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A PANDEMIA NO SISTEMA CARCERÁRIO FEMININO E A

VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

Aluna1:

RESUMO

Sabe-se que nos presídios existem constantes violações aos direitos humanos
e fundamentais em ambientes prisionais, principalmente no que tange a saúde
pública em presídios femininos. Diante desse cenário, o presente trabalho tem
como objetivo, verificar os direitos de mulher que se encontram privadas de
liberdade no Brasil, bem como, as condições do encarceramento em
estabelecimentos prisionais femininos. O problema de pesquisa trata da falta de
efetividade no direito fundamental a saúde de mulheres encarceradas e do
agravamento da vulnerabilidade dessa população diante da pandemia do
COVID-19. Para tal, será desenvolvida uma revisão bibliográfica e documental,
com base em legislações, documentos e periódicos qualificados. Com base nas
informações apresentas, foi possível concluir que, o acesso à saúde oferecido
aos grupos que se encontram nas instituições prisionais é deficitário,
principalmente em relação aos mais vulneráveis, como é o caso de mulheres
encarceradas, que tem sua vulnerabilidade constantemente violada pela falta de
garantia de condições sanitárias básicas, quadro este que, tem se agravado,
diante do novo Coronavírus.
Palavras-chave: Encarceramento. Mulheres. Covid-19. Saúde. Direitos
Humanos

1. INTRODUÇÃO

A precariedade que assola o sistema prisional é uma realidade


preocupante. E como consequência dessa realidade, surgem constantes
debates sobre a violação de direitos humanos dessas pessoas, que se
encontram privadas de liberdade. Com o passar dos anos, é possível observar
o fortalecimento do debate acerca da humanização da pena, através da busca
constante pelo oferecimento de um ambiente prisional mais digno e salubre.
O fortalecimento das discussões relacionadas a humanização no sistema
penitenciário, foi motivada pelas constantes violações de previsões que

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garantem os direitos fundamentais e humanos, conforme ordenamento jurídico,
como por exemplo: a garantia e o acesso aos serviços básicos e a um ambiente
saudável. Dentre as afrontas aos direitos fundamentais e humanos que podem
ser observadas no contexto carcerário, temos o comprometimento com o
fornecimento dos serviços de saúde a mulheres encarceradas, um grupo
vulnerável, que será objeto de estudo nesta pesquisa.
Apesar do crescimento da população carcerária brasileira, em
decorrência do aumento da criminalidade, o aumento da população carcerária
feminina foi um fenômeno que merece destaque. Um dos fatores motivacionais
que podem ser citados como gerador do aumento dessa população, foi entrada
da mulher no mercado de trabalho, passando a desenvolver atividades que
anteriormente eram consideradas exclusivas ao homem. As mulheres saíram do
ambiente doméstico, e boa parte delas, passaram a ser provedoras de suas
famílias, esse fator social contribuiu para o aumento das mulheres no mundo do
crime.
Porém, no decorrer deste estudo, será demonstrado que o aumento da
população feminina privada de liberdade, não implica no atendimento as
necessidades específicas do gênero, principalmente no que tange ao direito à
saúde. Muito pelo contrário, no Brasil, tanto os estabelecimentos prisionais
masculinos, quanto femininos, continuam sendo conhecidos pelas violações
praticadas contra os direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana
aprisionada.
Com o surgimento da pandemia do Covid-19, a falta das condições dignas
em ambientes prisionais tornou-se uma preocupação ainda mais intensa. A
doença causada pelo vírus Sars-Cov-2, se apresenta como uma grande ameaça
para a saúde pública, exigindo ações voltadas para prevenção, como: o
distanciamento social, a higienização constante das mãos e uso de máscara.
E os presídios, são locais propícios para a disseminação do vírus entre a
população prisional, visto que, são caracterizados pela superlotação, dificultando
a aplicação do distanciamento social, que é uma das medidas mais eficazes para
a contenção e controle do avanço da doença.
Diante deste cenário, a condição da mulher encarcerada em
estabelecimentos prisionais e a violação constante de seus direitos,
principalmente no que se refere ao direito à saúde desse grupo vulnerável, que
se encontra nas unidades prisionais femininas ou mistas, será objeto deste
estudo. Será analisado também, a importância da garantia do direito à saúde e
de condições básicas sanitárias para a população prisional brasileira
principalmente perante a pandemia do novo Coronavírus.
Através de uma revisão bibliográfica e documental, o presente trabalho
tem como objetivo, evidenciar as violações contra o direito à saúde da mulher
privada de liberdade, principalmente, demonstrando o agravamento da situação
diante da pandemia da COVID-19.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

