamento; por
conseguinte, a isenção pressupõe a incidência, porque é claro que só se pode dispensar o pagamento
de um tributo que seja efetivamente devido”. (SOUSA NETO, Rubens Gomes de Compêndio de
legislação tributária. Coordenação: IBET, Instituto Brasileiro de Estudos Tributários; obra póstuma.
São Paulo: Resenha Tributária, 1975, p. 97, grifos do autor).
324
“Finalmente, a não incidência decorre da própria definição do fato gerador contida na lei tributária:
desde que o fato ocorrido não corresponda àquela definição, dá-se a não incidência; a isenção, ao
contrário, depende de lei expressa, justamente por ser um favor, isto é, uma exceção à regra de que,
verificado o fato gerador, é devido o tributo”. (ibid., p. 97).
325
Manual de direito fiscal I. Lisboa: Manuais da Faculdade de Direito de Lisboa, 1974, p. 281.
135

tributário é impedido de nascer (não se constitui) em razão de um outro fato (o fato


isentivo) que o inibe 326.
Com a inibição do fato tributário pelo fato isentivo, seus efeitos jurídicos não
se irradiam, ou seja, não nasce (não é constituída) a obrigação tributária. Por isso, a
isenção “tem a natureza de um facto impeditivo autónomo e originário e não de uma
simples delimitação negativa do facto constitutivo (incidência), conforme já se
pretendeu” 327.
Nesse contexto, referido autor diferencia isenção de não incidência: nesta, os
elementos constitutivos do fato jurídico tributário não se verificam totalmente; naquela,
o fato jurídico tributário é verificado, mas sua eficácia, que resultaria na obrigação
tributária, é freada em sua origem pela ocorrência de um outro fato dotado, por lei,
dessa eficácia inibitória 328.
A crítica que se pode fazer a essa concepção, sobretudo neste trabalho, cuja
análise se pretende normativa, é a de que um instituto normativo é tratado como um
fato, em inadequada confusão entre a linguagem prescritiva de condutas e a linguagem
social a que ela se dirige. A isenção é norma, isto é, linguagem prescritiva; o “fato” é o
fato social, não juridicizado. Há uma impropriedade terminológica, portanto.
Alfredo Augusto Becker 329 diferencia os seguintes fenômenos: a) Incidência
tributária, que ocorre quando se realizam os fatos descritos na hipótese de incidência e a
regra jurídica tributária incide sobre essa hipótese realizada, irradiando a relação
jurídica tributária, visto que a regra jurídica de tributação tem natureza juridicizante;
b) não incidência tributária, como acontecimento de fatos insuficientes, excedentes ou
estranhos à realização da hipótese de incidência da regra tributária; e c) isenção
tributária.

326
“Muitas vezes, na verdade, faz paralisar a eficácia desse facto pela previsão de um outro cuja
verificação impede a produção dos efeitos típicos do primeiro: esse outro facto é a isenção do
imposto”. (XAVIER, Alberto. Manual de direito fiscal I. Lisboa: Manuais da Faculdade de Direito
de Lisboa, 1974, p. 281-282).
327
Ibid., p. 282.
328
“A não incidência decorre da não verificação de um elemento positivo do tipo legal do facto tributário
ou da verificação de um seu elemento negativo – fenómenos que são por vezes objecto de preceitos
meramente definitórios ou declarativos. A isenção dá-se quando, não obstante se ter verificado o facto
tributário em todos os seus elementos, a eficácia constitutiva deste é paralisada originariamente pela
ocorrência de um outro facto a que a lei atribui assim eficácia impeditiva”. (ibid., p. 283-284).
329
BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2007, p.
33-324.
136

Sobre esta última, Alfredo Augusto Becker 330 afirma que a maioria da doutrina
tributária nacional vê na isenção a dispensa do pagamento do tributo, pois pressupõe,
erroneamente, a incidência, já que só se pode dispensar o pagamento de um tributo
devido em decorrência da incidência de uma regra jurídica de tributação. Essa ideia está
calcada em plano pré-jurídico da política fiscal, que sucumbe à análise efetivamente
jurídica.
Mas, para ele, em verdade, não existem relação jurídica ou obrigação tributária
anteriores que legitimem um tributo, devido a serem desfeitas pela incidência da regra
jurídica de isenção.
A regra jurídica de tributação não incide para posterior incidência da regra de
isenção: a regra jurídica de tributação nem chega a incidir porque um elemento da
hipótese de incidência estava ausente, o qual compõe a hipótese de incidência da regra
jurídica de isenção e que permite diferenciar essas duas regras.
Esse elemento realiza apenas a hipótese de incidência da regra de isenção, cujo
efeito jurídico é negar a existência da relação jurídica tributária. Em resumo, a regra
jurídica de isenção incide para que a regra tributária não incida 331.
Entre as críticas que podem ser feitas a esta última posição, há a de que a regra
jurídica que prescreve a isenção é definida por uma formulação negativa ou inversa da
regra jurídica tributária (regra-matriz de incidência).
Paulo de Barros Carvalho 332 explica que havia duas teorias para explicar o
fenômeno das isenções tributárias, baseadas, em última análise, na velocidade da
incidência das normas. Segundo a teoria tradicional, a regra tributária incidiria antes,
juridicizando o fato, ao passo que a norma da isenção incidiria após, promovendo a
dispensa do pagamento do tributo devido em razão da incidência da norma tributária. A
teoria renovadora, por sua vez, inverteu a ordem da teoria tradicional, preconizando que
a norma da isenção incidiria primeiramente, impedindo a incidência posterior da norma

330
BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2007, p.
324.
331
“A realização da hipótese de incidência da regra jurídica de isenção, faz com que esta regra jurídica
incida justamente para negar a existência de relação jurídica tributária. Por sua vez, as hipóteses não
enquadráveis dentro da hipótese de incidência da regra jurídica explícita de isenção tributária são
precisamente as hipóteses de incidência de regras jurídicas implícitas de tributação” (ibid., p. 325,
grifos do autor).
332
Direito tributário: linguagem e método. 5. ed. São Paulo: Noeses, 2013, p. 597.
137

tributária. Ambas as teorias demonstram-se insatisfatórias, exigindo o estudo da teoria


das normas em teoria geral do direito e filosofia jurídica.
Assim é que Paulo de Barros Carvalho fixou que “As normas de isenção
pertencem à classe das regras de estrutura, que intrometem modificações no âmbito da
regra-matriz de incidência” 333. Respeitada a autonomia normativa da regra de isenção,
ele entende que ela age sobre a regra-matriz de incidência em um ou mais de um de seus
critérios, mutilando-os parcialmente, tanto no antecedente como no consequente 334 .
Tem-se o encontro de duas normas jurídicas, cujo resultado é a inibição da incidência da
hipótese sobre os eventos fenomênicos ou o impedimento da instalação da relação
jurídica prevista no consequente, prejudicando os efeitos prescritivos.
Quando o fato é isento, não se fala em incidência e, por conseguinte, em fato
jurídico tributário; do mesmo modo, se a isenção se operar pelo consequente da regra-
matriz, o fato não será juridicamente eficaz, não se instalando a relação jurídica 335 .
Desse modo, a norma isentiva age sobre a esquematização formal da regra-matriz de
incidência, impedindo sua percussão em casos identificados, sem aniquilá-la, pois
continua eficaz tecnicamente para outras situações 336.
A partir dessa definição de isenção proposta por Paulo de Barros Carvalho, a
qual adotamos no presente trabalho, resta-nos a pergunta: qual seria então a diferença
entre os incentivos fiscais (gênero) e a isenção (espécie)?
Entendemos que os incentivos fiscais são um conjunto de normas e, dentro do
esquema proposto, enxergamos que esse conjunto deve ser analisado levando em
consideração todos os campos da interpretação da norma jurídica. Assim, a análise pura
da estrutura poderá, em determinadas situações, levar o intérprete a conceber institutos
distintos como se semelhantes fossem, porém a conjuntura da norma jurídica atrelada
aos planos de interpretação conferem total diferenciação entre as isenções (espécie) e os
incentivos fiscais (gênero), especialmente porque os vetores constitucionais
333
Direito tributário: linguagem e método. 5. ed. São Paulo: Noeses, 2013, p. 601.
334
“O que o preceito de isenção faz é subtrair parcela do campo de abrangência do critério do
antecedente ou do consequente, podendo a regra de isenção suprimir a funcionalidade da regra-matriz
tributária de oito maneiras distintas: (i) pela hipótese: i.1) atingindo-lhe o critério material, pela
desqualificação do verbo; i.2) mutilando o critério material, pela subtração do complemento; i.3) indo
contra o critério espacial; i.4) voltando-se para o critério temporal; (ii) pelo consequente, atingindo:
ii.1) o critério pessoal, pelo sujeito ativo; ii.2) o critério pessoal, pelo sujeito passivo; ii.3) o critério
quantitativo, pela base de cálculo; e ii.4) o critério quantitativo, pela alíquota”. (ibid., loc. cit.).
335
Ibid., loc. cit.
336
“Salienta-se, para fins deste estudo, que a norma isentiva tem objetivo determinado: mutilar,
parcialmente, a regra-matriz de incidência tributária”. (ibid., loc. cit.).
138

informadores dos incentivos e que impulsionam a norma de competência dos incentivos


fiscais faz com que essa diferenciação seja ainda mais evidente.
Em alguns casos, poderemos estar diante de isenções que não se manifestam
como incentivos fiscais por não carregarem na estrutura normativa os princípios que
norteiam a norma estrutural de incentivo fiscal.
Como mencionamos anteriormente, o ângulo pragmático se apresenta somente
após realizarmos as idas e vindas ao longo do percurso gerador de sentido, e é a partir
desse movimento que se toma contato com as diretrizes constitucionais que marcam os
incentivos e determinam a sua norma de competência. A análise puramente formal ou
sintática é insuficiente para apontar uma diferenciação, a qual demanda considerar-se o
ordenamento como um todo, em toda sua dinâmica de positivação, mas sempre dentro
dos limites do jurídico (lembrando que a norma não toca efetivamente a conduta, mas
apenas a estimula 337).
Na linha do que colocamos, interessante destacar o seguinte julgado do
Supremo Tribunal Federal:
Ementa
EMENTA: TRIBUTÁRIO. IPTU. ISENÇÃO. BENEFÍCIO FISCAL
CONCEDIDO PELA UNIÃO NA VIGÊNCIA DA EC 01/1969.
MANUTENÇÃO NOS TERMOS DO ART. 41 DO ADCT.
CARACTERIZAÇÃO COMO INCENTIVO SETORIAL
CONDICIONADO. RAZÕES RECURSAIS QUE NÃO INFIRMAM A
CONSTATAÇÃO. ALEGAÇÃO DE VÍCIO FORMAL QUE NÃO FOI
APRECIADA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. FALTA DE
PREQUESTIONAMENTO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO
REGIMENTAL.
A alegação de que a isenção concedida pela União não pode se
caracterizar como incentivo setorial tão-somente por versar sobre
IPTU é insuficiente para afastar a constatação a que chegou o Tribunal
de origem sobre a matéria. Como o suposto vício formal do Ato
Complementar 63/1969 para conceder a isenção do IPTU não foi
examinado no acórdão recorrido, falta ao novo argumento o
necessário prequestionamento. Agravo regimental ao qual se nega
provimento

RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO JOAQUIM BARBOSA (RELATOR): Trata-se de agravo
regimental interposto da seguinte decisão:

337
“As normas superiores não prescindem de normas de inferior hierarquia (dentro do processo de
positivação do direito) para que se aproximem ao máximo da conduta a ser regrada (curva
assintótica)”. (MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Fontes no direito tributário. 2. ed. São Paulo:
Noeses, 2006, p. 91).
139

"DECISÃO: Trata-se de recurso extraordinário (art. 102, III, a, da


Constituição federal) interposto de acórdão proferido por Tribunal de
Justiça estadual cuja ementa possui o seguinte teor:
Embargos Infringentes. Incentivo fiscal. Isenção heterônoma
concedida sob condição. Aplicação do art. 41 do ADCT. As isenções
heterônomas concedidas com prazo certo ou sob condição
prevalecem. Nestes casos, há direito adquirido incorporado ao
patrimônio jurídico do contribuinte durante o prazo previsto no § 1Q
do art. 41 do ADCT. (fls. 115).
Alega-se violação do disposto nos arts. 151, III, da Constituição
federal e 41, § 1Q, do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias.
O recurso não merece seguimento.
Esta Corte firmou entendimento no sentido de que os incentivos
setoriais, inclusive sob a forma de isenções fiscais heterônomas,
continuaram a viger por dois anos após a promulgação da Constituição
federal de 1988, salvo se confirmados ou revogados antes desse prazo
pelo sujeito ativo do tributo, em razão do disposto no art. 41, caput e
§§ Io a 3o, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
Nesse sentido, registro a seguinte ementa:
CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ISS. INCENTIVOS FISCAIS:
ISENÇÕES CONCEDIDAS PELA UNIÃO. CF, 1967, COM A EC
1/69, ART. 19, § 2°. PROIBIÇÃO DE CONCESSÃO, POR PARTE
DA UNIÃO, DE ISENÇÕES DE TRIBUTOS ESTADUAIS E
MUNICIPAIS. C.F., ART. 151, III. I. - O art. 41 do ADCT/1988
compreende todos os incentivos fiscais, inclusive isenções de tributos,
dado que a isenção é espécie do gênero incentivo fiscal. II. - Isenções
de tributos municipais concedidas pela União na sistemática da
Constituição de 1967, art. 19, § 2Q: D.L. 406/68, art. 11, redação da
Lei Compl. 22, de 1971. Incentivos fiscais, nestes incluídas isenções.
Sua revogação, com observância das regras de transição inscritas no
art. 41, §§ 1°, 2- e 3Q, ADCT/1988. III. - RE conhecido e provido. (RE
280.294, rei. min. Carlos Velloso, Segunda Turma, DJ de 21.06.2002)
Confiram-se, ainda: AI 278.497-AgR (rei. min. Nelson Jobim, DJ de
09.02.2001); RE 182.160 (rei. min. Sepúlveda Pertence, DJ de
04.09.1998); RE 161.354 (rei. min. Moreira Alves, DJ de 01.12.1995)
e RE 174.550, rei. min. Néri da Silveira, DJ de 28.04.2000).
Tal entendimento não se aplica às isenções fiscais heterônomas que
não expressem incentivos fiscais setoriais e que estejam destituídas de
prazo certo ou condição.
No caso em exame, porém, o recorrente se limita a afirmar que
isenções fiscais não se confundem com incentivos fiscais. Ocorre que,
como acima ficou exposto, esta Corte entende que os incentivos
fiscais podem assumir a forma de isenções fiscais. Ante a ausência de
outros argumentos capazes de afastar o entendimento do Tribunal a
quo de que a isenção fiscal controvertida caracteriza incentivo fiscal
de natureza setorial, forçoso é concluir que o recurso extraordinário
não reúne condições de prosseguimento.
Do exposto, nego seguimento ao recurso extraordinário.
Publique-se." (Fls. 170-171, grifo nosso).

Em síntese, sustenta-se:
140

a) A inaplicabilidade dos precedentes citados na decisão


agravada, porquanto não versam sobre IPTU;
b) A caracterização do benefício fiscal como isenção heterônoma
vedada pelo art. 151, III da Constituição;
c) A inaplicabilidade do art. 41, § 1Q do ADCT, na medida em
que a isenção do IPTU não pode ser caracterizada como
incentivo setorial condicionado;
d) A existência de lei local contrária à isenção e vício formal do
Ato Complementar 63/1969 para conceder a isenção (art. 19,
§ 2Q da EC 01/1969).
Ante o exposto, pede-se a reforma da decisão agravada.
E o relatório.

VOTO
O SENHOR MINISTRO JOAQUIM BARBOSA (RELATOR): Sem razão o
agravante.
O acórdão recorrido alude expressamente ao caráter condicional do
benefício setorial:
"A despeito do substancioso teor do r. voto minoritário, alinho-me ao
lado dos prolatores dos votos majoritários, pois entendo que o referido
art. 41, do ADCT se aplica ao caso, uma vez entender que a isenção
tributária aqui concedida, trata-se da espécie do gênero 'incentivos
fiscais' ali consignado. Além deste fato verifica-se que a isenção
concedida à Embargante, anterior à Constituição de 1988, o foi sob
condição, nos termos do Ato Complementar 63/69 (uma vez que a
embargante sempre foi subvencionada pelo Tesouro Nacional)" (Fls.
117).
A circunstância de o incentivo revestir a forma de isenção ao
pagamento do 1PTU é insuficiente para afastar a caracterização
setorial dada pelo acórdão recorrido.
Ademais, como o acórdão recorrido nada disse acerca do agora
alegado vício formal do Ato Complementar 63/1969, falta ao
argumento o necessário prequestionamento.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É como voto. 338

Verifica-se, conforme trechos do julgado acima destacado, que a


Jurisprudência já analisou a questão, entendendo que as isenções podem ser
consideradas como espécies de incentivos fiscais, porém nem sempre assumirão esta
feição.
Importante destacar que a isenção abarca, enquanto fenômeno, uma série de
espécies de incentivos fiscais, de modo que, ainda que as denominações sejam diversas,
a isenção se manifesta em grande parte das espécies de incentivos fiscais, que serão
analisadas a seguir.

338
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 630.820/MG. Relator: Ministro
Joaquim Barbosa. Julgamento: 15 fev. 2011. Órgão Julgador: Segunda Turma. Publicação: DJe, 30
mar. 2011.
141

5.3.1.2 Redução de base de cálculo e redução de alíquota

Em diversos estudos em que se analisam as reduções de base de cálculo e


alíquota, encontramos a análise desses institutos enquanto “isenções parciais”.
Na conformação da norma jurídica tributária de isenção, podemos entender, de
forma preliminar, que, no caso de isenção parcial, o quantum a pagar a título de tributo
deveria ser inferior ao normalmente devido, se a regra de isenção não operasse sobre a
regra-matriz de incidência tributária.
Quando falamos em “isenção parcial”, ainda que impropriamente, com a
alteração do critério quantitativo, seja ele a base de cálculo ou a alíquota, o fato jurídico
é relatado e há o nascimento da obrigação tributária. Logo, notamos que falar em
“isenção parcial” não seria adequado tecnicamente, especialmente em vista do rigor
terminológico que buscamos. Todavia, entendemos que o melhor enquadramento desse
fenômeno de redução de base de cálculo e redução de alíquota seria o de isenção, pois
adotamos a posição preconizada por Paulo de Barros Carvalho, em que considera a
isenção como a mutilação parcial de um dos critérios da regra-matriz de incidência
tributária; verificamos estar diante de uma verdadeira isenção.
José Souto Maior Borges, visualizando a problemática, afirma que, “nas
hipóteses da chamada redução parcial, seria lícito falar-se, com maior rigor
terminológico e conceitual, em redução tributária, porque o fato gerador de obrigação
tributária se produz. 339
De fato, se analisarmos as duas normas – a que estabelece uma diminuição de
base de cálculo ou alíquota e a norma padrão de incidência –, veremos que uma
estabelecerá um critério diferenciado para o cálculo do tributo (seja reduzindo o
montante da base de cálculo, seja reduzindo o montante da alíquota), e, ao sofrer a
incidência, o valor do tributo será reduzido. Assim, verifica-se o nascimento da relação
jurídica tributária, o que, em tese, não ocorreria no caso de isenção, de modo que, se
falarmos de um enunciado prescritivo que reduz o critério quantitativo, haverá o
nascimento da obrigação tributária, porém com valor menor. Daí que falamos, neste
caso, em mutilação parcial do critério da regra-matriz de incidência tributária.

339
Teoria geral da isenção tributária. 3. ed., 3. tiragem. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 280.
142

Segundo Paulo de Barros Carvalho 340, a redução de base de cálculo é exemplo


de isenção, porque mutila parcialmente o critério quantitativo da regra-matriz: como a
base de cálculo mede o fato jurídico tributário, a exclusão nela feita reduz a própria
regra-matriz.
Para Hermano Notaroberto Barbosa 341 , a redução da base de cálculo se
equipara a uma isenção parcial, enquadrando-se no seu regime jurídico. Alterações
legislativas que provoquem uma limitação no alcance da base de cálculo reduzem o
valor do tributo devido, o que se traduz em benefício econômico ao contribuinte. Em
outras palavras, a redução de base de cálculo é uma espécie do gênero dos benefícios
fiscais.
O Supremo Tribunal Federal, em julgamento proferido pelo Pleno, tem
admitido a existência da isenção parcial, além de equipará-la como formas de redução
de base de cálculo. Vejamos trechos do Emb. Decl. no RE n. 174.478, cujo Relator foi o
Ministro Cezar Peluso:

EMENTA: TRIBUTO. Imposto sobre Circulação de


Mercadorias. ICMS. Créditos relativos à entrada de insumos usados
em industrialização de produtos cujas saídas foram realizadas com
redução da base de cálculo. Caso de isenção fiscal parcial. Previsão de
estorno proporcional. Art. 41, inc. IV, da Lei estadual nº 6.374/89, e
art. 32, inc. II, do Convênio ICMS nº 66/88. Constitucionalidade
reconhecida. Segurança denegada. Improvimento ao recurso.
Aplicação do art. 155, § 2-, inc. II, letra “b”, da CF. Alegação de
mudança da orientação da Corte sobre os institutos da redução da base
de cálculo e da isenção parcial. Distinção irrelevante segundo a nova
postura jurisprudencial. Acórdão carente de vício lógico. Embargos de
declaração rejeitados. O Supremo Tribunal Federal entrou a aproximar
as figuras da redução da base de cálculo do ICMS e da isenção parcial, a
ponto de as equiparar, na interpretação do art. 155, § 29, II, “b”, da
Constituição da República.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do
Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência da
Senhora Ministra ELLEN GRACIE, na conformidade da ata de
julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade, em rejeitar os
embargos de declaração, nos termos do voto do Relator. Ausentes,
justificadamente, os Senhores Ministros CARLOS BRITTO,

340
“Ao relacionar as espécies de receitas que são excluídas da base de cálculo tributária, referidas leis
acabaram por instituir verdadeira isenção, mediante mutilação parcial do critério quantitativo da regra-
matriz de incidência. Se a base de cálculo é a medida do fato jurídico tributário (função mensuradora),
qualquer exclusão que se pretenda fazer implicará reduzir a regra-matriz de incidência, colocando o
fato excluído fora do âmbito da percussão tributária”. (CARVALHO, Paulo de Barros. Direito
tributário: linguagem e método. 5. ed. São Paulo: Noeses, 2013, p. 602).
341
O poder de não tributar: benefícios fiscais na constituição. São Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 107.
143

JOAQUIM BARBOSA, RICARDO LEWANDOWSKI, CÁRMEN


LÚCIA e MENEZES DIREITO.
Brasília, 14 de abril de 2008
A embargante não se conforma, ademais, com a mudança de
entendimento da Corte acerca da natureza jurídica do instituto da redução
da base de cálculo do ICMS, que não teria observado o imperativo da
segurança jurídica. Argumenta que “a decisão proferida por este Eg. STF
nos autos do RE n3 161.031-MG, na Sessão Plenária de 24/03/1997,
balizou inúmeros outros julgados desde então, sempre no sentido do
acolhimento da tese jurídica sustentada pela ora recorrente,
declarando-se o inegável efeito cumulativo decorrente da exigência de
estorno em questão, assim como a distinção entre os institutos da
redução da base de cálculo e da isenção parcial. Foram mais de 8
(oito) anos de precedentes uniformes nesta linha!” (fl. 711). Pondera,
nesse sentido, que a Corte acolhera, por intermédio de diversos julgamentos
das Turmas e do Plenário, a distinção, que entende pertinente, entre redução
de base de cálculo, de um lado, e isenção parcial, de outro. Objetiva, assim,
que se explicite “se, realmente e em que dimensão, pretendeu-se alterar
a orientação jurisprudencial firmada nos últimos 8 anos” (fl. 712), já que
apenas dois integrantes do Plenário - a Min. ELLEN GRACIE e eu - se
teriam manifestado expressamente a respeito da controvérsia.
[…]
Voto
[…]
A atual posição da Corte parece-me, portanto, bastante clara: a
redução da base de cálculo do ICMS corresponde a isenção parcial e,
não, como outrora se considerava, categoria autônoma em relação
assim à da isenção, como à da não-incidência. Observe-se que a
interpretação dada pela Corte ao art. 155, § 2-, II, “b”, não representa
ampliação do rol de restrições ao aproveitamento integral do crédito
de ICMS, que remanesce circunscrito às hipóteses de não-incidência e
isenção; entendeu-se, simplesmente, que a redução de base de cálculo
entra nesta última classe, como isenção parcial, que é em
substância. 342

Vê-se que o Plenário do Supremo Tribunal Federal equiparou a redução da


base de cálculo como uma forma de isenção parcial.
Admitimos, dessa forma, que a redução de base de cálculo e de alíquota,
malgrado esta denominação por diversos veículos normativos, nada mais são do que o
fenômeno da isenção.

342
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Embargo de Declaração no Recurso Extraordinário n.
174.478/SP. Relator: Ministro Cezar Peluso. Julgamento: 14 abr. 2008. Órgão Julgador: Tribunal
Pleno. Publicação: DJe, 30 maio 2008.
144

5.3.1.3 Alíquota zero

Sabemos que a alíquota, quando conjugada à base de cálculo, define o valor da


prestação pecuniária a ser paga pelo sujeito passivo da obrigação, a título de tributo.
A alíquota exprime um valor e é sempre representada por um percentual sobre
o valor da base de cálculo.
No entanto, nada impede que esse percentual aplicável à base de cálculo seja
zero. O que se verifica, então, é uma verdadeira anulação da alíquota, de modo que, ao
conjugar o valor zero à base de cálculo, não haverá tributo a pagar, pois não haverá o
objeto da prestação.
Sendo assim, inexistindo a prestação pecuniária, não haverá tributo a pagar.
Paulo de Barros Carvalho entende que a alíquota zero é uma espécie
exonerativa que se assemelha à isenção, posição com a qual concordamos.
De forma oposta, entende Sacha Calmon Navarro Coêlho:

Por outro lado, ontologicamente, isenção e “alíquota zero” são mesmo


profundamente diversas. A isenção exclui da condição de “jurígeno”
fato ou fatos. A alíquota zero é elemento de determinação quantitativa
do dever tributário. Se é zero, não há o que pagar. […] A isenção, é de
ver, distingue-se da alíquota zero pelo fato de a previsão isencional
relacionar-se com a hipótese de incidência da norma (construção
jurídica do fato gerador) e a alíquota zero liga-se à descrição do dever
tributário, atribuindo-lhe conteúdo de gratuidade. 343

Portanto, segundo Sacha Calmon, a alíquota zero é uma espécie exonerativa


autônoma largamente utilizada no desenvolvimento de políticas governamentais
decorrentes da extrafiscalidade, aplicando-se, normalmente, a tributos que ostentam
uma maior maleabilidade de manipulação pelo Poder Executivo, por exemplo, Imposto
de Importação e Imposto sobre Produtos Industrializados, ao passo que a isenção é
instituto que obedece à estrita legalidade tributária, devidamente fixada no artigo 176 do
Código Tributário Nacional.

343
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Normas Jurídicas e Proposições sobre Normas jurídicas –
prescrições jurídicas – o papel dos intérpretes. Revista Dialética de Direito Tributário, n. 173, fev.
2010, p. 146.
145

Luís Eduardo Schoueri 344 chama a atenção para a redução de alíquota que
chega a alíquota zero e sua relação com o princípio da legalidade e sua possível
mitigação:

Ver-se-á […] que via de regra o Princípio da Legalidade exigirá que a


própria lei fixe a hipótese de incidência tributária em todos os seus
aspectos, não deixando qualquer margem para a atuação do Poder
Executivo. Esta regra, entretanto, apresenta exceções, nos casos dos
impostos aduaneiros, do IPI e do IOF. Nesses casos – como se verá-
surge a mitigação da Legalidade, já que o Constituinte expressamente
autorizou que o legislador apenas disponha sobre os limites dentro dos
quais será fixada a alíquota; esta, por sua vez, será estabelecida pelo
Poder Executivo, posto que dentro daqueles limites. Ora, se o
legislador, ao estabelecer os limites da alíquota de um imposto,
escolhe a alíquota zero como o mínimo, então o Poder Executivo
poderá fixar aquela alíquota dentro de sua atribuição. Entretanto,
tendo em vista que para aqueles impostos, o papel do legislador se
restringe aos limites, o Poder Executivo poderá, igualmente, fixar
outra alíquota, dentro dos mesmos parâmetros, sem que faça
necessária edição de lei.

Todavia, como nossa proposta também engloba a análise do fenômeno,


verificamos que a alíquota zero se assemelha à isenção, que, ao nosso ver, pode ocorrer
tanto na hipótese quanto no consequente da norma tributária.
Na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de
Justiça, porém, encontramos uma imprecisão terminológica para analisar a alíquota
zero, que ora é analisada como uma figura diversa da isenção, ora é tratada sem rigor
terminológico.
Abaixo, julgado proferido pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal que
equipara a alíquota zero à isenção, sem se preocupar com o rigor terminológico de cada
instituto:

EMENTA: IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS


– IPI. INSUMOS OU MATERIAS PRIMAS TRIBUTADOS. SAIDA
ISENTA OU SUJEITA A ALIQUOTA ZERO. ART. 153, PAR. 3.,
INC. II, DA CONSTITUICAO DA REPUBLICA. ART 11 DA LEI
N. 9.779/1999. PRINCÍPIO DA NAO CUMULATIVIDADE.
DIREITO AO CREDITAMENTO: INEXISTENCIA. RECURSO
EXTRAORDINARIO PROVIDO. 1. Direito ao creditamento do
montante de Imposto sobre Produtos Industrializados pago na
aquisição de insumos ou matérias primas tributados e utilizados na
industrialização cuja saída do estabelecimento industrial é isenta ou
sujeita à alíquota zero. […] 3. Embora a isenção e alíquota zero
tenham naturezas jurídicas diferentes, a consequência é a mesma, em

344
Direito tributário. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 242.
146

razão da desoneração do tributo. […] 6. Recurso extraordinário


provido. 345

A seguir, exemplificamos julgado proferido pelo Superior Tribunal de Justiça,


em que a alíquota zero é tratada de forma diversa da isenção:

TRIBUTÁRIO. ICMS. MERCADORIA IMPORTADA.


