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Censo Agropecuário Desautoriza Pesquisa da Embrapa sobre

a Preservação da Vegetação Nativa nos Imóveis Rurais


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Gerson Teixeira
Brasília, em 06/08/2018

Há algum tempo a “Embrapa gestão ambiental e territorial” vem se dedicando a pesquisar


os dados do Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (SiCAR) com o objetivo de
demonstrar os méritos do setor rural brasileiro na preservação da vegetação nativa dos
imóveis rurais. As lideranças do agronegócio têm explorado à exaustão as revelações da
Embrapa na busca da viabilização de uma improvável narrativa preservacionista para as
grandes explorações agropecuárias.

No dia 24 de julho, a Embrapa divulgou nova avaliação do SICAR que apontou que a
avaliação anterior, divulgada há um ano, subestimou essa virtude dos agricultores. O novo
estudo concluiu que o setor produtivo rural do país destina área acima de 218 milhões de
hectares para a preservação da vegetação nativa; o equivalente a um quarto do território
nacional (25,6%)2. Este número inclui a área de 20.994.844 hectares destinada à
preservação da vegetação nativa nos imóveis rurais, não migrados ao SICAR, de janeiro de
2018.

O estudo vai mais longe: conclui que “...a área total destinada à preservação, manutenção
e proteção da vegetação nativa no Brasil ocupa 66,3% do território. Nesse número, estão
os espaços preservados pelo segmento rural, as unidades de conservação integral, as
terras indígenas, as terras devolutas e as ainda não cadastradas no SiCAR. Elas somam 631
milhões de hectares, área equivalente a 48 países da Europa somados”.
Especificamente sobre as ações de preservação nos imóveis rurais, o conteúdo da pesquisa
enfatiza que, em média, seria como se cada produtor rural utilizasse apenas metade de
suas terras. A outra metade é ocupada com áreas de preservação permanente (às
margens de corpos d’água e topos de morros), reserva legal e vegetação excedente. O
estudo resolveu valorar o empreendimento ambiental dos produtores concluindo que o
valor do patrimônio fundiário imobilizado em preservação ambiental é de R$ 3,1 trilhões.

A Embrapa Territorial procedeu, ainda, ao estudo comparativo sobre a utilização das terras
rurais no Brasil com a observada nos Estados Unidos visando projetar internacionalmente a
conduta ambientalmente consequente dos grandes agricultores brasileiros. As figuras
abaixo sintetizam as conclusões da Embrapa.

1
Assessor da Liderança da Bancada do PT na Câmara dos Deputados
2
https://www.embrapa.br/busca-de-noticias/-/noticia/35967323/area-rural-dedicada-a-vegetacao-nativa-
atinge-218-milhoes-de-hectares
Ainda que trabalhe com a categoria ‘imóvel rural’, utilizada pelo CAR, o estudo da
‘Embrapa Territorial’ considera este conceito bastante próximo ao de ‘estabelecimento
agropecuário’ do IBGE, o que respalda o procedimento adiante que compara os dados dos
imóveis adotados pela Embrapa com os do Censo Agropecuário 2017 (CA/2017).
Os dados do CA/2017 desautorizam as conclusões da Embrapa, aparentemente de forma
inconteste. A área de 218 milhões hectares de matas nativas não encontra respaldo nos
números do IBGE, que considera duas categorias de matas nativas:
(i) matas ou florestas naturais destinadas à preservação permanente ou reserva legal (que
são as áreas calculadas pela Embrapa) – corresponde às áreas utilizadas como reserva
mínima ou para proteção ambiental ou fins científicos e biológicos. Nesta categoria
também são consideradas as áreas com mato ralo, caatinga, cerrado ou capoeirão, quando
declaradas terem sido utilizadas com tal finalidade. Para essas matas o CA/2017 encontrou
a área de 75.364.658 hectares. Tudo indica que as conclusões da Embrapa envolvem esta
categoria de matas/florestas. Neste caso, a área de 218 milhões hectares calculada pela
Embrapa Territorial estaria superestimada em 142.6 milhões hectares. Portanto, pelos
dados do IBGE, a área com matas nativas nos estabelecimentos agropecuários
corresponde a 21.5% da área total; e não, a 50% da área dos imóveis conforme os dados
da Embrapa;

(ii) matas ou florestas naturais (extrativismo ou manejo florestal sustentável) – corresponde


às áreas cobertas por matas utilizadas para a extração vegetal e as florestas naturais não
plantadas, inclusive as áreas com mato ralo, caatinga ou cerrado, que foram utilizadas ou
não para o pastoreio de animais. Não são consideradas nesta categoria as áreas de
preservação permanente e as áreas em sistemas agroflorestais. Estas áreas correspondem
a 17.777.636 hectares de acordo com o CA/2017. Digamos que os cálculos da Embrapa
Territorial também tenham levado em conta essa categoria de matas/florestas. Com isto, a
área com vegetação nativa preservada seria de 93.142.294 hectares. Assim sendo, o erro
da Embrapa seria de 125 milhões hectares, e essas áreas preservadas de vegetação nativa
corresponderiam a 26.5% da área total dos estabelecimentos, e não, 50%.

Sejamos ainda mais cautelosos e suponhamos que o estudo da Embrapa tenha incluído as
áreas com florestas plantadas e com sistemas agroflorestais (o que, definitivamente,
também não é o caso). Com esses acréscimos que esgotam as categorias envolvendo as
florestas previstas pelo IBGE no CA/2017, teríamos área de 115.558.104 hectares, ou seja,
mesmo assim, a área calculada pela Embrapa Territorial estaria superestimada em 102
milhões hectares.
Claro que uma das hipóteses (talvez a principal) para os ‘equívocos’ da Embrapa Territorial
esteja no superdimensionamento dos dados do SICAR sobre as áreas as de vegetação
nativa dos imóveis. Lembrando que tais informações são autodeclaratórias, e há o
interesse dos produtores em "dar-lhes um incremento". Contudo, o 'equívoco' evolui para
manipulação política quando as conclusões da Embrapa Territorial não as qualificam. O
estudo passa a impressão que a "conduta preservacionista" constitui marca dos grandes
agricultores, em geral, quando os dados deixam claro que 65% do total das áreas com
matas nativas preservadas, por razões óbvias, estão localizadas nas regiões Norte e Centro-
Oeste. E esse estoque de vegetação nativa não é fruto de ação de preservação pelos
grandes proprietários. Na maior parte, trata-se de áreas onde o ciclo tradicional da
devastação na Amazônia ainda não ocorreu. Isto é, são áreas à espera da exploração da
madeira, seguida da pecuária, para a chegada da soja.
Em suma, mesmo se considerássemos como ‘matas nativas preservadas’ os 84 milhões de
hectares resultantes da diferença entre a área cadastrada no CAR (434 milhões de
hectares) e a área dos estabelecimentos agropecuários (350 milhões hectares) ainda assim
a Embrapa Territorial teria superestimado a “área nativa preservada”, em 59 milhões de
hectares, o equivalente aos territórios dos estados da Bahia e Alagoas.

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