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UNIDADE I - INTRODUÇÃO AO DIREITO

AULA 3 - ASPECTOS RELEVANTES DA LEI DE INTRODUÇÃO ÀS


NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO

INTRODUÇÃO

A lei no 12.376/2010, Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro


(LINDB), deu nova redação a alguns dispositivos da antiga Lei de Introdução ao
Código Civil, cuja redação original era de 1942. Por que estudar aspectos importantes
da LINDB? Porque esta lei contém o conjunto de normas cujo objetivo é disciplinar as
próprias normas jurídicas. Por isso, a doutrina jurídica destaca que a LINDB é uma
norma de sobredireito. Seus primeiros artigos (1o ao 6o) dizem respeito às regras sobre
vigência e revogação, interpretação, integração e aplicação da lei, presunção de
conhecimento da lei por todos - questões pertinentes à teoria geral do Direito, que
incidem sobre todo o direito positivo infraconstitucional.

A segunda parte (artigo 7o ao 19), cuida de questões relacionadas ao Direito


Internacional Privado, regula os conflitos de lei no espaço, ou seja, a definição de qual a
lei aplicável, se a brasileira ou de outro país, quando a decisão tiver de ser tomada por
um juiz brasileiro.

Portanto, a LINDB dirige-se também e, principalmente, àqueles que têm


competência para aplicar as leis, como é o caso dos juízes e dos membros da
Administração Pública.

Para que você compreenda com mais facilidade as noções e os conceitos


desenvolvidos ao longo desta aula, recomenda-se acessar a LINDB disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del4657compilado.htm

1) - Regras sobre a vigência da lei

Vigência é o período de tempo em que a lei projeta seus efeitos normais, a partir
de seu conhecimento público (ou certo tempo depois dele) e até a sua revogação. Trata-
se do período em que a lei é considerada válida.
Nesta direção, a noção de vigência está diretamente relacionada com a aplicação
da lei no tempo e no espaço, pois a lei vige por um intervalo de tempo em certo
território. Para que a lei seja observada é preciso que se torne conhecida pelos seus
destinatários, por isso a lei é publicada. O período entre a publicação 1 e o termo inicial
de vigência é chamado de vacatio legis (ou vacância). De acordo com o art. 1o da
LINDB: "salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e
cinco dias depois de oficialmente publicada".

A LINDB adotou a vigência sincrônica: a lei começa a viger em todo o


território nacional simultaneamente, ou seja, dentro de um mesmo intervalo de tempo.
Da leitura do artigo acima, percebe-se que quarenta e cinco dias é uma regra geral, pois
conforme a natureza da lei, o legislador pode optar por um intervalo maior, menor ou
até suprimi-lo. Há leis que entram em vigor na data da publicação, ou seja, têm vigência
imediata. São aquelas que trazem pouca inovação à ordem jurídica, por isso não
demandam muito tempo para supostamente se tornarem conhecidas pela população. O
Código Civil publicado em janeiro 2002 tem mais de 2.000 artigos, trouxe mudanças
significativas no mundo jurídico, motivo pelo qual o período de vacatio legis foi de um
ano, tornando-se obrigatório apenas em janeiro de 2003. O Código de Defesa do
Consumidor (CDC), o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) tiveram vacatio
legis de 180 dias, por exemplo.

É importante enfatizar que o art. 1o , caput da LINDB, tomando por base a noção
de soberania do Estado, dispõe que as leis nacionais têm seu poder sobre todo o
território nacional. Logo, é a lei nacional que deve reger as relações jurídicas em um
determinado território (princípio da territorialidade).

No entanto, em razão do princípio da reciprocidade, da mesma forma que a lei


estrangeira pode ser aplicada no Brasil, a lei brasileira pode ser aplicada em estados
estrangeiros. Há, inclusive, órgãos brasileiros que funcionam no território de outras
nações e que dão cumprimento à aplicação da lei brasileira. O § 1 o do art. 1o da LINDB
trata da vigência da lei brasileira no exterior: "nos Estados estrangeiros, a
obrigatoriedade da lei brasileira, quando admitida, se inicia três meses depois de

1
Na aula anterior você viu que a publicação é o ato oficial de tornar pública a lei no Diário Oficial para
que haja a presunção de que todas as pessoas conhecem a lei.
oficialmente publicada". O período de vacatio legis é maior do que o de vigência
interna, porque o conhecimento do conteúdo normativo pode demandar mais tempo.