TRATAMENTO ISONÔMICO. ISENÇÃO. ALÍQUOTA ZERO.
INAPLICABILIDADE DO ART. 1º, § 4º, VI, DO DECRETO-LEI
406/68. RECOLHIMENTO DO ICMS. SÚMULA 07 DO STJ.
AUSÊNCIA DE SIMILITUDE ENTRE OS JULGADOS
CONFRONTADOS. DIVERGÊNCIA NÃO CONFIGURADA.
1. A alíquota zero e a isenção são figuras exonerativas
ontologicamente diversas, razão pela qual resta inaplicável, às
operações de importação de mercadorias, cujos similares nacionais
são tributados pelo ICMS à alíquota zero, a norma insculpida no art.
1º, § 4º, VI, do Decreto-Lei 406/68, no sentido de isentá-las também
do recolhimento do ICMS. (Precedentes do STF: RE 81132/SP;
Relator(a): Min. ELOY DA ROCHA; Julgamento: 30/11/1976; RE
81000 / SP; Relator(a): Min. ANTONIO NEDER; Julgamento:
06/05/1977).
2. Nesse segmento, mostra-se assaz percuciente o entendimento
perfilhado pelo voto condutor do acórdão recorrido, ao consignar que,
in verbis:
"A mercadoria importada não estava isenta do imposto de importação,
mesmo porque a isenção decorre de lei (caput do artigo 176 do Código
Tributário Nacional), mas tinha alíquota zero. Não incidia, assim, o
inciso VI do § 4o do artigo Io do Decreto-lei nº 406/68 (súmula n-576
do egrégio Supremo Tribunal Federal). Assim, quando da entrada do
arroz no estabelecimento da autora, essa devia ter recolhido o ICM
sobre a operação de importação, mediante guia especial (inciso II do
caput do artigo I o do Decreto-lei n-. 406/68, em combinação com a
alínea a do inciso I do artigo 71 do Regulamento do Imposto sobre
Circulação de Mercadorias, aprovado pelo Decreto paulista n°
17.727/81). O decreto podia estabelecer a forma e o tempo de
recolhimento do imposto, matéria essa não reservada à lei (artigo 96,
caput do artigo 97, em combinação com o caput do 100 e artigo 99,
todos do Código Tributário Nacional e artigo 52 da Lei paulista nº.
440/74)."
[…]
10. Recurso especial desprovido. 346

345
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 475.551/PR. Relator: Min. Cezar
Peluso. Relator para Acórdão: Ministra Carmen Lucia. Julgamento: 06 de maio de 2009. Órgão
Julgador: Tribunal Pleno. Divulgação: 12 nov. 2009. Publicação DJe-213, 13 nov. 2009. v. 02382-03,
p. 568.
346
Id. Recurso Especial 896.928/SP. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgamento: 05 de maio 2009. Órgão
Julgador: Primeira Turma. Publicação: DJe, 03 jun. 2009.
147

Contudo, dentro da nossa visão, considerando que com a aplicação da alíquota


zero não haverá a instauração da obrigação tributária, trata-se de uma figura equiparada
à isenção.
Em se tratando de incentivos fiscais, entendemos que a alíquota zero é norma
de incentivo fiscal que impede a instauração da obrigação tributária.

5.3.1.3.1 Depreciação e amortização acelerada

As depreciações ou amortizações aceleradas nada mais são do que a


antecipação da dedutibilidade de despesas, para fins de composição da base de cálculo,
especialmente do IR ou PIS e COFINS. Considerando que depreciação e amortização
são despesas da base de cálculo de alguns tributos, com a realização dessa dedução de
forma “acelerada”, haverá, na verdade, uma antecipação de tal dedução da base de
cálculo, que normalmente já está prevista na lei.
Podemos citar duas formas de depreciação acelerada:
a) a reconhecida e registrada contabilmente, relativa à diminuição acelerada do
valor dos bens móveis, resultante do desgaste pelo uso em regime de
operação superior ao normal, calculada com base no número de horas
diárias de operação e para a qual a legislação fiscal, igualmente, acata a sua
dedutibilidade (RIR/1999, art. 312);
b) a relativa à depreciação acelerada incentivada considerada como benefício
fiscal e reconhecida, apenas, pela legislação tributária para fins da apuração
do lucro real, sendo registrada no Lalur, sem qualquer lançamento contábil
(RIR/1999, art. 313).
Diante das duas espécies acima citadas, entendemos que a depreciação
acelerada de bens é verdadeiro incentivo fiscal, na medida em que permite a redução do
imposto a pagar antes do tempo previsto na norma regular e, muitas vezes, autoriza o
desconto de créditos de PIS e COFINS.
A finalidade da depreciação acelerada é permitir a renovação ou modernização
de parque fabril de determinados setores da indústria, bem como incentivar a inovação
tecnológica.
148

A amortização acelerada, por seu turno, também pode ser considerada um


incentivo fiscal. Atualmente, verificamos essa possibilidade aos bens destinados à
pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação tecnológica, adquiridos a partir de
1º/01/2006 (artigo 17, IV da Lei do Bem) 347.
Esta amortização acelerada será aplicada aos bens intangíveis, classificáveis
no ativo diferido, adquiridos a partir de 1º de janeiro de 2006, exclusivamente para a
exploração em atividades de pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação
tecnológica, sendo que esta amortização acelerada poderá ser excluída quando da
apuração do lucro real, de modo que implicará num menor valor de tributo a pagar.
Todavia, cabe destacar que quando analisamos o fenômeno da depreciação ou
da amortização acelerada, vemos que essa espécie se assemelha a uma redução da base
de cálculo e, enquanto fenômeno, analisamos que ela nada mais é do que uma isenção.
De fato, se a depreciação ou amortização acelerada são deduzidas da base de
cálculo da apuração do tributo, como é o que ocorre com relação ao IR, e se já
concluímos que a redução de base de cálculo, segundo Paulo de Barros Carvalho 348, a
redução de base de cálculo é exemplo de isenção, porque mutila parcialmente o critério
quantitativo da regra-matriz: como a base de cálculo mede o fato jurídico tributário, a
exclusão nela feita reduz a própria regra-matriz.

5.3.1.4 Crédito presumido ou crédito outorgado

Frequente em tributos sujeito ao princípio da não cumulatividade, a figura do


crédito presumido, segundo Hermano Notaroberto Barbosa 349 , não se classifica
invariavelmente como espécie de incentivos vinculados à despesa pública, que pode
aparecer na forma de subvenção, redução de base de cálculo ou mesmo, como dito
inicialmente, nos tributos sujeitos à não cumulatividade.

347
BRASIL. Presidência da República. Lei nº 11.196, de 21 de novembro de 2005. Lei do Bem.
Brasília: DOU, 22 nov. 2005, artigo 17.
348
“Ao relacionar as espécies de receitas que são excluídas da base de cálculo tributária, referidas leis
acabaram por instituir verdadeira isenção, mediante mutilação parcial do critério quantitativo da regra-
matriz de incidência. Se a base de cálculo é a medida do fato jurídico tributário (função mensuradora),
qualquer exclusão que se pretenda fazer implicará reduzir a regra-matriz de incidência, colocando o
fato excluído fora do âmbito da percussão tributária”. (CARVALHO, Paulo de Barros. Direito
tributário: linguagem e método. 5. ed. São Paulo: Noeses, 2013, p. 602).
349
O poder de não tributar: benefícios fiscais na constituição. São Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 112.
149

Segundo Regis Fernandes de Oliveira e Estevão Horvath, o crédito presumido


corresponde à estimativa feita pelo poder público em benefício de uma pessoa, com que
se dispensa a comprovação 350.
Dentro do campo afeto ao direito tributário, o crédito presumido pode ser
considerado como o crédito que não necessariamente corresponde ao crédito decorrente
de uma apuração norma de tributos sujeitos ao método não cumulativo. Este incentivo
fiscal confere ao sujeito passivo da obrigação tributária a possibilidade de se utilizar de
um crédito presumido (ou outorgado) em substituição ao aproveitamento de outros
créditos. Esse crédito, em linhas gerais, poderá ser calculado pela aplicação de uma
determinada alíquota sobre o valor do imposto devido na operação.
Quando analisamos o fenômeno jurídico do crédito presumido, verificamos
tratar-se de uma redução do quantum a pagar a partir da redução de base de cálculo.
É mais comumente utilizado em tributos não cumulativos.
Um exemplo de disposição legal a respeito de crédito presumido é o disposto
no artigo 62 e no Anexo III do RICMS do Estado de São Paulo. 351
Os créditos presumidos têm sido constantemente utilizados pelos Estados da
federação para instituírem incentivos fiscais sem a aprovação do CONFAZ.
Geralmente, os Estados autorizam esses incentivos fiscais por meio de Termos de
Acordo e Regimes Especiais (TAREs), a pretexto de conceder um regime diferenciado
de tributação, bem como para inibir o acúmulo de saldo credor (especialmente em
ICMS), decorrente da aplicação do diferencial de alíquota incidente nas vendas
interestaduais.

350
OLIVEIRA, Régis Fernandes de; HORVATH, Estevão. Manual de direito financeiro. 4. ed. rev.,
atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 42.
351
“SEÇÃO III - DOS CRÉDITOS OUTORGADOS Artigo 62 - Constituirão, também, crédito do
imposto os valores indicados no Anexo III, nas hipóteses ali indicadas (Lei 6.374/89, art. 44)”. (SÃO
PAULO. (Estado). Assembleia Legislativa. Decreto nº 45.490, de 30 de novembro de 2000. Aprova
o Regulamento do Imposto Sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Sobre
Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - RICMS. São
Paulo: DO, 1 dez. 2000).
Ressalta-se, quanto a este artigo do RICMS, o que dispõe o artigo 44 da Lei 6374/89: “O Poder
Executivo poderá conceder e vedar crédito do imposto, bem como dispensar e exigir seu estorno,
segundo o que for estabelecido em acordo celebrado com outros Estados ou com o Distrito Federal,
observado, quando for o caso, o disposto em lei complementar federal.” (id. Lei nº 6.374, de 01 de
março de 1989. Dispõe sobre a instituição do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de
Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de
Comunicação - ICMS. São Paulo: DO, 2 mar. 1989).
150

É dificultosa a análise deste fenômeno, especialmente porque a concessão de


créditos presumidos não é feita com rigor legislativo e, muitas vezes, é um mecanismo
utilizado pelo Poder Executivo a um certo grupo de contribuintes, por meio de decretos
estaduais, em que se estipulam os créditos que serão concedidos, bem como os ônus que
serão assumidos pelo contribuinte, mediante a assinatura desses regimes especiais.
Paulo de Barros Carvalho considera que os regimes especiais são
procedimentos para imprimir funcionalidade ao conjunto estrutural e complexo do
ICMS. Considera que, ao mesmo tempo em que se diferenciam das regra-matrizes,
delineiam novas realidades jurídicas para atribuir eficácia ao aparato administrativo. 352
Concordamos com a posição acima exposta, contudo há que se ter cautela em
relação a que as disposições trazidas pelos regimes especiais devem estar de acordo com
as normas e limitações do próprio sistema jurídico. Logo, não se pode estabelecer
créditos presumidos que não estejam de acordo com as disposições veiculadas pelo
Texto Constitucional (art. 155, XII, g).
Seja como for, entendemos que os créditos presumidos legítimos podem,
enquanto fenômeno, ser considerados como incentivo fiscal que alcança uma redução
da base de cálculo do tributo. Logo, enquanto fenômeno, assemelha-se a redução de
base de cálculo, a qual consideramos, consoante exposto, como uma isenção.

5.3.1.4.1 Diferimento

O diferimento é instituto que já foi objeto de uma série de estudos pela


doutrina. Não há um consenso em sua definição.
Em linhas gerais, especialmente quantos aos efeitos que projeta, o diferimento
é norma que posterga o cumprimento da obrigação tributária para um momento
posterior ao naturalmente previsto pela norma padrão de incidência.
É considerado como uma espécie de incentivo fiscal que desloca a exigência do
tributo para momento posterior, com a imputação da responsabilidade de seu
recolhimento a terceiro.

352
O ICMS e os Regimes Especiais. Revista de Direito Tributário, v. 8, p. 93-98, 1996, p. 93.
151

Portanto, o sentido que trabalhamos de diferimento é o de postergação do


recolhimento do tributo devido para momento posterior ao previsto na regra-matriz 353.
Encontramos classificações do diferimento como espécie de isenção,
substituição tributária, mera postergação de pagamento.
Alguns doutrinadores não incluem o diferimento como norma de incentivo
fiscal, mas tão somente como uma técnica de tributação, todavia, em se tratando de
ICMS.
A Lei Complementar nº 24/75, porém, considera expressamente o diferimento
como incentivo fiscal, que poderá ser concedido por meio de Convênio com a
autorização de todos os Estados-membro. Assim, podemos dizer que referido
instrumento legal confere aos Estados a competência para estabelecer técnicas de
diferimento 354.
Abaixo, elencaremos alguns dos conceitos já trabalhados pela doutrina sobre o
diferimento.
Geraldo Ataliba e Cleber Giardino 355 assim definem o instituto: “Diferimento é
a designação de um complexo de normas que fixa um dado regime tributário. […] é
instituto que se refere à obrigação tributária.” Referidos autores entendem que o
instituto do diferimento não se trata de retardamento, adiamento ou procrastinação de
operação, lançamento, pagamento ou não incidência do ICMS, tratando-se de uma
exclusão da oneração tributária da operação, cujos efeitos são semelhantes aos

353
Entendimento de Hermano Notaroberto Barbosa: “Sob o ponto de vista jurídico, o diferimento, em
seu sentido mais abrangente, cuja classificação é menos tormentosa, se verifica nos casos em que a
legislação, geralmente de forma excepcional, em relação a uma determinada classe de contribuintes ou
de fatos econômicos, posterga o recolhimento de um tributo devido para momento cronologicamente
posterior àquele em que deveria, normalmente, ocorrer, a se aplicar a regra geral de incidência. O
diferimento opera, portanto, seus efeitos no elemento temporal do consequente da regra de incidência
tributária. Uma vez ocorrida situação de fato que se subsume ao tipo descrito abstratamente na norma,
então produzem-se os efeitos jurídicos da incidência, que incluem a descrição do quantum da
obrigação, representado pela combinação da base de cálculo e da alíquota (elemento material), do
sujeito responsável pelo recolhido (elemento subjetivo), bem como do momento em que esse deve
ocorrer (elemento temporal)”. (O poder de não tributar: benefícios fiscais na constituição. São
Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 109, grifos do autor).
354
A Lei Complementar nº. 87/96 não dispõe a respeito do diferimento, contudo, por meio da Lei
Complementar 24/75 fica claro que este somente poderá ser estabelecido lei própria do Estado,
utilizando a via da ratificação dos Convênio. (BRASIL. Presidência da República. Lei
Complementar nº 24, de 7 de janeiro de 1975. Dispõe sobre os convênios para a concessão de
isenções do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias, e dá outras providências.
Brasília: DOU, 9 jan. 1975).
355
ATALIBA, Geraldo; GIARDINO, Cleber. ICM – DIFERIMENTO – Estudo Teórico-prático, Estudos
e Pareceres n. 1. São Paulo: Resenha Tributária, 1980, p. 119.
152

produzidos pela isenção ou outras formas de não incidência. Ressaltam que o


diferimento não se confunde com a isenção, porém possui efeitos semelhantes.
Por sua vez, Sacha Calmon Navarro Coelho 356 coloca que: “O diferimento é a
técnica de tributação estribada no feitio polifásico do ICMS. Não se confunde com
nenhum tipo de Benefício fiscal”.
Referido autor entende que o diferimento, portanto, não pode ser considerado
um incentivo fiscal por ser uma técnica de tributação.
Clélio Chiesa 357, por seu turno, se posiciona no sentido de que “a regra do
diferimento atinge um dos critérios da regra-matriz para reduzir o seu campo de
incidência, configurando-se como uma verdadeira isenção. Portanto, em tudo deverá
observar o regime previsto para as isenções”.
A partir de alguns posicionamentos doutrinários, é possível notar a ausência de
consenso quanto ao diferimento, que ora é entendido como incentivo fiscal, ora como
espécie de isenção, além de grandes doutrinadores defendendo como substituição
tributária ou até mesmo a não incidência.
Todavia, embora os respeitáveis estudos empreendidos sobre o diferimento
analisando o fenômeno, entendemos que se trata de uma isenção seguida de uma
incidência em momento posterior. A norma, então, definirá que numa determinada
etapa (geralmente da cadeia de operação, em se tratando de ICMS), não haverá tributo a
pagar (isenção), sendo que elege que na ocorrência de um fato posterior e para um outro
sujeito da relação é que ocorrerá a incidência, nos moldes delineados pela norma.
Não concordamos com as posições que não acolhem o diferimento como um
incentivo fiscal, pois, conforme a definição de incentivo fiscal que adotamos, é certo
para nós que a modalidade do diferimento está englobada no conjunto de normas que
interfere na regra-padrão de incidência tributária, e, por mais que possa ser considerada
uma técnica, certamente esta vem expressa por meio de um conjunto normativo, cujo
fundamento de validade vem impresso na Constituição Federal.

Na hipótese dos autos, a saída da produção dos agravantes não é


tributada pelo ICMS, pois sua incidência é diferida para a próxima
etapa do ciclo econômico. Se nada é recolhido na venda da
mercadoria, não há que se falar em efeito cumulativo. […] Distinção

356
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. Rio de Janeiro: Forense,
2009, p. 598.
357
CHIESA, Clélio. ICMS: Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: LTr, 1997.
153

entre diferimento e isenção. Do diferimento não resulta eliminação ou


redução do ICM; o recolhimento do tributo e que fica transferido para
momento subsequente. Não há ofensa ao princípio da não
cumulatividade do ICM na pratica de seu diferimento. Precedentes do
STF. Inviável e a pretensão das impetrantes de creditar-se do ICM,
nas operações de compra e venda de soja. Não se faz necessária a
celebração de convenio, pelo Estado, em torno de diferimento, tal
como sucede com a isenção. Recurso extraordinário não conhecido”
(RE 112.098, Rel. Min. Néri da Silveira, Primeira Turma, DJ
14.2.1992). O acórdão recorrido divergiu dessa orientação.6. Pelo
exposto, dou provimento ao recurso extraordinário (art. 557, § 1º-A,
do Código de Processo Civil e art. 21, § 2º, do Regimento Interno do
Supremo Tribunal Federal. Considerando-se a Súmula 512 deste
Supremo Tribunal Federal, deixo de condenar ao pagamento de
honorários advocatícios de sucumbência. Publique-se. Brasília, 9 de
dezembro de 2009. Ministra CÁRMEN LÚCIA Relatora. 358

5.3.1.4.2 Drawback

O regime de drawback foi instituído pelo Decreto Lei nº 37, de 21/11/66 359 e
consiste na suspensão ou eliminação de tributos incidentes sobre insumos importados
para utilização em produto exportado. Trata-se de uma modalidade de incentivo fiscal
promovido às exportações, cujo objetivo é reduzir os custos de produção de produtos
exportáveis, tornando-os mais competitivos no mercado internacional. Pode se
apresentar por meio de três formas: i) isenção, ii) suspensão e iii) restituição de tributos,
sendo que esta última não mais é utilizada. 360
O regime de drawback foi bastante aprimorado ao longo dos anos, sendo que
atualmente vigora o modelo de drawback integrado, que permitirá a “desoneração” de
tributos quando da aquisição de insumos também no mercado interno.
No regime de drawback suspensão, haverá, como o próprio nome diz, a
“suspensão” de diversos tributos incidentes nas operações de importação, tais como IPI,
II, PIS e Cofins, Pis Cofins Importação, AFRMM e ICMS (apenas para importação de
insumos).

358
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 318.902/MT. Relatora: Ministra
Cármen Lúcia. Julgamento: 9 dez. 2009. Órgão Julgador: Ministra Cármen Lúcia. Publicação: DJe, 12
fev. 2010.
359
Id. Presidência da República. Decreto Lei nº 37, de 18 de novembro de 1966. Dispõe sobre o
imposto de importação, reorganiza os serviços aduaneiros e dá outras providências. Brasília: DOU, 21
nov. 1966.
360
Id. Receita Federal. 2. O regime especial de drawback. Disponível em:
<http://www.receita.fazenda.gov.br/aduana/drawback/regime.htm>. Acesso em: 27 abr. 2014.
154

Quando analisamos o fenômeno do drawback suspensão, verificamos que se


trata de uma isenção condicionada, isto é, a incidência dos tributos na importação de
mercadorias para as empresas habilitadas não ocorrerá (por mutilação no critério
pessoal), todavia a obrigação de pagar o tributo fica suspensa, mediante a condição de
que se comprove, após 1 ano (prorrogável por mais 1 ano) a regular exportação das
mercadorias, nos termos e condições previstos na legislação.
Na modalidade de drawback isenção, as operaçoes de importação de
mercadorias são isentas de tributos federais (II, IPI, PIS, COFINS, AFRMM) no que se
refere à reposição de estoques de matérias-primas, embalagens, insumos e componentes
que foram utilizados na fabricação de produtos que já foram objeto de exportação.
Assim, para a manutençao da isenção, o contribuinte habilitado deverá comprovar as
aquisições tributadas e o efetivo embarque das mercadorias exportadas.
Veja-se que, em termos de análise do fenomeno, tanto o drawback suspensão
como o isenção são semelhantes, isto é, ambos podem ser classificados como isenção,
sendo, todavia, algumas especificidades quanto à operação que os diferenciarão.
Não temos dúvida, dessa forma, que a espécie drawback é um incentivo fiscal,
pois seu conjunto normativo se enquadra dentro do conceito que trabalhamos no
presente trabalho.

5.3.2 Normas que não interferem na relação jurídica tributária

De acordo com a classificação que estruturamos no presente trabalho,


estaremos diante de incentivos fiscais quando o conjunto de normas de incentivo estiver
em relação com a norma tributária em sentido estrito, de modo que, não ocorrendo essa
relação, com a consequente diminuição ou ausência de tributo a pagar, diante de
incentivo fiscal não estaremos.
Em alguns casos, importante reconhecer a grande aproximação entre os
incentivos fiscais e financeiros. Um exemplo concreto é o previsto nos artigos 1º e 2º da
Lei Complementar nº 24/75, vez que referidas disposições irão abordar incentivos
fiscais e financeiros 361.

361
“Art. 1º - As isenções do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias serão
concedidas ou revogadas nos termos de convênios celebrados e ratificados pelos Estados e pelo
155

Diante desta distinção, cabe-nos abordar, de forma breve, exemplos de


incentivos que aqui denominamos de incentivos financeiros, já que não se relacionarão
com a regra-matriz de incidência tributária, porém revelarão possibilidades de incentivo
de outra natureza, no caso, financeira.
Nesse contexto, valemo-nos do exemplo de José Souto Maior Borges sobre a
estrutura normativa de um incentivo financeiro fictício 362:

Suponha-se um incentivo financeiro stricto sensu, extratributário


portanto, instituído por um determinado Estado-membro da federação,
que possa ser assim enunciado, em linguagem deôntica (normativa)
apropriada: dada a existência de indústria nova, ou que amplie a sua
capacidade produtiva ou demonstre esforço de recuperação, deve ser
apoiado e incrementado o empreendimento industrial pela concessão
de financiamento oficial. E porque esse empreendimento deve ser
apoiado e incrementado, trata-se de um incentivo financeiro. Noutra
escritura exegética, essa mais analítica: se o empreendimento
industrial instala-se no território no Estado (indústria nova) ou ampliar
sua capacidade produtiva (indústrias já existentes no termo inicial de
vigência da lei), deve ser incentivado por financiamento bancário
oficial.

Pedro Guilherme Accorsi Lunardelli 363 recorda que o termo incentivo, quando
qualificado de “fiscal”, teria sua aplicação restrita à regra-matriz de incidência
tributária, não englobando os chamados incentivos financeiros.
Contudo, ele discorda dessa posição doutrinária porque, na sua visão, essa
interpretação não é contextual, estando presa à composição sintática dos termos
incentivo e fiscal 364.

Distrito Federal, segundo esta Lei. Parágrafo único - O disposto neste artigo também se aplica: I - à
redução da base de cálculo; II - à devolução total ou parcial, direta ou indireta, condicionada ou não,
do tributo, ao contribuinte, a responsável ou a terceiros; III - à concessão de créditos presumidos; IV -
à quaisquer outros incentivos ou favores fiscais ou financeiro-fiscais, concedidos com base no
Imposto de Circulação de Mercadorias, dos quais resulte redução ou eliminação, direta ou indireta, do
respectivo ônus; V - às prorrogações e às extensões das isenções vigentes nesta data. Art. 2º - Os
convênios a que alude o art. 1º, serão celebrados em reuniões para as quais tenham sido convocados
representantes de todos os Estados e do Distrito Federal, sob a presidência de representantes do
Governo federal. § 1º - As reuniões se realizarão com a presença de representantes da maioria das
Unidades da Federação. § 2º - A concessão de benefícios dependerá sempre de decisão unânime dos
Estados representados; a sua revogação total ou parcial dependerá de aprovação de quatro quintos,
pelo menos, dos representantes presentes. § 3º - Dentro de 10 (dez) dias, contados da data final da
reunião a que se refere este artigo, a resolução nela adotada será publicada no Diário Oficial da União.
(BRASIL. Presidência da República. Lei Complementar nº 24, de 7 de janeiro de 1975. Dispõe
sobre os convênios para a concessão de isenções do imposto sobre operações relativas à circulação de
mercadorias, e dá outras providências. Brasília: DOU, 9 jan. 1975).
362
A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e sua inaplicabilidade a incentivos financeiros estaduais.
Revista Dialética de Direito Tributário, n. 63, dez. 2000, p. 81, grifos do autor.
363
O ICMS e os incentivos fiscais. Revista Dialética de Direito Tributário, n. 14, p. 54-58, nov. 1996.
156

Como exemplo, ele cita os financiamentos concedidos por instituições


financeiras (bancos oficiais) para contribuintes de ICMS. Na posição por ele combatida,
tais financiamentos constituiriam, quando muito, incentivos financeiros, sem índole
tributária. Em sua visão, entretanto, como tal financiamento foi concedido em função da
qualidade de “contribuinte de ICMS” do contraente, não podemos lhe negar o caráter
tributário 365:

Em outras palavras, o critério de identificação para deflagração do


benefício financeiro não pertence ao campo financeiro mesmo, mas
sim ao tributário, mais especificamente, frise-se, o de ser contribuinte
desse imposto estadual.
Só conseguimos identificar o conjunto desses incentivos financeiros se
tomarmos em considerações o critério tributário, o que demonstra que,
na verdade, estamos diante de situações jurídicas que pertencem ao
conjunto dos incentivos fiscais 366.

Apesar de coerente, essa proposta parte de premissas diversas das que


adotamos no presente trabalho. Em nossa classificação, escolhemos como critério a
afetação da regra-matriz de incidência, que nos permitiu diferenciar os institutos.
Parece-nos que, na classificação exposta, todos os incentivos concedidos a um
contribuinte de tributos com base nessa qualidade seriam fiscais, e o tema de incentivos
financeiros não seria sequer discutido na seara fiscal, porque inconfundível.
Entendemos que a relação com um dos critérios da regra-matriz, quando
motivo da concessão de um incentivo, não é suficiente e necessária para alcunhá-lo de
fiscal, pois, embora possa tocar normas tributárias, se não afetar a regra-matriz
preservará a subordinação ao regime jurídico financeiro.
Ricardo Lobo Torres 367 afirma que

Os privilégios tributários, que operam na vertente da receita, estão em


simetria e podem ser convertidos em privilégios financeiros, a gravar
a despesa pública. A diferença entre eles é apenas jurídico-formal. A
verdade é que a receita e a despesa são entes de relação, existindo
cada qual em função do outro, donde resulta que tanto faz diminuir-se

364
“Isto porque o contexto em que está inserido a expressão ‘incentivos fiscais’ sofre a influência de
outros significados de suma importância, dos quais não há permissão para qualquer afastamento”.
(LUNARDELLI, Pedro Guilherme Accorsi. O ICMS e os incentivos fiscais. Revista Dialética de
Direito Tributário, n. 14, nov. 1996, p. 56).
365
“Os incentivos assim, embora instrumentalizados por contratos celebrados com instituições
financeiras, devem ser classificados como tributários ou fiscais, pois baseados apenas e tão somente
na propriedade de o beneficiário ser contribuinte de ICMS”. (ibid., p. 57).
366
Ibid., loc. cit., grifos do autor.
367
Anulação de incentivos fiscais – efeitos no tempo. Revista Dialética de Direito Tributário, n. 121,
out. 2005, p. 135.
157

a receita, pela isenção ou dedução, como aumentar-se a despesa, pela


restituição ou subvenção, que a mesma conseqüência financeira será
obtida.
Atento à conversibilidade dos privilégios fiscais e financeiros o
intérprete pode detectar com maior segurança as concessões
injustificadas.

Não podemos concordar que a diferença jurídico-formal tenha importância


diminuída, porque é nela que encontramos a diferença; atentos ao método do
constructivismo lógico-semântico, não podemos desconsiderar o plano sintático, em
atenção aos planos semântico e, como parece nessa observação, ao plano pragmático.
Essas esferas de análise são inter-relacionadas, não podendo separar-se. Sem essa
diferença formal, seria muito difícil identificar o plexo normativo que orienta os
incentivos fiscais e financeiros, ou seja, seus regimes jurídicos, cuja diferença é
determinada também pelo prisma sintático.
Os incentivos de natureza financeira, em verdade, trazem ao beneficiário
situações de vantagem econômica frente a uma situação regular, seja porque é
concedido o aporte de capital externo ao seu negócio, seja porque deixará de recolher
multa e juros em algumas situações.
Em seguida, trataremos, de forma exemplicativa e sucinta, algumas espécies de
incentivos financeiros. Lembramos que, por não se tratarem do objeto central do nosso
trabalho, não aprofundaremos nossa análise nas espécies de incentivos financeiros.

