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Revisão dos manuais do ensino primário e secundário em Angola (o que é?

Como se
faz?) – do pensamento político às práticas possíveis.

- Artigo de opinião -

Por

Lando Emanuel Ludi Pedro1

O manual escolar contínua a ocupar um espaço ainda hoje insubstituível no nosso sistema
educativo. Em todas disciplinas do ensino primário e secundário, ainda existe uma cultura
enraizada do manual quer seja por razoes económicas, culturais quer seja por razões
técnicas e de conhecimento.

Pensar na revisão dos manuais de ensino é um aspecto chave para a melhoria da qualidade do
sistema de educação e ensino, por tais razoes, a revisão dos mesmos constitui pedra-base da
efectivação do currículo nacional. Mas, temos de ter o cuidado de não o fazer com “pressa”,
correndo o risco de termos planos de estudos com conteúdos na forma de um “menu escolar”
que significa tão-só, dentro da metáfora da macdonaldização do saber, o fast-food uniforme,
ineficiente e de reprodução, visando desenvolver apenas dois tipos de conhecimentos: factual
e conceitual e dois tipos de desenvolvimento do processo cognitivo: lembrar e definir. Neste
sentido, defendo a tese de que “o manual escolar constitui-se como um elo essencial de
qualquer curpus curricular” e a sua revisão macdonaldizada nos discursos políticos, pode
dificultar a elaboração integral.

Nossa intenção não é fazer uma arqueologia do manual escolar, mas situar que a sua
elaboração encontrará coerência não apenas no âmbito do contexto discursivo presidencial,
mas sim no contexto que lhe dá sentido, onde o manual é o artefacto que dá forma material a
modo de proceder pedagógico para a reprodução cultural.

A tónica da revisão dos manuais nos discursos políticos

1
Diplomado em Estudos Avançados pela Universidade de Lisboa; Doutorando em Educação, na área de
especialização em Teoria e Desenvolvimento Curricular, pelo Instituto de Educação da Universidade de Lisboa;
Investigador Colaborador do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa; Mestre em Ciências da
Educação, especialização em Pedagogia do Ensino Superior – pelo ISCED- Luanda; Licenciado em Pedagogia –
Universidade Agostinho Neto – ISCED –Cabinda; Autor de dois livros; Orienta trabalhos de Fim do Curso; Tem
artigos publicados em revistas e conferência internacionais; Exerce as funções de Director dos Serviços
académicos da Universidade 11 de Novembro; É Professor Auxiliar, lecciona a disciplina de Desenvolvimento
Curricular.

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A busca de um padrão eficiente e eficaz para os manuais escolares, não deve circunscrever-se
na base de discursos como se não existisse um Ministério da Educação e o INIDE – a tónica
da revisão não deve ignorar o que já foi feito. Deve ficar claro desde o início que há um risco
em assumir os discursos como linhas mestras para a revisão dos manuais uma vez que elas
nos induzem apenas aos compromissos ideológicos, sem querer refutar o papel do estado.

Nossas perguntas

Se o manual ou o livro didáctico inclui o currículo apresentado na nossa escola – quais os


saberes são apresentados nos textos, nas imagens e gravuras e como eles são produzidos
(olhando para os textos: a pesca do carapau; A comuna do cacuaco; a mulher africana; os
heróis africanos; as cidades de Angola; o primeiro dia de aula, ect)? Quais culturas e saberes
os nossos livros didácticos têm vindo a promover e produzir (quem somos, de onde viemos,
para onde vamos, por que estamos aqui e o podemos fazer?).

Formação inicial e contínua de professores – Um mosaico complexo praticum profissionais


entre o isolamento e a colaboração

Não é possível enveredar na revisão dos manuais ao nível do macro sistema (Estado, MED e
MESCTI) e deixar de pensar na formação inicial e contínua do professor, pois, uma das
dimensões a ter em conta na formação de professores é a “dimensão de participação a nível
micro – escola e de relação com a comunidade”, isto é, deve participar na construção,
desenvolvimento e avaliação do projecto educativo (ex. os manuais) e dos projectos
curriculares.