Em razão da complexidade das relações sociais e, principalmente, da mobilidade


das pessoas por diversos territórios, cada vez mais facilitada, nem todos os fatos
jurídicos são uniespaciais, ou seja, não se consumam integralmente em um só Estado,
sob a vigência de um sistema único. Desta forma, muitas vezes surgem dúvidas a
respeito de qual a norma aplicável numa determinada situação, que, por sua natureza,
fez gerar pontos de contato entre ordens jurídicas de diferentes Estados. As normas e os
princípios, que visam solucionar os casos de conflitos de leis no espaço, conforme
estudado na primeira aula, compõem o chamado Direito Internacional Privado.

Os princípios basilares do Direito Internacional Privado (Interespacial) são o da


territorialidade, princípio pelo qual a norma de um determinado Estado deverá ser
aplicada na totalidade de seu território (caput, art. 1o da LINDB) e o da
extraterritorialidade, pelo qual se admite a aplicação da lei estrangeira em situações
excepcionais (§1o , art. 1o da LINDB). No entanto, devem ser observados alguns
critérios, pois a adoção de quaisquer desses princípios deve ser cuidadosa, sob pena de,
por um lado, ferir a soberania dos Estados, ou por outro, inviabilizar a mobilidade das
relações humanas. Assim, os critérios utilizados são: o da nacionalidade, em que se
utiliza a lei do Estado do estrangeiro, independente de onde ele se encontrar; e o do
domicílio, no qual a lei utilizada é a do local onde a pessoa tenha domicílio, onde resida
com ânimo de ali permanecer.

Toma-se como exemplo o art. 7o da LINDB que dispõe: "a lei do país em que
domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o
nome, a capacidade e os direitos de família". Desta forma, se uma alemão domiciliado
no Brasil resolve alterar o nome, deverá seguir a lei brasileira e não a lei alemã.

Ainda sobre a vigência, o § 3 o do art. 1o da LINDB estabelece: "se, antes de


entrar a lei em vigor, ocorrer nova publicação de seu texto, destinada a correção, o prazo
deste artigo (45 dias para vigência interna) e do parágrafo anterior (3 meses para
vigência da lei no exterior) começará a correr da nova publicação". O dispositivo trata
de correção da lei promovida durante o período de vacatio legis. Perceba que trata-se de
situação especial, rara e incomum: antes da lei se tornar válida (obrigatória), a redação
foi alterada fazendo com o prazo de vacatio legis volte a ser contado do início.

O § 4o do art. 1o da LINDB complementa o anterior ao determinar:"as correções a


texto de lei já em vigor consideram-se lei nova". Este dispositivo traz a hipótese de
publicação que pretende corrigir uma lei que já está em vigor. Trata-se, na verdade, de
outra lei que modifica ou até mesmo revoga a anterior. É lei nova, portanto.

O art. 2o da LINDB estabelece: "não se destinando à vigência temporária, a lei


terá vigor até que outra a modifique ou revogue". Desta forma, distingue as leis de
vigência temporária (vigência determinada) das leis de vigência indeterminada.

Não é usual, mas a duração da lei pode estar predeterminada nela mesma, através
da previsão da data do fim de sua validade (cessação dos seus efeitos), como ocorre, por
exemplo, quando a lei traz uma data específica. Neste caso, a lei não perde vigência em
razão do surgimento de outra lei. Ela já é criada para viger durante certo período de
tempo ou ocasião, findos os quais a vigência cessará, sem que outra lei venha a retirar
sua validade. A vigência simplesmente se esgota.

A lei é também de vigência temporária em três casos: 1) - em razão da sua


natureza, é o que ocorre com as leis orçamentárias, que fixam para cada ano ou
exercício financeiro, a receita e a despesa públicas; 2) - quando se destina a um fim
certo e determinado, cujo alcance lhe esgota o conteúdo (lei que determina a realização
de uma obra ou o pagamento de um subsídio); 3) - quando a lei regula uma situação
passageira e emergencial, como é o caso das situações de calamidade pública
decorrentes de catástrofes naturais.