5.3.2.1 Subvenção

Subvenções são transferências de recursos do poder público para o beneficiário


de direito público ou privado que fica desobrigado da restituição, possuindo natureza de
despesa pública e são sujeitas ao princípio da legalidade (artigo 165, § 6º, da
Constituição Federal) 368. Classificam-se em subvenções de investimento e de custeio 369.
As subvenções de investimento visam ao fornecimento de recursos financeiros
ao beneficiário que lhe permitam capitalizar-se para exercer atividade econômica com

368
BARBOSA, Hermano Notaroberto. O poder de não tributar: benefícios fiscais na constituição. São
Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 118.
369
“O instituto do subsídio designa, genericamente, todas as subvenções financeiras concedidas, direta ou
indiretamente, pelo poder público, de forma específica, que beneficiem o setor produtivo nacional e
penalizem, materialmente, seus competidores estrangeiros, nos mercados interno ou internacional”.
(ibid., p. 120).
158

finalidade específica. O numerário destinado será considerado isento para fins


tributários 370 . Já as subvenções de custeio, também chamadas correntes, exigem do
destinatário uma contrapartida, além de comporem seu resultado operacional 371.
A subvenção, segundo esse estudioso, é medida direcionada a um fim
específico que atenda à intenção política da pessoa jurídica de direito público que a
concede, sempre com observância do artigo 165, § 6º, da Constituição Federal, que
determina seja prevista na lei orçamentária 372.
Para ele, embora muitos doutrinadores classifiquem as subvenções como
instituto peculiar ao Direito Financeiro apenas, a análise concreta permite entrever nelas
natureza tributária em muitos casos. É que alguns tipos de subvenções se conectam com
a obrigação tributária, como no caso em que se concede subvenção para ampliação de
certa indústria mediante redução do valor de um determinado tributo por prazo pré-
fixado: aqui teremos subvenção em estreita relação com a extinção da obrigação
tributária, caracterizando hipótese de renúncia de receita tributária. Verifica-se que, para
caracterização do incentivo financeiro considerado, concorrem aspectos da relação
jurídico-tributária 373.
374
Em resumo, entende o autor que a natureza jurídica do incentivo
“subvenção” deve ser procurada nos aspectos formais e também no confronto com os
efeitos financeiros da norma tributária. Ou seja, não há esquema pronto que permita
decidir, de plano, se determinada subvenção financeira se sujeita ou não a limitações
próprias dos incentivos tributários, pois essa decisão deve ponderar a forma como foi
concedida a subvenção e sua proximidade com o cumprimento da obrigação tributária.
Sobre os subsídios, o autor em comento 375 os define como incentivos fiscais
cuja finalidade é promover certa atividade econômica equalizando preços e estimulando
ou protegendo, por um período, determinado setor produtivo, o que revela sua relação
com questões de intervenção no domínio econômico ou redução de desigualdades

370
BARBOSA, Hermano Notaroberto. O poder de não tributar: benefícios fiscais na constituição. São
Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 119.
371
Ibid., p. 120.
372
“Com efeito, como apontado anteriormente, os incentivos a operar sobre a despesa teriam a grande
vantagem de permitir um melhor controle orçamentário, posto que a despesa se torna mais
transparente”. (CATÃO, Marcos André Vinhas. Regime jurídico dos incentivos fiscais. Rio de
Janeiro: Renovar, 2004, p. 75).
373
Ibid., p. 63-64.
374
Ibid., p. 65.
375
Ibid., p. 73-74.
159

regionais no contexto macroeconômico. Ainda nesse aspecto econômico, os subsídios


figuram como protagonistas em questões de comércio internacional no tocante à prática
de dumping.
Acerca dos incentivos sobre a receita pública, Marcos André Vinhas Catão 376
constata serem eles os meios por excelência para concessão de incentivos fiscais,
sobretudo as isenções, baseadas na extrafiscalidade, bem como sua subespécie, o
diferimento, não se esquecendo da remissão e da anistia, as quais, mesmo não sendo
comuns a título de incentivos fiscais, podem ser tratadas no contexto da estimulação de
certas atividades econômicas.

5.3.2.2 Créditos Financeiros

José Souto Maior Borges 377 afirma que os incentivos fiscais em sentido amplo
podem referir-se tanto ao âmbito tributário, quando são chamados incentivos tributários
propriamente ditos, dos quais são exemplos as isenções e as reduções de tributo, quanto
ao âmbito financeiro, como nos casos de financiamento empresarial.
Para ele, o financiamento bancário não se classifica como incentivo tributário,
mas financeiro, porque não visa ao tributo. É que o pagamento do tributo demarca o
campo das relações tributárias e financeiras: após a extinção da obrigação tributária, as
novas relações surgidas entre fisco e contribuinte serão de caráter financeiro 378 . Na
sequência, exemplifica:

Exemplificando para fins de clarificação expositiva: o financiamento


bancário, às empresas industriais não é incentivo tributário, mas
financeiro. Tanto que os respectivos recursos são normalmente
depositados em banco oficial, meros agentes recebedores de receitas
públicas. Como recursos financeiros, retornam, no todo ou em parte,
ao patrimônio estatal 379.

376
Regime jurídico dos incentivos fiscais. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 75, 83, 89.
377
“Se o incentivo não visa o tributo, mas a receita tributária, terá como objeto uma relação jurídica
instaurada após a extinção da relação tributária, dado que alcança receita pública já realizada. Noutras
palavras: será um incentivo financeiro stricto sensu”. (BORGES, José Souto Maior. A Lei de
Responsabilidade Fiscal (LRF) e sua inaplicabilidade a incentivos financeiros estaduais. Revista
Dialética de Direito Tributário, n. 63, dez. 2000, p. 85).
378
Ibid., p. 84.
379
Ibid., p. 85.
160

Neste caso, o critério de distinção apontado serve para identificar quando


estamos não diante de um incentivo fiscal, e sim de um incentivo de natureza financeira.

5.3.2.3 Remissão

A remissão é uma das causas de extinção do crédito tributário, prevista no


artigo 156, IV, e 172, do Código Tributário Nacional. Partindo do verbo remitir, Paulo
de Barros Carvalho define a remissão como perdão, indulgência ou indulto que extingue
a obrigação tributária com base em lei autorizativa, dada a indisponibilidade dos bens
públicos 380.
Sobre esse aspecto, Hermano Notaroberto Barbosa 381 ressalta que o princípio
da legalidade, reforçado pelo Código Tributário Nacional em razão de seu potencial
discriminatório, deve ser observado não só na concessão da remissão, mas também no
tocante à indicação de todos os elementos que operam na sua aplicação, como
contribuintes envolvidos, hipóteses abrangidas, critérios de fruição, entre outros.
Para Luís Eduardo Schoueri 382 , a remissão evidencia a praticabilidade e a
justiça:

É a praticabilidade que justifica o inciso II do artigo 172, acima.


Afinal, sendo o crédito tributário de valor ínfimo, já não faz sentido
movimentar a máquina administrativa para sua cobrança, tendo em
vista que possivelmente o montante arrecadado será maior que os
dispêndios exigidos. Nas demais hipóteses, o legislador buscará
conferir um tratamento excepcional a situações cuja peculiaridade
assim justifiquem. Sempre será guia para a concessão da remissão o
princípio da igualdade em matéria tributária que impõe, ao mesmo
tempo, que sejam tratadas igualmente situações equivalentes, mas
sejam diferenciadas aquelas desiguais.

Com ela, o direito subjetivo do credor de exigir a prestação desaparece,


causando, também, o desaparecimento do dever jurídico do devedor, no caso de
remissão total: ocorre a dispensa, pelo Estado, do pagamento do crédito referente ao
tributo 383. Destaca-se que o crédito tributário a sofrer remissão deve estar constituído

380
Direito tributário: linguagem e método. 5. ed. São Paulo: Noeses, 2013, p. 565.
381
O poder de não tributar: benefícios fiscais na constituição. São Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 97.
382
Direito tributário. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 625.
383
CARVALHO, op. cit., p. 566.
161

mediante linguagem competente, ou seja, deve haver lançamento tributário prévio que o
documente 384.
Como lembra Luís Eduardo Schoueri 385, a remissão é outro indício de que a
obrigação tributária pode ser extinta, por lei, mesmo sem pagamento, ou seja, deve estar
constituída para que a remissão opere sobre ela.
Nesse sentido é que a remissão não pode ser considerada uma forma de
incentivo fiscal: o fato de ela pressupor um crédito constituído perante o sujeito passivo
mediante o ato de lançamento tributário (linguagem competente) choca-se frontalmente
ao que expusemos sobre o processo de positivação das normas de incentivos fiscais.
Operando sobre a regra-matriz de incidência tributária para o fim de impedir o
nascimento da obrigação tributária, o incentivo não pode se dar mediante o instituto da
renúncia, que depende essencialmente de que a obrigação tributária a ser remitida tenha
nascido.
Apenas no sentido de resultar numa relação jurídica tributária cuja prestação
seja reduzida é que podemos considerar a remissão como forma de incentivo fiscal.
A remissão é, para Regis Fernandes de Oliveira e Estevão Horvath, além de
forma de renúncia fiscal, consoante art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal, o perdão
da dívida ou renúncia ao seu recebimento, conforme art. 172, do CTN 386.

5.3.2.4 Anistia

Paulo de Barros Carvalho 387 define a anistia como o perdão da falta cometida
pelo infrator de deveres tributários, bem como da penalidade a ele cominada (perdão do
ilícito e da penalidade).
Segundo Regis Fernandes de Oliveira e Estevão Horvath, a anistia, forma de
renúncia fiscal, é o perdão da penalidade imposta ao sujeito passivo tributário ou
mesmo do próprio ilícito cometido, concedida por lei 388.

384
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 5. ed. São Paulo: Noeses,
2013, p. 565.
385
Direito tributário. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 625.
386
OLIVEIRA, Régis Fernandes de; HORVATH, Estevão. Manual de direito financeiro. 4. ed. rev.,
atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 42.
387
Op. cit., p. 604.
388
OLIVEIRA; HORVATH, op. cit., p. 42.
162

Para Luís Eduardo Schoueri 389, a anistia dirige-se à remissão de penalidades


pecuniárias, consoante o próprio CTN: a remissão é uma forma de extinção do crédito
tributário, atingindo todo o crédito, se seguirmos a terminologia dos arts. 113, § 1º390, e
391
139 , ambos do CTN, enquanto a anistia atinge exclusivamente penalidades
pecuniárias 392.
A anistia, prevista no artigo 175, do CTN 393, é muito similar à remissão, tanto é
que as colocamos como formas de incentivos não tributários. Sua semelhança reside em
que ambas retroagem para atingir relações jurídicas já constituídas, mas uma delas é
tributária, atingida pela remissão, e outra de caráter sancionatório, alvo da anistia 394.
Como a anistia não se refere à relação tributária, mas sim à relação
sancionatória decorrente da incidência da norma secundária 395 , não vemos como
classificar a anistia como uma forma de incentivo fiscal, tal qual tratado aqui. Para nós,
o incentivo fiscal atinge a regra-matriz de incidência, tendo como resultado final a não
constituição da relação jurídica tributária em que encontramos a prestação. Na anistia,
não há relação tributária para o incentivo fiscal afetar, mas apenas um crédito a ser pago
a título de penalidade.

5.3.2.5 Regras que podem trazer a simplificação das obrigações acessórias

As chamadas obrigações acessórias ou deveres instrumentais constituem


relações que determinam um fazer ou não fazer indispensável à apuração, ao

389
Direito tributário. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 663.
390
“Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória. § 1º A obrigação principal surge com a
ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e
extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente.”
391
“Art. 139. O crédito tributário decorre da obrigação principal e tem a mesma natureza desta.”
392
“Se o crédito tributário for composto de principal, juros e multa, apenas a última é atingida pela
anistia”. (ibid., p. 663).
393
“Art. 175. Excluem o crédito tributário: I - a isenção; II - a anistia. Parágrafo único. A exclusão do
crédito tributário não dispensa o cumprimento das obrigações acessórias dependentes da obrigação
principal cujo crédito seja excluído, ou dela conseqüente.”
394
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 5. ed. São Paulo: Noeses,
2013, p. 605.
395
“Remitindo, o Estado dispensa o pagamento do crédito relativo ao tributo e, pela anistia, dá-se o
perdão correspondente ao ilícito ou à penalidade pecuniária. As duas realidades são parecidas, mas
estão subordinadas a regimes jurídicos bem distintos. A remissão se processa no contexto de um
vínculo de índole obrigacional tributária, enquanto a anistia diz respeito a liame de natureza
sancionatória, podendo desconstituir a antijuridicidade da própria infração”. (ibid., p. 566).
163

conhecimento, ao controle e à arrecadação dos tributos 396 . Embora apresentem essa


característica da indispensabilidade à constituição da relação jurídica tributária, não se
confundem com a norma individual e concreta que as constitui 397.
Luís Eduardo Schoueri 398 observa que

Este tema tem merecido pouca atenção doutrinária: os custos para o


cumprimento dos deveres instrumentais (custos de conformidade,
compliance costs) têm crescido enormemente, que implica um
acréscimo invisível na carga tributária. É bom que se diga que esse
fenômeno não ocorre apenas no Brasil. Se o contribuinte deve arcar
com sua parte nos gastos sociais, pagando seus tributos, questionável é
a legitimidade de se exigir que ele pague para pagar tributos. Além do
valor do tributo, há um preço para pagar tributos. Este último preço
deve ser razoável, i.e., apenas o necessário para a finalidade acima
apontada.

Assim, essa suavização atípica de obrigações acessórias, da qual poderá


resultar uma efetiva vantagem financeira ao contribuinte, pode ser considerada um
incentivo financeiro, pois, de fato, o custo para o cumprimento de deveres instrumentais
muitas vezes chega a superar o custo da própria operação, além de impedir e dificultar
que o contribuinte exerça a atividade econômica principal.

396
“É preciso assinalar que os deveres instrumentais cumprem papel relevante na implantação do tributo
porque de sua observância depende a documentação em linguagem de tudo que diz respeito à
pretensão impositiva. Por outros torneios, o plexo de providências que as leis tributárias impõem aos
sujeitos passivos, e que nominamos de ‘deveres instrumentais’ ou ‘deveres formais’, tem como
objetivo precípuo relatar em linguagem os eventos do mundo social sobre os quais o direito atua, no
sentido de alterar as condutas inter-humanas para atingir seus propósitos ordinatórios. Tais deveres
assumem, por isso mesmo, uma importância decisiva para o aparecimento dos fatos tributários, que,
sem eles, muitas vezes não poderão ser constituídos na forma jurídica própria”. (CARVALHO, Paulo
de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 5. ed. São Paulo: Noeses, 2013, p. 504).
397
“Trata-se de relato em linguagem competente, não há dúvida, mas ainda não credenciada àquele fim
específico. É indispensável a edição de norma individual e concreta, no antecedente da qual aparecerá
a configuração do fato jurídico tributário e, no consequente, a respectiva relação”. (ibid., p. 505).
398
Direito tributário. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 466, grifos do autor.
164
165

6 OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E OS INCENTIVOS FISCAIS

6.1 Introdução

Num estudo que se propõe a analisar os incentivos fiscais pela ótica normativa,
percorrendo os quatro planos semióticos sintetizados por Paulo de Barros Carvalho e
expostos anteriormente, num constante movimento de idas e vindas, com vistas a
contextualizar o instituto abordado no ordenamento jurídico em que inserido, no esforço
interpretativo, não poderíamos deixar de tratar dos princípios constitucionais que
permeiam os incentivos fiscais.
E é exatamente por permearem as normas de incentivos fiscais, assim como as
demais normas jurídicas, que os princípios são tão importantes: mais do que
simplesmente envolver, eles atravessam as normas jurídicas com sua forte carga
axiológica, atuando como direcionadores, aqui, dos incentivos fiscais, impelindo a
positivação das normas estruturais de incentivos edificadas a partir do texto
constitucional 399. Essa força dos princípios é constatada na interpretação sistemática.
Tomamos o sistema jurídico como um conjunto de normas. Os princípios,
enquanto elementos desse sistema, não são outra coisa senão normas, as quais têm
acentuado viés axiológico.
Há muitos sentidos para o termo princípio, sendo que destacamos aquele que
considera o princípio como norma em sentido amplo ou proposição, com marcante
carga valorativa, ao lado do que o toma como um limite objetivo prescrito pelo
ordenamento ao qual pertence. Em ambos os casos, encerram valores, isto é,
representam algo que a sociedade entendeu importante para servir como referência na
regulação das condutas intersubjetivas.
400
Roque Antônio Carrazza apresenta a seguinte definição de princípio
jurídico:

[…] enunciado lógico, implícito ou explícito, que, por sua grande


generalidade, ocupa posição de preeminência nos vastos quadrantes

399
“A norma jurídica surge como fruto de um esquema de interpretação realizado pelo homem para
construir o sentido deôntico do texto do direito positivo”. (MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Fontes
no direito tributário. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2006, p. 67).
400
Curso de direito constitucional tributário. 27. ed., revista, ampliada e atualizada até a Emenda
Constitucional n. 67/2010. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 46-47.
166

do Direito e, por isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o


entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com ele se
conectam.

Paulo de Barros Carvalho 401 aduz que é possível construir, a partir do termo
princípio, várias significações, entre as quais aponta: i) princípio como norma jurídica
de posição superior e com valor relevante; ii) princípio enquanto norma jurídica
também de posição privilegiada que determina limites objetivos; iii) princípio como
valor interno de regra jurídica de posição privilegiada, mas analisada de modo
independente das outras normas; e iv) princípio como limite objetivo delineado em
regra de forte hierarquia, sem consideração à estrutura da norma. Nos itens “i” e “ii”,
temos princípios como normas, enquanto em “iii” e “iv”, princípios como valor ou
limite objetivo.
A tentativa de apreender o sentido de “princípio” enquanto valor enfrenta, na
subjetividade, um obstáculo que atrapalha tal tarefa: os sujeitos intérpretes têm suas
próprias cargas ideológicas das quais não se desvencilham, como se verifica ao
trabalharmos, por exemplo, com os valores de justiça e igualdade.
Norma jurídica, tal qual a entendemos, é a significação construída pelo sujeito
cognoscente a partir da leitura dos textos do ordenamento, ou seja, das chamadas
marcas de tinta sobre o papel. Como os princípios são normas (pois o ordenamento é
composto unicamente por normas e os princípios são elementos do ordenamento, sendo,
enfim, normas), a eles aproveita esse conceito: são construídos também com base no
texto do direito positivo, especialmente da Constituição Federal, ora estando expressos
nos enunciados (como os princípios da legalidade, da anterioridade e da irretroatividade
da lei tributária), ora implícitos, quando forçam que o intérprete os identifique e os isole
(tal qual ocorre com o princípio da territorialidade da tributação).
Na lição de Paulo de Barros Carvalho 402, o direito é um objeto cultural. Se seus
elementos são as normas jurídicas, estamos autorizados a concluir que elas também são
objetos culturais. Ora, objetos culturais carregam marcadamente valores; desse modo, as
normas, obviamente, carregam valores, cuja intensidade é variável de uma para outra.
Quando a norma jurídica carrega muito valor e, por isso, influencia o próprio

401
Direito tributário: linguagem e método. 5. ed. São Paulo: Noeses, 2013, p. 266.
402
Ibid., loc. cit.
167

ordenamento a que pertence, chamamo-la de princípio, sem prejuízo das demais


acepções da palavra.
Além desse sentido, os princípios podem se apresentar como limites objetivos,
como nos casos os princípios da irretroatividade da lei e da anterioridade.
Apoiados nessas lições, entendemos os princípios como normas jurídicas em
sentido amplo ou proposições, que têm a aptidão para agrupar outras normas do sistema
do direito positivo e caracterizadas, eminentemente, por sua forte carga valorativa.
Desse modo, os princípios norteiam a interpretação, operando como vetores
interpretativos, isto é, fontes de interpretação para os enunciados prescritivos, mediante
sua aplicação pelo intérprete, que os utiliza tal qual ferramentas para a construção da
significação da norma.
Isso não se dá com os princípios “limites objetivos”, os quais, embora também
entendidos como normas jurídicas em sentido amplo dotadas daquele grande conteúdo
axiológico, impedem a atividade do intérprete ou legislador, uma vez que estão
explícitos, passíveis de intelecção imediata.
Sob quaisquer desses ângulos, a existência dos princípios tem como finalidade
salientar um grande valor. Num enfoque mais abrangente, pode-se dizer que o desígnio
dos princípios no sistema do direito positivo mantém estreita relação com a atividade
interpretativa: por objetivarem direcionar e condicionar, clarificando, a atividade
indicada, revelam sua essencialidade para os sujeitos investidos das funções de
legislador e de aplicador do direito.
Para Estevão Horvath 403, toda interpretação inicia-se e termina nos princípios,
pois o intérprete começa sua trajetória no princípio, para, ao final, conseguir a norma de
direito aplicável ao caso concreto que analisa, trajetória essa que é justamente indicada
pelo princípio.
Verifica-se que a harmonia e a coerência interna do sistema jurídico, que lhe
conferem essa dignidade, são, por fim, reflexos dos princípios, consoante as ideias
acima colocadas.
A atenção aos direitos e garantias individuais e aos princípios constitucionais
pertinentes à temática em análise certamente animam a competitividade entre os
contribuintes e, consequentemente, desembocam no crescimento econômico, o qual

403
O princípio do não-confisco no direito tributário. São Paulo: Dialética, 2002, p. 26.
168

aumenta a arrecadação pelo incremento dos signos presuntivos de riqueza e concretiza a


justiça redistributiva; considerando os níveis praticamente confiscatórios da tributação
no nosso país, a concessão de incentivos fiscais pode, nesse contexto, proteger as
riquezas passíveis de tributação, impedindo que se extinga, ao mesmo tempo em que
corrigem, a injustiça sofrida, de certo modo, pelos contribuintes 404.
Marcos André Vinhas Catão 405 ressalta que é na concessão de incentivos
fiscais que se recorrerá, eventualmente mais até do que na tributação, aos princípios
constitucionais, que não ficam afastados nem perdem importância em razão da
extrafiscalidade que orienta a instituição daqueles. Ademais, são os próprios princípios
constitucionais que diferenciam, segundo esse autor, os incentivos legítimos dos
ilegítimos (privilégios).
Defende, ainda, que não nos devemos restringir aos princípios tributários, mas
sempre tratar o tema de modo global, considerando princípios da ordem econômica e
financeira, bem como da ordem social, pertinentes aos incentivos fiscais em decorrência
da extrafiscalidade que os envolve 406.
Nesse contexto, cita exemplos de incentivos fiscais justificados com base nos
princípios insculpidos no artigo 3º da Constituição Federal: interrupção do
funcionamento de uma indústria por catástrofes naturais; região que sofre os transtornos
inevitáveis causados por obras públicas, que obstaculizam, por exemplo, o acesso aos
locais de produção; crise no setor energético brasileiro entre 2001 e 2002, que,
independentemente de suas origens, justificou a concessão de incentivos fiscais. Trata-
se de casos em que a força maior, a calamidade pública e demais hipóteses semelhantes
justificam que se utilizem os incentivos fiscais como medida contributiva para solução
emergencial do problema 407, com base no artigo 3º da Constituição Federal, o qual,
mesmo harmonizado com os princípios tributários, é um fundamento do Estado como
um todo.
Neste capítulo, trataremos dos princípios específicos que deverão nortear a
concessão dos incentivos fiscais.

404
GRUPENMACHER, Betina Treiger. Das exonerações tributárias. Incentivos e benefícios fiscais. In.:
______; CAVALCANTE, Denise Lucena; RIBEIRO, Maria de Fátima; QUEIROZ, Mary Elbe.
Novos horizontes da tributação: um diálogo luso-brasileiro. Coimbra: Almedina, 2012, p. 13, 59.
405
Regime jurídico dos incentivos fiscais. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 17.
406
Ibid., p. 37-38.
407
Ibid., p. 41.
169

6.2 O Desenvolvimento Econômico Nacional como princípio norteador dos


incentivos fiscais

Quando analisamos os incentivos fiscais perante a Constituição Federal de


1988, identificamos um princípio bastante evidente, baseado no desenvolvimento
econômico, o qual é consagrado, inevitavelmente, como um princípio constitucional.
Assim dispõe o artigo 3º, II, da CF: “Art. 3º: Constituem objetivos
fundamentais da República Federativa do Brasil: […] II - garantir o desenvolvimento
nacional”.
Atrelado a esse princípio, a Constituição Federal dispõe sobre a necessidade de
tratamento igualitário para o desenvolvimento das diversas regiões do país, cuja
previsão encontra-se expressa nos artigos 23 e 151, I, bem como no artigo 170, VII e IX
da CF.
Podemos dizer, então, que estes princípios servem de base para a concessão
dos incentivos fiscais e deverão balizar as normas de concessão de tais incentivos.
Nota-se que o princípio do desenvolvimento econômico nacional não deverá
buscar tão somente o crescimento econômico, e sim a conjugação de melhorias capazes
de desenvolver o bem estar da sociedade de todas as regiões do país, o que somente é
possível por meio de um planejamento estatal, contínuo e estruturado, focado não
somente em aspectos econômicos mas também de bem-estar da sociedade como um
todo.

6.3 Princípio da Isonomia: princípio elementar da Federação

Igualmente direcionado ao legislador e ao aplicador do direito, o princípio da


isonomia deve envolver todas as demais regras do direito em razão do princípio da
legalidade, que o deve assegurar, no sentido de que legalidade sempre atenderá à
legalidade.
José Souto Maior Borges 408 destaca a igualdade jurídica das pessoas políticas
constitucionais, que representa o princípio elementar da federação brasileira: União,
Estados e Municípios coexistem com competências exclusivas e distintas, determinadas

408
Lei complementar tributária. São Paulo: Revista dos tribunais, 1975, p. 8.
170

pela Constituição Federal, cujas leis encontram fundamento de validade, traduzindo-se


na autonomia de cada ente. Isso significa que não há hierarquia entre as normas editadas
pela União, pelos Estados ou pelos Municípios. A atribuição de competências de cada
um dos entes confirma a liberdade e age como limitador material de legislação.
Ressalta Celso Antônio Bandeira de Mello 409 a importância do princípio da
igualdade que estabelece uma certa paridade entre os cidadãos em face da norma que
regula suas condutas, desde a gênese dessa mesma norma.
Apesar de o artigo 5º, caput, da Constituição Federal dispor inicialmente sobre
a igualdade perante a lei, o valor “isonomia” está presente em diversos outros
dispositivos, cujo contexto não deixa dúvida sobre a obrigação da observância desse
princípio na formulação do instrumento legislativo. Assim, o princípio da isonomia,
reforçamos, alcança desde a criação até a aplicação das normas.
A concessão de incentivos fiscais tem íntima relação com a obediência ao
princípio da isonomia, dado que, ao conceder incentivos fiscais, cada ente federado
deve buscar a sua esfera de competência respectiva, com observância da paridade
existente entre cada qual, além da necessidade de observância em estabelecer incentivos
fiscais que não venham a instituir desigualdade de condições sem o respectivo
fundamento de validade.
De fato, os incentivos fiscais podem provocar a afronta ao princípio da
isonomia, se concedido sem a verificação dos princípios constitucionais, visando a um
mero favorecimento a determinada empresa, por exemplo, em detrimento de outras do
mesmo segmento. Verificada a arbitrariedade na concessão dos incentivos, este poderá
ser invalidado por meio de provocação do Poder Judiciário.
Ressalta-se que eventual tratamento que venha a estabelecer diferenciação para
a concessão de incentivos deverá estar fundamentado na própria Constituição Federal,
pois deverá ser compatível com outros valores aptos a justificar a “desigualação”.
Assim, o fator de discrímen deve ter amparo constitucional.
No direito tributário, o artigo 150, II, da Constituição Federal é considerado
como o fundamento da isonomia tributária. Referido dispositivo legal estabelece:

409
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed.
São Paulo: Malheiros, 2002, p. 10.
171

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao


contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios:
II- instituir tratamento desigual entre os contribuintes que se
encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em
razão de ocupação profissional ou função por eles exercida,
independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos
ou direitos.

O legislador, portanto, não está livre para desigualar contribuintes em se


tratando da instituição de incentivos fiscais, especialmente por estar diante de uma
situação inversa à da tributação, em que o Estado fatalmente abrirá mão de
determinados recursos (receitas).
Dessa forma, é necessário que o princípio da isonomia, em se tratando de
incentivos fiscais, seja sempre observado com a aplicação conjunta do princípio do
desenvolvimento nacional, este último fundamento de validade dos incentivos.

6.4 Princípio da Capacidade Contributiva como elemento balizador na concessão


dos Incentivos Fiscais

O princípio da capacidade contributiva, previsto no artigo 145, § 1º, da


Constituição Federal, é um desdobramento do princípio da igualdade. Uma vez vedado
o tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente
(artigo 150, II, da Constituição Federal), os impostos devem ser cobrados de acordo
com a capacidade econômica do contribuinte. O fim último buscado por esses dois
princípios é a justiça fiscal.
O princípio da capacidade contributiva é delimitado, de um lado, pelo mínimo
existencial, o qual não pode ser ultrapassado sob pena de violação à dignidade da pessoa
humana. No outro extremo, limita-se no efeito confiscatório, proibido na cobrança de
tributos em razão do direito de propriedade 410.
A busca pelo equilíbrio da tributação, desse modo, é alcançada com a
observância desses princípios tanto na tributação em si, como na desoneração tributária,
ou seja, no exercício da competência tributária. Incentivos fiscais são instituídos com

410
GRUPENMACHER, Betina Treiger. Das exonerações tributárias. Incentivos e benefícios fiscais. In.:
______; CAVALCANTE, Denise Lucena; RIBEIRO, Maria de Fátima; QUEIROZ, Mary Elbe.
Novos horizontes da tributação: um diálogo luso-brasileiro. Coimbra: Almedina, 2012, p. 48.
172

várias funções, dentre elas como instrumentos para equilibrar a desigualdade na


distribuição do ônus tributário.
Para Alberto Xavier 411 , o princípio da igualdade, na temática analisada,
justifica a supressão de incentivos fiscais não condizentes com as diretrizes dos
modernos Estados de Direito, tendo como baliza a capacidade contributiva.
Segundo Betina Treiger Grupenmacher 412 , um sistema tributário que se
pretenda igualitário deve observar a igualdade dos sujeitos passivos quer na instituição e
majoração dos tributos, quer na desoneração tributária, além da neutralidade, pela qual
todos devem sujeitar-se à tributação na mesma intensidade. Portanto, a concessão de
incentivos fiscais não escapa ao princípio da capacidade contributiva e da igualdade,
pois, sendo mecanismo de direito tributário, é regida pelos princípios pertinentes a esse
subconjunto normativo. A concessão de incentivos fiscais revela-se como instrumento
eficiente de realização da igualdade e, consequentemente, da justiça fiscal, exatamente
por distribuir a carga tributária com vistas ao equilíbrio entre os seus destinatários.
Mesmo na concessão de incentivos com fins extrafiscais, deve-se observar a
capacidade contributiva, de maneira atenuada; como explica Betina Treiger
Grupenmacher 413, atenuação enquanto consequência do princípio da isonomia, e não no
sentido comum de poupar os menos favorecidos e intensificar quanto aos mais
favorecidos economicamente 414.
Destaca a autora que, além do viés da capacidade contributiva, vinculada à
isonomia, aos incentivos fiscais que almejam realizar a justiça fiscal, devem atender

411
“E daí que certas isenções não só não colidam como até sejam impostas pelo princípio da igualdade na
aludida acepção: referimo-nos em especial às isenções que visam salvaguardar os recursos
económicos vitais dos sujeitos, designadamente as isenções de mínimo nos impostos directos sobre o
rendimento e as isenções dos bens de primeira necessidade nos impostos sobre a despesa”. (XAVIER,
Alberto. Manual de direito fiscal I. Lisboa: Manuais da Faculdade de Direito de Lisboa, 1974, p.
286).
412
GRUPENMACHER, Betina Treiger. Das exonerações tributárias. Incentivos e benefícios fiscais. In.:
______; CAVALCANTE, Denise Lucena; RIBEIRO, Maria de Fátima; QUEIROZ, Mary Elbe.
Novos horizontes da tributação: um diálogo luso-brasileiro. Coimbra: Almedina, 2012, p. 55.
413
Ibid., p. 56.
414
“Conforme salientamos, pensamos que, embora em menor grau, o princípio da capacidade
contributiva há de ser respeitado também na extrafiscalidade, quer na cobrança de tributos, quer nas
exonerações tributárias, quando utilizadas como mecanismo de redistribuição da carga tributária.
Concluímos assim que a extrafiscalidade ínsita aos benefícios e incentivos fiscais os afasta do
princípio da capacidade contributiva em seu sentido estrito; no entanto, a sua relevância e legitimidade
jurídica não podem ser negadas. Embora não se possa defender, em relação às exonerações tributárias,
serem, a priori, instrumentos realizadores de justiça fiscal, no sentido de serem respeitantes ao
princípio da capacidade contributiva, é possível concluir que realizam a justiça fiscal no seu conceito
amplo, no qual está compreendida a justiça social”. (ibid., p. 74, grifos do autor).
173

interesses públicos importantes e considerar os princípios da generalidade, da


neutralidade e da praticabilidade da tributação 415.