Ao analisar o contexto internacional, podemos observar a importância da


existência de instrumentos internacionais, principalmente em países como o
Brasil, que se encontra quarta posição no ranking de países que mais
encarceram mulheres, de acordo com dados do levantamento nacional de
informações penitenciárias (INFOPEN) (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E
SEGURANÇA PÚBLICA, 2017).
Dentre os instrumentos internacionais de direitos humanos, responsáveis
por regular o tratamento de mulheres encarceradas, encontramos: as Regras
Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Reclusos (1955); a
Convenção de Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a
Mulher (1977); Conjunto de Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas
Sujeitas a Qualquer tipo de Detenção ou Prisão (1988), a Convenção Contra
tortura e Outros Tipos de Tratamento ou Penas Cruéis, Desumanas ou
Degradantes (1984); Convenção Interamericana para Prevenir, Punir ou
Erradicar a Violência Contra a Mulher (1994); as Regras de Bangkok (2010), etc.
Para o desenvolvimento deste estudo, nos aprofundaremos em dois
documentos: as Regras das Nações Unidas para o Tratamento de Mulheres
Presas e Medidas Não Privativas de Liberdade para Mulheres Infratoras (Regras
de Bangkok) e as Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de
Reclusos (Regras de Nelson Mandela). Que dentre as regras apresentadas, são
as tratam mais especificamente da mulher que se encontra em situação de
cárcere (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2010).
As regras de Nelson Mandela, foram aprovadas em 1955, mas passaram
por atualizações em 2015. Essas alterações foram realizadas com o intuito de
garantir certos direitos aos presos, como é o caso do direito à saúde, que tem
seus parâmetros mínimos fixados pelo referido texto, como por exemplo, quando
prevê a responsabilidade do Estado em garantir a prestação dos serviços
médicos aos reclusos. Esse texto trouxe um novo foco para a gestão do sistema
penitenciário, e reforçou os direitos dos reclusos, estabelecendo um padrão
mínimo comum para o tratamento deste grupo populacional (ESCRITÓRIO DAS
NAÇÕES UNIDAS SOBRE DROGAS E CRIME, 2015).
Apesar do texto apresentar um avanço quanto ao tratamento oferecido ao
preso, ainda era necessário se aprofundar em algumas questões relacionadas a
mulher encarcerada e as especificidades do seu gênero. Sendo assim, no ano
de 2010 foram aprovadas as regras das nações unidas para o tratamento de
mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras,
conhecido como regras de Bangkok, que se trata de um dos textos mais
importantes no que concerne o tratamento de mulheres em situação de cárcere
(CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2010).
As regras de Bangkok, complementam as regras de Mandela, fornecendo
instruções para o tratamento de mulheres que se encontram privadas de
liberdade, tratando de forma específica o encarceramento feminino e as
necessidades distintas de mulheres presas. Dentre vários tópicos, o texto
estabelece regras sobre a higiene pessoal e os serviços de cuidar da saúde,
dentre esses dois pontos cuidados com a saúde mental, atendimento médico
específico para as mulheres, programas de tratamentos para o consumo de
drogas, prevenção do HIV serviços preventivos de atenção à saúde e cuidados
especiais para gestantes e lactantes.
Sendo assim, podemos inferir que o texto coloca a igualdade de gêneros
como uma meta, devendo ser alcançada pelo sistema prisional, trazendo assim,
prefeitos de inclusão, sensibilidade as especificidades que se encontram
atreladas ao sexo feminino.
3. METODOLOGIA