No entanto, lembre que, em geral, a lei é criada para perdurar de modo indefinido
no tempo. Nesse caso, a vigência cessará quando outra lei a revogue. A seguir você
estudará as modalidades de revogação.

2) - Modalidades de revogação

O § 1o do art. 2o da LINDB contempla as modalidades de revogação quando


estabelece: "a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando
seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei
anterior".

A classificação que segue considera a extensão. É total, chamada de ab-


rogação, quando há revogação completa de uma lei por outra. É através da
interpretação que se decidirá a extensão da incompatibilidade entre a lei antiga e a lei
nova. É parcial, chamada de derrogação, quando apenas alguns dispositivos (artigos)
perdem a validade com o surgimento da lei nova (lei revogadora). É relevante destacar
que a revogação não se presume. Se a lei nova permite a compatibilidade com as
normas contidas na lei anterior, ambas devem ser compatibilizadas.

A revogação é expressa quando a lei nova determina especificamente a


revogação da lei anterior. A lei complementar no 95 de 1998, no art. 9o dispõe: "que a
cláusula de revogação deve enumerar, expressamente, as leis ou disposições legais
revogadas". A preferência pela revogação expressa se deve ao fato de favorecer a
compreensão da ordem jurídica e à aplicação do Direito ao caso concreto. É comum ao
final das leis (fecho) encontrar a seguinte expressão de pouca ou nenhuma utilidade:
"revogam-se as disposições em contrário". A crítica se deve ao fato de em algumas
situações existir dúvida sobre quais dispositivos permanecem ou não válidos.

Na revogação tácita, a norma revogadora não indica nem diretamente, nem


indiretamente, quais as normas revogadas. Desta forma, essa revogação decorre da
incompatibilidade da convivência da norma anterior com a posterior. Se opera de duas
formas: a) quando a lei nova dispõe de forma diferente sobre o assunto contido na lei
anterior, estabelecendo-se um conflito entre as ordenações. Este critério de revogação
decorre do axioma "lex posterior derogat priorem" (a lei posterior revoga a anterior);
b) quando a lei nova disciplina inteiramente os assuntos abordados em lei anterior
(segunda parte do § 1o do art. 2o da LINDB).

Além do critério temporal acima transcrito para os casos de conflito, segundo o


qual lei posterior revoga lei anterior, há outros critérios para a análise da
incompatibilidade entre duas leis: o da especialidade - lei especial revoga lei geral ("lex
specialis derogat generali" ) e o hierárquico - lei superior revoga lei inferior ("lex
superior derogat inferiori").
Uma última questão sobre revogação. Quando uma lei revogadora perde a sua
vigência, a lei anterior, por ela revogada, não recupera a sua validade. Ou seja, a perda
de vigência da lei revogadora não tem efeito repristinatório, ou seja, não restaura a lei
revogada, salvo disposição expressa neste sentido. O § 3 o do art. 2o da LINDB trata
deste assunto e apresenta a seguinte redação: "salvo disposição em contrário, a lei
revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência". Um
exemplo: a Constituição Brasileira de 1946 foi revogada pela Constituição Brasileira de
1967. Quando a Constituição de 1988 foi promulgada, por sua vez revogando a
Constituição de 1967, a de 1946 não voltou a ter vigência. Ou seja, não houve
repristinação.

Considerando todo o exposto acima, percebe-se que a vigência da lei está


relacionada com a validade formal. Significa que lei possui todos os requisitos técnico-
formais, pois passou pelo processo regular de formação, estudado na aula passada.
Terminado o período de vacatio legis, a lei é válida e deve ser observada
espontaneamente ou imposta de forma coercitiva.

Chamamos a atenção para o fato de a vigência e a eficácia da lei serem noções


próximas (afins), porém não se confundem. As leis não são (ou não deveriam ser)
criadas por acaso. Buscam atingir resultados sociais. Assim, eficácia "significa que a
lei produz, realmente, os efeitos sociais planejados. Para que a eficácia se manifeste é
indispensável que seja observada socialmente. Pressupõe efetividade" 2. A lei que
aumentou a pena do crime de feminicídio é válida, é aplicada, mas não alcançou a
pretensão desejada: não diminuiu os crimes que vitimam as mulheres no ambiente
familiar e doméstico. O Atlas da violência contra a mulher traz dados alarmantes sobre
o número de casos3.