6.5 O Princípio da Legalidade como elemento indispensável à concessão dos


incentivos

Em íntima relação com os princípios acima relatados, especialmente o da


isonomia, o princípio da legalidade é ferramenta daquela (isonomia). Como toda norma,
sua compreensão requer a consideração dos demais princípios com que se comunica,
não apenas da igualdade, independentemente da ação estatal envolvida. Em razão disso,
tanto o legislador quanto o aplicador devem observá-la. A existência de poderes
independentes e harmônicos garante a eficácia desse princípio.
Especialmente no tocante ao ato de editar normas, a legalidade impõe que
sejam realizados almejando os interesses da sociedade, uma vez pressuposto seu
consentimento.
Se ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em
virtude de lei, na esfera tributária esse princípio aparece como estrita legalidade, no
artigo 150, I, da Constituição Federal. Toda norma jurídica deve corresponder, material
e formalmente, a uma das espécies normativas arroladas pela Constituição, sem vícios
em sua produção; caso contrário, não impedirá arbitrariedades do Estado. A lei tem
exatamente esse poder quando é lhe é dada soberania, tal como ocorre no Estado
Brasileiro, que é democrático e de direito.
Nesse contexto, trazemos os ensinamentos de Paulo de Barros Carvalho 416 ,
para quem o princípio ora comentado simboliza a absoluta preponderância da lei e tem
residência em todos os campos do direito, em especial no direito tributário, de que nos
ocupamos. A instituição de tributos por meio da regra-matriz de incidência, ou mesmo a
elevação dos componentes do critério quantitativo, não pode se dar senão com
observância da estrita legalidade.

415
GRUPENMACHER, Betina Treiger. Das exonerações tributárias. Incentivos e benefícios fiscais. In.:
______; CAVALCANTE, Denise Lucena; RIBEIRO, Maria de Fátima; QUEIROZ, Mary Elbe.
Novos horizontes da tributação: um diálogo luso-brasileiro. Coimbra: Almedina, 2012, p. 59.
416
Direito tributário: linguagem e método. 5. ed. São Paulo: Noeses, 2013, p. 301.
174

Mais do que determinar que a exigência de tributos seja lastreada em lei, o


princípio da estrita legalidade impõe que cada ato de exigência tenha amparo em lei que
traga a hipótese de incidência em toda sua integridade constitutiva, bem como descreva
minuciosamente a relação que será implicada na subsunção.
Consoante anota Betina Treiger Grupenmacher 417, os princípios da legalidade e
da igualdade, acima comentados, são imprescindíveis à verificação da legitimidade dos
incentivos fiscais, tanto que fundamentam, em muitas situações, os pleitos de
contribuintes não alcançados por um determinado incentivo.
Não se pode considerar um incentivo fiscal que não guarde obediência ao
princípio da legalidade, porque este princípio, enquanto corolário da atividade de
tributar, é, por decorrência lógica, inerente à atividade de suprimir ou diminuir o quanto
de tributo a pagar.

6.6 O Princípio Federativo como núcleo fundamental para a concessão dos


incentivos fiscais

Conforme já ressaltamos no Capítulo 2 do presente trabalho, a observância ao


Pacto Federativo é de extrema relevância quando tratamos de incentivos fiscais. Do
ponto de vista principiológico, no entanto, cabe-nos tecer algumas outras considerações.
O artigo 1º, da Constituição Federal, já nos informa da existência de ordens na
estrutura da Federação: ordem total (União), ordens regionais (Estados) e ordens locais
(Municípios – artigos 18, 29 e 30, da Constituição).
Roque Antônio Carrazza 418 entende que, no Brasil, o princípio federativo
funciona tal como uma coluna mestra do sistema jurídico, em que as ordens convivem
em harmonia. União e Estados-membros são hierarquicamente iguais, com campos de
ação independentes e exclusivos, dados pela Constituição, inalteráveis por lei. Sobre o
Município, dúvidas não há de que compõe a Federação, tendo em vista ser dotado de
capacidade de auto-organização, autolegislação, autogoverno e autoadministração.

417
GRUPENMACHER, Betina Treiger. Das exonerações tributárias. Incentivos e benefícios fiscais. In.:
______; CAVALCANTE, Denise Lucena; RIBEIRO, Maria de Fátima; QUEIROZ, Mary Elbe.
Novos horizontes da tributação: um diálogo luso-brasileiro. Coimbra: Almedina, 2012, p. 29.
418
Curso de direito constitucional tributário. 27. ed., revista, ampliada e atualizada até a Emenda
Constitucional n. 67/2010. São Paulo: Malheiros, 2011.
175

Toda essa autonomia, que se pode chamar também de princípio, vincula-se, em


última análise, à repartição de competências e está na base do princípio republicano 419.
A competência tributária dos Municípios, entretanto, é limitada pelos próprios
interesses da Federação, considerada em sua totalidade integrativa, como no caso em
que a Constituição reserva à lei complementar (de caráter nacional), por exemplo, o
regramento de certas matérias do interesse do Município também, tudo em nome do
funcionamento pretensamente harmônico do sistema tributário.
Sem prejuízo disso, a federação, ao lado da autonomia dos Municípios, é
princípio que permeia todo o sistema tributário.
A importância desse princípio se revela em concreto com nomeação, em 2012,
de comissão de especialistas para reflexões acerca do pacto federativo, no contexto da
guerra fiscal, em cujo cerne está a concessão de estímulos fiscais no âmbito do Imposto
sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS).
Na opinião de Paulo de Barros Carvalho 420, o princípio federativo, dirigido a
todos os legisladores da federação, está intimamente ligado ao princípio republicano e
ao da igualdade, os quais, em seu conjunto no ordenamento, consubstanciam a própria
ideia ou identidade do Estado brasileiro. Como nenhuma norma está isolada no
ordenamento, mas sempre em inter-relação com as demais, os princípios republicano e
federativo atuam juntos, porque são indissociáveis, inseparáveis, influenciando a
maneira de interpretar os outros princípios ou normas, dado seu caráter elementar 421.
Os incentivos fiscais, enquanto normas jurídicas, têm estreita relação com o
princípio federativo, já que a competência tributária delimitada a cada ente da federação
é o efetivo limite para a concessão de incentivos fiscais. Cada ente deverá, sempre, que
ater-se à sua esfera de competência originariamente definida pelo Constituinte, a fim de
que a federação não seja violada.

419
“Posta a autonomia municipal como princípio constitucional dos mais eminentes – ao lado da forma
republicana representativa e democrática (art. 34, VII, ‘a’) e da independência dos poderes (inciso IV)
–, protegido pela mais drástica das sanções institucionalmente previstas (a intervenção federal, art.
34), é, no Brasil, ingrediente necessário e ínsito da própria república; é decorrência imediata e
indissociável do princípio republicano”. (ATALIBA, Geraldo. República e constituição. 6. ed., 9.
tiragem. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 46).
420
CARVALHO, Paulo de Barros; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Guerra fiscal: reflexões sobre a
concessão de benefícios no âmbito do ICMS. São Paulo: Noeses, 2012, p. 29 et seq.
421
“Nenhuma lei pode ser interpretada sem que se conforme à exegese desses dois princípios. Nesses
termos, podemos apresentar afirmativa peremptória de que um não é o outro, mas um está pelo outro.
Tanto o princípio republicano quanto o princípio federativo são os alicerces necessários da presente
formação do Estado Brasileiro”. (ibid., p. 30).
176

6.7 Princípio da Uniformidade Geográfica da Tributação

Com sede no artigo 151, I, da Constituição Federal, o princípio da


uniformidade geográfica da tributação está intimamente relacionado com o princípio
federativo, antes retratado, bem como da autonomia dos Municípios.
Em decorrência, também se relaciona ao tema da guerra fiscal e, desse modo,
aos incentivos fiscais, como o estabelecimento de políticas sociais visando minimizar as
desigualdades regionais, por exemplo. Daí porque Ives Gandra da Silva Martins 422
afirma que uma política que vise reequilibrar desequilíbrios regionais tributários está a
cargo apenas da União, consubstanciando a única hipótese de descompetitividade
tributária que não fere a Lei Maior.
Para Paulo de Barros Carvalho 423 , a concessão de incentivos fiscais com o
objetivo de redistribuir riquezas pelo território nacional e propiciar desenvolvimento
social e econômico a algumas regiões do país, consideradas carentes, por meio da
atração de investimentos, é a hipótese autorizada para tratamento tributário diferenciado
entre os entes federativos. Tem-se, desse modo, exceção à regra da uniformidade
geográfica, que implica à União instituir apenas tributos uniformes no território
nacional, corroborando tanto o princípio federativo quanto o da autonomia dos
Municípios a impedir diferenciações positivas ou negativas para um Estado, Município
ou o Distrito Federal em relação aos demais entes federados.

6.8 Incentivos Fiscais no Tempo: anterioridade e segurança jurídica

6.8.1 Da necessidade de observância ao Princípio da Anterioridade para a


revogação dos incentivos fiscais

Em fina sintonia com o sobreprincípio da segurança jurídica, o princípio da


anterioridade, insculpido no artigo 150, III, “b” e “c”, da Constituição Federal, traz um
lapso temporal que preserva a tranquilidade do contribuinte protegida por aquele

422
CARVALHO, Paulo de Barros; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Guerra fiscal: reflexões sobre a
concessão de benefícios no âmbito do ICMS. São Paulo: Noeses, 2012, p. 13-14.
423
Ibid., p. 39-40.
177

sobreprincípio, bem como permite o planejamento da conduta em razão do


conhecimento antecipado, dado ao potencial sujeito passivo acerca da obrigação que lhe
advirá.
Como à aptidão para tributar corresponde a aptidão para não tributar, o que
pode ocorrer por meio de algumas espécies de incentivos fiscais, entende-se que os
princípios que regem a tributação regem, igualmente, a atividade de conceder incentivos
fiscais 424.
É o que ocorre com o princípio da anterioridade. Afinal, a revogação de uma
isenção (espécie de incentivo fiscal) gera os mesmos efeitos da instituição ou majoração
de um tributo: maior dispêndio por parte do contribuinte. No entender de Roque
Antônio Carrazza 425, não havendo o efeito repristinatório no direito tributário pátrio,
tem-se que a lei se dirige ao que deve ser no futuro, pois é inadmissível que os direitos
das pessoas fiquem à mercê das alterações legislativas, mormente quando se trata de
tributos; desse modo, lei revogada não volta a produzir efeitos.
Assim, a revogação de lei que instituía isenção, seguida da reposição do tributo
pela nova lei, deve observar o princípio da anterioridade como espelho do princípio da
segurança jurídica, nos tributos a que tal princípio se aplica.
Nesse contexto, Roque Antônio Carrazza 426 assinala que o decreto legislativo é
instrumento hábil para ratificar os convênios interestaduais e instituir isenções
tributárias no âmbito do ICMS. Do mesmo modo que Estado ou Distrito Federal não
podem, mediante lei ordinária, instituir isenções, também não as podem revogar, porque
isso pressupõe novos convênios a serem ratificados por novos decretos legislativos.
Esses, por fim, revelam-se aptos também para revogar as isenções e, assim,
subordinam-se ao princípio da anterioridade.
Importante estabelecer que, em se tratando de incentivos fiscais no tempo,
estes podem ser, muitas vezes, concedidos em caráter transitório ou permanente, com ou
sem determinadas condições.

424
Curso de direito constitucional tributário. 27. ed., revista, ampliada e atualizada até a Emenda
Constitucional n. 67/2010. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 233.
425
Ibid., p. 235 et seq.
426
Ibid., p. 239-240.
178

Para esta análise, levamos em consideração os diversos estudos de isenção já


realizados, pois entendemos que, embora sejam espécies de incentivos, as regras de
anterioridade e segurança jurídica se amoldam às mesmas circunstâncias.
Os incentivos fiscais transitórios ou temporários perduram por determinado
período de tempo, ou seja, se a sua limitação no tempo é fixada pela própria lei que
concede os incentivos fiscais, pois, nesses casos, supõe-se que os contribuintes
incentivados poderão suportar a tributação, uma vez findo o período para o qual foram
estipulados os incentivos 427.
Roque Antônio Carrazza 428, quando analisa o instituto das isenções com prazo
indeterminado, entende que elas podem ser revogadas 429, quer total, quer parcialmente,
por meio de veículo próprio (lei), observado o princípio da anterioridade quando
pertinente, sem direito à indenização, mesmo que onerosa (condicional). Tal revogação,
a seu ver, pode ser expressa ou tácita (nesta, ocorre a criação ou recriação de tributo
idêntico ao que havia sido isentado). Ainda, do mesmo modo, as isenções com prazo
certo também podem ser revogadas ou alteradas antes do final de sua duração, porque a
lei não pode restringir o legislador do futuro, impedindo o Estado de exercer suas
competências legislativas. Também nessa hipótese há de se respeitar o princípio da
anterioridade, se se tratar de imposto a ele sujeito. Para esse estudioso, a revogação
antecipada de isenção com prazo certo e gratuita (incondicional) não é indenizável e não
gera direito adquirido. Em todo caso, isenção de qualquer espécie juridicamente
constituída não é atingida pela revogação, pois a Constituição Federal põe a salvo o ato
jurídico perfeito 430.
Conforme mencionado, ainda que Roque Carrazza tenha analisado a questão
temporal para as isenções, entendemos que essas conclusões podem ser perfeitamente

427
BORGES, José Souto Maior. Teoria geral da isenção tributária. 3. ed., 3. tiragem. São Paulo:
Malheiros, 2011, p. 281.
428
Curso de direito constitucional tributário. 27. ed., revista, ampliada e atualizada até a Emenda
Constitucional n. 67/2010. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 968.
429
“A isenção permanente somente cessa de produzir os seus efeitos com a superveniência de lei
revogadora. A isenção temporária, inversamente, é instituída por um prazo fixado de logo na própria
lei que a estabelece ou, noutros termos, a isenção temporária tem sua vigência fixada na lei que a
regula”. (BORGES, op. cit., loc. cit.).
430
“É evidente que a lei revocatória nunca alcançará as isenções (seja as com prazo certo, seja as com
prazo indeterminado) que se perfizerem juridicamente, produzindo os efeitos que lhes eram próprios.
Deveras, ela, em razão da norma constitucional que protege o ato jurídico perfeito, não poderá alterar
ou destruir os benefícios fiscais auferidos sob o império da antiga lei isentiva”. (CARRAZZA, op. cit.,
p. 969).
179

aplicáveis aos incentivos fiscais, dado que os efeitos gerados, quando revogados, são
semelhantes.
Um outro exemplo a ser mencionado é o relativo às isenções incondicionais
(unilaterais ou gratuitas) denominadas aquelas que não exigem, para sua fruição,
431
qualquer contrapartida do beneficiário , enquanto as chamadas condicionais
dependem do implemento de condição legalmente prevista, razão pela qual também são
conhecidas como bilaterais ou onerosas. Por óbvio, a condição não pode ser natureza tal
que compense o próprio benefício advindo da isenção, mostrando-se mais onerosa, ao
final, do que o próprio pagamento do tributo isentado, devendo apresentar-se razoáveis
e adequadas, além de conformes aos princípios constitucionais tributários 432.
Especialmente sobre as isenções com prazo certo e condicionais, afirma Roque
Antônio Carrazza 433 que, se revogadas antes do término de seu prazo, não prejudicam
os contribuintes que implementaram o requisito de sua fruição e, por isso, poderão
usufruir de suas vantagens até o final do lapso incialmente previsto na lei isentiva, como
se revogação não houvesse. Ele entende que, nesses casos, o destinatário da isenção que
cumpre a condição incorpora as vantagens dessa modalidade de isenção ao seu
patrimônio, o que configura direito adquirido de se valer do benefício pelo tempo
previsto na lei que instituiu a isenção, em atenção ao artigo 5º, XXXVI, da Constituição
Federal. Para ele, o direito adquirido e o ato jurídico perfeito ensejam a ultratividade da
lei anterior disciplinadora das situações que se consumaram durante sua vigência, ainda
que, depois da entrada em vigor de lei nova, em virtude da segurança jurídica 434. A lei
revogadora da isenção condicional e com prazo certo regerá as situações futuras; as
anteriores, abrangidas pela lei isentiva, estão incorporadas ao patrimônio do
contribuinte que preencheu as condições, o qual, por essa razão, não será tributado
durante prazo previsto naquela lei (não sofrerá os efeitos da lei revogadora) 435.

431
Sobre o beneficiário da isenção incondicionada, afirma Roque Antônio Carrazza (Curso de direito
constitucional tributário. 27. ed., revista, ampliada e atualizada até a Emenda Constitucional n.
67/2010. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 972) que “Este, portanto, não tem de suportar nenhum ônus
em troca da vantagem fiscal. O isento não assume, no caso, nenhuma obrigação em troca da outorga
do benefício. É suficiente seja colhido pela hipótese de incidência da isenção”.
432
Ibid., p. 969-972.
433
Ibid., p. 972 et seq.
434
Ibid., p. 981.
435
“Presume-se que a lei que concede uma isenção com prazo certo, condicional, traduz o anseio da
pessoa política que a editou de obter, dos virtuais contribuintes, um dado comportamento, reputado de
interesse geral. Ora, tal lei isentiva não tem outro significado senão proteger, para o futuro, seus
beneficiários, isto é, aquelas pessoas que cumpriram os requisitos para não serem tributadas. Se
180

436
José Souto Maior Borges observa que a lei revogatória que
discricionariamente priva da vantagem econômica o beneficiário que cumpriu os
requisitos necessários à sua fruição é incompatível com o prescrito no artigo 5º,
XXXVI, da Constituição Federal. Para ele, no caso de isenção tributária incondicional
(sem contraprestação exigida do beneficiário) e sem prazo, pode ocorrer revogação a
qualquer tempo pelo ente competente, mediante lei embasada na livre convicção do
legislador, na conveniência e oportunidade do ato em função dos critérios de política
fiscal por ele julgados relevantes.
Já nas isenções condicionais, há condições e requisitos previstos em lei, para
sua concessão, mormente investimentos e outros gastos. Essas condições e requisitos
obstam a revogação pura e simples da isenção, porque certamente se instalaria um
ambiente de insegurança no qual nenhuma pessoa colocaria em risco seus recursos a fim
de receber uma vantagem que pode transformar-se, ao final, em verdadeiro prejuízo.
Portanto, a revogação de isenções temporárias e condicionais tem como impedimento
exatamente essas condições e requisitos exigidos para sua concessão, enquanto
perdurarem, caracterizando direito adquirido. Se a isenção que se pretende revogar foi
concedida com prazo certo e tendo em vista contrapartidas do beneficiário, então não
ocorrerá a qualquer tempo. Mantém-se irrevogável até o final do prazo para o qual foi
concedida 437 . Há direito adquirido porque a concessão da isenção, segundo esse
estudioso, coloca o beneficiário em situação protegida da discricionariedade
administrativa, tendo em vista o conjunto de direitos, deveres e obrigações que
constituem o status do beneficiário da isenção.
E, nesse contexto da possibilidade de revogação de isenção condicionada e
com prazo certo, questiona José Souto Maior Borges quem são os destinatários do
artigo 178, do Código Tributário Nacional, afastando-se, desde logo, o particular, que
em nada interfere no processo legislativo, e o legislador propriamente dito, que tem
poder de revogar a isenção a qualquer tempo. Em conclusão, a irrevogabilidade está em

entendermos que ela pode, sem nenhuma consequência jurídica, ser revogada antes do prazo,
estaremos, ipso facto, admitindo que ao legislador é dado iludir os contribuintes, levando-os, por meio
de artimanhas, a certas condutas para, depois, atingido o desiderato, retirar-lhes o benefício”.
(CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 27. ed., revista, ampliada
e atualizada até a Emenda Constitucional n. 67/2010. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 982).
436
Teoria geral da isenção tributária. 3. ed., 3. tiragem. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 78 et seq.
437
“Chega-se a sustentar em doutrina que aplicar a lei revogadora antes do término do prazo para o qual
foi deferida a isenção equivale a aplicar retroativamente a lei nova: a que reduziu ou encerrou o prazo
de duração ao benefício”. (ibid., p. 81).
181

fina sintonia com a proteção constitucional ao direito adquirido, que preserva a


aplicabilidade da lei revogada (ultra-aplicabilidade).
Incentivo transitório ou com prazo certo é aquele cujo termo final de existência
está assinalado em seu veículo introdutor, ao contrário do chamado permanente ou com
prazo indeterminado, cujo termo final de existência não está fixado de antemão.
Partindo da premissa de que os motivos da concessão de isenções extrafiscais
são extensíveis às demais espécies de incentivos, Marcos André Vinhas Catão 438
aproxima a análise daquelas e desses quanto ao aspecto temporal (prazo certo ou
indeterminado) e à aplicabilidade (condicionada ou incondicionada). Em atenção ao
artigo 178, do Código Tributário Nacional 439, e também à súmula n. 544, do Supremo
Tribunal Federal 440, ele entende que a isenção concedida sob certas condições e a prazo
certo pode ser revogada, desde que se observem alguns pressupostos, porque nesses
casos é exigido do destinatário da isenção uma prestação ou ação que só é praticada em
virtude dessa forma de exclusão do crédito tributário.
A irrevogabilidade seria, a seu sentir, uma negação da transitoriedade como
característica de isenções extrafiscais (incentivos), convertendo exceção em regra e
vice-versa. Ademais, a irrevogabilidade se traduziria em verdadeiro impedimento ao
exercício da competência tributária e, por fim, numa imoralidade administrativa, na
medida em que a perpetuidade não permitiria a reavaliação das circunstâncias que
levaram à instituição de dada isenção extrafiscal.
Nesse mesmo contexto do artigo 178, do Código Tributário Nacional, ele trata
do diferimento, tomando-o como espécie de isenção sob o aspecto formal, qual seja,
isenção condicionada. Nela, o aperfeiçoamento se dá apenas na ocorrência do(s)
evento(s) futuro(s) que enseja(m) sua caracterização; com esse(s) evento(s), o crédito
tributário se tornaria exigível, ao passo que sem ele a obrigação tributária restaria
fortalecida aos sujeitos passivos das operações precedentes, livrados do recolhimento do
tributo ante o diferimento. É que, para esse autor, admitir a não exigência do crédito
tributário quando não cumprida a condição implicaria eternizar o diferimento e o

438
Regime jurídico dos incentivos fiscais. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 79-81.
439
“Art. 178 - A isenção, salvo se concedida por prazo certo e em função de determinadas condições,
pode ser revogada ou modificada por lei, a qualquer tempo, observado o disposto no inciso III do art.
104.”
440
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula nº 544. Isenções tributárias concedidas, sob condição
onerosa, não podem ser livremente suprimidas. Julgamento: 03 dez. 1969. Órgão Julgador: Sessão
Plenária: Publicação: DJ, 10 dez. 1969.
182

transformar em isenção pura, com violação aos requisitos formais e materiais para sua
concessão 441.
A propósito, convém esclarecer nosso entendimento acerca das expressões
obrigação tributária e crédito tributário, pois são ambos ambíguos. Obrigação
tributária pode ser entendida como uma quantia em dinheiro, um dever jurídico de uma
pessoa de praticar ou não uma conduta, o dever jurídico de uma pessoa especialmente
entregar uma quantia em dinheiro, uma relação jurídica, uma norma jurídica, um
elemento da norma jurídica; enfim, as acepções são diversas.
Por obrigação tributária, tomada em sentido amplo, devemos entender o dever
jurídico de que está investida uma pessoa de realizar determinada conduta (dar, fazer ou
não fazer), relativamente a uma outra pessoa, pois o Direito tem como objeto regular
condutas intersubjetivas, isto é, entre pessoas distintas, lembrando que a irreflexividade
é uma de suas características 442 . A obrigação tributária é, a nosso sentir, a própria
relação jurídica implicada por um fato jurídico. Trata-se do próprio prescritor da norma
jurídica tributária em sentido estrito.
Portanto, a obrigação, nessa concepção que adotamos, não é norma jurídica,
mas parte ou componente de norma jurídica, com o que está abrangida pelo sistema do
direito positivo, cujos elementos, como afirmados alhures, são exclusivamente normas
jurídicas.
Do mesmo modo que obrigação tributária, crédito tributário é expressão que
contempla mais de uma significação. Apesar disso, consideramos crédito tributário
como o direito subjetivo do sujeito ativo na relação jurídica tributária que o permite ver
satisfeito seu objeto. Por isso, não se pode falar em obrigação tributária sem crédito
tributária ou vice-versa. Na esteira do que adotado pelo Código Tributário Nacional,
Marcos André Vinhas Catão parece diferenciar as expressões que ora comentamos,
admitindo o nascimento da obrigação e do crédito tributário em momentos distintos,
como se a primeira surgisse com a ocorrência do chamado fato gerador e o segundo
outro ato.

441
CATÃO, Marcos André Vinhas. Regime jurídico dos incentivos fiscais. Rio de Janeiro: Renovar,
2004, p. 85.
442
“Hipótese genuína de relação irreflexiva é a jurídica, dado que ninguém pode estar, juridicamente, em
relação consigo próprio. O direito pressupõe, inexoravelmente, dois sujeitos distintos, no mínimo,
como imperativo de sua fundamental bipolaridade”. (CARVALHO, Paulo de Barros. Direito
tributário: linguagem e método. 5. ed. São Paulo: Noeses, 2013, p. 104).
183

Conforme as premissas inicialmente fixadas, não há direito sem linguagem:


antes da conversão, mediante linguagem, do evento fenomênico em fato jurídico, no
caso, tributário, não há obrigação tributária, muito menos seus elementos crédito e
débito isoladamente. A obrigação tributária surge para o mundo jurídico no mesmo
instante em que o crédito tributário, porque não pode surgir sem um de seus elementos.
Após esse paralelo, concluímos que os incentivos fiscais devem se ater ao
princípio da anterioridade, especificamente para os casos de isenção – lembrando que a
maioria das espécies, conforme concluímos, enquanto fenômeno, pode enquadrar-se
nesta categoria. Assim fixamos nosso entendimento, pois, uma vez revogado o
incentivo fiscal, haverá inevitavelmente a submissão ao regramento tributário da norma
padrão de incidência tributária, de modo que há de ser estabelecido um mínimo de
previsibilidade ao contribuinte submetido, até então, às regras mais brandas de
tributação.

6.9 O Princípio da Segurança Jurídica e a proteção aos contribuintes

Segundo Paulo de Barros Carvalho 443 , o princípio da segurança jurídica


decorre de fatores sistêmicos que aplicam a certeza do direito racional e objetivamente,
tendo em vista a coordenação do fluxo das relações intersubjetivas, possibilitando, com
isso, o sentimento de previsibilidade dos efeitos jurídicos da regulação da conduta
humana, tão caro à sociedade.
Explica-se: o sentimento de previsibilidade é importante para que os cidadãos
submetidos ao ordenamento possam planejar ou prognosticar suas condutas e
respectivos efeitos, sem “acasos” normativos. Exemplo de fácil compreensão em que a
segurança jurídica se realiza através do princípio da irretroatividade da lei é o caso da
lei penal.
Trata-se de um sobreprincípio implícito, que se realiza através dos demais
princípios, informando-os. A segurança jurídica é um dos pilares do ordenamento
jurídico porque permite que o sujeito de direitos saiba antecipadamente a eficácia
jurídica do fato, ou seja, o efeito que ele irá implicar em decorrência da positivação da
norma. Além desse viés para o futuro, garante os fatos já consumados, afastando

443
Direito tributário: linguagem e método. 5. ed. São Paulo: Noeses, 2013, p. 278.
184

imprevistos e dando condições a que os indivíduos e mesmo a sociedade de modo geral


possam, com confiança e segurança, decidir seu destino.
Se isso se aplica ao ordenamento como um todo, aplica-se também ao direito
tributário, trazendo tranquilidade ao contribuinte. Para Paulo de Barros Carvalho 444, a
bidirecionalidade passado/futuro permite a aferição do estado de segurança das relações
jurídicas.
No tocante à possibilidade de revogação indiscriminada de isenções
condicionais, afirma José Souto Maior Borges 445 que, em atenção ao princípio da
segurança jurídica, a possibilidade de cessação imediata da fruição do benefício fiscal,
com restauração da tributação, implicaria o desaparecimento de interessados, receosos
diante de tamanha insegurança jurídica.
Além disso, os incentivos fiscais, quando não guardarem a devida obediência
aos princípios e regras relacionados à concessão, deverão ser afastados do ordenamento
pelos mecanismos e procedimentos próprios. Todavia, sabemos que, muitas vezes, ao
afastar determinados incentivos fiscais, haverá, inevitavelmente, efeitos sobre os
contribuintes que se utilizam ou se utilizaram desses incentivos, bem como para o ente
federativo que os concedeu, além de atingir, em algumas situações, outros contribuintes
que estiverem relacionados às operações incentivadas. É fato que, em muitos casos, seja
o sujeito passivo, seja o sujeito ativo poderão arcar com a responsabilidade relacionada
ao ressarcimento dos prejuízos causados, porém é importante que o contribuinte não
seja penalizado em circunstâncias que escapem à sua alçada. É o que ocorre nos casos
de guerra fiscal, que será tratada mais detidamente no Capítulo 8, em relação à qual
contribuintes recebedores de mercadorias de outros Estados da federação, com
incentivos fiscais não aprovados pelo CONFAZ, sofrem a glosa de seus créditos, com a
aplicação de elevadas penalidades. Entendemos que situações como essa trazem efetiva
insegurança jurídica a todos os contribuintes da cadeia de operações, e, de certa forma,
o contribuinte que não se beneficiou de um incentivo não autorizado é penalizado, o
que, para nós, fere de forma implacável o princípio da segurança jurídica.

