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Publicado em NOVA ESCOLA Edição 299, 31 de Janeiro | 2017

Geografia | Sala de aula

O socialismo hoje, além dos


rótulos
A briga entre direita e esquerda nas redes sociais mostrou que há muito
desconhecimento sobre o tema. Não deixe a turma no escuro
Paula Peres
Patrick Cassimiro
Maggi Krause

Comunista, come criancinha, cabeça vermelha, bolivariano... Esses rótulos se multiplicaram graças à
polarização na política, alimentada pela agilidade de resposta no Facebook. No cenário internacional, a
morte do líder cubano Fidel Castro (1926-2016), as conversas sobre o fim do embargo econômico dos
Estados Unidos a Cuba e a simpatia do presidente russo Putin por Donald Trump incitam à pergunta do
momento (leia abaixo) e reacendem a curiosidade sobre os países ditos comunistas.

"A Geografia estuda essas relações porque as alterações no espaço podem ser explicadas, em grande
medida, pelas mudanças econômicas e políticas", explica Fábio Augusto Machado, educador nota 10 de
2016. Ele costuma mostrar aos alunos os prós e contras de ambos os regimes, afinal, "o socialismo foi
criado com base no estudo sobre o capitalismo. Não tem como falar de um sem falar do outro".

O assunto rende debates acalorados, por isso incentive os estudantes a usar argumentos sólidos. "O
professor não pode dizer que um sistema é melhor ou pior. Um trabalho bem-feito gera opiniões
divergentes ao final da aula", brinca Fábio. Conversamos com ele e três especialistas para convidar você
- sem juízo de valores - a situar o socialismo no cenário mundial.

Como ficam as relações entre Cuba e os Estados Unidos a partir de agora?

Depois de mais de 50 anos de hostilidades e embargo econômico imposto pelos Estados Unidos, no
começo de 2017, a ilha voltou a exportar alguns produtos. Essa reaproximação foi ensaiada desde 2014
na política entre os presidentes Raúl Castro e Barack Obama. Com a posse de Donald Trump, o futuro é
incerto. "Ele teve apoio em Miami dos cubanos contrários ao regime dos irmãos Castro", lembra o
professor Flavius Marcus Lana de Vasconcelos, da PUC de Minas Gerais. Por outro lado, Trump mantém
diálogo com a Rússia, uma aliada histórica de Cuba. "Se acontecer uma abertura, vai ser difícil voltar ao
que era antes, pois a sociedade tem o apelo do consumo", reflete Olgária Chain Feres Matos,
professora da Filosofia da USP e da Unifesp.

Qual a diferença entre socialismo e comunismo?

Há várias correntes da teoria marxista. Em uma delas, o socialismo é a etapa de transição inevitável
entre o sistema capitalista e o comunista. Este último seria organizado sem divisão de classes sociais e
suprimiria até a existência do próprio Estado. Essa sociedade utópica nunca se concretizou, mas países
e partidos adotaram as ideias socialistas. Karl Marx (1818-1883) defendia que os trabalhadores se
unissem em uma revolução para acabar com o poder da burguesia e a propriedade privada dos meios
de produção. O objetivo era instalar um sistema político voltado aos interesses dos trabalhadores (ou
proletários, termo do Manifesto do Partido Comunista, de 1848), em que o dinheiro não fosse o foco.
No socialismo, o governo controla a produção e a distribuição dos bens.

Em que momento o socialismo viveu seu auge?

Para o professor Flavius, foi entre o fim da década de 1940, com a Revolução Chinesa, e o final dos
anos 1970, quando os russos desenvolveram tecnologias para concorrer com os norte-americanos na
corrida espacial. O período abarcou parte da Guerra Fria (1947 - 1991), quando os países ocidentais se
dividiram em dois blocos, segundo o regime das duas principais potências: Estados Unidos e União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). "O socialismo era tão poderoso que acabou incentivando
indiretamente os capitalistas a fortalecerem seu estado de bem-estar social", explica. Nessa época,
países do norte da Europa tornaram sua Educação pública, o que era uma das demandas centrais da
ideologia comunista.
Sobrou algum país realmente socialista no mundo?

Só três são considerados, e com ressalvas! Segundo os especialistas, Cuba é a experiência mais
próxima do êxito, não sem críticas à falta de liberdade política e ao apego dos irmãos Castro ao poder.
Todos concordam que a China trocou o socialismo pelo "capitalismo de Estado", com farta exploração
de mão de obra. Para Olgária, os chineses nacionalizam tecnologias e distribuem renda para fortalecer
o mercado interno. Seu plano de longo prazo é fortalecer o país rumo à hegemonia mundial. Já o
obscurantismo sobre a Coreia do Norte intriga os especialistas. "Parece mais um projeto tirânico do
que algo ideologicamente construído e estruturado", observa Marco Antônio Teixeira, vice-
coordenador do curso de Administração Pública da FGV.

Por que esses regimes limitam direitos civis e democráticos dos indivíduos?

O problema está no totalitarismo dos governos. "Quando se tem a pretensão de homogeneizar uma
sociedade que é naturalmente plural e diferente, a repressão é inevitável", analisa a professora Olgária.
O Estado totalitário é justificado, segundo Flavius, como necessário para a preservação de um ideário
socialista, por mais que isso não seja justificável. Já Marco Antônio observa que as mudanças
costumam apregoar mais bem-estar, mas a um custo alto: "Sai o dono, entra o Estado, mas o cidadão
permanece quase da mesma forma, só que com sua liberdade individual restrita", critica. O
autoritarismo não se resume aos regimes ditatoriais de esquerda, e está mais relacionado à ideia de
golpe, ou revolução, quando um grupo toma o poder sobre todos os outros, do que a uma ideologia
política, especificamente. A história também mostra regimes totalitários de direita, como o fascismo
italiano, com pensadores capitalistas defendendo esse modelo.

Todos ganham o mesmo salário em uma economia que não é capitalista?


Nada disso. Um médico ganha mais que um lixeiro, embora os dois tenham acesso aos mesmos
produtos no supermercado, à mesma escola e ao mesmo hospital. O governo socialista controla e
assegura serviços de saúde e Educação, e os meios de produção de bens de consumo, como indústrias
e empresas, passam a ser estatais. Esse controle excessivo causa pouquíssima concorrência entre
empresas, e menos possibilidades de escolha para os cidadãos. "No capitalismo, a disputa pelo
mercado consumidor garante o aprimoramento dos serviços e da tecnologia. Sem concorrência, os
produtos ficam estagnados, o que causa atraso tecnológico", explica Fábio.

O que é o chamado socialismo do século 21?

Essa expressão foi criada por Hugo Chávez, na época em que governava a Venezuela, e depois adotada
pelos presidentes do Equador e da Venezuela. "É um movimento latino-americano que tem seu mérito
por tentar resgatar a ideia de soberania nacional, no sentido de estatizar ou nacionalizar empresas de
setores estratégicos, como as petrolíferas", explica o professor Flavius. Não deixa de ser um país
capitalista, mas a adoção desse modelo tenta imprimir uma certa homogeneização social. Para Olgária,
essas iniciativas estão bem mais próximas do populismo do que do socialismo. "O carisma do
governante é muito forte, e sobressai a ideia de amor ou ódio a essa personalidade, como aconteceu
com Getúlio Vargas no Brasil", reflete.

Ilustrações: OTÁVIO SILVEIRA

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