2
A efetividade consiste no fato de a norma ser observada tanto por seus destinatários quanto pelos
aplicadores do Direito. Segundo BARROSO, "simboliza a aproximação tão íntima quanto possível entre
o dever ser normativo e o ser da realidade social. In: BARROSO, Luís Roberto. Direito Constitucional e a
eficácia das normas. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2018.
3
O Anuário Brasileiro de Segurança Pública, que tem abrangência nacional, informa que os homicídios
dolosos de mulheres e os feminicídios tiveram leve crescimento no primeiro semestre de 2020. Nos
homicídios dolosos, as vítimas do sexo feminino foram de 1.834 para 1.861, um crescimento de 1,5%. Já
as vítimas de feminicídio foram de 636 para 648, aumento de 1,9%. É importante também registrar que
desde o início da vigência da Lei nº 13.104, de 9 de março de 2015, que tipificou o crime de feminicídio
no Brasil, os casos deste tipo penal tiveram um aumento de 62,7%. Quando se analisam os números que
relacionam as vítimas dos feminicídios com os autores do referido crime, 88,8% deles são companheiros
ou ex-companheiros das vítimas. Disponível em:
https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2020/10/anuario-14-2020-v1-interativo.pdf
3) - A irretroatividade da lei e o art. 6o da LINDB

Por fim, mas não menos importante, é preciso analisar a eficácia ou não de uma
lei em relação a fatos pretéritos. Não pode restar dúvida, que os atos concluídos e
totalmente consumados antes de ter início a vigência de uma lei nova, não podem ser
por ela alcançados ou afetados. Seria ultrajante que uma pessoa pudesse ser
surpreendida com a aplicação de uma lei nova sobre ato que praticou no passado. É
nesse sentido que o ordenamento jurídico reconhece o princípio da irretroatividade
das leis. A CF/1988 consagra este princípio no art. 5 o, inciso XXXVI: "a lei não
prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada". São as
situações que traduzem um direito já incorporado ao indivíduo.

A irretroatividade da lei é um preceito de ordem pública muito importante para a


proteção de qualquer pessoa, pois trata-se de uma garantia contra a arbitrariedade. O seu
fundamento é a preservação da segurança jurídica do indivíduo. Logo, se a
retroatividade fosse admitida como regra, não haveria Estado de Direito. Por isso, o
artigo 6º da LINDB repete a norma constitucional: "a Lei em vigor terá efeito imediato
e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada".

É preciso, no entanto, fazer a ressalva em relação a lei penal, pois a própria CF/
1988 no art. 5o inciso XL estabelece:"a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar
o réu".

3) - O conhecimento e a força obrigatória da lei: o art. 3 o da LINDB

Você já estudou que a publicação da lei tem por finalidade torná-la conhecida
pelos seus destinatários. No entanto, este mecanismo traz apenas a presunção de
conhecimento. O ordenamento jurídico é tão vasto, que até mesmo os especialistas e
profissionais que atuam com o universo jurídico não conhecem todas as leis. Em virtude
do princípio da obrigatoriedade da lei há presunção absoluta de que seus destinatários a
conhecem, não podendo se escusar de seu cumprimento, mediante a alegação de
ignorância (desconhecimento de sua existência) ou erro (conhecimento incompleto ou
distorcido do seu texto).
Por isso, o artigo 3o da LINDB dispõe: "ninguém se escusa de cumprir a lei,
alegando que não a conhece". Norma semelhante a essa, não admitindo a ignorância da
lei vigente e, portanto, que dispõe sobre a garantia da eficácia global do ordenamento
jurídico, é encontrada em quase todos os sistemas jurídicos do mundo.

Segundo Luiz Edson Fachin, diversas teorias procuram justificar a regra acima.
Para uns, trata-se de uma presunção jure et jure (absoluta - que não admite prova em
contrário), legalmente estabelecida (teoria da presunção), a qual presume que a lei, uma
vez publicada, torna-se conhecida de todos. Outros defendem a teoria da ficção jurídica,
ou seja, é uma inverdade que a lei torna-se conhecida de todos, é irreal. Há ainda os
adeptos da teoria da necessidade social, segundo a qual a norma do art. 3º da LINDB é
uma regra ditada por uma razão de ordem social e jurídica, sendo, pois, um atributo da
própria norma. Esta última posição é a mais aceita, segundo o autor. Sustenta que a lei é
obrigatória e deve ser cumprida por todos, não por motivo de um conhecimento
presumido ou ficto, mas por elevadas razões de interesse público, para que seja possível
a convivência social4.