444
Direito tributário: linguagem e método. 5. ed. São Paulo: Noeses, 2013, p. 280.
445
Teoria geral da isenção tributária. 3. ed., 3. tiragem. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 80.
185

7 CONDICIONANTES FINANCEIROS AOS INCENTIVOS FISCAIS

7.1 Introdução

A preocupação com a renúncia fiscal tornou-se tema relevante, especialmente


após a promulgação da Lei Complementar nº 101/00 446, também conhecida como Lei de
Responsabilidade Fiscal, a qual cuidou de acerca de condicionantes para a concessão de
incentivos fiscais.
Não obstante, a Constituição Federal sempre prescreveu uma série de
princípios e normas de cunho orçamentário que condicionam a instituição, arrecadação
e a fiscalização de tributos e a previsão e realização das despesas públicas,
especialmente por meio dos artigos 70 e 153, § 4º, III.
O artigo 70 da CF, em sua redação originária, dispõe que o Congresso
Nacional exercerá o controle externo no que se refere à fiscalização contábil, financeira,
orçamentária, operacional e patrimonial da União no caso de subvenções e renúncias de
receita.
O artigo 153, § 4º, III, incorporado pela Emenda Constitucional nº 42/2003447,
dispõe acerca da proibição dos Municípios que optarem por cobrar fiscalizar o ITR, de
reduzir o imposto ou realizem qualquer forma de renúncia fiscal neste sentido.
Ainda, destaca-se que o artigo 165, § 6º da CF determina que o projeto da lei
orçamentária anual deverá ser acompanhado de demonstrativo regionalizado do efeito,
sobre as receitas e despesas, decorrentes de isenções, anistias, remissões, subsídios e
benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia. Esta disposição do Texto
Constitucional deixa clara a intenção de dar transparência ao trato da renúncia fiscal de
forma ampla, dando fundamento de validade a uma série de dispositivos
infraconstitucionais nesse sentido.
Isto é, muito antes da Lei Complementar nº 101/00, já havia no Texto
Constitucional uma preocupação com o controle orçamentário e com a renúncia de
receita pelos entes federados.

446
BRASIL. Presidência da República. Lei Complementar n. 101, de 4 de maio de 2000. Lei de
Responsabilidade Fiscal. Estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na
gestão fiscal e dá outras providências. Brasília: DOU, 5 maio 2000.
447
Id. Emenda Constitucional nº 42, de 19 de dezembro de 2003. Altera o Sistema Tributário Nacional
e dá outras providências. Brasília: DOU, 31 dez. 2003.
186

Com a edição da Lei Complementar nº 101/00, essa preocupação se


intensificou, de modo a tornar transparente a utilização de incentivos fiscais e no gasto
público pela Administração Pública.
Assim, a Lei de Responsabilidade Fiscal trouxe a regulamentação dos
princípios e normas orçamentários e constitucionais.
O § 1º, do art. 1º, da referida lei prescreve que a responsabilidade pela gestão
fiscal

[…] pressupõe a ação planejada e transparente em que se previnem


riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas
públicas, mediante o cumprimento de metas de resultados entre
receitas e despesas e a obediência a limites e condições no que tange a
renúncia de receita, geração de despesas com pessoal, da seguridade
social e outras, dívidas consolidadas e mobiliárias, operações de
crédito, inclusive por antecipação de receita, concessão de garantia e
inscrição em Restos a Pagar.

Verifica-se, então, que esse parágrafo traz uma síntese das regras que devem
ser observadas no trato responsável das finanças públicas, especialmente com ênfase
naquelas que tratam da renúncia de receita, que regulamentarão o chamado “controle
orçamentário” na concessão de incentivos fiscais.
Portanto, embora não seja o objeto direto do nosso trabalho, faz parte dele
analisar sobre as condicionantes de caráter financeiro, afetas aos incentivos fiscais e
seus respectivos contornos.

7.2 Os Incentivos Fiscais e a Lei de Responsabilidade Fiscal

7.2.1 O conteúdo semântico do termo renúncia

Considerando que nosso método de análise leva em consideração o direito


enquanto linguagem e que essa linguagem, enquanto muitas vezes imprecisa, vaga e
ambígua, necessita de elucidação quanto ao seu conteúdo semântico, especialmente
quando se trata de um trabalho científico, imperioso iniciar nossa análise com a
significação do termo renúncia, previsto no artigo 14 da Lei Complementar nº 101/00.
A renúncia de receita, de forma ampla, pode ser considerada o lado avesso da
arrecadação tributária realizada pelos entes federados. Ao mesmo tempo, a noção de
187

incentivo fiscal e renúncia de receita são, nada mais, do que ângulos diferentes de uma
mesma realidade.
Considerando que a concessão dos incentivos pelos entes tributantes decorre na
diminuição da arrecadação tributária – e aqui tratamos a arrecadação de forma ampla,
ainda que a diminuição não seja decorrente de tributo propriamente, mas de todo o rol
de obrigações a ele inerentes – e, consequentemente, na “perda” de determinada receita,
a Lei de Responsabilidade Fiscal disciplinou, em seu artigo 14, um rol de condições
para não autorizar que incentivos fiscais sejam concedidos de forma deliberada.
O referido artigo assim dispõe:

Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de


natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar
acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no
exercício em que deverá estar acompanhada de estimativa do impacto
orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência
e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes
orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições:
I - demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na
estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que
não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio
da lei de diretrizes orçamentárias;
II - estar acompanhada de medidas de compensação, no período
mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da
elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou
criação de tributo ou contribuição.
§ 1o A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito
presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de
alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução
discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que
correspondam a tratamento diferenciado.
§ 2o Se o ato de concessão ou ampliação do incentivo ou benefício de
que trata o caput deste artigo decorrer da condição contida no inciso
II, o benefício só entrará em vigor quando implementadas as medidas
referidas no mencionado inciso.
§ 3o O disposto neste artigo não se aplica:
I - às alterações das alíquotas dos impostos previstos nos incisos I, II,
IV e V do art. 153 da Constituição, na forma do seu § 1º; II - ao
cancelamento de débito cujo montante seja inferior ao dos respectivos
custos de cobrança”
188

A abrangência do mencionado dispositivo leva em consideração dois


elementos: i) a existência de tratamento diferenciado e ii) o impacto orçamentário e
financeiro que a medida implica. 448
Da leitura do mencionado dispositivo legal, verificamos que não há uma
proibição quanto à renúncia de receitas, requerendo, apenas, exigências de controle para
que elas possam ser operacionalizadas. Ademais, não diz respeito a todo e qualquer tipo
de renúncia de receita, mas apenas àquelas que sejam decorrentes da “concessão ou
ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária”.
O problema da renúncia de receitas é justamente o potencial que têm para
atingir o princípio federativo, como já tratado nos tópicos pertinentes, especialmente a
guerra fiscal. Nesse sentido, observam Regis Fernandes de Oliveira e Estevão
Horvath 449, expondo o propósito da lei, entre outros:

Ocorre que tal providência política gerava crescente rivalidade entre


Municípios e entre Estados, que renunciavam a parte da receita do
ICMS, o que redundava em confrontos inconvenientes. A nova lei
veio a dar grande passo na limitação de possíveis conflitos. […]
Os incisos I e II do art. 14 são fortes na resistência a que haja renúncia
indiscriminada de receita, de forma a evitar a concorrência predatória,
bem como a insuficiência de recursos por parte de Municípios ou
Estados, de forma a levá-los à impotência para cumprimento de suas
obrigações. Na sequência (sic), o que era normal, buscavam recursos
nas esferas superiores para nivelar seu orçamento. Era a consagração
máxima da incompetência ou da irresponsabilidade na gestão da coisa
pública. Agora, para que haja um benefício tributário, é
imprescindível que o Executivo diga de onde tirará a compensação
para manter o equilíbrio fiscal ou, então, por que meio irá compensar a
perda de arrecadação com o incentivo dado.

Pelo art. 14 mencionado, foram delimitados os aspectos necessários para


inviabilizar tentativas de instituição de incentivos indevidos, que prejudicam outros
entes federados e transferem a eles o ônus da renúncia, uma vez que é na União ou nos
Estados que esses entes irão buscar recurso para repasse 450.

448
CORREIA NETO, Celso de Barros. O avesso do tributo: incentivos e renúncias fiscais no direito
tributário. 2013. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo,
São Paulo, 2013, p. 205.
449
Manual de direito financeiro. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p.
41-42.
450
OLIVEIRA, Régis Fernandes de; HORVATH, Estevão. Manual de direito financeiro. 4. ed. rev.,
atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 43.
189

Nesse contexto, afirma Robson Maia Lins 451:

Pois bem, quando os Estados e o Distrito Federal firmam Convênio


autorizando que cada um deles estabeleçam isenção, por meio de
legislação interna, em relação a determinada operação, pode ocorrer
que determinado Estado que criou, efetivamente, a isenção ingresse
em situação fiscal deficitária, ferindo a Lei de Responsabilidade
Fiscal, que também é Lei Complementar Nacional (LC nº 101/2000) e
deve necessariamente ser considerada na interpretação da Lei
Complementar nº 24/75. Enquanto isso, os outros Estados que também
efetivaram a isenção podem não estar com suas metas fiscais
comprometidas, não tendo o menor interesse em revogar o
Convênio/Confaz. Nesse caso, o Estado deficitário, sabendo da
impossibilidade de revogar o Convênio/Confaz, revoga a legislação
interna que efetivou a isenção prevista (e não criada!) no
Convênio/Confaz. Os outros Estados e o Distrito Federal, contudo,
podem perfeitamente continuar com suas legislações estaduais
concessivas de isenção, porquanto o fundamento de validade (o
Convênio/Confaz) continua válido e vigente. Se, por hipótese, tempos
depois, interesse ao Estado que revogou a isenção voltar ao estágio
isencional anterior, bastaria produzir norma interna reinstituindo-a.
Ora, diante desse quadro, é mais do que razoável que um Convênio
autorizando concessão de isenção tributária, o que implica redução de
receitas, tenha sua aplicabilidade afastada por Lei Estadual,
propiciando, assim, o acomodamento das pessoas políticas de direito
constitucional no que pertine o cumprimento dos ditames da Lei de
Responsabilidade Fiscal.

Consoante o parágrafo 1º do artigo 14, os incentivos fiscais de natureza


tributária que exigem controle compreendem a anistia, remissão, subsídio, crédito
presumido, concessão de isenção em caráter geral, alteração de alíquota e modificação
da base de cálculo que importe em torná-lo menos oneroso e outros benefícios que
correspondam a tratamento diferenciado.
Assim, não se trata de toda e qualquer “renúncia de receita”, mas tão somente
daquelas renúncias relacionadas aos incentivos enumerados no § 1º do artigo 14, que
acabamos de mencionar.
Dentro da classificação que propusemos no presente trabalho, entendemos que
o § 1º, do artigo 14 da LRF incluiu incentivos tanto de natureza tributária, em que é
afetada a regra-matriz de incidência com real impacto no montante arrecadado a título
de tributo, quando incentivos de natureza nitidamente financeira, como é o caso da
anistia, remissão e subsídio.

451
A revogação de isenção de ICMS e a desnecessidade de Convênio/Confaz. Revista Dialética de
Direito Tributário, n. 106, jul. 2004, p. 89, grifos do autor.
190

É claro que, dentro do propósito estabelecido pela Lei de Responsabilidade


Fiscal, há a necessidade de estabelecer os requisitos para que uma eventual renúncia de
receita não venha a comprometer o alcance da previsão orçamentária. No entanto,
considerando a classificação apresentada no presente trabalho, se fôssemos considerar
apenas os incentivos fiscais, não deveriam ser submetidos ao artigo 14 da LRF a
remissão, a anistia e os subsídios.
Além disso, o conteúdo de renúncia utilizado pelo referido dispositivo legal
causa certa confusão quanto ao emprego desse termo.
A renúncia, consoante definição bastante empregada no Direito Privado, pode
ser definida como “ato por via do qual a parte se desposa, por sua exclusiva declaração
de vontade, de direito ou vantagem que lhe pertence”. 452 Assim, tomando-se por base
este conceito de renúncia, fica evidente a confusão que poderá causar com o instituto da
remissão, que, conforme já mencionamos, significa perdão, indulgência ou indulto que
extingue a obrigação tributária com base em lei autorizativa, dada a indisponibilidade
dos bens públicos, cujo direito subjetivo do credor de exigir a prestação desaparece,
causando, também, o desaparecimento do dever jurídico do devedor.
Tanto a renúncia como a remissão podem trazer o mesmo conteúdo, é dizer,
pressupõem a existência de um vínculo obrigacional que se extingue, por decisão do
credor da obrigação, sem que a prestação seja concretizada.
No entanto, há que se elucidar e deixar evidente que, em se tratando de
renúncia, essa relação ou vínculo obrigacional não é verificada, especialmente porque,
em se tratando de renúncia fiscal, nem sempre existirá uma prévia relação de cunho
obrigacional tributário de que abrirá mão o legislador.
As hipóteses em que essa relação obrigacional é preexistente ao ato da renúncia
diz respeito, ao nosso ver, apenas aos casos de remissão e anistia. Assim, a renúncia, no
sentido semântico adequado, apenas poderia atingir estes dois últimos casos.
Logo, há um evidente paradoxo: na classificação que apresentamos, apenas os
incentivos fiscais é que poderiam ser objeto da limitação do artigo 14, sendo que os
financeiros, como anistia e remissão não deveriam fazer parte desse rol. Por outro lado,
analisando o aspecto semântico do termo renúncia, apenas remissão e anistia é que
poderiam ser alvo específico do artigo 14.

452
RAO, Vicente. Ato Jurídico: Nocão. Pressupostos. Elementos essenciais e acidentais: o problema do
conflito entre os elementos volitivos e a declaração. 3. ed. São Paulo: Max Limonad, 1981, p. 425.
191

Sabemos que os instrumentos legislativos muitas vezes vêm dotados de


imprecisão quanto aos termos utilizados, dada a ausência de uniformidade dos membros
que compõem o Poder Legislativo, em quaisquer de suas esferas, assim é que,
afastando-se da questão semântica das expressões incentivos fiscais e renúncia,
ponderamos, dentro do campo pragmático, que a renúncia de receita, em questão, tem a
ver com renúncias relacionadas diretamente ao crédito tributário. Assim, restariam
afastadas as espécies de remissão e anistia.
José Souto Maior Borges, após afirmar que o artigo 14 em comento institui
normas gerais de direito tributário 453, conceitua a renúncia de receita tributária como
renúncia de crédito tributário, em razão do que os incentivos da Lei de
Responsabilidade Fiscal mencionados no artigo 14 são tributários e atingem a relação
tributária 454 . Todavia, inclui entre os incentivos fiscais figuras 455 com que não
concordamos, como visto no Capítulo 5.

7.2.2 Situações excepcionais à aplicação do artigo 14 da LRF

Da análise que empreendemos quanto ao artigo 14 da LRF, entendemos que ele


não se aplicará ao que denominamos de incentivos financeiros.
Importante destacar a análise elaborada por Celso de Barros Correia Neto456,
em que verifica que os incentivos que não reduzam a obrigação tributária, não reduzem
a arrecadação e não afetam o equilíbrio fiscal. Cita, ainda, dentro deste escopo, os
incentivos não onerosos ou a custo zero, que seriam aqueles que não causam nenhum
impacto sobre as finanças do ente federativo, uma vez que as receitas “renunciadas” não
teriam sido consideradas na realização de estimativa de arrecadação.

453
A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e sua inaplicabilidade a incentivos financeiros estaduais.
Revista Dialética de Direito Tributário, n. 63, dez. 2000, p. 90.
454
“Renúncia é o ato pelo qual o titular de um direito voluntariamente o abandona. Ora, os incentivos da
LRF, art. 14, são todos eles correlacionados com matéria tributária e atuam no âmbito da relação
respectiva. Renúncia de receita tributária é renúncia de crédito tributário”. (ibid., p. 91).
455
“O conceito de incentivo fiscal, ou mais rigorosamente de incentivo tributário, na terminologia no art.
14, abrange, além da anistia, remissão, subsídio, isenção, redução da alíquota ou da base de cálculo,
crédito presumido e também os benefícios”. (ibid., p. 96).
456
CORREIA NETO, Celso de Barros. O avesso do tributo: incentivos e renúncias fiscais no direito
tributário. 2013. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo,
São Paulo, 2013, p. 204.
192

Assim, em linhas gerais, no que se refere à cláusula de renúncia de receita, do


artigo 14, caput, da Lei Complementar n. 101, entendemos que ele a restringe aos
incentivos propriamente tributários enumerados nesse dispositivo, que, tendo natureza
tributária, a estende à cláusula em comento 457.
Destaca-se que, de acordo com a classificação proposta no presente trabalho,
os incentivos que entendemos que deverão se submeter ao artigo 14 da Lei
Complementar nº 101 são aqueles que classificamos como incentivos fiscais, isto é,
todos aqueles que se entrelaçarão com a regra-matriz de incidência tributária, com a
diminuição ou supressão do tributo a pagar.

457
“A cláusula da ‘renúncia de receita’ (LC 101, art. 14, caput) é adjecta. Não está a rigor vedado
qualquer ato estatal que implique renúncia de receita. Só os atos tributários, melhor dito: os incentivos
tributários latu sensu são interditos pelo art. 14. Dito sob outra fórmula: a renúncia de receita a que se
refere o art. 14, caput está vinculada às categorias tributárias adnumeradas nesse dispositivo. Não está
desvinculada do âmbito material tributário do dispositivo em análise”. (BORGES, José Souto Maior.
A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e sua inaplicabilidade a incentivos financeiros estaduais.
Revista Dialética de Direito Tributário, n. 63, dez. 2000, p. 97).
193

8 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DOS INCENTIVOS FISCAIS:


ANÁLISE DE CASO CONCRETO SOBRE A GUERRA FISCAL ENTRE OS
ESTADOS DA FEDERAÇÃO

8.1 Introdução

O pano de fundo da questão versada no presente capítulo diz respeito à guerra


fiscal, ou seja, às disputas travadas entre os Estados Federados no que tange à
legitimidade para instituição de incentivos fiscais unilaterais, é dizer, sem observância
aos termos da Lei Complementar nº 24, de 07 de janeiro de 1975, que, no âmbito do
ICMS, condiciona a concessão de tais incentivos à celebração de convênios entre todos
os Estados e o Distrito Federal 458, bem como a tendência jurisprudencial sobre o tema.
A teor da citada Lei Complementar, os convênios hão de ser celebrados em
“reuniões para as quais tenham sido convocados representantes de todos os Estados e do
Distrito Federal, sob a presidência de representantes do Governo Federal” (art. 2º da LC
nº 24/75). Atualmente, é o Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ) o
órgão deliberativo que tem a função de firmar tais convênios.
Nesse contexto, alguns incentivos fiscais estaduais, que foram instituídos sem
apoio em Convênio do CONFAZ, são alvos de recorrentes questionamentos.
Desse modo, tudo o que se expôs sobre norma secundária e, especialmente,
sobre a norma secundária ou sancionatória de competência com base nas lições de Tácio
Lacerda Gama assume relevo ainda maior na análise da situação concreta que a seguir
se fará.
Tais normas trazem, em sua hipótese, a descrição do descumprimento da
norma de competência, no caso, da norma estrutural de incentivos fiscais, o que dá
causa à aplicação dessas normas sancionatórias 459.

458
Frisa-se que a Lei Complementar nº 24/75 foi editada em atendimento ao disposto no artigo 155, XII,
“g” da Constituição Federal, que assim preconiza:
“Art. 155. […]
XII - cabe à lei complementar:
[…]
g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos
e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.”
459
“O órgão judicial, se provocado, exercitará a sua competência e criará uma norma jurídica que, por
conseqüência, ingressará no sistema do direito positivo, procedendo-se a uma espécie de ‘cálculo
normativo’ (operação entre normas) com a norma produzida em desacordo com as normas
194

A lembrança de que, no consequente da norma primária de competência, temos


a permissão de o sujeito ativo produzir, em conformidade com as regras do sistema,
norma que cria, revoga ou modifica outra norma e o dever de os sujeitos passivos
cumprirem as determinações contidas nas normas produzidas, nos remete aos veículos
introdutores que resultam da aplicação da norma estrutural de incentivos fiscais,
enquanto norma de competência que são e nos quais buscamos a enunciação-enunciada.
Isso porque, uma vez que respeitamos os veículos introdutores como normas
válidas, buscamos neles, como afirmado, a enunciação-enunciada, a fim de a
confrontarmos com a norma de competência positivada ou, no nosso caso, a norma
estrutural de incentivo fiscal 460.
Com base no veículo introdutor, identificaremos o procedimento adotado na
criação da norma de conduta, bem como seu agente produtor, para posterior verificação
em face da norma de competência, que nada mais é do que seu fundamento de
validade 461. Se, nesse confronto, tal fundamento de validade não for construído (uma
vez que operamos no constructivismo lógico-semântico), teremos a caracterização do
antecedente da norma sancionatória de competência, conforme leciona Tárek Moysés
Moussallem:

Aqueles veículos introdutores de normas (norma fundada) que não


regressarem regularmente às normas de produção normativa
(fundamento de validade) são passíveis de expulsão do sistema do
direito positivo pela aplicação da norma secundária e da norma de
revisão sistêmica 462.

Veja-se que, se desconsiderarmos a figura dos veículos introdutores, o


raciocínio construído durante essa confrontação resta dificultado ou mesmo
inviabilizado. Por esse motivo, demos destaque especial a essas normas gerais e

procedimentais, o que resultará na adição ou subtração de normas no sistema”. (MOUSSALLEM,


Tárek Moysés. Fontes no direito tributário. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2006, p. 88).
460
“A partir do documento normativo (DN1), o cientista aceita o veículo introdutor (VI1) como
presumivelmente válido. Por meio da enunciação-enunciada (VI1), começará a perquirir a forma
procedimental e o agente produtor do documento normativo investigado (DN1), utilizando-se para
tanto da teoria das provas. Posteriormente, realiza o cotejo da atividade e dos agentes produtores do
veículo introdutor (VI1) com as normas sobre produção normativa”. (ibid., p. 177).
461
“Se houver conformidade entre a norma sobre produção normativa e a atividade enunciativa, dir-se-á
que o documento normativo (DN1) é válido. Caso contrário, o sistema do direito positivo necessitará
de produzir um outro documento normativo (DN2), cujo veículo introdutor (VI2) contenha no seu
enunciado-enunciado a aplicação de uma norma de revisão sistêmica para retirar o veículo introdutor
(VI1) do sistema (um dos possíveis significados para ‘revogação’). Do inverso, o documento
normativo permanece, com presunção juris tantum, no sistema do direito positivo”. (ibid., p. 178).
462
Ibid., loc. cit., grifos do autor.
195

concretas na análise das interferências entre as normas de incentivos fiscais e as


propriamente tributárias.
Ressalta-se, desde logo, que questões atinentes à guerra fiscal estão se
desenrolando no âmbito judicial, sendo certo que há diversas ações já julgadas, tanto em
controle difuso quanto concentrado e várias outras na iminência de serem apreciadas.
Os julgamentos já ocorridos se direcionaram pelo reconhecimento da
inconstitucionalidade dos incentivos concedidos unilateralmente.
Ademais, insta anotar que, diante do grande número de demandas em curso, o
Ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, propôs a edição de Súmula
Vinculante com o objeto de pacificar a discussão. Todos os pormenores que envolvem o
tema sob análise serão tratados adiante.
Enfim, o fato a ser considerado é que as circunstâncias ora relatadas tornam o
cenário atual ainda incerto, justificando a preocupação dos contribuintes, não apenas
quanto ao resultado de tais julgamentos, mas também – e especialmente – quanto aos
seus destinatários e aos efeitos que lhe serão atribuídos pelo Poder Judiciário.

8.2 A guerra fiscal entre os Estados da Federação e seus efeitos

O panorama da guerra fiscal para o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e


Serviços (ICMS) é explicado por Argos Campos Ribeiro Simões 463, que sintetiza que os
Estados oferecem regimes especiais de tributação do ICMS aos que decidirem se
instalar em seus territórios, como uma atração. O conjunto normativo tributário
funciona como instrumento de incentivo fiscal às empresas de outros Estados que
decidem instalar-se (matriz ou filial) naquele que ora oferece os regimes atraentes.
Para concessão de incentivos fiscais relativos ao ICMS, é necessária a
deliberação dos demais entes federativos estaduais (Conselho Nacional de Política
Fazendária – CONFAZ), concordando com a concessão do benefício (art. 155, § 2º, II,
“g”, da Constituição Federal) – isenções, incentivos e “benefícios fiscais”. O
procedimento de concessão é regulado por lei complementar.

463
Guerra fiscal no ICMS – benefícios fiscais X benefícios não fiscais. Revista de Direito Tributário,
São Paulo: Malheiros, n. 102, p. 53-66, 2008.
196

A importância da celebração de convênios entre os Estados da federação é


destacada no seguinte julgado, proferido pelo Superior Tribunal de Justiça:

TRIBUTÁRIO. ICMS. REDUÇÃO DE BASE DE CÁLCULO.


ISENÇÃO PARCIAL. ESTORNO PROPORCIONAL DO
CRÉDITO. JURISPRUDÊNCIA DO STF. MULTA. LEI
SUPERVENIENTE. RETROATIVIDADE BENIGNA. 1. O benefício
fiscal de redução da base de cálculo equivale à isenção parcial, sendo
devido o estorno proporcional do crédito de ICMS, nos termos do art.
155, § 2º, II, "b", da CF, não havendo falar em ofensa ao princípio da
não-cumulatividade. Precedentes do STF. 2. Os convênios do ICMS
têm a função de uniformizar, em âmbito nacional, a concessão de
isenções, incentivos e benefícios fiscais pelos Estados (art. 155, § 2°,
XII, "g", da CF/1988). Em última análise, trata-se de instrumento que
busca conferir tratamento federal uniforme em matéria de ICMS,
como forma de evitar a denominada guerra fiscal. 3. Nos termos da
cláusula primeira, § 1°, do Convênio ICMS 128/1994, ficam os
Estados e o Distrito Federal autorizados a não exigir a anulação
proporcional do crédito prevista no inciso II do artigo 32 do Anexo
Único do Convênio ICM 66/88, de 14 de dezembro de 1988, nas
operações de que trata o caput desta cláusula. 4. A teleologia do
instituto e a própria literalidade da norma revelam que a hipótese é de
mera autorização, de modo que não há obstáculo a que a legislação
estadual impeça o aproveitamento integral do crédito. 5. O art. 106, II,
"c", do CTN, estabelece que a lei tributária deve retroagir quando
cominar penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao
tempo da sua prática, razão pela qual há que ser reduzida a sanção,
nos termos do superveniente Decreto 27.487/2004. 6. Recurso
Ordinário parcialmente provido. 464

Apesar disso, os Estados e o Distrito Federal têm violado as prescrições do


CONFAZ e concedem incentivos fiscais, especialmente por meio de regimes especiais,
contrariando o ordenamento vigente. Com isso, surge a guerra fiscal, a qual vitima, em
última análise, o próprio contribuinte.
Alerta o autor citado 465 que é necessário não confundir interesse público na
conservação do crédito tributário com interesse fazendário, nem com interesse de fortes
segmentos da economia. Nesse contexto, deve-se distinguir, com base em critério
jurídico, um incentivo fiscal de um não fiscal, porque apenas ao incentivo fiscal se
aplicam as restrições do CONFAZ.

