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Zargueidadescobr 00 Medi
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DESCOBRIM
I L H A D DE ^ I A
POEMA R(OLCO
D E D/I C A
*A O
ILLUSTRISSJlviqr, E EXOELLEI SLMO
DEDICATÓRIA.
air.enas
a Ti ,
que espalhai
Sobre aquellss ,
que estimas , e agazalhas y
Sua
VI
Foi
vil
I
Tanto enredada a achei , tanto sombria ,
Que ,não ser sua Luz brilhante
a , c clara ,
No Laberyntho seu me perderia.
A
punir-me talvez ninguém se anime ,
Vendo a causa porque me dei ao pezo
D'hu(n fardo , que o maior Engenho opprime.
Tal-
Tiií
Mai
iX
Benigno me
perdoa a liberdade
Que tomo o meu Poema
de ofFertar-te
Despido de belleza , e magescade.
)) Iiv
, ,
» Inda espero ,
que vejas algum dia
» Com novo louvor teu mais doce Canto
)) Porque tendo tão certa , e fiel Guia
» Não ke muito de mim prometter tanto. (*)
PROLOGO.
E Mprehender hum Poema Épico no Sé-
culo XIX. em que as Luzes e os Exem-
, ,
SONETO.
Ti , Vate sem par , cujo Estro inflamma
Do Numen Patareo o Sol fulgente ,
A ti , Grande Bocage , cuja Frente
De Sacros Louros Deifica se enrama ,
Medina,
, , , ; , ,
SONETO.
D E "Z^x^o o Heróico ardor , que luz na Fama
Cantas em metro altisono , e fervente :
Náutica Lusa Gloria em seu Oriente
Por ti , qual no Zenith , esparge a flamma.
Bocage,
í*ag. 1
4S8S8558854 4SSS^^ 4^
:, ,
» ZARGUEIDA.
II.
III.
IV.
V.
! ,! ;
CANTO I: ^
V.
Aiuda-me a dizer como t Madeira
Se descobrio aos olhos dos Mundanos %
Para icr dentre as Ilhas a Primeira,
Que desse maior gloria aos Lusitanos:
Sim recira-me a historia verdídeira
,
VI.
A ii VIII.
: , ,, ,
^ Z A R GU E I D A.
VIII.
E Vós
Excelso Principe Regente
,
X.
XI,
, ;, , ; ,,
C A N T o I. $
ia.
XIV.
,
6 Z A R G U E I D A.
XIV.
Deoses do Olympo Deoses Soberanos y
,
XYIL
, , ,
C A N T o I. 1
XVII.
Deixando as margens do Cerúleo Tejo
Em cavos Lenhos , que amedrentem mares
Iráó com elle apôs do seu Desejo
Pacheco Iliusird , Almeidas Singulares :
Hiráõ com elíe , e com prazer sobejo
Da Hydaspea Região buscando os Lares
Heroes , em quem poder não tenha a Morte,
,, Albuquerque Terrível , Castro Forre. „
XVIII.
XIX.
Em grossos nevoeiros escondida
Dentre Atlânticas ondas se levanta
Fértil Ilha , que d'arvores vcsrida
Inda ha pouco pizára humana planta :
XX.
, ,: ,
f Z A R G U E I D A.
XX.
Assim lá desde a creação do Mundo
Aoi' olhos dos Morcaes occulca existe.
Bem como nas entranhas do Profundo,
Po.s que enrre nuvens hórridas pe-sisce ;
Ainda qu; hum successo sem stgundo
Ja nella aconteceo tri gico , e triste,
Com tudo inda as Nações não gabem dellt ,
A pezir de ser grande , amena , e bella,
XXI.
XXII.
XXIII.
,
C A N T o I. r
XXIII.
XXiV.
Fallou Júpiter Alto desta scne
E os Decses , co* as cabeç?.s acenando 9
De immenso gosto em súbito transporte
Parecem o seu voto ir approvando :
XXV.
He que appareça essa Grande Ilha
justo
Esse ameno lo:rao, inculío e novo. ,
XXVI.
, , , , ,::
Id ZARGUEIDA.
XXVI.
Porém se acaso , ó Júpiter , mereço
Que me concedas ineiíàvel grâça
Submisso desde já te rogo, e peço
Grande Mercê ,
que eçpero se me faça :
XXVII.