Logo, a lei é obrigatória para todos, mesmo para aqueles que efetivamente a
ignoram. A obrigatoriedade da lei se impõe pela necessidade de harmonia e segurança
na convivência social.

4) - Hermenêutica e interpretação das leis: as correntes (escolas) do pensamento


jurídico

Hermenêutica é uma expressão que, em sua origem grega, significa o processo


de tornar compreensível, ato relacionado à mitologia helênica, que atribui ao Deus alado
Hermes, o mérito de traduzir a linguagem dos deuses aos seres humanos. Trazendo a
noção para os nossos dias, Maria Helena Diniz ensina que “a hermenêutica contém as
regras bem ordenadas que fixam os critérios e princípios que deverão nortear a
interpretação”5. Assim, embora as expressões hermenêutica e interpretação sejam
utilizadas muitas vezes como sinônimos, a primeira tem caráter mais teórico, enquanto a
segunda tem finalidade prática, pois aproveita os subsídios da hermenêutica para
desvendar o sentido e o alcance da norma.

4
FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2012.
5
DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. São Paulo: Editora Saraiva Jur,
2019. p. 152.
Fixar o sentido de uma norma é descobrir a sua finalidade, é colocar a
descoberto os valores consagrados pelo legislador, aquilo que teve a intenção de
proteger. Determinar o alcance é demarcar o campo de incidência da norma jurídica, é
conhecer sobre que fatos sociais e em que circunstâncias a norma jurídica tem
aplicação. Nesta direção, interpretar o direito é conhecê-lo e conhecer o Direito é
interpretá-lo.6

Certo é que a interpretação é a atividade que precede a aplicação da lei a um


caso concreto. O juiz no momento do julgamento interpreta a lei que utilizará para
trazer solução ao conflito relatado no processo e realizar justiça. Nesse campo, no
entanto, é importante referir uma disputa verificada entre a Escola da Exegese, a Escola
Histórica e a Escola do Direito Livre ao longo do século XIX, que até hoje influencia o
modo de interpretar as leis.

A Escola da Exegese dava ênfase ao elemento gramatical, pois propunha que a


interpretação deveria ser baseada na literalidade dos dispositivos. Surgiu à época do
Código Civil da França de 1804 (Código Napoleão), que foi considerado uma obra
"perfeita", pois não havia nada no meio social que tivesse escapado da previsão do
legislador.

Referido Código, era a expressão da vontade soberana do povo, de tal modo que
nenhuma proposta interpretativa poderia se afastar da literalidade. Como consequência a
lei sequer precisaria ser interpretada, bastava fosse aplicada. Por isso, essa escola de
interpretação se tornou um símbolo do legalismo exacerbado. A ideia da
autossuficiência dos Códigos (dogmatismo legal) já está superada. As leis e códigos
duram décadas e até séculos - caso das codificações na antiguidade - , mas é natural que
novas circunstâncias sociais, políticas e econômicas demandem a interpretação
atualizada.

Data desse período o brocardo " in claris cessat interpretatio", que significa:
"quando a lei for clara não precisa ser interpretada". Este axioma não condiz com a
realidade atual, tendo em vista que, por mais claro que o preceito normativo possa
parecer, sempre irá requerer certa dose de interpretação. Além disso, alguns autores
defendem que a clareza pode ser enganosa, pois o que parece claro para alguns,

6
NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2017. p. 264.
certamente não é assim para outros. Um mesmo dispositivo legal pode ensejar múltiplos
entendimentos.

Não há como aplicar o Direito sem interpretá-lo. Assim, quando o magistrado


dispõe de uma norma em abstrato para dar solução a um caso concreto, deverá dar
significação ao texto normativo, que por mais claro que possa parecer, ao ser
confrontado com o caso concreto, pode revelar ambiguidades, insuficiências ou mesmo
contradições. Além disso, quando se chega a conclusão que a lei é clara, de certa forma
ela já foi interpretada. Logo, a interpretação é atividade que se aplica a todas as leis,
pois todas demandam a descoberta do seu sentido e do seu alcance.