464
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso em Mandato de Segurança nº 39.554/CE. Rel.
Ministro Herman Benjamin. Julgamento: 04 abr. 2013. Órgão Julgador: Segunda Turma. Publicação:
DJe, 10 maio 2013.
465
SIMÕES, Argos Campos Ribeiro. Guerra fiscal no ICMS – benefícios fiscais X benefícios não fiscais.
Revista de Direito Tributário, n. 102. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 56.
197

Alguns Estados qualificam juridicamente um incentivo como fiscal pelo fato da


utilização de normas tributárias na sua concessão. Contudo, um incentivo só pode ser
considerado fiscal, conforme já apresentamos, quando representar uma redução ou
eliminação do quantum de tributo a pagar.
A Lei Complementar n. 24/75 foi recepcionada pela Constituição Federal de
1988 (artigo 34, § 8º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT).
Em seu artigo 1º, encontra-se o fundamento para identificação de um incentivo fiscal
efetivo: efeito jurídico redutor ou supressor de ônus tributário devido; caso contrário,
tratar-se-á de incentivo não fiscal, não sujeito, portanto, à Lei Complementar n. 24/75.
Especialmente no tocante à necessidade ou não de unanimidade entre Estados e
Distrito Federal quando da decisão sobre a concessão dos incentivos e benefícios
fiscais, contrapõem-se as opiniões de Paulo de Barros Carvalho e Ives Gandra da Silva
Martins, que ensejaram a publicação de obra jurídica sobre o tema 466 . Porque
pertinentes ao princípio federativo, analisemos essas opiniões.
Baseado no artigo 155, § 2º, IV, V e VI, da Constituição, Ives Gandra da Silva
467
Martins entende que a unanimidade exigida para a concessão de incentivos,
benefícios ou estímulos fiscais no âmbito do ICMS é inferida do fato de que a
Constituição não prescreveu quórum menor para sua aprovação, mas apenas a
unanimidade, que impossibilita descompetitividade. É que, no acordo entre os Estados,
cada um fala por si, razão pela qual a unanimidade se impõe fundamentalmente.
Para ele 468 , somente o acordo unânime dos Estados e do Distrito Federal
legitima isenções, incentivos e benefícios fiscais diferenciados para um deles,
aumentando a competitividade de seus produtos em detrimento dos demais entes,
respeitando, num enfoque econômico, o princípio da livre concorrência insculpido no
artigo 170, IV, da Constituição Federal, bem como o princípio da uniformidade
geográfica da tributação, consagrado no artigo 151, I, também da Constituição.
Além de decorrer da própria Constituição, a unanimidade, a seu ver, é um
princípio fundamental, tendo em vista que, em última análise, preserva a federação ao

466
CARVALHO, Paulo de Barros; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Guerra fiscal: reflexões sobre a
concessão de benefícios no âmbito do ICMS. São Paulo: Noeses, 2012.
467
Ibid., p. 5-7.
468
Ibid., p. 10.
198

elidir a descompetitividade entre Estados e Distrito Federal 469 . Nesse contexto, Ives
Gandra da Silva Martins 470 eleva referida unanimidade à condição de cláusula pétrea,
nos termos do artigo, 60, § 4º, I, da Constituição Federal, pois o ICMS é essencial à
autonomia financeira dos Estados: é com base nessas regras constitucionais que se evita
que os entes federativos fiquem impedidos de decidir suas políticas regionais ou que se
sujeitem a verdadeiros leilões causados pela pressão exercida por investidores ávidos
por benefícios; enfim, que se descaracterize o sistema federativo, dada a ausência de
autonomia financeira que acarreta prejuízos às autonomias política e administrativa 471.
472
Contudo, Paulo de Barros Carvalho considera que a necessidade de
unanimidade não gera efeitos, porque os convênios relativos a isenções, incentivos e
benefícios fiscais possuem índole autorizativa e não impositiva. Daí o motivo por que
sugere a redução do quórum de aprovação desses convênios para dois terços, que
facilitaria o desejado estímulo à diminuição das desigualdades regionais tal qual
preconizado pela Constituição 473.
Para chegar a tal conclusão, Paulo de Barros Carvalho 474 lembra que o direito
positivo pátrio está ancorado em quatros planos ou conjuntos de normas: o sistema
nacional, o sistema federal, os sistemas estaduais e os sistemas municipais. Dado o
caráter nacional do ICMS, sua regulação observa, grandemente, normas do sistema
nacional. Assim é que os titulares da competência para instituição do ICMS não são
dotados da faculdade para o fazer, mas, diversamente, estão obrigados a instituí-lo,

469
CARVALHO, Paulo de Barros; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Guerra fiscal: reflexões sobre a
concessão de benefícios no âmbito do ICMS. São Paulo: Noeses, 2012, p. 17.
470
Ibid., p. 18-20.
471
“Se um Estado sofre, na Federação, desfiguração tributária devido à sistemática não-cumulativa do
ICMS, sendo obrigado a reconhecer créditos presumidos, mas inexistentes, concedidos por outros
Estados, SEM A SUA CONCORDÂNCIA, as empresas estabelecidas em seu território tornam-se
descompetitivas e sem condições concorrenciais, dada a invasão de produtos estimulados, à margem
do consenso unânime. Nitidamente, o pacto federativo torna-se uma farsa e a Federação, um sistema
debilitado, restando a tríplice autonomia (política, administrativa e financeira) seriamente maculada”.
(ibid., p. 21, grifos do autor).
472
Ibid., p. 56-57.
473
“É preciso considerar, porém, que a Lei Complementar n. 24/75 foi produzida sob o manto da Carta
de 1967, tendo por base contexto socioeconômico diverso daquele que se verifica hoje, no âmbito da
vigência da Constituição de 1988. Se, àquela época, a aprovação por unanimidade era requisito
indispensável para conferir ao ICM a uniformidade então constitucionalmente preconizada, hoje esse
pressuposto não deve estar presente com tanta rigidez, sendo admissível mitigá-lo em situações
peculiares, quando as disparidades socioeconômicas dos Estados e o objetivo de reduzi-las assim
justificarem”. (ibid., p. 55).
474
Ibid., p. 46.
199

ocasião em que deverão atender àquelas normas do chamado sistema nacional, entre
elas as leis complementares, as resoluções do Senado e os convênios.
Anota referido autor 475 que a distribuição rígida das competências tributárias
entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios permite que se inter-
relacionem com amparo nos princípios federativo e da autonomia dos Municípios. Em
auxílio à produção legislativa desses entes, tem-se a lei complementar com a função de
ajustar essa atividade com os preceitos constitucionais.
Em outras palavras, a lei complementar, pertencente ao sistema nacional na
condição de normas gerais de direito tributário, no caso, desempenha o papel de veículo
introdutor capaz de detalhar as outorgas de competência, de modo a harmonizar os
diversos interesses envolvidos (locais, regionais e federais) segundo uma disciplina
única 476.
Tal é o papel da lei complementar referida no artigo 155, § 2º, XII, da
Constituição Federal, por se tratar de imposto de caráter nacional e de competência
estadual e distrital: é a lei complementar que determinará como serão celebrados os
convênios que possibilitarão a concessão e a revogação de isenções, incentivos e
benefícios fiscais 477.
Nesse ínterim, oportuno tecer algumas considerações sobre a função da lei
complementar no Direito Tributário. A lei complementar é uma das espécies normativas
previstas pelo artigo 59, da Constituição Federal; é, portanto, um dos tipos de veículos
introdutores de normas admitidos pelo nosso ordenamento. Enquanto espécie, possui
peculiaridades que permitem diferenciá-la das demais, como seu processo legislativo e
as matérias de que pode tratar, por exemplo.
A Constituição Federal embasa toda a construção do sistema jurídico, e é o
veículo introdutor que define as competências dos outros veículos introdutores. Desse

475
CARVALHO, Paulo de Barros; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Guerra fiscal: reflexões sobre a
concessão de benefícios no âmbito do ICMS. São Paulo: Noeses, 2012, p. 49.
476
Ibid., p. 50-51.
477
“Em outras palavras, não é a lei complementar de que trata o art. 155, §2º, XII, da Constituição, que
institui o ICMS no interior de cada Estado e Distrito Federal. Tais atos cabem apenas aos entes a
quem a Carta Maior tenha atribuído aptidão para tanto: os Estados e o Distrito Federal. E essa outorga,
aliás, é indelegável. A circunstância de que o exercício dessa competência, no que diz respeito aos
itens destacados no mencionado dispositivo constitucional da Carta Magna, esteja limitado aos termos
a lei complementar, faz-se em respeito ao princípio federativo, com o objetivo de, respeitadas as
diversidades entre as regiões, promover o valor igualdade, refletido na homogeneidade da tributação
pelo ICMS” (ibid., p. 52-53, grifos do autor).
200

modo, é nela que encontraremos a discriminação das matérias que devem ser tratadas
mediante lei complementar.
Do ponto de vista do processo legislativo, os artigos 61 e 69, ambos da
Constituição Federal, conformam um critério jurídico (porque estabelecido em norma
jurídica) que permite diferenciar a lei complementar das demais espécies de veículos
introdutores, visto que se exige a aprovação da maioria absoluta de cada uma das casas
legislativas.
Já sob a ótica das matérias de que pode tratar, verifica-se que à lei
complementar foram reservadas apenas algumas matérias específicas, indicadas tanto
expressa quanto implicitamente, caso este em que se tem matéria aplicável, por sua
própria natureza, a todos os entes tributantes.
Com base nesses dois vieses, Paulo de Barros Carvalho 478 atribui à lei
complementar natureza ontológico-formal, isto é, espécie normativa caracterizada por
um procedimento específico e por matérias também específicas. Assim, a competência
da espécie lei complementar deve ser delimitada, dado seu caráter excepcional.
A função da lei complementar em matéria tributária requer a análise do artigo
146, da Constituição Federal, in verbis:

Art. 146. Cabe à lei complementar:


I - dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre
a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;
II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;
III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária,
especialmente sobre:
a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos
impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos
geradores, bases de cálculo e contribuintes;
b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;
c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas
sociedades cooperativas.
d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as
microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive
regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art.
155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da
contribuição a que se refere o art. 239.

A leitura imediata do dispositivo indica à lei complementar três funções,


correspondentes a cada um dos três incisos do dispositivo.

478
Direito tributário: linguagem e método. 5. ed. São Paulo: Noeses, 2013, p. 391.
201

Pelo inciso I, é função da lei complementar dispor sobre conflitos de


competência, entendido este como a hipótese de exercício simultâneo por mais de um
ente tributante de uma certa faixa de competência tributária. Em que pese em termos
lógicos ser impossível um conflito de competências se as considerarmos rigidamente
discriminadas, entendemos haver situações em que o legislador vislumbra a
possibilidade de conflitos 479, devendo, para solucioná-lo, veicular norma mediante lei
complementar.
Com base no inciso II, a lei complementar deve regular as limitações
constitucionais ao poder de tributar, relacionadas nos artigos 150 a 152, da Lei Maior
(regras e imunidades e os próprios princípios constitucionais tributários). Considerando
que as regras de imunidades tributárias são verdadeiras normas de competência, a lei
complementar regulará o exercício das imunidades e dos princípios constitucionais
tributários, quando a Constituição assim prescrever (casos em que a Constituição fizer
referência “à lei”, tomada esta como lei complementar).
No inciso III, à lei complementar foi atribuída a função de estabelecer normas
480
gerais de direito tributário. Os defensores da chamada corrente dicotômica
identificam uma única função da lei complementar, qual seja, a de estabelecer normas
gerais de direito tributário, circunscritas à disposição sobre conflitos de competência e à
regulação das limitações constitucionais ao poder de tributar, alinhados com os
princípios da rigidez do sistema constitucional tributário, republicano, federativo e da
autonomia municipal, os quais impedem a restrição da competência tributária dos entes
políticos. A essa conclusão chegam por não admitirem a interpretação isolada de cada
um dos incisos em comento 481.

479
A previsão do artigo 146, I, da Constituição Federal, justifica-se em face da grande diversidade de
condutas sujeitas à tributação no sistema tributário, que podem ensejar dúvida sobre qual ente político
tem aptidão para instituir tributo sobre aquela atividade. Como exemplo, tem-se o caso de
fornecimento de produto e prestação de serviço ao mesmo tempo, que possibilitam, em tese, a
tributação via ICMS, IPI ou ISS.
480
CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 27. ed., revista, ampliada
e atualizada até a Emenda Constitucional n. 67/2010. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 1000; BORGES,
José Souto Maior. Lei complementar tributária. São Paulo: Revista dos tribunais, 1975, p. 55.
481
“O primeiro passo é saber que são as tão faladas normas gerais de direito tributário. E a resposta vem
depressa: são aquelas que dispõem sobre conflitos de competências entre as entidades tributantes e
também as que regulam as limitações constitucionais ao poder de tributar. Pronto: o conteúdo está
firmado. […] Com tal interpretação, daremos sentido à expressão normas gerais de direito tributário,
prestigiaremos a Federação, a autonomia dos Municípios e o princípio da isonomia das pessoas
políticas de direito constitucional interno, além de não desprezar, pela coima de contraditórias, as
palavras extravagantes do citado art. 146, III, a e b, que passam a engrossar o contingente das
202

Por sua vez, a corrente tricotômica 482 identifica, em cada um dos incisos, uma
função distinta da lei complementar em matéria tributária. As normas gerais, nessa
concepção, objetivam estabelecer regras de padronização da tributação pelos entes
competentes, conforme as alíneas do inciso III do artigo 146, acima transcrito, que
exemplificam, sem esgotar, a matéria objeto.
Nessa interpretação, a lei complementar que disponha sobre a matéria arrolada
exemplificativamente no artigo 146, III, da Constituição Federal, não implica invasão
das competências dos outros entes tributantes, sobretudo se observados os princípios e
valores constitucionais em uma visão sistemática do ordenamento 483.
Optamos pela corrente tricotômica tendo em vista que o artigo 146 da
Constituição nos parece suficientemente claro no estabelecimento das funções da lei
complementar, sem violação do federalismo, da autonomia dos municípios e da
isonomia. O rol de seu inciso III não implica, automaticamente, afronta às competências
tributárias rigidamente discriminadas, o que ocorrerá somente se houver
desconformidade em relação aos princípios constitucionais.
Os princípios federativo e da autonomia municipal não são suprimidos pela
edição das normas gerais pela União, mas apenas limitados a fim de evitar a desarmonia
quando da instituição dos tributos, isto é, quando do exercício da competência tributária.
Em se tratando de lei complementar de caráter nacional, a União não edita as normas
gerais apenas para o nível federal.

redundâncias tão comuns no desempenho da atividade legislativa”. (CARVALHO, Paulo de Barros.


Direito tributário: linguagem e método. 5. ed. São Paulo: Noeses, 2013, p. 402-403, grifos do autor.
482
SOUZA, Hamilton Dias de. Lei complementar em matéria tributária. In: MARTINS, Ives Gandra da
Silva (Coord.). Curso de direito tributário. São Paulo: Saraiva/CEU, 1982, p. 31; AMARO, Luciano
da Silva. Direito tributário brasileiro. São Paulo: Saraiva: 2006, p. 168.
483
Acerca do desacerto na nomenclatura das correntes, pontua Paulo de Barros Carvalho: “Prova disso é
a insistência em nominar tais correntes interpretativas como ‘dicotômica’ e ‘tricotômica’, termos que
não se ajustam à ideia que se quer expressar. As mencionadas propostas de interpretação não
encontram o tronco comum que permitisse distinguir duas classes (dicotômica) ou três classes
(tricotômica). Para a teoria que se auto-intitula ‘sistemática’, a lei complementar do extinto art. 18, §1º
representava apenas o veículo introdutor das normas gerais de direito tributário. Estas, sim, teriam as
duas funções: dispor sobre conflitos de competência entre as entidades tributantes e regular as
limitações ao poder de tributar. Já a outra concepção parte do mesmo art. 18, §1º, atribuindo-lhe as
três missões suprarreferidas. Como se vê, o modo de relatar a existência dos dois esquemas exegéticos
está, no mínimo, mal apresentado em termos lógicos, o que compromete seu sentido explicativo. E
essa verificação, por si só, é reveladora da pouca atenção que se dispensou a tema de tal relevância,
ponto de partida para a compreensão básica do sistema tributário brasileiro” (CARVALHO, Paulo de
Barros. Imunidades condicionadas e suspensão de imunidades. In: ______. Derivação e positivação
no direito tributário. v. 1. São Paulo: Noeses, 2011, p. 178).
203

Em resumo, a lei complementar tem a incumbência de definir os tributos


indicados na Constituição Federal, prescrevendo os critérios da regra-matriz de
incidência tributária, bem como tratar das causas suspensivas, extintivas e exclusivas do
crédito tributário, sempre com respeito a todas as regras do sistema constitucional.
Retomando a questão dos convênios, Paulo de Barros Carvalho 484, filiado à
corrente dicotômica, afirma que a atribuição de competência para instituição de ICMS
aos Estados e Distrito Federal existe ao lado da exigência de lei complementar que
mantenha a uniformidade do ordenamento, nos termos do artigo 146, da Constituição
Federal. Nesse contexto, os convênios em matéria de ICMS surgem com as funções
estabelecidas ao longo do artigo 155, também da Constituição, as quais permitem
concluir que os convênios, longe de se sobreporem às legislações dos entes
competentes, existem para que elas sejam possíveis.
Isso porque os convênios celebrados pelo CONFAZ não interferem na
competência dos Estados e do Distrito Federal de instituírem o ICMS: são competências
distintas. Segundo Paulo de Barros Carvalho 485, interpretando-se o artigo 155, § 2º, XII,
da Constituição Federal, combinado com o artigo 1º, da Lei Complementar nº 24/75,
conclui-se que os convênios configuram uma “fase” no procedimento legislativo que
institui ou revoga isenções, incentivos e benefícios fiscais, cujo conteúdo é uma
permissão para que o ente competente regule de modo diferente uma determinada
situação. Exatamente nessa perspectiva de “fase” é que se visualizam os convênios
como regras técnicas ou procedimentais.
Não são, portanto, os próprios convênios que inserem no ordenamento jurídico
a isenção, o incentivo ou o benefício fiscal, pois nesse caso haveria invasão de
competência e violação do princípio federativo. Apenas com a lei estadual ou distrital
haverá desoneração de ICMS, sendo insuficiente a aprovação de convênio sobre o
tema 486.
A interpretação dos convênios como etapa do processo de enunciação das
normas sobre isenção e incentivos fiscais pelos entes competentes à instituição de ICMS
revela-se sistemática por conciliar o princípio federativo aos demais princípios

484
CARVALHO, Paulo de Barros; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Guerra fiscal: reflexões sobre a
concessão de benefícios no âmbito do ICMS. São Paulo: Noeses, 2012, p. 53.
485
Ibid., p. 57-58.
486
Ibid., p. 89.
204

constitucionais, especialmente o princípio da legalidade, que protege a participação


popular no processo de elaboração das leis 487.
488
Especialmente sobre o ICMS, Tácio Lacerda Gama entende que a
competência do ICMS para conceder isenções e benefícios fiscais pertença ao CONFAZ
e não aos Estados, visto que, por expressa determinação constitucional, é o CONFAZ
que deve legislar sobre esse tema, ficando os Estados com a competência condicional, já
que, não havendo autorização do órgão mediante Convênio, deve o Estado instituir o
imposto. Nesse caso, teríamos uma outorga de competência complexa.
Roque Antônio Carrazza 489 , considerando que muitos incentivos fiscais se
organizam como isenções tributárias, pondera que os Estados e o Distrito Federal
devem, se desejarem, conceder isenções de ICMS, firmar convênios entre si. Entretanto,
esses convênios não criam referidas isenções, mas constituem apenas uma etapa ou
pressuposto de sua geração. Seu surgimento jurídico se dá com o decreto legislativo que
ratifica o convênio interestadual.
Em outras palavras, na visão desse autor, o veículo introdutor apto para
instituir isenções de ICMS não é o convênio interestadual, mas o decreto legislativo que
o confirma, aprovado pelas Assembleias Legislativas dos Estados e Câmara Legislativa
do Distrito Federal. Como a competência para tributar é análoga à competência para
isentar, aplicando-se a ambas, entre outros, o princípio da legalidade, apenas lei em
sentido amplo poderia instituir isenções, como é o caso do decreto legislativo,
diferentemente do decreto do chefe do Poder Executivo, que edita ato de índole
administrativa.
Nesse contexto, o artigo 155, § 2º, XII, “g”, da Constituição Federal, configura
limitação constitucional à competência de isentar dos Estados e do Distrito Federal.

487
“Essas considerações permitem afirmar que a acepção dos termos do art. 155, §2º, XII, “g”, da
Constituição, mais adequada ao peritexto constitucional, é a segunda de que tratei acima, ou seja, deve
considerar-se a exigência de convênios como etapa indispensável do processo de enunciação, a ser
continuado nas casas legislativas de cada Estado, submetendo a proposição isentiva ou o incentivo
fiscal ao escrutínio dos representantes eleitos pelo povo para, em seu nome, exercer o poder
constitucionalmente criado e instituir as modificações necessárias na regra-matriz de incidência
tributária ou em outras normas a ela relacionadas”. (CARVALHO, Paulo de Barros; MARTINS, Ives
Gandra da Silva. Guerra fiscal: reflexões sobre a concessão de benefícios no âmbito do ICMS. São
Paulo: Noeses, 2012, p. 58-59).
488
Competência tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. 2. ed. revista e ampliada. São
Paulo: Noeses, 2011, p. 293.
489
Curso de direito constitucional tributário. 27. ed., revista, ampliada e atualizada até a Emenda
Constitucional n. 67/2010. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 236 et seq.
205

Para Roque Antônio Carrazza 490, esse dispositivo tem o condão de evitar disparidades
de política fiscal, dado seu caráter facilitador das operações e prestações entre aqueles
entes.

8.3 Análise de caso concreto: incentivo fiscal concedido unilateralmente e a


tendência da Jurisprudência

8.3.1 O Programa FOMENTAR

Em breve síntese, o Fundo de Participação e Fomento à Industrialização do


Estado de Goiás (FOMENTAR) consubstancia programa criado pelo Governo Estado
de Goiás por intermédio da Lei Estadual nº 9.489, de 19 de julho de 1984, cujo objetivo
é “incrementar a implantação e a expansão de atividades que promovam o
desenvolvimento industrial do Estado de Goiás” 491 . Dentre as fontes de recursos do
FOMENTAR, está o próprio Tesouro Estadual, o que significa que o programa é
financiado pelo ICMS gerado pelos próprios participantes.
Em complementação à Lei nº 9.489/84, veio à lume a Lei nº 11.180, de 19 de
abril de 1990 492 que, ao disciplinar a destinação dos recursos do FOMENTAR,
preconizou, dentre outras possibilidades (i) a concessão de empréstimos de até 70%
(setenta por cento) do montante equivalente ao ICMS devido pelo estabelecimento
industrial contribuinte – artigo 2º, II; e (ii) a previsão para pagamento do ICMS pela
alíquota de 7% (sete por cento) nas operações realizadas com outros estabelecimentos
beneficiários do programa, com produtos de fabricação própria previstos no projeto
industrial ou incluídos na linha de produção do empreendimento – artigo 2º, V. Essa
mesma legislação definiu os prazos para pagamento dos empréstimos subsidiados, que
poderiam variar de 5 (cinco) até 20 (vinte) anos.

490
Curso de direito constitucional tributário. 27. ed., revista, ampliada e atualizada até a Emenda
Constitucional n. 67/2010. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 239.
491
Artigo 1º (GOIÁS. Gabinete Civil da Governadoria. Superintendência da Legislação. Lei nº 9.489, de
19 de julho de 1984. Cria o Fundo de Participação e Fomento à Industrialização do Estado de Goiás –
FOMENTAR. Goiânia: DO, 31 jul. 1984.
492
Id. Lei nº 11.180, de 19 de abril de 1990. Estabelece modificações no Fundo de Participação e
Fomento do Estado de Goiás (FOMENTAR) e dá outras providências. Goiânia: DO, 20 abr. 1990.
206

O programa em tela foi regulamentado pelo Decreto Estadual nº 3.822/92, que


é claro ao delimitar as atividades alvo do fomento, bem assim a forma de concretização
dos objetivos do programa, prescrevendo que

Os recursos do Programa FOMENTAR serão destinados ao fomento


de atividades industriais, preferencialmente do ramo agroindustrial e
de empreendimentos públicos estaduais, mediante a concessão de
apoios financeiro e tecnológico às atividades e empreendimentos
considerados prioritários e importantes para a economia e o
desenvolvimento do Estado de Goiás […] 493.

Nota-se, assim, que o objetivo fundamental do programa estava em atrair


investimentos para o Estado Goiano, em troca da concessão de subsídios, fiscais ou
financeiros, para empresas que nele se estabelecessem.
Diversos diplomas legislativos se sucederam, todavia sempre mantendo a
sistemática fundamental de funcionamento do programa e prestigiando seu objetivo
fundamental, qual seja, atrair investimentos e desenvolvimento econômico ao Estado de
Goiás.
O FOMENTAR vigorou até 2000, quando, então, adveio o Programa de
Desenvolvimento Industrial de Goiás (PRODUZIR), instituído pela Lei nº 13.591, de 18
de janeiro de 2000 494. Posteriormente, em 2008, a Lei nº 16.285 495 trouxe a previsão
para que empresas beneficiárias do FOMENTAR pudessem migrar para o PRODUZIR.
A despeito dessa previsão, todavia, permaneceram no FOMENTAR as empresas
beneficiadas com longos prazos para fruição dos benefícios no âmbito desse programa
pioneiro.
Em suma, tem-se que, desde sua criação, o FOMENTAR sempre se revestiu
com a natureza de um típico incentivo fiscal que, entretanto, não conta com o apoio dos
demais Estados da Federação, porque não respaldado em Convênio celebrado perante o
CONFAZ, o que, teoricamente, contraria os termos da Lei Complementar nº 24/75 e do
próprio artigo 155, XII, “g” da Carta Constitucional.

493
Artigo 2º (GOIÁS. Gabinete Civil da Governadoria. Superintendência da Legislação. Decreto nº
3.822, de 10 de julho de 1992. Baixa Regulamento do Fundo de Participação e Fomento à
Industrialização do Estado de Goiás - FOMENTAR. Goiânia: DO, 16 jul. 1992.
494
Id. Lei nº 13.591, de 18 de janeiro de 2000. Institui o Programa de Desenvolvimento Industrial de
Goiás – PRODUZIR e o Fundo de Desenvolvimento de Atividades Industriais - FUNPRODUZIR e dá
outras providências. Goiânia: DO, 20 jan. 2000.
495
Id. Lei nº 16.285, de 30 de junho de 2008. Dispõe sobre a autorização de migração de empresa
beneficiária do FOMENTAR para o PRODUZIR e altera as Leis nos 11.180/90, 13.591/00 e
14.063/01. Goiânia: DO, 30 jun. 2008.
207

Ao lado disso, vale observar que já existe Ação Direta de Inconstitucionalidade


(ADI) proposta pelo Estado de São Paulo, questionando a constitucionalidade do
FOMENTAR, conforme abordaremos a seguir.

8.3.2 ADI nº 2.441 – SÃO PAULO X GOIÁS 496

Na linha do acima exposto e considerando que o FOMENTAR não é um


incentivo fiscal conveniado, destaca-se que o Estado de São Paulo ajuizou, em abril de
2001, Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) perante o E. Supremo Tribunal
Federal, distribuída sob o nº 2.441, por meio da qual requer a declaração da
inconstitucionalidade da Lei nº 9.489/84, responsável pela instituição do FOMENTAR,
bem assim de todos os diplomas legislativos que o sucederam.
A causa de pedir da referida ADI é, justamente, o fato de que, por meio do
FOMENTAR, o Estado de Goiás financia seu desenvolvimento industrial com valores
da arrecadação do ICMS, entretanto sem o ‘aval’ do CONFAZ, o que contraria as regras
constitucionais para concessão de incentivos fiscais, ao mesmo tempo em que resulta na
vinculação da receita de um imposto, o que, outrossim, afronta o Texto Constitucional.
É destacada a ofensa aos Princípios da Legalidade, Igualdade e o Princípio Federativo e
da Autonomia, dentre outros.
Em sede de ADI, foi formulado pedido liminar, nos seguintes termos:

23. DO PEDIDO LIMINAR

E, considerando, sobretudo, o PRINCÍPIO DA IGUALDADE,


balizador da constituição do Estado brasileiro e, nela, de forma
inderrogável eleita, pelo Constituinte, para o Federalismo brasileiro,
que garante, à todos Estado (sic), a mesma atribuição de autonomia e
competências:
23.1. O Estado de São Paulo, requer, então, com suporte no
permissivo do artigo 102, inciso I, alínea “p” da Constituição Federal,
apreciação de PEDIDO DE MEDIDA LIMINAR, para a decretação
imediata da suspensão dos referidos dispositivos, a perdurar durante o
trâmite da presente ação, com a finalidade de impedir eventual lesão,
presentes que se fazem os requisitos para sua apreciação e
deferimento.

496
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.441/GO. Relator:
Ministro Rosa Weber. Julgamento: 18 maio 2012. Órgão Julgador: Ministro Rosa Weber. Publicação:
DJe, 25 maio 2012.
208

Quanto ao mérito, o pleito foi pela inconstitucionalidade de diversos diplomas


legislativos atinentes ao FOMENTAR.
Observa-se, todavia, que, até o presente momento, nem o pedido liminar,
tampouco o mérito da ADI nº 2.441 foram apreciados pelo E. Supremo Tribunal
Federal.
Não obstante a inexistência de um direcionamento efetivo para o caso concreto,
sua solução deverá ser norteada pela posição prevalecente no âmbito do Supremo
Tribunal Federal no tocante aos casos envolvendo guerra fiscal, na medida em que, tal
como o FOMENTAR, há diversos outros incentivos fiscais semelhantes concedidos
unilateralmente e que estão em plena vigência ou, ainda, que foram objeto de demandas
já julgadas. Daí porque conhecer o cenário jurisprudencial é fundamental para a
identificação das tendências com maiores chances de concretização e cujos efeitos se
irradiarão, inclusive, para os casos envolvendo o Programa FOMENTAR.

8.3.3 Panorama Jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal sobre a Guerra


Fiscal

Em junho de 2011, o Plenário do E. Supremo Tribunal Federal julgou mais de


uma dezena de Ações Diretas de Inconstitucionalidade, tratando do tema da Guerra
Fiscal, o que trouxe à tona a discussão acerca dos requisitos e condições para que os
Estados possam conceder incentivos fiscais.
Além disso, em 13 de dezembro de 2011, foi reconhecida a Repercussão Geral
no Recurso Extraordinário nº 628.075, cuja recorrente Gelita do Brasil Ltda. postula o
direito ao crédito integral de ICMS, em vista da inconstitucionalidade do estorno parcial
dos créditos, por violação ao princípio da não cumulatividade, bem como a
inconstitucionalidade do artigo 16 da Lei Estadual 8.820/89 497 do Rio Grande do Sul,
pela indevida presunção de que todas as operações de circulação de mercadorias com o
Estado do Paraná estariam beneficiadas com incentivo fiscal inválido.

497
RIO GRANDE DO SUL. Assembleia Legislativa. Gabinete de Consultoria Legislativa. Lei Estadual
8.820, de 27 de janeiro de 1989. Modifica o Regulamento do Imposto sobre Operações Relativas à
Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e
Intermunicipal e de Comunicação (RICMS). Porto Alegre: DOE, n. 021, 30 jan. 2013.
209

A síntese das decisões já proferida no âmbito do STF, de acordo com o


Informativo do STF número 629 498, é a seguinte:

PLENÁRIO

ICMS e guerra fiscal – 1: São Paulo X Rio de Janeiro

Por ofensa ao art. 155, § 2º, XII, g, da CF — que exige, relativamente


ao ICMS, a celebração de convênio entre os Estados-membros e o
Distrito Federal para a concessão de isenções, incentivos e benefícios
fiscais —, o Plenário julgou procedente pedido formulado em ação
direta ajuizada pelo Governador do Estado de São Paulo para declarar
a inconstitucionalidade da Lei fluminense 3.394/2000, regulamentada
pelo Decreto 26.273, editado na mesma data. O diploma questionado
regulariza a situação das empresas que tiveram suspenso o benefício
de prazo especial de pagamento do ICMS concedido com base na Lei
2.273/94 e dá outras providências. Rejeitaram-se as preliminares
suscitadas. Quanto à formalização da inicial, aduziu-se que, ainda que
inexistisse a subscrição pelo Chefe do Poder Executivo, esse fato não
acarretaria irregularidade, ante a circunstância de o Procurador-Geral
deter poderes para atuar na defesa daquela unidade federativa.
Reconheceu-se, também, a legitimidade de um Estado-membro para
impugnar tratamento tributário preferencial concedido por outro ente
da federação. Destacou-se, ainda, o caráter abstrato da norma em
comento, o que permitiria o controle concentrado de
constitucionalidade. Tendo isso em conta, assinalou-se que, julgada
inconstitucional a lei, deixaria de haver objeto para a regulamentação
por decreto. No mérito, considerou-se que o presente diploma teria
implicado drible à decisão liminar desta Corte, que anteriormente já
assentara o descompasso da Lei 2.273/94 com a Constituição.
ADI 2906/RJ, rel. Min. Marco Aurélio, 1º.6.2011. (ADI-2906).

ICMS e guerra fiscal – 2: Minas Gerais X Rio de Janeiro

Com o mesmo fundamento acima aludido, o Plenário julgou


procedente pedido formulado em ação direta proposta pelo
Governador do Estado de Minas Gerais para declarar a
inconstitucionalidade do Decreto 26.005/2000, editado pelo
Governador do Estado do Rio de Janeiro. A norma impugnada
desonera do pagamento do ICMS as operações internas com insumos,
materiais, máquinas e equipamentos destinados a emprego em
plataformas de petróleo e as embarcações utilizadas na prestação de
serviços marítimos e de navegação.
ADI 2376/RJ, rel. Min. Marco Aurélio, 1º.6.2011. (ADI-2376).

ICMS e guerra fiscal – 3: Rio Grande do Norte X Rio de Janeiro

498
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Informativo do STF nº 629. Brasília, 30 de maio a 3 de junho
de 2011. Brasília: STF, 2011. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/
informativo629.htm>. Acesso em: 27 abr. 2014.
210

Ao aplicar a orientação firmada na ADI 2906/RJ, o Plenário julgou


procedente pedido formulado em ação direta ajuizada pela
Governadora do Estado do Rio Grande do Norte em exercício para
declarar a inconstitucionalidade do § 5º do art. 12 da Lei 4.181/2003,
regulamentado pelo Decreto 36.454/2004, ambos do Estado do Rio de
Janeiro. O preceito adversado institui o Programa de Desenvolvimento
do Setor Aeronáutico naquela unidade federativa — Rioaerotec — e
seu decreto regulamentador dispõe sobre o ICMS nas operações
internas com querosene de aviação e dá outras providências.
ADI 3674/RJ, rel. Min. Marco Aurélio, 1º.6.2011. (ADI-3674).

ICMS e guerra fiscal – 4: ABIMAQ X Rio de Janeiro

Ao aplicar a orientação firmada na ADI 2906/RJ, o Plenário julgou


procedente pedido formulado em ação direta ajuizada pela Associação
Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos – Abimaq para
declarar a inconstitucionalidade da Lei fluminense 4.163/2003,
regulamentada pelo Decreto 35.011/2004. A lei refutada dispõe sobre
a concessão de incentivos fiscais para a importação de equipamentos
esportivos de caráter olímpico nos casos que especifica e dá outras
providências.
ADI 3413/RJ, rel. Min. Marco Aurélio, 1º.6.2011. (ADI-3413).