Eu ser a Sacra Divindade ,
quero
Que Ilha proteia , e favc rcça ;
tal
Consenre , que a Thyrsigera ('cidade
Dos Lusos em soccorri» á Terra desça
E se a Tua Divina Magestade
Quer que e^sa Terra aos Lu.03 appareça 9
Pcrmitte-me , que eu p )s?a alli contente
Hospedar Carinhoso a Forte Gente.
XXVIII.
De Sublime Gr?^ça em recompensa
tão
Farei , que a Terra alli fértil produza
De saborosos vinhos cópia immensâ
Que :maÍ3 int'resse dem á Nação Lusa
Farei , que dissipada a névoa densa ,
Em que sempre tcqui jazeo confusa
A todas as Nações mostre viçosa
A verdejante frente pampinosi.
XXIX.
:
C A N To I. ft
XXIX.
Farei, que humi Nação forte, e Guerreira,
Cujo Poder ha de ass^jmbrar os mares,
Mostrando-se-lhe Amiga Verdadeira
Va sempre visitar seus ricos Lares
Farei , que e sa Naçáo seja a Primeira ,
Que , levando seus vinhos singulares ,
Vá levando também , ondas abrindo ,
( Se he possível ) seu Nome além do Indo. .
XXX.
Farei ,
que as Nações todas Europets
Amantes de seus vinhos , e seus frutos ,
Cheas de admiração , de prazer chcas
Lh« costumem render fieis tributos :
Se forem demandar Terras alheas
Paizes mais cruéis , Pcvos mais brutos ,
Farei que csres submissos, e contentes
,
XXXI.
Que appareça , farei , na Sicra Meza
Dos Deoses, em que tu, Jove, presides,
O mais íino Licor , que a Natureza
Extrahir pôde de pampineas vides:
Tu vendo com prazer sua^ pureza , t
,
XXXII,
: ::
i« Z A R G U E I D A.
XXXII.
Se está Graçi , que peço , me pe''mittes ,
Farei quanto te digo , e te promecto ;
Contra mim. Caro Pai, ah! náo te irrites;
Em nada desmereço o teu affecto
Para que mais os Lusos feiici es
Qual Numen Soberano em tudo Recto ,
Que di^r-lhes fama , e gloria em fim pcitendc ,
As minhas Justas Supplicas attendc.
XXXIII.
Disse o Numen Leneo; e d'improvise
Perante o Grande Jupicer prostrado
Inclina o rosto rubicundo , e lizo
Sobre os degráos do Throno abrilhantado
Jupi-er olha com subtil sorriso ,
E Cheio entá) de Paternal Agrado
Solrando a Voz Suave , c Lisongeira
A Baccho respondeo desta matieira,
XXXIV.
Ergue-te , ó Filho meu ;
quanto desejas
Náo nego , antes tudo te concedo j
te
Justo he , que favoreças, que pro eias
Naçáo , que ranto prezo Amante , e Ledo
Seu Numen Tutelar , quero , que sejas i
Os meus Pcdsrcs Divinaes te cedo j
Vai pois fazer a próspera ventura
De quem for habitar Ilha tão para*
XXXV.
; , , , :
C A N T o r. i|
XXXV.
Fallou assim
; e os Deoses , approvando
Tudo , o
(juan alli Jupi:er di-sera
Ficarão longo tempo murmurando ,
Bem como quando hum pouco o mar se altera
Ourio-se entáo susurro doce , e br?ndo
Semelhante ao dos Bosques de Cithera
Quando Zephyro alli com Cioris falia,
E a ramagem das Arvores embala.
XXXVI.
Pari beijar a Dextra ao Pai Tonante
Pela Graça de novo conced da
De Nisa o Numen com gentil semblante
Ergue a fronte de pâmpanos cingida:
Sobe os degráos do Throno Coruscante,
E com mostra d huma Alma agradecida.
Sem á maior ventura ter inveja,
Curvando-se ante Jove a Máo lhe beja.
XXXVII.
Descendo então do Throno Asrri-formado
Briihaváo-lhe nos olhos , e no rosto
Satisfação, prazer, meiguice, agrado,
E a viva cor do rubicundo mosto :
XXXVIII.
, , : ,
14 ZARGUEIDA.
XXXVIIT.
Eis delle em
rorno os Deoses se juntarão
A dar-lhe os parabéns desta ventura ;
Wumameme alli todos se abraçará j ^
Com mostras de amizade , e de ternura
Mas logo que estas honras se acabarão ,
Dos Deoses Cada qual então procuri
Fazendo a ]ove humilde acatamento ,
Recolher- se i seu fulgido Apozento.