Como uma espécie de reação ao legalismo exacerbado surgiu a Escola


Histórica. Os seus adeptos consideravam as normas como fruto de uma evolução
histórico-cultural do povo e não como um produto exclusivo do monopólio estatal. Essa
corrente de pensamento tinha como característica compreender o Direito como um todo
orgânico e sistemático de institutos jurídicos e conceitos, construídos a partir de
princípios gerais. Por isso, a interpretação não poderia se prender exclusivamente à
literalidade dos dispositivos.

Considerada corrente antilegalista em razão da reação ao legalismo excessivo


também surgiu a chamada Escola do Direito Livre. Pode ser considerada
diametralmente oposta à Escola da Exegese, pois recomendava que no momento do
julgamento, na identificação da solução jurídica, o juiz podia abandonar as leis e os
conceitos e julgar com base na sua própria percepção de justiça. Os seus adeptos
propuseram o abandono do modelo legalista (Escola da Exegese) e do modelo
conceitualista (Escola Histórica), em favor de uma fundamentação "livre" do
magistrado, que seria capaz de traduzir, caso a caso, a solução imposta pelo sentimento
social de justiça.7

Pode-se afirmar que todas as escolas de interpretação trouxeram contribuições


relevantes, em especial, quanto à organização dos elementos de interpretação indicados
abaixo.

7
SCHREIBER, Anderson. Manual de Direito Civil Contemporâneo. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
p.76.
- elemento gramatical (literal ou filológico) - é o primeiro elemento utilizado para
interpretar a lei, pois considera a análise do seu texto, a literalidade. A lei não contem
palavras inúteis, mas é preciso perceber quando uma palavra é utilizada no seu sentido
técnico-jurídico e quando apresenta o sentido comum. De toda forma, uma boa
interpretação, como destacado acima, não pode se restringir a este elemento. Além
disso, o legalismo excessivo não mais subsiste nos dias atuais.

- elemento sistemático - este elemento parte do pressuposto que não há no


ordenamento jurídico dispositivo que seja autônomo, auto-aplicável. Uma norma
somente pode ser interpretada e ganhar efetividade quando analisada no conjunto das
normas que dizem respeito a mesma e determinada matéria. Quando o juiz prolata uma
sentença, não aplica regras isoladas. Deve utilizar inclusive os diferentes instrumentos
jurídicos como os costumes, a jurisprudência, etc.

- elemento histórico - é o que revela os antecedentes jurídicos e fáticos que conduziram


à criação da norma. Ou seja, trata-se da análise dos fatos sociais que demandaram a
formação da lei e dos trabalhos legislativos que antecederam sua produção. Implica na
investigação sobre as circunstâncias em que nasceu a lei, como por exemplo, o
momento político, as influências sociais e filosóficas do momento histórico no qual
surgiu a lei. Além disso, em acréscimo, é relevante lembrar que quase todos os institutos
jurídicos atuais têm raízes no passado, ligando-se às legislação antigas, que também
devem ser analisadas no momento de interpretar e aplicar uma lei a um caso concreto.

- elemento lógico (teleológico) - é o que demanda a investigação sobre o fim da lei, sua
finalidade, os interesses que pretende proteger, os fins que visa atingir. Trata-se da
chamada ratio legis. É o elemento que permite uma aplicação atualizada das normas ao
tempo presente.

É relevante ressaltar que não há prevalência entre os elementos interpretativos.


Todos convergem na busca do sentido e do alcance da lei - escopo pretendido com a
interpretação. No entanto, a LINDB traz uma regra de interpretação que merece
análise mais detida.

5) - A importância do art. 5o da LINDB


O art. 5o da LINDB estabelece: "Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins
sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum".

Esta regra de interpretação prestigiou os elementos teleológico e histórico,


porque o juiz deve examinar os fins que a lei vai realizar, sem considerar a vontade do
legislador e esses fins devem atender aos interesses da coletividade. Quando houver
conflito entre o interesse individual e o social, é este último que deve prevalecer, em
regra.