O presente estudo trata-se de uma pesquisa exploratória, com


abordagem qualitativa, desenvolvida através de uma revisão bibliográfica,
incluindo artigos de periódicos qualificados e uma análise documental de
legislações, doutrinas e documentos que apresentam dados relevantes acerca
da temática. Para a revisão bibliográfica dos periódicos qualificados, utilizou-se:
a base Scientific Electronic Library Online (SCIELO), o Google Acadêmico e o
Portal de Periódicos da Capes, selecionando os artigos publicados durante o
período de 2014 a 2021, excluindo artigos que se encontravam fora da data
almejada.
Para seleção dos artigos foram utilizados os descritores: sistema
prisional; cárcere; mulheres encarceradas; população prisional; Direitos
humanos; COVID-19 e Direito a Saúde.
Através do método de pesquisa exploratório, buscou-se descrever a
realidade vivida em presídios femininos e apresentar algumas violações que
constantemente são percebidas nesses ambientes, levantando as legislações e
analisando documentos relacionados ao sistema prisional brasileiro.
O material selecionado proporciona visão ampla do sistema penitenciário
brasileiro e de situações recorrentes nos presídios através de um recorte
nacional, exceto por dois artigos, primeiramente o de Burki (2020), que aborda
situações observadas a nível global e o artigo de Chaves e Araújo, que se trata
de uma pesquisa desenvolvida em uma unidade materno-infantil, localizada no
Estado de Minas Gerais.

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Através das informações coletadas para o desenvolvimento desta


pesquisa foi possível constatar que, mesmo com todas as previsões do
ordenamento jurídico relacionadas aos direitos da população que se encontra
privada de liberdade, principalmente no quesito direito à saúde, que pode ser
observado através da realidade do sistema prisional brasileiro, existem violações
constantes aos direitos dessa população, considerada vulnerável
Quanto aos presídios femininos, objeto deste estudo foi possível observar
a falta de um atendimento as necessidades específicas dessa população. Ou
seja, cada dia mais, mulheres privadas de liberdade estão sujeitas as violações
constantes de seus direitos fundamentais, principalmente em relação ao direito
à saúde, mesmo que exista uma legislação específica, que aborda a proteção
dos direitos de mulheres encarceradas. Sendo assim, foi possível constatar a
falta da efetividade do direito à saúde de mulheres privadas de liberdade.
Em relação a pandemia do covid-19, foi possível constatar que, diante de
um cenário de crise sanitária, a vulnerabilidade da população encarcerada se
agrava, dada a falta de acesso a condições sanitárias básicas. Foi possível
verificar que nos presídios femininos, o cenário é ainda mais preocupante, devido
a violação do direito à saúde da população carcerária feminina, que, na falta de
atendimento das necessidades específicas de seus gêneros, corre sérios riscos
de violação do direito fundamental social a saúde e a dignidade da pessoa
humana.

4.1 A pandemia do COVID-19 e o direito a saúde nos presídios femininos

Em boa parte das penitenciárias brasileiras, os presos precisam lidar com


várias situações que violam seus direitos mais básicos e a dignidade da pessoa
humana (SOARES FILHO; BUENO, 2016).
De acordo com Soares Filho e Bueno (2016), o ambiente prisional tem
como principal característica suas estruturas físicas degradadas, células
superlotadas, sem iluminação e com umidade, alimentação inadequada,
sedentarismo, consumo de substâncias entorpecentes, e falta de higiene. Para
os autores, essas condições criam o cenário perfeito para o desenvolvimento de
patologias e proliferação de epidemias.
Para prevenir violações aos direitos humanos foram criados instrumentos
legais, com objetivo de preservar os direitos e garantias. Esse arcabouço legal é
composto por normativas nacionais e internacionais. Sendo assim, as violações
inegáveis contra os direitos humanos afrontam tanto a Constituição da República
Federativa do Brasil e os Estatutos Legais (que protege os direitos e a garantia
de pessoas privadas de liberdade), como as recomendações, tratados e
convenções internacionais.
No Brasil, mesmo com as previsões legais, ainda podemos observar uma
ausência de políticas públicas voltadas para a preservação dos indivíduos que
estão cumprindo penas restritivas de liberdade, principalmente em relação a
políticas públicas voltadas para a garantia do direito à saúde (SOARES FILHO;
BUENO, 2016).
Portanto, como um dos maiores problemas do sistema carcerário
brasileiro, podemos apontar o desrespeito às legislações vigentes, que não são
aplicadas efetivamente. Quando não são elaboradas políticas públicas
importantes para a população carcerária feminina, constatamos o desprezo
pelos direitos humanos com este grupo populacional.