XXXIX.
Depois disto 5 Confuso , passeando
Pelo Lácteo Caminho , Solitário
Parava Baccho alli de quando em quando.
Como quem em acto imaginário
fica :
XLL
:
C A N T o I. 15
XII.
Da Grande Ilha , que vou com meigo afago
cm
Por meu gosto hospedar os Portuguezes ,
Farei que o Gama sintí duro estrago
Do Mar exposto aos hcrridrs revezes:
Farei , que eile vá ver o Estygio Lago ,
Porque tenho jurado tantas vezrs
De ser contrario áquelle , que imprudente
Tentar bater ás L^ortas do Oriente.
XLIL
O Macedónio Rei Gloria de Marte ,
,
XLIV.
}
f« Z A R G U E I D A.
XLIV.
E hei de agora sofFrer , que do Occidente
Vão as fortes façanhas Porcuguezas
Da memoria brutal da inculca gente
Riscar as minhas ínclitas Proezas ?
Ah náo consentirei , que no Oriente
!
XLV.
Em q'3ânto isto no Olympo acontecia ,
O forte Zargo Illusrre Lusitano
Em forre Lenho bellico fendia
As cristallinas ondas do Oceano:
Do Algarve o mar inirepido co'ria
Era cata do Hespanhol e do Africano , ,
XLV.
: ! ,
'
C A N T o I. 17
XLVII.
I DeDetamanho
Tângere no Cerco foi Soldado
poder forças tamanhas
, ,
XLVIII.
t.
, : , , ; :
j5 zargueida.
L.
De Zârgo t voz,
que d'impoviso sôt
Dos Lusos cada qual manda a seu posto
Qualquer delles alli não corre, voa,
Tâo grande he seu valor , tal he seu gosto
Para o Lenho , que avista , inclina a proa
O Heroe , que tudo tem Sábio disposto y
E d^igneo ferro concavo-redondo
Manda logo soltar sulfúreo estrondo,
LI.
LII.
LIII.
), :
C A N To I. 1|
LIII.
LIV.
Abordada sem susto a fraca preza ,
No número dos timidos captivos
Hum Piloto de célebre agudeza
Se achava alli por célebres motivos
Parece que lhe dera a Natureza
,
t ii tVL
: ,, , ,
.MO % A R G U E í D A.
LVI.
Oavindo expressões do Grande Ztrgo
âs
Morales se intimida , e se entristece ;
E o rosto seu banhando em pranto amargo >
A' Dor sanhiida succumbir parece :
D'improviso em Lethifero Lethargo
O mísero Morales desfalece,
E de raiva em tyrannico transporte
Mil vezes tenta vêr a face á Morte.
LVII.
O Triste
,
pondo entáo seus olhos nellas ^
Julgando alii , que do seu mal se riáo
Contra o Ceo , contra os Astros , contra os mares 9
Estas vozeí soltou do peito aos ares
Lvni.
O' Ceo , Tyrânno Ceo , que* mal te ha feito
Hum vivente infeliz , que em nada oíFende
O Venerando Divinal Preceito ,
Que a Doce Jugo nos sujeita , e rende ?
Se eu hei de viver sempre deste geito
Se o meu Cruel Destino isto pertende,
Rouba-me antes a vida \ que eu não prezo
A desgraças viver atado , e prezo*
LIX.
: , , :, ,
C A N T o I. li
LIX.
Malignos Astros , Asrros Despiedados ,
LXI.
Calou-se então o misero Rendido ,
LXir.
: ) ),:
^z ZARGUEIDA.
LXII.
Náo falti alli quem dentre os Portuguezes
O Confuso Morales ínimasse ,
LXV.
, , ,: , , :
C A N T o I. j|^
LXV.
Soccga em Fm , teu animo socegâ
( Permitte cjue esta súpplica te faça)
Huma grande Ventura , quando chega ,
Vem quasi sempre apôs dhuma Desgraça
Ao Cândido Prazer tua aima entrega,
Náo temis de máo Fado ímpia ameaça,
Porque 1 par deste Capitão Famoso
Hás de inda ser de todo Venturoso,
LXVI.
Desta sorte a Morales animava
Baccho , que então tomando a forma laumant
Dhum dos Lusos , que alli se náo achava.