A necessidade da desmonodocência no Ensino primário

A monodocência veio destapar a fragilidade ou as dificuldades dos nossos professores quanto


aos aspectos orrganizativos das disciplinas e a turma, remetendo-os a um trabalho individual
solitário. O professor trabalha de modo isolado no que concerne à planificação da actividade
lectiva, ao seu desenvolvimento em aula e aos processos de avaliação das aprendizagens dos
alunos: o espaço, o tempo e o modo de trabalho docente tradicional têm na sua base uma
cultura individualista que produz um trabalho solitário. Este padrão de trabalho torna o
trabalho do professor invisível e possibilita a responsabilização dos professores pelas
aprendizagens discentes. Trabalhando deste modo privatista (isolado), associa o trabalho a
uma pedagogia de transmissão.

Portanto, defendemos, primeiro, a tese do trabalho colaborativo no ensino primário, onde os


elementos organizadores das aulas é um grupo disciplinar, conselho de turma que os

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professores fazem parte. Defendemos uma Pedagogia da colaboração entre professores do
ensino primário (concretamente na 5ª e 6ª Classe), como uma forma de superar e ultrapassar
as dificuldades dos professores advindas da formação inicial, pois visa mobilizar partilhas de
experiência, ajuda e apoio.

Segundo, defendemos “a capacitação da transposição didáctica dos saberes” - que o professor


deve aprender a adequar, de forma didáctica, o conhecimento de acordo com as características
dos alunos e do conteúdo, ou seja, a passagem do saber didáctico ao saber ensinado, daí a
necessidade da coerência curricular. O manual passa a ser a mediação colectiva do que se
ensina.

Constituição da comissão de revisão

A constituição de “equipas educativas” na perspectiva de revisores das políticas públicas da


educação, imprime um “mosaico fluido” à organização do Ministério da Educação e da escola
permitindo uma colaboração docente mais genuína e respostas mais adequadas aos problemas.
Para o nosso contexto, a cadeia “comissão” deve-se integrar também outros profissionais não
docentes, visando estabelecer uma “teia complexa” de relações. ….

O que revisar (o que falta e para onde vamos)?

Ao manual é reconhecida a importância nos processos de descodificação e retransmissão de


objectivos através dos vários elos da cadeia que integram o sistema, sendo a face mais visível
dos programas curriculares. Tendo uma importância tradicional de representar o elemento
estruturante dos conteúdos a leccionar nas aulas, assumindo-se como espelho do próprio
currículo, os professores são avaliados tendo em conta o grau de cumprimento do programa
curricular da sua disciplina através do número da página do manual. Sendo actualmente o
único recurso pedagógico, deve ter-se em conta, na sua revisão, o seguinte:

1. Coerência organizativa dos capítulos – na vertente relativa a harmonização sequencial


dos conteúdos face a construção do pensamento lógico – cognitivo na criança ao longo
do percurso;

2. Coerência na vertente das relações dos níveis e subsistemas de ensino, assim como na
vertente de diferentes sistemas de conhecimento implicados no currículo (disciplinas
do saber).

3. Coerência na vertente de articulação horizontal e vertical – concretizada numa lógica


de progressão do conhecimento, pois não há conhecimento e competências desligadas.

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Notas finais – sugestões

Para uma educação e ensino de qualidade, temos de revisar os manuais de ensino olhando
para as exigências do século XXI, evitando “alterações cosméticas” nos manuais dos alunos
do ensino primário. Para tal, a formação dos professores deve ser muito sólida não apenas no
recurso aos manuais, como também no acesso permanente a equipamentos e ferramentas.

Que a elaboração dos manuais deve ser da responsabilidade das editoras locais e com
acompanhamento dos especialistas por áreas de saber e conhecimento;

Que se crie uma comissão de avaliação externa dos manuais, envolvendo comissão dos
encarregados de educação; sindicato e parceiros …

Para terminar a coerência na elaboração dos manuais deve circunscrever-se nas três funções:
i) - informação – implica filtragem de escolha; ii) – estruturação e organização da
aprendizagem – implica progressão, considerando exercícios como ponto de partida para a
elaboração de conhecimentos e iii) – função de integração de experiências.

Artigo de Opinião, publicado no Jornal O Páis – Angola, no dia 29 de Junho de 2020.

Pedro, L. E. (2020). Revisão dos manuais do ensino primário e secundário em Angola. (A. Bambi, Ed.)
Jornal O País , 10-11.

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