4.2 A mulher encarcerada e os presídios femininos brasileiros

A população feminina que se encontra em estabelecimentos prisionais,


assim como a população masculina, sofre com a falta de operacionalização de
seus direitos sociais (LIMA; LIMA, 2014). Todavia, a vulnerabilidade da
população feminina é agravada perante a falta de infraestrutura carcerária, que
não atende as necessidades dessas mulheres (ARAUJO et. Al., 2020).
Araújo et.al., (2020), ponto ainda que, mulheres privadas de liberdade
precisam lidar com situações como: a falta de suprimentos básicos de higiene e
de banheiros. Ao observar os dados fornecidos sobre a população carcerária,
constatamos a presença de milhares de mulheres nas penitenciárias espalhadas
por todo o Brasil. Entre os anos de 1999 e 2016 houve um aumento de 274% na
população prisional brasileira. Porém, cabe ressaltar o aumento de 500% no
número de aprisionamentos de mulheres encarceradas no Brasil, durante o
mesmo período (CHAVES; ARAUJO, 2020).
Apesar de terem passado a representar uma parcela significativa da
população que se encontra privada de liberdade, o sistema penitenciário
brasileiro e as políticas voltadas para a segurança pública não levam em
consideração a condição feminina. Mulheres precisam de uma atenção
diferenciada e específica no ambiente prisional, através de políticas públicas que
considerem as especificidades que envolvem o gênero feminino.
A falta de preparo de estabelecimentos prisionais para receber mulheres
é originária da projeção desses estabelecimentos para obrigação da população
masculina, tanto por um contexto histórico, onde a mulher era vista como
responsável pela manutenção do lar e dos filhos, e também pelo fato de que os
crimes são na maioria dos casos, cometido por homens, e consequentemente,
as penas restritivas de liberdade mais recorrentes são destinadas a homens
Apesar do aumento da população carcerária feminina, mulheres ainda
são a minoria na totalidade da população carcerária, o que acaba por induzir o
descompromisso com as necessidades específicas deste gênero, ressaltando o
cenário da desigualdade de gêneros e da violação de direitos (PERES, 2018).
A pena da mulher encarcerada deveria atingir apenas a sua liberdade,
afetando seu direito de ir e vir. Entretanto, é possível observar que nos presídios
ocorrem violações de diversos direitos humanitários. Esse quadro surge através
da negligência, do descaso e da omissão do estado no cumprimento do seu
dever como garantidor dos direitos desse grupo vulnerável, legitimando a
discriminação EA desigualdade de gêneros nos presídios. Esquivando-se das
suas responsabilidades sobre a melhoria do sistema carcerário brasileiro o
estado viola diversos direitos fundamentais das mulheres dentre estes, o direito
à saúde, basilar para a garantia da dignidade da pessoa humana.
As ações que buscavam levar o acesso à saúde para o sistema prisional,
historicamente, surgiram com as entidades religiosas e com o aparecimento da
AIDS no Brasil nos anos 80, quando alguns profissionais de Saúde passaram a
realizar ações de prevenção da saúde e de tratamento dessa doença, nos
presídios (SOARES-FILHO, BUENO, 2016).
No ano de 2003, através da Portaria Interministerial nº 1.777 criou-se o
Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário (PNSSP), com o intuito de
garantir inclusão efetiva da população prisional no Sistema único de Saúde.
Através dessa portaria, as possibilidades estratégicas e os avanços em relação
à atenção em saúde de pessoas privadas de liberdade começaram a se
fortalecer (PINON; OLIVEIRA; SCHÜTZ, 2012).
Através de um redesenho do PNSSP, o Ministério da Justiça e o Ministério
da Daúde criaram a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas Privadas
de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP), instituída através da portaria
interministerial n° 01, de janeiro de 2014, e operacionalizada através da portaria
n° 482, de abril de 2014, visando efetivar o direito fundamental constitucional à
saúde em estabelecimentos penais (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2014).
As unidades prisionais podem ser compreendidas como ambientes que
passam por grandes desafios sanitários, de acordo com Soares Filho e Bueno
(2016), mesmo com as normas que tratam da garantia da saúde no sistema
prisional, as unidades prisionais ainda não são vistas pelos gestores de saúde
como espaços aos quais devem ser destinadas intervenções.
O sistema prisional brasileiro, é conhecido internacionalmente pelas
violações de direitos humanos no que se refere a garantia do direito à saúde de
mulheres encarceradas, é negligente diante de diversas necessidades que são
específicas do gênero feminino, contribuindo para o agravamento da
vulnerabilidade dessas mulheres (ARAUJO et. Al., 2020).
Em geral, nosso país não é reconhecido por cumprir as determinações da
constituição federal, que em seu artigo 1º inciso 2º, prevê a dignidade da pessoa
humana como fundamento do Estado democrático de direito, sendo está
inviabilizada no ambiente prisional, caracterizado pela superlotação, pela falta
de espaço, pela florífera são de doenças e pela falta de condições básicas de
higiene (LIMA; LIMA, 2014).
Conforme analisado, o confinamento pode gerar muitas doenças, sendo
o ambiente ideal para transmissões. Neste contexto, é importante garantir o
acesso efetivo a saúde através do sistema público de saúde, para mulheres que
se encontram no estabelecimento prisional. Tal ato, só será possível através da
elaboração e da aplicação de políticas públicas que busquem garantir um
atendimento básico e de qualidade nos presídios, considerando as
especificidades do gênero feminino no tocante à prestação dos serviços de
saúde.