Favorecia a Gente Lusitana :
Ao Forre Capicão , que descançava
Procura o Nizeo Deos ; na mente ufana
Em agradável Sonho lhe figura
Grande Ilha descobiir fértil , e pura.
LXVII.
Tendo tudo assim feito o Deos de Nizt
Stm dar-se a conhecer ao Lusitano ,
Subitamente então se diviniza
Tomando o antigo gesto Soberano
Neptuno na fulgente Concha liza
Recebe Carinhoso o Deos Thebano
E apenas he na concha recebido
Tritão emboca o búzio retorcido.
Lxin.
: , ,
^ ZARGUEIDA.
LXVIII.
A's vozes do maritimo Instrumento
Acodem as Nereidas em cardume :
LXIX.
Marinhos Monstros de estatura informe
Ligados á Carroça Neptunina
Com viva rapidez, força disforme
Nadaváo pela liquida Campina :
LXXL
: ; , :
C A N T o I. 2$
LXXI.
Eríi o Rico Palácio construido
De Crystâl transparente , e jaspeado ;
LXXIII.
grandeza immensâ
Nitido Lustre de ,
Qae do alro tecto fulgido pendia ,
Cuja graça mimosa se náo pensa ,
A vastíssima Sala esclarecia
Estava a grande IV^áquina suspensa
Por três csdeas de ouro e parecia ;
LXXIV.
: : ;; : ;, ,
»^ Z A R G U E I D A.
LXXIV.
Sobre degrao? de mármore brilhante
O Throno de Neptuno estava posto ;
„ Doutra pedra mais clara que o diamante ,,
Todo elle parecia ser composto
Tudo era alli gentil , tudo ele^^ante
Em tudo se encontrava mimo , e go^to j
LXXVI.
Virentes ramos de auri-verdes plantas
Os lados todo? desta Saia orna vio
As recendentes flores eráo tantas ,
Lxxvn.
: :
C A N T o I. «T
LXXVII.
Quatro brilhantes Urnas reluzentes ,
(^e de ricos festoes de flores se ornáo ,
LXXX.
,, ,,
23 ZARGUEIDA.
LXXX.
Entretanto que os Numes vão ceando
,
Algumas das Nereidas Carinhosas
Em honra de Lieo estão caniando
endeixâs sonorosas :
IVíelIifluas
Humas suaves citharas tocando
Outras tecendo danças graciosas
Os Deoses enererem duranre a cêa
Em cousas, com que Bàccho se recrêa,
LXXXI.
Acabado o Banquete o Deos dos Mares
,
CAN-
,
CANTO SEGUNDO.
ARGUMENTO.
JL/ o Algarve a Terra , que a distancia encobre ,
I.
II.
, ; ,
I© Z A R G U E I D A.
II.
O Promontório he de S Vicente
Onde a Viila de Sagres es:á posta ,
Villa , que o Grande Henrique edificará
Para alii cultivar Sciencia Rara.
III.
V.
,: , ,
CANTOU. '
31
V.
Saberás que dos Mouros fui Cap:ivo
( Nação briual , inculra , c fraudulenta )
E que enrre elles aftíicto ha icmpos vivo
De martyrios cm hórrida tormenta :
VI.
Vill..
,, : , ; , «
32 Z A R G U E I D A,
VIU.
Na Famosa Inglaterra ( assim dizia
Hum dos Caprivos , de que fui cercado )
Hum Nobre Cavaleiro Inglez havia
Que Roberto Machim era chamado
No , e na figura parecia
gesto
Hum Narciso , hum Adónis namorado
Parece , que o dotara a Natureza
De tudo , quanto Ke graça , e gentileza,
IX
Quiz a sua Ventura , que elle visse
/^nna de Harfet , Ingleza bem nascida ,
E por ella de Amor logo sentisse
Da Paixão a sua alma combatida :
Quiz a sua Vcn.ruri descobrisse
Encantos , que dáo morte , e que dão vids ; # •
Ah que eu náo pos^o ao vivo aqui pintallos
! 5
CANTO n* f1
XI.
Tinha hum Corpo gentil , meneio íâroso
Viveza natural , mimo , e doçura
Hum modo aíFavei , sempre gracioso ,
£ huma alma sempre terna , meiga , e purt
Eis de Harfet o Retrato Precioso
Quem náo vio inda Harfet, yeja a pintura;
Porque o mais , que ella tinha , e náo descrevo 9
Perfeito julgo, mas pintamáo devo,
XII.
XIII.
XIV,
, , :, ;
.^4 Z A R G U E I D A.