Pode-se afirmar que o dispositivo, presente na antiga Lei de Introdução do


Código Civil (LICC), buscava combater a truculência positivista atribuída ao Código
Civil de 1916, que trazia uma postura essencialmente conservadora, primando pela
individualidade patrimonialista. Logo, o art. 5o da LINDB forneceu ao legislador uma
flexibilidade interpretativa, visava combater a mera exegese literal dos textos legais,
permitindo a adequação das normas no momento de sua aplicação. Essa elasticidade é
fundamental para permitir ao Direito a possibilidade de acompanhar as mudanças
sociais que estão constantemente ocorrendo.

Assim, no lugar de aplicar a letra fria da lei, deve- se fixar no objetivo da lei e da
justiça: manter a paz social. Para tal, faz-se necessário considerar o direito não apenas
como sistema normativo, mas também como sistema fático e valorativo. Ora, o ato
interpretativo de uma norma leva em conta o coeficiente social desta, inserido no
momento histórico corrente, de sorte que a compreensão da norma pressupõe
entendimento acerca dos fatos e valores que lhe deram origem e dos fatos e valores
supervenientes, que ela compreende.

Em razão dessa regra, o juiz deixa de ser um mero aplicador da lei e expectador
do processo. Deverá, pois, avaliar qual a finalidade da norma, visando, sempre, o bem
comum, respeitando o indivíduo e a coletividade.

Posteriormente, o Código Civil de 2002 veio com uma nova roupagem,


exibindo, “a solidariedade social como vetor”, pois, nele fala-se em função social da
propriedade, função social da empresa e função social do contrato. Essa tendência se
coadunou muito bem com a atual Carta Constitucional de 1988, onde se anuncia, desde
logo, a solidariedade como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil.
Nesse sentido, as locuções “fins sociais” e “função social” guardam profunda
similaridade, e chegam a poder ser consideradas sinônimas. Nessa linha de pensamento,
o texto constitucional traz muitas outras menções que, categoricamente, apontam a
vertente social a qual foi partidário o legislador constituinte de 1988.

O Novo Código de Processo Civil, lei 13.105/2015, tratando das normas


fundamentais do processo, no artigo 8º traz os princípios e finalidades que o juiz deve
observar na aplicação da lei: "ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos
fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da
pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a
publicidade e a eficiência.

A redação do referido artigo processual atribui ao juiz presidente do processo,


uma postura necessariamente sensível à causa que lhe é apresentada, fazendo com que
ele se incline a definitivamente não mais aplicar a letra fria da lei. Segundo Cândido
Rangel Dinamarco 8, esse escopo social do processo estaria refletido no
binômio pacificação social, ao buscar pacificar as pessoas mediante a eliminação de
conflitos com justiça, e educação, ao pretender educar para a defesa de direitos
próprios e respeito aos alheios.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro consiste em um diploma


que disciplina a aplicação das leis em geral. Sua função, portanto, não é tecnicamente
regular relações sociais; é reger as próprias normas, indicando como interpretá-las ou
aplicá-las, determinando-lhe a vigência e a eficácia. Como se vê, engloba não só o
Direito Civil, mas também os diversos ramos do direito privado e público, notadamente
a seara do Direito Internacional Privado. É norma cogente brasileira, por determinação
legislativa da soberania nacional, aplicáveis a todas as leis.

Nas três primeiras aulas foram examinados conceitos e noções sobre o Direito e
as normas jurídicas, além de institutos jurídicos importantes pertinentes à Teoria Geral
do Direito. Nas próximas aulas serão abordadas temáticas pertinentes ao Direito Civil

8
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. Vol 1, p. 128.
em razão de ser o principal ramo do Direito Privado e, também por isso, apresentar
conceitos importantes para que você, aluno do Curso de Ciências Contábeis, possa
compreender melhor nos períodos seguintes, o conteúdo das disciplinas legislação
empresarial e legislação tributária.

Lembre-se que, no guia da disciplina Instituições de Direito aplicadas à


Contabilidade foi explicitado o caráter introdutório e, como toda disciplina desta
natureza, possui a finalidade de iniciar o(a) estudante no conteúdo de um campo
específico do saber, neste caso, o vasto campo do Direito, visando facilitar a
compreensão de disciplinas mais específicas.

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