4.3 O sistema carcerário feminino durante a pandemia do COVID-19

Conforme já apresentado no decorrer deste artigo, nota-se, que dentre os


problemas mais graves do sistema prisional, encontra-se a ausência de
condições sanitárias básicas, facilitando a propagação de doenças, e dentre
estas, a covid-19
Em decorrência da superlotação dos presídios brasileiros, o
distanciamento social torna-se inviável, mesmo sendo uma medida
recomendada para contenção da propagação da doença (CARVALHO;
SANTOS, SANTOS, 2020),
Sendo assim, a possibilidade de contaminação pela doença em
estabelecimentos prisionais é relativamente alta. Em um artigo escrito para a The
Lancet, Burki (2020), relata que as prisões não estão preparadas para enfrentar
a situação da covid-19, apontando a situação preocupante do Brasil, onde
773.153 pessoas se encontram encarcerados em um sistema que foi construído
para receber apenas 461.000 pessoas.
Dadas as condições do ambiente prisional, as pessoas que se encontram
nele estão submetidas a um alto risco de contraírem a doença. Dentre as
condições dos ambientes prisionais que preocupam quando se trata da
pandemia, temos: acesso restrito água, celas superlotadas, ventilação
inadequada, a restrição de condições sanitárias básicas e a falta de unidade de
saúde, havendo somente salas de atendimento, e que na maioria dos casos, são
improvisadas (CRISPIM et.al., 2021). Tais condições tornam o ambiente
prisional propício para a proliferação de doenças virulentas.
Esse cenário apresenta riscos para pessoas privadas de liberdade e para
os funcionários do sistema prisional é razão suficiente para elaborar políticas
públicas que busquem proporcionar um ambiente adequado, garantido pelo
menos condições básicas de saúde. Mas, para complementar, um surto da
doença dentro desses ambientes representa também uma ameaça para a
população em geral, principalmente para quem trabalha ou vive em ambientes
prisionais (CRISPIM et. al., 2021). Isso porque, tratando-se de uma doença viral,
pode ser transmitida por aqueles que estiverem nesses ambientes e que, ao
entrar em contato com vírus no sistema prisional, tornam-se portadores da
doença, podendo transmiti-la para terceiros, tanto os que se encontram dentro
dos presídios, como os que se encontram fora desses ambientes.
Conforme relatado por Soares Filho e Bueno (2016 p. 208), “a
vulnerabilidade da população privada de liberdade torna o município também
vulnerável e o gestor deve levar essa demanda de vigilância epidemiológica e
sanitária como prioridade”.
Por esse motivo, em todos os países com níveis de ocupação dos
estabelecimentos prisionais superiores a capacidade máxima, seria
recomendado a realização de ações com o intuito de buscar alternativas penais
para reduzir o número de pessoas privadas de liberdade. Alguns pesquisadores
recomendam que, caso a liberdade condicional dos indivíduos privados de
liberdade, não seja concedida, é aconselhado que sejam alocados em unidades
prisionais e independentes, com medidas de prevenção reforçadas e células
com baixa taxa de ocupação, além de uma assistência médica regular (CRISPIM
et al., 2021).
O Conselho Nacional de Justiça brasileiro, seguiu a primeira sugestão, e