XIV.
Já corta o crespo mu
a quilha undosa ,
Que no seu ventre occalta os dois consortes
]a fica atrás Bristol , donde animosa
Foge Harfet , sem tetrer prigcs e mortes ,
XV.
Meu Bem , meu Doce Bem , a Natureza
Empenhou-se em formar Esse Composto
De mimos , perfeições ,
graças , belleza ,
por fazer me feliz por ,
dar-me gosto ;
XVI.
]á distantes dos nossos Inimigos,
Que a táo doce União se oppunhão feros
Amda que sujeitos a perigos
Náo temamos seus ânimos severos :
XVIL
,, , ,! ,
CANTOU. 55
XVII.
Os nossos tenos ctniidos Amores
Ha de o Ceo p«-o perar pois que sáo, puros i
Náo se temáo da Serre os desfavores
Tendo os Deoses por nós vamos seguros :
XIX.
Nestes , e curros colloquios entretidos
Kiáo os dois Amantes namorados
E em doce liga por Amor unidos
Os vi por muitas vezes abraçados :
(^ue meiguices ,
que mimos repetidos
Que afFigos ternos , que fiéis agrados í
C ii XX
, , ,, , :,
i6 ZARGUEIDA.
XX.
Vinha â Noite sombria , e «omnolenta
XXIII.
,,
; :,
, :, , ;
c A N T o n. ir
XXIII.
XXIV.
Harfet, a Linda Harfet, que tu creastc.
Para vir a fazer minha ventura ,
Harfet, a Linda Harfet, t quem dotaste
Hum puro Coração, huma alma pura.
Gelada eitá de susto , e tanto baste
Para em fim merecer tua ternura
Ah! náo me roubes, náo, t minha Bella
Deoses do Olympo , intercedei por ellt.
XXV.
Assim quando lhe disserão
dizia ,
XXVI.
,
jS Z A R G U E I D A.
XXVI.
Rôtâs âs velas , m ss^-os pedaços
Ondeáo pelos are^ sibilantes,
E de frio pavor cn re embaraços
Tremiáo os confj^os Nave^an es :
Machim , que tinha Harftt entre seus braços ,
Com meigas expressões dulci-tocantes
Confiado ).o Ceo consola , anima
A quem mais do que a própria vida estima.
XXVII.
Enrre^ue á discrição de ondas , e ventos
Por agans dias piira a quilha undosa,
Tc que veio ordenar o> hiementos
Huma serena, e bonarçósa :
Lvoite
Sobre o cryscâi dos mares somnolentos
Briiha de Phebe a chamma luminosa ,
XXiX.
, ,, , ,! : :
CANTOU. í^
XXIX.
Era já âlto diâ , quando hum nosso
Ccmpânheiro fiel de cima berra ,
Dizendo assim com súbito alvoroço
AI viçaras , Amigos , terra , terra :
Inda que eu quem , aqui pincar nao posso
O prazer vivo, que entre nós se encerra:
Que scena para nós doce , e risonha ,
Depois de huma procella ráo medonha
XXX.
Aos ecos voz , que alegre soa
destt ,
Despertáo os Amantes, que dormiáo
E a todos nós chegando a nova boa
Huns acordaváo , outros já surgiáo :
XXXI.
Apparcce , e bem perto, coroada
De nuvens huma Terra florecente
E aonde ella fazia huma enseada ,
XXXIL
:, :, ,,
)^ Z A UGU E I D A.
XXXII.
Náoacabava quando os marinheiros
Já dentro no batel se aparelhiváo
Para buscar magnânimos ligeiros
A Terra , porque tanto suspiraváo
Afoito quiz eu ser hum dos primeiros
Que para a dura em preza $e a prés ta vão 9
E armados todos nó? nos de.pedimos
De Machim , e de Harfet , e nos partimos.
XXXIII.
muito custo á Terra em fim chegamos
5em 9
E vendo-a toda chea de arvoredo
Entre todos primeiro consultamos
Se se devia entrar naquelle enredo
Por votos , em que todos concordamos
Animosos , sem vêr a face ao Medo,
Onde sahia ao mar huma Ribeira
Desembarcou a Gente Aventuieira.
XXXIV.
Embrenhados por arvores sombrias
Descobrimos dhum lado , e d^outro iado
Muitos frutos agrestes , fomes frias
E hum clima puro, tmeno , e temperado:
Levantadas incultas serraniis
Cobertas de Arvoredo apinhoado
Mais distantes as frentes escondiáo
Emre nuvens pezadas, que as cobri ão.