ICMS e guerra fiscal – 5: Paraná X Rio de Janeiro

Ao aplicar a orientação firmada na ADI 2906/RJ, o Plenário julgou


procedente pedido formulado em ação direta ajuizada pelo
Governador do Estado do Paraná para declarar a inconstitucionalidade
do Decreto 42.241/2010, do Estado do Rio de Janeiro. A norma
contestada dispõe sobre a redução da base de cálculo do ICMS, na
operação de saída de ônibus de entrada baixa (“low entry”), para
empresas estabelecidas no Estado do Rio de Janeiro, concessionárias
de serviço público de transporte terrestre coletivo de passageiros de
linhas urbanas.
ADI 4457/PR, rel. Min. Marco Aurélio, 1º.6.2011. (ADI-4457).

ICMS e guerra fiscal – 6: Paraná X Mato Grosso do Sul

Ao aplicar a orientação firmada na ADI 2906/RJ, o Plenário julgou


parcialmente procedente pedido formulado em ação direta ajuizada
pelo Governador do Estado do Paraná para declarar a
inconstitucionalidade dos artigos 6º, 7º e 8º da Lei Complementar
93/2001, do Estado do Mato Grosso do Sul. Os preceitos em comento
instituem benefícios de natureza fiscal, extra fiscal e financeiro-fiscal,
consistentes em redução do saldo devedor do ICMS, aplicáveis
especialmente aos empreendimentos industriais, pelo prazo de 5 anos.
Consignou-se que o primeiro dispositivo disporia sobre a concessão
de benefícios fiscais e financeiros-fiscais e os demais permitiriam a
outorga de incentivos e benefícios atrelados ao ICMS sem amparo em
convênio interestadual.
ADI 3794/PR, rel. Min. Joaquim Barbosa, 1º.6.2011. (ADI-3794).

ICMS e guerra fiscal – 7: Paraná X Paraná


211

O Plenário julgou procedente pedido formulado em ação direta


proposta pelo Governador do Estado do Paraná para declarar a
inconstitucionalidade da Lei 13.561/2002, desse mesmo ente
federativo, que autoriza o Poder Executivo estadual a conceder
auxílio-transporte aos integrantes das polícias civil e militar, da ativa e
da inativa. Reputou-se que, ao permitir que a isenção fosse conferida
por decreto, o diploma questionado não observara a necessidade de
reserva de lei em sentido formal para a outorga da benesse, em afronta
ao art. 150, § 6º, da CF. Além disso, asseverou-se que a norma em tela
também ofenderia o disposto no art. 155, § 2º, XII, g, da CF,
porquanto autorizaria a concessão de benefício fiscal sem o amparo
em convênio interestadual. O Min. Marco Aurélio apontou que faltaria
razoabilidade à lei, pois, mediante subterfúgio, chegar-se-ia a uma
isenção, dado que o referido auxílio transporte, nos termos do diploma
impugnado, consistiria “na isenção da incidência do ICMS na
aquisição de um veículo popular para cada policial, zero quilômetro
de fabricação nacional”. Precedentes citados: ADI 3462 MC/PA (DJU
de 21.10.2005) e ADI 1247 MC/PA (DJU de 8.9.95).
ADI 2688/PR, rel. Min. Joaquim Barbosa, 1º.6.2011. (ADI-2688).

ICMS e guerra fiscal – 8: Procuradoria Geral da República X


Pará

Por reputar caracterizada ofensa aos artigos 150, § 6º, e 155, § 2º, XII,
g, da CF, o Plenário julgou parcialmente procedente pedido formulado
em ação direta ajuizada pelo Procurador-Geral da República para
declarar a inconstitucionalidade do caput do art. 12 da Lei 5.780/93,
do Estado do Pará [“Fica o Poder Executivo autorizado, nos casos em
que identificar notória necessidade de defender a Economia do Estado
e a capacidade competitiva de empreendimentos locais, a conceder,
provisoriamente, independentemente de deliberação do Conselho
Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), benefícios fiscais ou
financeiros, que poderão importar em redução ou exclusão do
ICMS”], bem assim da expressão “sem prejuízo do disposto no
‘caput’ deste artigo” contida no parágrafo único do referido
dispositivo. Reiteraram-se, para tanto, os fundamentos expendidos
quando da apreciação da medida cautelar.
ADI 1247/PA, rel. Min. Dias Toffoli, 1º.6.2011. (ADI-1247).

ICMS e guerra fiscal – 9: ABIMAQ X Espírito Santo

Com o mesmo fundamento acima aludido, o Plenário julgou


procedente pedido formulado em ação direta ajuizada pela Associação
Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos – Abimaq para
declarar a inconstitucionalidade do Decreto 1.542-R/2005, editado
pelo Governador do Estado do Espírito Santo. A norma questionada
dispõe sobre diferimento de ICMS incidente nas importações, do
exterior, de máquinas e equipamentos realizadas por estabelecimentos
avicultores, suinocultores ou pelas cooperativas de produtores que
atuam nestes segmentos, desde que destinadas à instalação de
unidades de beneficiamento industrial, ou à ampliação, modernização
ou recuperação de instalações agropecuárias industriais, relacionados
212

às suas atividades, para o momento de sua desincorporação do ativo


permanente. Em preliminar, reconheceu-se a legitimidade ativa da
associação ante seu caráter nacional. Assentou-se, ainda, que o decreto
adversado teria autonomia suficiente e abstratividade para figurar
como objeto de ação de controle concentrado de constitucionalidade.
Por fim, considerou-se que, de fato, o decreto daria imunidade
enquanto o bem ficasse incorporado ao patrimônio da empresa, a
revestir um incentivo que estaria, também, dentro da chamada guerra
fiscal.
ADI 3702/ES, rel. Min. Dias Toffoli, 1º.6.2011. (ADI-3702).

ICMS e guerra fiscal – 10: Paraná X São Paulo

Por entender caracterizada ofensa aos artigos 150, § 6º; 155, § 2º, XII,
g e 152, todos da Constituição, o Plenário julgou procedente pedido
formulado em ação direta ajuizada pelo Governador do Estado do
Paraná para declarar a inconstitucionalidade dos dispositivos
constantes do Decreto paulista 52.381/2007, com as alterações dadas
pelos Decretos 52.586/2007 e 52.824/2008. A norma impugnada
outorga benefícios fiscais a estabelecimentos fabricantes de leite
esterilizado (longa vida) e laticínios a produtores de leite situados no
Estado de São Paulo, ao reduzir em 100% a base de cálculo de ICMS
nas saídas internas desses produtos fabricados naquele ente federativo.
Ademais, concede crédito presumido de 1% do valor correspondente
às aquisições de leite cru, desde que provenientes de seus produtores.
Aduziu-se que a concessão de incentivos tributários em matéria de
ICMS deveria, por imperativo constitucional, ser precedida da
celebração de convênio entre todos os Estados-membros e o Distrito
Federal, vedado aos Poderes Executivos estaduais valer-se de outras
figuras legislativas.
ADI 4152/SP, rel. Min. Cezar Peluso, 1º.6.2011. (ADI-4152).

ICMS e guerra fiscal – 11: Paraná X Rio de Janeiro X Paraná

Ao aplicar o mesmo entendimento acima mencionado, o Plenário


julgou outros dois pedidos formulados, respectivamente, em ações
diretas ajuizadas pelo Governador do Estado do Paraná contra o
Decreto 27.427/2000, alterado pelo Decreto 28.104/2001, do Estado
do Rio de Janeiro, e contra a Lei 15.182/2006, do Estado do Paraná.
No decreto, há a redução de 2% do ICMS e a concessão de crédito
presumido também sem convênio do Confaz, no que foi declarado
inconstitucional. Em relação à lei, embora tivesse aduzido benefícios
previstos em convênio, inexistiria essa disposição no parágrafo único
do seu art. 1º, pelo que se julgou parcialmente procedente o pleito.
ADI 3664/RJ, rel. Min. Cezar Peluso, 1º.6.2011. (ADI-3664)
ADI 3803/PR, rel. Min. Cezar Peluso, 1º.6.2011. (ADI-3803).

ICMS e guerra fiscal – 12: São Paulo X Distrito Federal

O Plenário conheceu parcialmente de pedido formulado em ação


direta — proposta pelo Governador do Estado de São Paulo contra as
Leis distritais 2.427/99 e 2.483/99, bem como os Decretos
20.957/2000, 21.077/2000, 21.082/2000 e 21.107/2000, que dispõem
213

sobre o Programa de Promoção do Desenvolvimento Econômico


Integrado e Sustentável do Distrito Federal (PRÓ-DF) — e o julgou
parcialmente procedente para declarar inconstitucionais os artigos 2º, I
e §§ 2º e 3º; 5º, I a III, e parágrafo único, I; 6º; e 7º, §§ 2º e 3º, todos
da Lei 2.483/99. Inicialmente, afastou-se, por maioria, preliminar de
inépcia da inicial em virtude da ausência de indicação dos dispositivos
legais impugnados. Afirmou-se que o autor teria deixado claro que
todas as leis atacadas seriam, na sua integralidade, violadoras do
ordenamento constitucional. Vencido, no ponto, o Min. Marco
Aurélio, que reputava necessário, considerada a teoria da
substanciação, que se versassem, na petição inicial, os pedidos, de
forma específica, tendo em conta cada artigo. Acolheu-se, por outro
lado, preliminar atinente à ilegitimidade do requerente para questionar
a Lei 2.427/99, que se refere a benefícios fiscais ligados a tributos
municipais. No mérito, entendeu-se que a inconstitucionalidade dos
dispositivos citados residiria no fato de que, à guisa de se dar um
empréstimo às empresas favorecidas pelo PRÓ-DF, estar-se-ia a
conceder-lhes incentivo fiscal, no que diz respeito ao ICMS. Essa
prática seria proibida pela Constituição, porquanto inexistiria
convênio celebrado entre todos os Estados-membros e o Distrito
Federal e regulamentado por lei complementar.
ADI 2549/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1º.6.2011. (ADI-
2549).

ICMS e revogação de decreto: Minas Gerais X Minas Gerais

O Plenário julgou extinta, sem resolução de mérito, ação direta


ajuizada pelo Governador do Estado de Minas Gerais para declarar a
inconstitucionalidade do Decreto 153-R/2000, editado pelo Chefe do
Poder Executivo daquela unidade da federação, em que concedido
crédito presumido de ICMS nas operações internas e interestaduais
com mercadoria ou bem destinados às atividades de pesquisa e de
lavra de jazidas de petróleo e gás natural enquadrados no Repetro,
equivalente a 100% do imposto devido sobre a respectiva saída.
Inicialmente, registrou-se a concessão de medida cautelar nesta ação
em 19.12.2000. Na seqüência, asseverou-se que o diploma atacado
não mais subsistiria, porquanto revogado. Salientou-se, no ponto, que
o aludido ente federativo estabelecera uma nova regulamentação do
ICMS.
ADI 2352/ES, rel. Min. Dias Toffoli, 1º.6.2011. (ADI-2352).

Dentre as ações julgadas pelo STF, nenhuma tratou do programa FOMENTAR,


que, como anotado, é objeto da ADI nº 2441, que se encontra à espera de julgamento.
Há ainda que ser salientado que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal,
que já apontava no sentido de entender que os incentivos fiscais concedidos pelos
Estados sem observância da Lei Complementar nº 24/1975, isto é, sem a autorização do
CONFAZ, são inconstitucionais, consolidou-se por meio das decisões acima citadas,
todas ocorridas no ano de 2011.
214

A partir de tais decisões é que se acirrou a discussão jurídica acerca dos seus
efeitos, isto é, se a declaração de inconstitucionalidade de tais leis, pelo Supremo
Tribunal Federal, teria o condão de obrigar as empresas contribuintes, detentoras dos
benefícios, a ressarcirem os Estados da Federação que se consideram lesados, ou se, de
outro lado, tal obrigação caberia ao próprio Estado concessor do incentivo fiscal.
É de se observar que, em todos os julgados suprarreferidos, o objeto das
demandas era o reconhecimento da inconstitucionalidade das leis “em tese”, não
abrangendo situações in concreto.
Ademais, outro aspecto da discussão que passou a ganhar destaque estava no
suposto direito adquirido das empresas que realizaram investimentos de vulto para se
beneficiarem de incentivos fiscais e que estariam à mercê da declaração de
inconstitucionalidade, não podendo ser ressarcidas pelos referidos investimentos.
Ciente dessa realidade e considerando ainda as inúmeras leis estaduais que
concedem incentivos fiscais unilaterais no âmbito do ICMS é que o Ministro Gilmar
Mendes fez uma proposta de Súmula Vinculante, com o objetivo de declarar
inconstitucional qualquer isenção, incentivo, redução de alíquota ou base de cálculo,
crédito presumido, dispensa de pagamento ou outro benefício fiscal relativo ao ICMS,
concedido sem prévia autorização, em convênio celebrado, do Conselho Nacional de
Política Fazendária (CONFAZ). Eis o texto da proposta, que pende de aprovação:

Qualquer isenção, incentivo, redução de alíquota ou de base de


cálculo, crédito presumido, dispensa de pagamento ou outro benefício
fiscal relativo ao ICMS, concedido sem prévia aprovação em convênio
celebrado no âmbito do CONFAZ, é inconstitucional.

Tem-se, assim, que, linhas gerais, o cenário jurisprudencial atual tende a repelir
quaisquer incentivos fiscais, relativos ao ICMS, que não sejam conveniados, havendo
grandes chances de que esse posicionamento se sedimente, atingindo todos os
programas atualmente vigentes nessas condições, em especial se a proposta de Súmula
Vinculante vier, efetivamente, a ser aprovada.
No caso de aprovação da Súmula Vinculante, seus efeitos se irradiarão de
imediato sobre todas as situações que a ela se amoldem. E, no caso do Programa
FOMENTAR, entendemos que deve haver sua adequação ao teor de tal enunciado, na
medida em que se trata de programa concedido unilateralmente.
215

Portanto, nesta hipótese, poderá, até mesmo, haver a perda de objeto ADI nº
2.441-8, sob o fundamento de que, a partir da vigência da Súmula, a situação esposada
na ADI no tocante ao Programa FOMENTAR teria restado resolvida.
A despeito disso, o cenário ainda permanece incerto e suscita dúvidas quanto
aos seguintes pontos:
 efeitos da decisão, é dizer, se haverá ou não modulação, pelo STF; e
 a quem cabe a responsabilidade pelo pagamento de eventuais indébitos: se
ficará a cargo dos contribuintes que usufruíram dos benefícios ou do Estado
Federado que os concedeu.
Tais questionamentos se entrelaçam, inclusive porque apenas há sentido em se
discutir sobre responsabilidade pelo indébito na hipótese de não haver modulação dos
efeitos das decisões, pois que, apenas nesse caso, os efeitos serão ex tunc, ou seja,
atingirão todos os eventos acontecidos desde o advento do diploma tido por
inconstitucional.
Portanto, mais do que confirmar a orientação predominante de nossas Cortes
Superiores, em reconhecer a inconstitucionalidade dos incentivos fiscais de ICMS não
conveniados – o que pode ser considerado ponto pacífico –, há que se indicar a vertente
dos efeitos dos julgamentos do Supremo Tribunal Federal nos casos concretos, isto é,
em relação aos contribuintes que usufruíram dos incentivos fiscais, dentre os quais o
FOMENTAR.
Sublinha-se que, nas decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, até o
momento, inclusive aquelas acima indicadas, não há menção expressa à modulação de
efeitos, tampouco é abordada a questão da responsabilidade pelo pagamento dos
eventuais indébitos.
É fato, ademais, que muitas dessas ações ainda não transitaram em julgado,
constatando-se, nos respectivos andamentos processuais consultados no sítio do STF –
www.stf.jus.br – que em muitas delas há a apresentação de Embargos de Declaração,
possivelmente para a postulação da modulação dos efeitos da decisão, o que evidencia
que esse pleito vem sendo colocado, em virtude da relevância da definição da questão,
em debate.
216

8.4 Modulação de efeitos das decisões do STF: conceito e efeitos práticos

Tendo em vista que nossa análise passa pela verificação da plausibilidade de


que o tema da guerra fiscal tenha seus efeitos modulados pelo Poder Judiciário,
entendemos conveniente uma breve explicação acerca do conceito e dos efeitos desse
instituto.
Como regra, a declaração de inconstitucionalidade de uma determinada lei
importa a consideração de que, quando do termo inicial da sua existência, essa lei já se
encontrava maculada pelo conflito com a Constituição e, pois, desprovida de
fundamento de validade. Em outras palavras, historicamente, no direito brasileiro,
sempre se equiparou à declaração de inconstitucionalidade das leis a decretação da sua
nulidade (desde o seu nascimento), na esteira da doutrina americana segundo a qual “the
inconstitutional statute is not law at all”, conforme destaca o Ministro Gilmar Ferreira
Mendes 499 .
A Lei n° 9.868/99 500, que rege a Ação Direta de Inconstitucionalidade e a Ação
Declaratória de Constitucionalidade, inseriu no ordenamento brasileiro a possibilidade
da modulação (limitação ou restrição) das decisões do Supremo Tribunal Federal em
que se declara a inconstitucionalidade das leis. O respectivo artigo 27 dispõe no
seguinte sentido:

Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e


tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional
interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de
dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração
ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado
ou de outro momento que venha a ser fixado.

Nos termos desse dispositivo, o Supremo Tribunal Federal tem a possibilidade


de modular os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, em tese, proferindo uma
das seguintes decisões:
a) Declaração de inconstitucionalidade ex nunc: a lei é considerada
inconstitucional apenas a partir do trânsito em julgado da decisão do STF.

499
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso
de Direito Constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 1244.
500
BRASIL. Presidência da República. Lei n° 9.868, de 10 de novembro de 1999. Dispõe sobre o
processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de
constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. Brasília: DOU, 11 nov. 1999.
217

Neste caso, até o momento da decisão, a lei declarada inconstitucional é


considerada válida.
b) Declaração de inconstitucionalidade com efeito pro futuro: hipótese em que
o STF fixa um termo inicial, no futuro – após o trânsito em julgado da sua
decisão – em que a lei reputada inconstitucional deixará de ser válida.
c) Declaração de inconstitucionalidade sem decretação de nulidade: hipótese
em que o Supremo declara a inconstitucionalidade da lei, mas sem declarar
a respectiva nulidade. Apenas suspende-se a aplicação da lei e os processos
que a tenham por objeto de discussão, até que o legislador extirpe a
inconstitucionalidade reconhecida.
Veja-se, a título ilustrativo, o quadro a seguir:

Declaração de Declaração de Declaração de


inconst. ex tunc (é a inconst. ex nunc inconst. com efeito
regra) pro futuro
• Promulgação da • Trânsito em • Termo no futuro
Lei declarada julgado da fixado pelo STF,
inconstitucional decisão do STF a partir do qual a
pelo STF lei declarada
inconstitucional
passará a deixar
da valer

A modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, conforme o


artigo 27 da Lei nº 9.868/99, depende de quórum específico, somente podendo ser
decretada se corroborada pela maioria de 2/3 dos membros do Supremo Tribunal
Federal. Deve, necessariamente, estar fundamentada em argumentos de ordem
constitucional, que, na ponderação com o princípio da nulidade (que impõe a decretação
da nulidade desde o surgimento da norma inconstitucional), sobreponham-se a este. Em
regra, o princípio da segurança jurídica consubstancia o seu fundamento determinante.
Ressalte-se que, mesmo no âmbito das súmulas vinculantes, há expressa
disposição legal que permite modulação dos seus efeitos, excepcionando a regra da sua
eficácia imediata. É o que dispõe o artigo 4º da Lei nº 11.417/2006 501:

Art. 4o A súmula com efeito vinculante tem eficácia imediata, mas o


Supremo Tribunal Federal, por decisão de 2/3 (dois terços) dos seus

501
BRASIL. Presidência da República. Lei nº 11.417, de 19 de dezembro de 2006. Regulamenta o art.
103-A da Constituição Federal e altera a Lei no 9.784, de 29 de janeiro de 1999, disciplinando a
edição, a revisão e o cancelamento de enunciado de súmula vinculante pelo Supremo Tribunal
Federal, e dá outras providências. Brasília: DOU, 20 dez. 2006.
218

membros, poderá restringir os efeitos vinculantes ou decidir que só


tenha eficácia a partir de outro momento, tendo em vista razões de
segurança jurídica ou de excepcional interesse público.

Destarte, a prerrogativa de modulação dos efeitos pode ser aplicada tanto às


decisões propriamente ditas, quanto às Súmulas Vinculantes, sempre visando à
preservação da segurança jurídica.

8.5 Delimitação do problema: riscos decorrentes da adesão ao contribuinte ao


Programa FOMENTAR

Visando contextualizar a nossa análise científica a uma situação concreta,


reputamos importante a delimitação dos riscos do contribuinte à adesão a um programa
de incentivo fiscal cuja legitimidade possa ser questionada pelo Poder Judiciário.
A decisão judicial acerca da inconstitucionalidade dos benefícios fiscais de
ICMS não conveniados – tais como o FOMENTAR – atingirá diretamente o
contribuinte beneficiário do incentivo fiscal, assim como poderá, eventualmente, atingir
as partes relacionadas da sua cadeia de operações (adquirentes das mercadorias),
estabelecidas em outras unidades da Federação, que tenham registrado créditos de
ICMS decorrentes da entrada de produtos incentivados. Com efeito, os Estados
destinatários das mercadorias podem glosar os créditos registrados por seus
administrados, sob o argumento de que não houve tributo a pagar na origem (ou houve
apenas o pagamento parcial), porquanto o aproveitamento dos créditos (total ou parcial)
se revelaria indevido.
Sob a ótica do contribuinte, confirmando-se a inconstitucionalidade do
incentivo a que faz jus, o Estado de Goiás poderá, a pretexto de “legitimar” os créditos
relacionados às operações praticadas em seu território, exigir do contribuinte lá
estabelecido o valor do tributo que deixou de ser recolhido. Essa cobrança pode, até
mesmo, ser motivada pela atuação do Ministério Público, que, diante da situação
instalada por ocasião do reconhecimento da inconstitucionalidade, pode forçar uma ação
estatal nesse sentido 502.

502
Há relatos de ações nesse sentido no âmbito do ISSQN.
219

Assim, a questão sob análise contém duas facetas: (i) reflexos para o
contribuinte beneficiário do incentivo fiscal, que poderá ser exigido em relação ao
tributo que deixou de ser recolhido, para fins de legitimar os créditos aproveitados; e
(ii) reflexos para o adquirente das mercadorias do contribuinte, que poderá ter seus
créditos glosados pelo seu Estado sede, destinatário do produto incentivado, gerando,
até mesmo, problemas “comerciais”.
Diante desses múltiplos reflexos é que a questão acerca da delimitação dos
efeitos das decisões judiciais atinentes ao tema guerra fiscal ganha muita relevância,
dado que são diversas as partes envolvidas e que, potencialmente, podem ser atingidas.
De toda forma, cumpre-nos consignar que, à exceção da hipótese de
modulação, em qualquer outro cenário – decisão do STF ou Súmula Vinculante não
modulada, acordo no CONFAZ ou resolução do Senado –, deverá, necessariamente,
haver a definição sobre a quem incumbirá realizar o ressarcimento e de que forma isso
ocorrerá. Na prática, essa discussão pode gerar inúmeras controvérsias, especialmente
se vier a ocorrer o envolvimento do Ministério Público, uma vez que é imperativa a
observância aos princípios da segurança jurídica, presunção de legalidade, duração
razoável do processo, dentre outros, o que não é tarefa fácil.
Enfim, o mérito da questão traz uma resolução aparentemente simples:
incentivos fiscais não conveniados são inconstitucionais. Porém, seus efeitos práticos
ainda devem ser objeto de intensos debates na hipótese de não haver modulação dos
efeitos nas decisões do STF ou mesmo em eventual Súmula Vinculante.

8.6 Tendência jurisprudencial aplicável aos casos de GUERRA FISCAL

A questão da guerra fiscal é, sem sombra de dúvidas, tema de fundamental


importância, e sua definição certamente irradiará importantes efeitos. Partindo desse
pressuposto, entendemos que há fortes chances de que haja a delimitação de seus
reflexos, o que poderá se dar pelas seguintes formas:
1. modulação dos efeitos das decisões judiciais das ADIs ou da Súmula
Vinculante, pelo STF;
220

2. no caso de não modulação dos efeitos das ADIs, pelo julgamento dos casos
concretos (controle difuso), acerca da responsabilidade pelos eventuais
indébitos passados;
3. celebração de acordo pelo CONFAZ, tal como ocorrido no caso São Paulo
X Espírito Santo;
4. resolução pelo Senado Federal, tal como recentemente ocorrido com a
Guerra dos Portos.
Trataremos individualmente de cada uma das hipóteses, seus prós e contras.

8.6.1 Modulação dos efeitos das decisões judiciais das ADIs ou da Súmula
Vinculante, pelo STF

Entendemos que seria de grande relevância o Supremo Tribunal Federal


modular os efeitos das decisões das ADIs ou da Súmula Vinculante, considerando-se os
significativos reflexos que a posição adotada – inconstitucionalidade dos benefícios
fiscais de ICMS não respaldados em convênios – irradiará.
É certo, porém, que, em recente parecer exarado pelo Procurador Geral da
República, este se manifestou no sentido de que:

Quanto à modulação dos efeitos da decisão, prevista no art. 27 da Lei


nº 9.868/99, parece não ser necessária. Primeiro, porque a proposta
está pautada em entendimento que já vem sendo reiteradamente
adotado pelo Supremo Tribunal Federal ao tratar de ações que
envolvem a chamada "guerra fiscal" e cujos desfechos não mencionam
eventual modulação de efeitos. 503

Malgrado não tenha havido, nas ações diretas até agora julgadas 504, menção à
modulação dos efeitos das respectivas decisões, a nossa opinião é no sentido de que o
Supremo Tribunal Federal poderá perpetrá-la, para, por exemplo, declarar a
inconstitucionalidade dos benefícios fiscais apenas a partir do trânsito em julgado da

503
BRASIL. Procuradoria-Geral da República. Proposta de Súmula Vinculante nº 69. Relator:
Presidente do Supremo Tribunal Federal. Proponente: Ministro Gilmar Mendes. Disponível em:
<http://noticias.pgr.mpf.mp.br/noticias/noticias-do-site/copy_of_pdfs/Parecer em PSV n 69.pdf>.
Acesso em: 15 abr. 2014.
504
Nem mesmo houve o julgamento do Recurso Extraordinário nº 628.075, submetido ao rito de
Repercussão Geral pelo Supremo Tribunal Federal em 13.10.2011.
221

respectiva decisão (com efeito ex nunc), sobretudo em benefício do princípio da


segurança jurídica.
Sente-se, de fato, todo um movimento nessa direção, tendo em vista as
consequências que poderão advir das referidas decisões sobre os contribuintes
detentores dos benefícios, as empresas que tomaram créditos incentivados, bem como
sobre os Estados que concedem os referidos benefícios. Trata-se, pois, de tema
recorrente, por exemplo, nas discussões realizadas em entidades de classe, federações e
confederações, cabendo o registro de que, pelo que pudemos verificar nas pesquisas
realizadas junto ao sítio do STF, há petições apresentadas nos autos das ações – ADIs –
que ainda não transitaram em julgado, possivelmente requerendo a aplicação de referido
instituto.
É de se ter que a modulação dos efeitos poderá ocorrer mesmo quando da
aprovação da súmula vinculante, pois, como visto, os efeitos da súmula advirão
prontamente a partir de sua edição.
Portanto, ao que nos parece, há chances concretas de modulação dos efeitos das
decisões atinentes à guerra fiscal, principalmente se considerada a pressão que vem
ocorrendo nesse sentido. E, vale dizer, o Programa FOMENTAR está inserido nesse
cenário, na medida em que configura incentivo fiscal unilateral.
O efeito prático da aplicação da modulação ao caso em debate será que as leis
estaduais concessoras de benefícios fiscais unilaterais poderão ser consideradas válidas
até o momento da decisão do STF, de sorte que não restarão configurados indébitos
passados. Idealmente, apresenta-se a solução mais adequada.
Acresça-se, ainda, que, no caso de contribuintes que tenham sido autuados por
ter registrado créditos decorrentes de aquisições de produtos incentivados na origem,
suas respectivas defesas poderão ocorrer com base na decisão do STF que deu pela
modulação dos efeitos, aventando que as operações ocorridas anteriormente ao advento
da decisão devem ser consideradas legítimas.
Por óbvio, a opinião acima é conferida tomando por base, de um lado, a
direção da jurisprudência, que já é clara no sentido de reconhecer a
inconstitucionalidade dos benefícios fiscais unilaterais e, de outro, os impactos práticos
que tal decisão certamente acarretará, considerando-se o grande número de benefícios
fiscais vigentes e de contribuintes que são potencialmente atingíveis.
222

Frisa-se que um ponto fundamental que está sendo sopesado, e que é objeto de
anseio dos contribuintes, é que, em muitos casos, a fruição de benefícios é condicionada
à instalação física da empresa no território do Estado concessor e, mais que isso, à
realização de investimentos, geração de número mínimo de empregos, etc.
Concretamente, todos os custos e despesas incorridos para atendimento a essas
condições consistirão ônus exclusivo do contribuinte, visto que não há previsão para
qualquer tipo de reembolso ou restituição nesse sentido.
Portanto, a questão de fundo envolvida na presente discussão não se restringe a
um tema tributário – existência ou não do benefício fiscal – detendo, outrossim, um viés
econômico, financeiro e até social. Toda essa riqueza de pormenores serve de
fundamento para que os efeitos práticos da decisão sejam regulados diretamente pelo
Poder Judiciário, em sede de ADI, o que, consoante já consignado, seria a solução
menos impactante.