através da recomendação 62/2020, recomendou que fossem adotadas medidas
de desencarceramento e de não aprisionamento de indivíduos de grupo de risco,
além de medidas sanitárias que visem à redução da possibilidade de proliferação
do vírus em ambientes prisionais.
Como confinamento dentro de unidade prisional é diferente do isolamento
voluntário, decorre de uma medida restritiva de liberdade, ao aplicar o isolamento
social no ambiente prisional, seria observada uma superposição de
confinamentos, definida por Carvalho, Santos e Santos (2020), como
superisolamento.
Assim como pode ser observado nos presídios italianos, essa
superposição aplicada através de políticas de contenção da pandemia em
estabelecimentos prisionais, pode impactar de maneira negativa na saúde
mental dos que se encontram nessas instituições. Sendo assim, como a
ausência de condições sanitárias básicas em ambientes prisionais representa
uma ameaça, tanto para saúde física como para a saúde mental da população
encarcerada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme analisado no decorrer deste artigo, constatou-se que existe um


vasto ordenamento jurídico voltado para a proteção da população carcerária.
Porém, são observadas as violações recorrentes aos direitos dessas pessoas.
As condições dos ambientes prisionais violam gravemente o direito à saúde das
pessoas privadas de liberdade, tanto em presídios femininos quanto masculinos.
Mas, os problemas que podem ser observados em relação a falta de
estrutura ou do oferecimento de condições sanitárias básicas, são agravados em
presídios femininos, dada a falta de atendimento das necessidades que são
específicas ao gênero feminino e da falta de preparo nesses estabelecimentos
para recebimento desta população.
Sendo assim, a população carcerária feminina se encontra em uma
situação ainda mais vulnerável diante da atual pandemia. Pois, no ambiente
prisional, as mulheres estão constantemente expostas ao risco de contraírem a
doença, seja através de suas companheiras de cela ou por funcionários do
estabelecimento prisional. A falta de acesso a condições básicas sanitárias e do
atendimento as necessidades agravam o risco vivido por essas mulheres,
violando o direito à saúde e a dignidade da pessoa humana.
As medidas que restringem a liberdade do indivíduo não podem se tornar
mais severas do que o previsto. Além disso, mulheres que se encontram em
situação de prisão devem ter condições necessárias para que possam ser
reintegrados à sociedade, diminuindo as taxas de reincidência. Em suma,
análise apresentada neste estudo, buscou trazer ao primeiro plano a
necessidade de estruturar novos modelos de atuação em prisões femininas,
garantindo a efetividade dos direitos das mulheres encarceradas.
Sendo assim, a garantia do acesso a saúde e a condições sanitárias
adequadas para mulheres em situação de cárcere é uma necessidade que deve
ser providenciada através de políticas públicas adequadas, que garantam a
essas mulheres os direitos que são previstos no ordenamento jurídico. Cabe
ressaltar que, no contexto da pandemia do Covid-19, essas providências são
ainda mais urgentes, pois, a saúde prisional faz parte da saúde pública.

REFERÊNCIAS

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