8.6.2 Julgamento dos casos concretos (controle difuso), acerca da


responsabilidade pelos eventuais indébitos passados

Por outro lado, considerando-se que não venha a ocorrer a modulação dos
efeitos das decisões do STF ou da súmula vinculante proposta, em face do entendimento
já fixado pela Suprema Corte a respeito da inconstitucionalidade dos benefícios fiscais
em questão, especialmente se assomar a Súmula Vinculante em fase de aprovação, é de
se ter que a questão não estará plenamente resolvida, particularmente no que concerne à
responsabilidade pelo ressarcimento dos prejuízos acarretados sobre o Estado lesado.
Nessa hipótese – não ocorrência da modulação dos efeitos –, vislumbra-se que,
com base na declaração de inconstitucionalidade promovida pelo STF, diversos
processos subjetivos (provenientes de casos concretos) chegarão ao Superior Tribunal
de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal, para, aí, se discutir se o contribuinte que
participou do benefício poderá ser responsabilizado pelo ressarcimento ao Estado lesado
por aquilo lhe era devido ou se o Estado que criou o benefício inconstitucional deverá
arcar com os prejuízos causados aos demais Estados.
Sobre esse ponto, insta retomar que há, até mesmo, o risco de interferência do
Ministério Público visando à extirpação de todos os efeitos resultantes da indevida
223

concessão do benefício, obrigando o Estado – no caso, Goiás – a exigir de seus


administrados o tributo que deixou de ser recolhido, retroativamente. Ainda que tal
aconteça, entendemos que haverá bons argumentos para defesa dos contribuintes, pois
que toda sua conduta relativamente às operações pretéritas foi lastreada em legislação
presumivelmente válida, sendo, portanto, legítima.
Noutro giro, as Secretarias de Fazenda dos Estados considerados lesados
– especialmente São Paulo – têm por praxe lavrar autuações glosando os créditos
decorrentes de ingressos incentivados, o que justifica a existência de uma gama de
processos em tramitação na via administrativa, os quais, certamente, originarão futuras
demandas judiciais, no bojo das quais, outrossim, encontram aplicabilidade todos os
princípios retromencionados.
Some-se a isso a existência de decisões que são pela impossibilidade de que os
entes da Administração Pública pratiquem atos contraditórios, o que poderia ser alegado
nesta hipótese 505.
Ainda não se tem um cenário detectável em relação à posição das Cortes
Superiores sobre o tema, o que certamente começará a ocorrer a partir de agora, com o
trânsito em julgados das decisões proferidas nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade.
De qualquer forma, não se pode deixar de mencionar posição externada pela então

505
À guisa de exemplo, tome-se o seguinte julgado do STJ:
“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. TITULO DE PROPRIEDADE OUTORGADO
PELO PODER PÚBLICO, ATRAVES DE FUNCIONARIO DE ALTO ESCALÃO. ALEGAÇÃO
DE NULIDADE PELA PROPRIA ADMINISTRAÇÃO, OBJETIVANDO PREJUDICAR O
ADQUIRENTE: INADMISSIBILIDADE. ALTERAÇÃO NO POLO ATIVO DA RELAÇÃO
PROCESSUAL NA FASE RECURSAL: IMPOSSIBILIDADE, TENDO EM VISTA O PRINCÍPIO
DA ESTABILIZAÇÃO SUBJETIVA DO PROCESSO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR
DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. INSTITUIÇÃO DE PARQUE ESTADUAL. PRESERVAÇÃO
DA MATA INSERTA EM LOTE DE PARTICULAR. DIREITO A INDENIZAÇÃO PELA
INDISPONIBILIDADE DO IMOVEL, E NÃO SO DA MATA. PRECEDENTES DO STF E DO
STJ. RECURSOS PARCIALMENTE PROVIDOS.
I- Se o suposto equivoco no titulo de propriedade foi causado pela própria administração,
através de funcionário de alto escalão, não ha que se alegar o vício com o escopo de prejudicar
aquele que, de boa-fé, pagou o preço estipulado para fins de aquisição. Aplicação dos Princípios
de que "memo potest venire contra factum proprium" e de que "memo creditur turpitudinem suam
allegans".
II- Feita a citação validamente, não e mais possível alterar a composição dos polos da relação
processual, salvo as substituições permitidas por lei (v.g., arts. 41 a 43, e arts. 1.055 a 1.062, todos do
cpc). Aplicação do princípio da estabilização subjetiva do processo. Inteligência dos arts. 41 e 264 do
CPC. Precedente do STF: RE n. 83.983/RJ.
III - O proprietário que teve o seu imóvel abrangido por parque criado pela administração faz jus a
integral indenização da área atingida, e não apenas em relação a mata a ser preservada. Precedente do
STJ: Resp n. 39.842/SP.” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 47.015/SP.
Relator: Ministro Adhemar Maciel. Julgamento: 16 out. 1997. Órgão Julgador: Segunda Turma.
Publicação: DJ, 9 dez. 1997).
224

Ministra Ellen Gracie, ao conceder liminar, até hoje não reformada, na Ação Cautelar n°
2611 506, que inclusive se refere ao Estado de Goiás:

Há forte fundamento de direito na alegação de que o Estado de destino


da mercadoria não pode restringir ou glosar a apropriação de créditos
de ICMS quando destacados os 12% na operação interestadual, ainda
que o Estado de origem tenha concedido crédito presumido ao
estabelecimento lá situado, reduzindo, assim, na prática, o impacto da
tributação. […] Ainda que o benefício tenha sido concedido pelo
Estado de Goiás sem autorização suficiente em convênio, mostra-se
bem fundada a alegação de que a glosa pelo Estado de Minas Gerais
não se sustenta. Isso porque a incidência da alíquota interestadual faz
surgir o direito à apropriação do ICMS destacado na nota, forte na
sistemática de não-cumulatividade constitucionalmente assegurada
pelo art. 155, § 2º, I, da Constituição, e na alíquota estabelecida em
Resolução do Senado, cuja atribuição decorre do art. 155, § 2º, IV.
Não é dado ao Estado de destino, mediante glosa, a apropriação
de créditos nas operações interestaduais, negar efeito aos créditos
apropriados pelos contribuintes.

Vê-se, assim, que a análise completa do caso em estudo passa, também, pela
definição acerca da responsabilidade pelo ressarcimento dos prejuízos decorrentes da
indevida concessão de benefícios fiscais. E, nesse particular, a decisão acima, embora
proferida em sede liminar, constitui um importante precedente, revelador do
entendimento de que não pode ser imputada ao contribuinte, de forma exclusiva, a
responsabilidade pelo ônus do ressarcimento.

8.6.3 Celebração de acordo pelo CONFAZ, tal como ocorrido no caso São Paulo
X Espírito Santo

Considerando-se, ainda, que não haja a aplicação da modulação – e a


justificativa para isso seria o fato de que já existem decisões proferidas pelo STF sobre a
guerra fiscal, transitadas em julgado, e para as quais não houve modulação –, outra
medida que reputamos possível é que haja a celebração de um grande acordo junto ao
CONFAZ, entre todos os Estados, a fim de que tais decisões não reflitam sobre o
passado ou, nos termos do ocorrido entre o Estado de São Paulo e o Estado do Espírito
Santo, em que se fixou, instrumentalizado pelo Protocolo ICMS nº 23, de 03 de junho

506
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Cautelar nº 2.611/MG. Relatora: Ministra Ellen Gracie.
Julgamento: 07 maio 2010. Órgão Julgador: Ministra Ellen Gracie. Publicação: 13 maio 2010.
225

de 2009 507, os procedimentos a serem adotados nas operações de importação por conta e
ordem de terceiros e de importação por encomenda.
Frisa-se que a definição acerca do Estado a que incumbe o recolhimento do
ICMS nos casos de importações envolvendo tradings estabelecidas no Espírito Santo e
destinatários sediados em São Paulo ilustra, com precisão, uma discussão que era
extremamente controvertida e que gerava acirradas disputas entre tais Estados. Com
efeito, diversos contribuintes paulistas montavam operações complexas para viabilizar o
desembaraço aduaneiro de mercadorias importadas por meio de portos e aeroportos
capixabas, com o propósito exclusivo de ter aquela operação desonerada (ou
praticamente desonerada) do ICMS-Importação.
A solução de tal impasse adveio com a edição do Protocolo ICMS n° 23/2009,
que segregou a sujeição ativa do ICMS-Importação, atribuindo-a ao Estado destinatário
da mercadoria (sede do importador) no caso de operações realizadas “por conta e ordem
de terceiros”. Na prática, essa determinação possibilitou ao Estado de São Paulo manter
a arrecadação no caso dessas operações – por conta e ordem – ainda que a importação
se opere no território do Espírito Santo.
Quanto ao passado, a solução encontrada no caso São Paulo X Espírito Santo
restou formalizada no Convênio ICMS nº 36, de 26 de março de 2010 508, do CONFAZ.
Diante da dificuldade inafastável para a cobrança retroativa, a opção foi pelo
reconhecimento dos recolhimentos efetuados nas operações anteriores ao Protocolo
ICMS nº 23/2009, tendo sido estabelecido, para tanto, um cronograma.
No caso do FOMENTAR, portanto inexistindo a modulação dos efeitos das
decisões da ADI ou mesmo da Súmula Vinculante, reputamos plausível que a solução
se dê por intermédio de um acordo perante o CONFAZ.
Esta alternativa é melhor do que simplesmente haver o reconhecimento da
inconstitucionalidade dos benefícios sem qualquer limitação de efeitos para as decisões,
porque possibilita que, ainda que seja atribuída aos contribuintes a responsabilidade

507
BRASIL. Ministério da Fazenda. Protocolo ICMS nº 23, de 3 de junho de 2009. Dispõe sobre os
procedimentos a serem adotados nas operações de importação por conta e ordem de terceiros e de
importação por encomenda, e dá outras providências. Brasília: DOU, 4 jun. 2009.
508
Id. Convênio ICMS nº 36, de 26 de março de 2010. Autoriza os Estados do Espírito Santo e São
Paulo e o Distrito Federal a reconhecer os recolhimentos efetuados em operações de importação por
conta e ordem de terceiros na hipótese em que específica. Brasília: DOU, 1 abr. 2010.
226

pelo ressarcimento, tal se dê de forma organizada, garantindo-se prazo razoável e


afastando-se, por exemplo, a imposição de penalidades.
A nosso ver, inexistindo manifestação do Poder Judiciário acerca da
modulação dos efeitos de suas decisões, há uma tendência ao presente cenário, pois que,
como já visto, uma decisão judicial ex tunc (com efeitos pretéritos, desde o advento da
legislação tida por inconstitucional), ademais de causar extrema insegurança, sempre
poderá ser questionada pelos administrados.

8.6.4 Resolução, pelo Senado Federal, tal como recentemente ocorrido com a
Guerra dos Portos

Há uma outra possibilidade de composição que vislumbramos para o caso, que


se materializaria por meio da edição de uma Resolução do Senado Federal, tal como
ocorrido, recentemente, na chamada “Guerra dos Portos”, advinda da concessão, por
determinados Estados, de incentivos fiscais para a entrada de produtos estrangeiros,
para depois beneficiarem-se da arrecadação de ICMS, quando da revenda das
mercadorias para outros Estados da Federação.
No dia 24 de abril de 2012, foi aprovada Resolução do Senado Federal
(pendente de promulgação), unificando em 4% as alíquotas interestaduais do imposto
sobre importados, reduzindo a receita dos Estados que oferecem os incentivos em
questão.
Com efeito, a Constituição Federal prevê, expressamente, esta possibilidade,
nos termos do disposto no artigo 155, § 2º, IV e V:

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos


sobre:
[…]
II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações
de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de
comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no
exterior.
[…]
§ 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
[…]
IV - resolução do Senado Federal, de iniciativa do Presidente da
República ou de um terço dos Senadores, aprovada pela maioria
absoluta de seus membros, estabelecerá as alíquotas aplicáveis às
operações e prestações, interestaduais e de exportação;
227

V - é facultado ao Senado Federal:


a) estabelecer alíquotas mínimas nas operações internas, mediante
resolução de iniciativa de um terço e aprovada pela maioria absoluta
de seus membros;
b) fixar alíquotas máximas nas mesmas operações para resolver
conflito específico que envolva interesse de Estados, mediante
resolução de iniciativa da maioria absoluta e aprovada por dois terços
de seus membros; […]

O efeito de uma decisão dessa natureza é que, diante dela, os Estados podem
criar mecanismos para possibilitar a cobrança retroativa do ICMS de forma menos
gravosa para os contribuintes e mais organizada. Embora seja recentíssima a notícia
sobre a aprovação de Resolução do Senado no tocante à Guerra dos Portos já
identificamos manifestações de diversos Governadores de Estados asseverando que,
frente ao cenário instalado, serão elastecidos prazos para que os contribuintes
promovam os recolhimentos relativos ao passado, bem assim que serão concedidas
anistias de multa e juros, o que pode, eventualmente, vir a ocorrer no presente caso.

8.7 Conclusão

Diante de todo o exposto, concluímos no sentido de que:


1) A jurisprudência está sedimentada no sentido de que são inconstitucionais
benefícios e incentivos fiscais no âmbito do ICMS, conferidos unilateralmente, ou seja,
sem apoio em Convênio do CONFAZ, em especial após o julgamento de diversas ADIs
relativas ao tema, ocorrido no mês de junho/2011.
2) O FOMENTAR, programa que caracteriza benefício unilateral, deverá ser
influenciado pela posição da jurisprudência.
3) Existe uma ADI pendente de julgamento, de nº 2.441-8, proposta pelo
Estado de São Paulo, questionando, especificamente o FOMENTAR.
4) Há uma proposta de Súmula Vinculante, apresentada pelo Ministro Gilmar
Mendes e pendente de aprovação, que visa pôr fim à discussão sobre os benefícios
fiscais unilaterais, seguindo a linha já pacificada na jurisprudência.
5) Embora haja diversos julgados que tratam do mérito da discussão sobre a
guerra fiscal, não identificamos menção à modulação de efeitos, tampouco sobre como
deverá se dar a cobrança retroativa do indébito que restará configurado após o
228

reconhecimento da inconstitucionalidade dos benefícios. A redação da Súmula


Vinculante também não menciona sobre modulação.
6) Reputamos de suma relevância o tema da guerra fiscal, porque, na prática,
ele irradiará efeitos sobre: (i) o contribuinte que se utilizou do benefício ou incentivo;
(ii) o contribuinte destinatário das mercadorias incentivadas, cujos créditos poderão ser
glosados; (iii) o Estado concessor do benefício.
7) Entendemos provável que haja a modulação dos efeitos das decisões que
declaram a inconstitucionalidade dos benefícios fiscais relativos ao ICMS, ou mesmo da
súmula vinculante proposta (abrangendo-se todos os benefícios existentes no Brasil),
com relativa possibilidade de a referida modulação entender pela inconstitucionalidade
com efeitos futuros.
8) Se não determinada a modulação dos efeitos, haverá a discussão, em casos
concretos, no bojo de processos subjetivos, sobre quem deverá arcar a responsabilidade
concernente ao ressarcimento dos prejuízos causados aos Estados: sobre o contribuinte
que gozou do benefício ou sobre o Estado-membro que o concedeu. Nesse caso,
entretanto, entendemos que, recaindo-se a responsabilidade aos contribuintes, a
cobrança retroativa deverá observar todos os princípios jurídicos que regem o
ordenamento pátrio, sob pena de poder ser contestada. Na prática, essa cobrança poderá
se revelar sobremodo dificultosa, o que reforça nossa percepção de que alguma forma
de delimitação de efeitos deverá ser adotada, até para evitar a “enxurrada” de demandas
que certamente advirá caso seja implementada qualquer forma de cobrança forçada dos
contribuintes.
9) Há decisão liminar, concedida em cautelar, pela Ministra Ellen Gracie, que
repele a glosa de créditos, por outros Estados da Federação, relativamente a entradas
incentivadas, o que revela uma resistência em atribuir ao contribuinte, de forma
exclusiva, a responsabilidade pelo ônus do ressarcimento.
10) Não havendo a modulação dos efeitos, é possível que haja um acordo, no
âmbito do CONFAZ, regulamentando a situação dos Estados e contribuintes,
especificamente no que se refere aos períodos pré-declaração de inconstitucionalidade.
Via de regra esses acordos preveem elastecimento de prazo de pagamento e remissão de
penalidades.
229

11) Por fim, é possível que a questão seja, também, objeto de Resolução do
Senado Federal, tal como ocorrido com a Guerra dos Portos, no dia 23/04/2012. Nesse
caso, vislumbramos chances de que, tal como na hipótese de celebração de acordo junto
ao CONFAZ, os Estados estabeleçam mecanismos para cobranças retroativas com
impactos minimizados.
230
231

CONCLUSÕES

1. Até os dias atuais, não há consenso sobre a utilização da expressão


incentivos fiscais. Até mesmo ao longo da Constituição Federal, em
diversas passagens a aplicação dos termos relacionados aos incentivos
fiscais é feita de forma indiscriminada. Ora se fala em “incentivos”,
“benefícios”, anistias, remissões, crédito presumido, redução de base de
cálculo, etc. Assim, podemos concluir que não foi ordenado e uniforme o
tratamento dos incentivos fiscais na Constituição Federal, nem pela
doutrina e Jurisprudência ao logo dos anos, cujo uso de forma
indiscriminada desgastou a expressão.
2. Analisar os incentivos fiscais dentro da perspectiva do constructivismo
lógico-semântico contribui para a eliminação da ambiguidade e vaguidade
da expressão incentivos fiscais. Além disso, a análise estritamente jurídica
permite a construção de um método consistente, voltado para a análise do
“dever ser” e não do “ser”. Logo, quando encontramos estudos baseados
em outros sistemas de referência, identificamos uma dificuldade em atingir
uma análise coerente dos incentivos fiscais, delineados a partir de um
ponto de partida que permita conclusões atreladas às premissas invocadas,
sem a interferência de elementos estranhos ao direito.
3. Para a análise dos incentivos fiscais, fizemos o corte segundo o qual os
incentivos fiscais se inserem no sistema do direito positivo, logo são
normas jurídicas que, de uma forma especial, afetam a regra-matriz de
incidência tributária, obedecidas as condições estabelecidas em lei e os
princípios constitucionais, desencadeando na relação jurídica de incentivo
fiscal.
4. O federalismo impõe limites para a concessão de incentivos fiscais.
5. A extrafiscalidade traduz para os incentivos fiscais uma postura de
estímulo, que orientará a interpretação da norma jurídica de incentivo
fiscal, uma vez que esta penetra (ainda que sem positivação explícita) no
texto normativo e ali se deposita, implicitamente, sendo que, na construção
232

do sentido do produto legislado, fatalmente se notará tal intenção do


legislador.
6. O Estado exerce a competência inserindo no ordenamento normas e
fiscalizando o respectivo cumprimento, conforme preceitua o artigo 174 da
Constituição Federal, sem compor a teia das relações econômicas. Os
incentivos fiscais são subespécie de ação normativa e permitem a
implementação, pelo Estado, das normas gerais e abstratas de direito
econômico por meio de pessoas jurídicas competentes e é nesse sentido
que intervêm na economia. A intervenção, por si só, não carrega conteúdo
cogente, porém permite que o Estado, por meio da expedição de normas
competentes, possa agir de forma interventiva.
7. O exercício da competência legislativa, no caso, a competência legislativa
tributária, na qual está englobada a competência para instituir incentivos
fiscais, pressupõe o ato de vontade da autoridade encarregada dessa
atividade.
8. Quando analisamos o acervo de proposições que compõem a Constituição
Federal de 1988, no que diz respeito aos incentivos fiscais, podemos
construir que estes são normas jurídicas cujas edições são permitidas ao
legislador e ao administrador para transformar em realidade as projeções
do Constituinte contidas em proposições jurídicas. Em outras palavras,
tratam-se das normas jurídicas enunciadas a fim de que os propósitos
constitucionais relativos a matérias específicas sejam concretizados,
enquanto finalidade do ordenamento jurídico, cujo objetivo é a regulação
da conduta intersubjetiva, mediante constantes estímulos e coercitividade.
9. A partir da leitura do Texto Constitucional não é possível construir uma
norma jurídica de conduta como: (hipótese): Dado o contribuinte
domiciliado em região social e economicamente pouco desenvolvida, deve
ser (consequência) beneficiado por meio de tratamento fiscal mais brando.
A partir do Texto Constitucional, é possível construir normas primárias de
competência.
10. Conseguimos construir normas primárias de competência em todos os
modais deônticos, quais sejam, permitido, proibido e obrigatório.
233

11. Podemos considerar que os incentivos fiscais, dentro do Texto


Constitucional, são normas primárias de competência que regularão como
os entes tributantes poderão emitir a regulação das condutas para a
produção das demais normais do sistema jurídico positivo que carregarão
consigo a possibilidade de diminuir ou suprimir o montante de tributo a
pagar.
12. A norma de competência é a norma estrutural de incentivo fiscal.
13. A norma estrutural de incentivo fiscal, isoladamente, não é capaz de
interferir diretamente na relação jurídica tributária, uma vez que haverá
necessidade da integração de outras normas que desempenharão esse
mister.
14. A norma estrutural de incentivo fiscal necessitará estar acompanhada de
outras normas que, juntamente com ela, integrarão completamente a
relação jurídica de incentivo fiscal.
15. As normas de incentivo fiscal agem sobre a regra-matriz de incidência
tributária ora na hipótese, ora no consequente. Contudo, em quaisquer
dessas atuações, teremos como resultado final uma afetação da relação
jurídica tributária, porque é nela que encontramos o objeto da prestação,
ou seja, o tributo na acepção de quantia em dinheiro, pois ou ele não será
pago, ou o será pago em menor valor, legitimamente. Como o valor a ser
pago ao sujeito ativo, que é o que importa ao devedor colocado no polo
passivo, está previsto na relação jurídica, falamos que a norma de
incentivo afeta essa relação.
16. Normas que compõem a relação jurídica completa de incentivo fiscal:
NIF 1: Norma de competência (norma estrutural de incentivo fiscal);
NIF 2: Norma jurídica resultado do exercício da competência (veículo
introdutor);
NIF 3: Norma de conduta que prescreve tratamento tributário diferenciado;
17. A conduta do sujeito passivo de uma determinada obrigação tributária que
irá se utilizar de uma norma que instituiu tratamento tributário
diferenciado (incentivo fiscal regulado pela norma NIF 3) foi criada a
partir da significação dos textos introduzidos pela norma concreta e geral
234

NIF 2, que decorre do fato jurídico produtor de norma, resultado da


incidência da norma estrutural de incentivo fiscal, NIF 1. Nesse contexto,
NT 2 e NIF 2 são veículos introdutores de normas: resultado da aplicação
de norma sobre produção jurídica, pois nenhuma regra (enunciado-
enunciado) adentra no ordenamento a não ser valendo-se de um veículo
introdutor que o próprio ordenamento prevê.
18. No que se refere ao regime jurídico dos incentivos fiscais, conclui-se pela
verdadeira conexão entre a competência, o regime tributário dos tributos e
os incentivos fiscais, pois constata-se que os incentivos fiscais não só são
veiculados pelo mesmo ente político que detém competência para instituir
o correlato tributo, como também estão adstritos aos princípios e regras
balizadores do poder de tributar e da própria sistemática dos tributos
específicos instituídos ou que busca instituir um determinado incentivo
fiscal. Assim, afirmamos que o regime jurídico dos incentivos fiscais está
balizado pela Constituição Federal, pelo próprio desenho constitucional de
cada tributo. Torna-se manifesta, assim, a interligação entre o regime
jurídico do tributo e o dos incentivos fiscais, dado que o poder de instituir
incentivos fiscais é, nada mais, do que o próprio poder de tributar visto ao
inverso.
19. Importante destacar na definição dos incentivos fiscais é que, embora seja
absolutamente necessário estabelecer a estrutura normativa dos incentivos,
temos também que nos ater, quando da construção da norma jurídica, no
que se refere ao âmbito pragmático da norma. Considerando que a trajetória
interpretativa, conforme já exposto, leva em consideração os planos S1, S2,
S3 e S4, é certo que o campo pragmático – isto é, a finalidade e aplicação
da norma jurídica – é indispensável para a completa compreensão dos
incentivos fiscais.
20. Incentivos fiscais são compostos pelo conjunto de normas jurídicas que
interferem diretamente na regra-matriz de incidência tributária, cujo
resultado é uma diminuição ou supressão da obrigação tributária (aqui
entendida como valor do tributo a pagar). Realizamos uma distinção inicial
entre os incentivos fiscais que dizem respeito às relações jurídicas de cunho
235

tributário e aqueles que ficam fora desse campo de análise, isto é, os


incentivos financeiros, cujo âmbito de atuação da norma não se direciona à
regra-matriz de incidência tributária, logo o efeito não é a diminuição do
tributo a pagar.
21. Já com relação aos incentivos financeiros, além de estarem sujeitos a um
outro campo de análise, voltado para o Direito Financeiro, não se verifica
que o resultado obtido pela norma de incentivos fiscais interfere na relação
de direito tributário.
22. A nossa proposta de classificação de incentivos fiscais segrega o conjunto
de normas que interferem diretamente na regra-matriz de incidência
tributária, que aqui denominamos de incentivos fiscais, desencadeando a
diminuição ou supressão do tributo a pagar, daquele conjunto de normas
que não interferem na conformação da regra-matriz de incidência e que
denominamos de incentivos financeiros.
23. Exemplificativamente, apresentamos as seguintes espécies de incentivos
fiscais: isenções, redução de base de cálculo, redução de alíquota, alíquota
zero, depreciação acelerada, amortização acelerada, crédito presumido ou
outorgado, diferimento, drawback. Analisando o fenômeno jurídico de cada
uma das espécies apresentadas, verificamos que a maioria delas se
aproxima do instituto da isenção, aqui considerado como norma que mutila
total ou parcialmente um dos critérios da regra-matriz de incidência
tributária.
24. São espécies de incentivos financeiros: Subvenção, Créditos Financeiros,
Remissão, Anistia, Regras que podem trazer a simplificação das obrigações
acessórias. A análise dessas espécies demonstra que não interferem na
conformação da regra-matriz de incidência tributária, daí a diferenciação.
25. A concessão de incentivos fiscais implica na observância de diversos
princípios constitucionais. O princípio do Desenvolvimento Econômico
Nacional preza pela conjugação de melhorias capazes de desenvolver o
bem-estar da sociedade de todas as regiões do país, o que somente é
possível por meio de um planejamento estatal, contínuo e estruturado,
focado não somente em aspectos econômicos, mas também de bem-estar da
236

sociedade como um todo. Princípios relacionados à competência tributária


e às normas tributárias em geral, como isonomia, legalidade, anterioridade,
capacidade contributiva, princípio federativo e uniformidade geográfica da
tributação e segurança jurídica também se relevam absolutamente
indispensáveis, em se tratando da concessão de incentivos fiscais.
26. O artigo 14 da Lei Complementar nº 101/00 não contém uma proibição
quanto à renúncia de receitas, porém estabelece exigências de controle para
que estas possam ser operacionalizadas. Ademais, não diz respeito a todo e
qualquer tipo de renúncia de receita, mas apenas àquelas em que sejam
decorrentes da “concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de
natureza tributária”.
27. Dentro da classificação que apresentamos no presente trabalho, entendemos
que o § 1º, do artigo 14 da LRF incluiu incentivos tanto de natureza
tributária, em que é afetada a regra-matriz de incidência com real impacto
no montante arrecadado a título de tributo, quando incentivos de natureza
nitidamente financeira, como é o caso da anistia, remissão e subsídio, de
modo que, se fôssemos considerar apenas os incentivos fiscais como alvo
do dispositivo em destaque, não deveriam ser submetidos ao seu comando a
remissão, a anistia e os subsídios. Essa é a conclusão que entendemos mais
adequada quando da interpretação do conteúdo do artigo 14.
28. Há um evidente paradoxo: na classificação que apresentamos, apenas os
incentivos fiscais é que poderiam ser objeto da limitação do artigo 14,
sendo que os financeiros, como anistia e remissão, não deveriam fazer parte
desse rol. Por outro lado, analisando o aspecto semântico do termo
renúncia, apenas a remissão e anistia é que poderiam ser alvo específico do
artigo 14. Nota-se, portanto, os efeitos práticos da imprecisão semântica do
termo renúncia e do termo incentivos fiscais.
29. No tocante à guerra fiscal, a Jurisprudência está sedimentada no sentido de
que são inconstitucionais benefícios e incentivos fiscais no âmbito do
ICMS, conferidos unilateralmente, ou seja, sem apoio em Convênio do
CONFAZ, em especial após o julgamento de diversas ADIs relativas ao
tema, ocorrido no mês de junho/2011.
237

30. O FOMENTAR, programa que caracteriza benefício unilateral, deverá ser


influenciado pela posição da jurisprudência.
31. Reputamos de suma relevância o tema da guerra fiscal, porque, na prática,
este irradiará efeitos sobre (i) o contribuinte que se utilizou do benefício ou
incentivo; (ii) o contribuinte destinatário das mercadorias incentivadas, que
poderá ter seus créditos glosados; (iii) o Estado concessor do benefício.
32. Entendemos provável que haja a modulação dos efeitos das decisões que
declaram a inconstitucionalidade dos benefícios fiscais relativos ao ICMS
ou mesmo da súmula vinculante proposta (abrangendo-se todos os
benefícios existentes no Brasil), com relativa possibilidade de a referida
modulação entender pela inconstitucionalidade com efeitos futuros.
33. Se não determinada a modulação dos efeitos, haverá a discussão, em casos
concretos, no bojo de processos subjetivos, sobre quem deverá arcar com a
responsabilidade concernente ao ressarcimento dos prejuízos causados aos
Estados: sobre o contribuinte que gozou do benefício ou sobre o Estado-
membro que o concedeu. Nesse caso, entretanto, entendemos que,
recaindo-se a responsabilidade aos contribuintes, a cobrança retroativa
deverá observar todos os princípios jurídicos que regem o ordenamento
pátrio, sob pena de poder ser contestada. Na prática, essa cobrança poderá
se revelar sobremodo dificultosa, o que reforça nossa percepção de que
alguma forma de delimitação de efeitos deverá ser adotada, até para se
evitar a “enxurrada” de demandas que certamente advirá caso seja
implementada qualquer forma de cobrança forçada dos contribuintes.
34. Há decisão liminar, concedida em cautelar, pela Ministra Ellen Gracie, que
repele a glosa de créditos, por outros Estados da Federação, relativamente a
entradas incentivadas, o que revela uma resistência em atribuir ao
contribuinte, de forma exclusiva, a responsabilidade pelo ônus do
ressarcimento.
35. Não havendo a modulação dos efeitos, é possível que haja um acordo, no
âmbito do CONFAZ, regulamentando a situação dos Estados e
contribuintes, especificamente no que se refere aos períodos pré-declaração
238

de inconstitucionalidade. Via de regra esses acordos preveem elastecimento


de prazo de pagamento e remissão de penalidades.
36. Por fim, é possível que a questão seja, também, objeto de Resolução do
Senado Federal, tal como ocorrido com a Guerra dos Portos, no dia
23/04/2012. Nesse caso, vislumbramos chances de que, tal como na
hipótese de celebração de acordo junto ao CONFAZ, os Estados
estabeleçam mecanismos para cobranças retroativas com impactos
minimizados.
239

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dezembro de 1995, 9.250, de 26 de dezembro de 1995, 9.311, de 24 de outubro de 1996,
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novembro de 1998, 10.336, de 19 de dezembro de 2001, 10.438, de 26 de abril de 2002,
10.485, de 3 de julho de 2002, 10.637, de 30 de dezembro de 2002, 10.755, de 3 de
novembro de 2003, 10.833, de 29 de dezembro de 2003, 10.865, de 30 de abril de 2004,
10.925, de 23 de julho de 2004, 10.931, de 2 de agosto de 2004, 11.033, de 21 de
dezembro de 2004, 11.051, de 29 de dezembro de 2004, 11.053, de 29 de dezembro de
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242

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243

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