XXXV.
,
CANTOU. 41
XXXV.
Nem pízâdas humanas, nem ferinas
Enconcr^mos alli : ricos presentes
De agre$:es frutos, aguas crysrallinas
QuizemoJ i Machim Uvar Conrentes!
Fende o barel as ondas Neptuninas
Carregado de frutos diíFerences
Na forma , e no sabor , até que cbega
Ao Lenho , em que Machim a Amor se entrega,
XXXVI.
Ouvindo a narração da descoberta ,
Que fizemos , Harfet a Machim pede ,
Que a deixe em Terra , ainda que deserta ,
D MS dias descançar ; e Machim cede:
Valem-se ambos entáo da nossa oííerti ,
Para hum pouco abrandar a ardente sede
E entrando no batel , sem medo a p'figos t
A Terra buscáo com fiéis Am.igos.
XXXVII.
Eu fui hum dos que em
sua companhia
Dois dias felizmente viverão :
alli
XXXVIII.
42 Z A R G U E I D A.
XXXVIII.
Calon-se o Prisioneiro , e sufFocado
Soluçando algum tempo esreve affiicto,
E de saudade em lagrimas banhado
Desta scrte começa em alto grito :
XL.
Dois docemente se pa.-^sáráo
di3«;
Na Terri , m^s
inculta amena , e belía.
Onde os ternos Amantes descançáráo
Das fâdi2as da horrífica Procella :
XLI.
CANTOU. '^3
XLI.
Nisto novt borrasca embravecida
Parece , que arraz^r o mundo inrenti ,
A Noi e mais medonha , e desabrida
Aos nossos tristes olhos se apresenta !
XLIf.
XLIV.
44 ZARGUEIDA.
XLIV.
""
, descontentes , pensativos
Affllctos
Viemos procurar os dois Amantes
Por dar-lhes neste lance compassivos
De Amizade , e de Amor provas bastantes
Sinaes não tinháo de que estaváo vivos j
As cores dos seus lívidos semblantes
Em muda linguagem nos diziáo
Que os Consories fiéis náo existião.
XLV.
Oh ! que Scena d'horror . . . â Natureza
!
XLVIL
:
CANTOU. 45
XLVII.
Aonde estás , Harfet ? ( Mâchim gritavi)
Aonde estás, Ma chim? (Harfet dizia)
Nem Machim via Harfet ,
que a si ligava »
Nem Harfet a Machim , que a si unia :
Machim entre seus braços apertava
Aquella , que procura , e que náo via ;
46 Z A R G U E I D A*
L.
Cheio eu me^mo de sunos penetrantes
CerranJo os olhos meus chegnei-aie a hum tronco,
V. encostando a Cabeça alguns ins:an es ,
Estive immovel , qual p^^nha co bronco :
Occupado de idéas vaciiiantes
Ouvi hum grito á imitação d Hum ronco ^
E dando hum pulo donie es ava po^to.
Olhei , e vi Machim co* a máo no rosto,
LI.
LII.
LIII.
, ,;
, ,
CANTOU. 47
LIII.
LIV.
LVI.
: :
4% ZARGUEIDA.
1^ LVI.
mesmos Desertos montuosos,
Nestes
5em
gozarmos de humana convivência y
Kossos dias faráo deliciosos
O puro Amor , a cândida ínnocencia
^/las ah que os meui desejos fervcrosos
!
LVII.
Agora pois, Amáveis Companheiros,
(Disse a todos Machim binhado em panio)
Devemos dir os cultos derradeiros
A quem por meu amor padeceo tanto:
Ajudai-me hoje, Amigcs Verdadeiros ,
LVIII.
LIX.
, ,: , ,
CANTOU. "
^
LIX.
Aberta a Sepultura , o Terno Amante
Armado ds hum valor religioso
Posto 4ue sempre atHicio , e delirante.
Se apressa para o Cul'0 Luccuoso :
Ainaa ^ue de forças fraqjejante
O Cidâver di Harfet sempre mimoso
Toma nos braços seus , e contra o peito
O aperra em trisres lagrimas desfwico.
LX.
De Maehim todos nós no seguimento^
Vertendo amargas lagrimas a mares.
Chegámos ao f unsreo Monumento
Que lideaváo lúgubres Pezares
Fizeráo-se de Haríec no Enterramento
Religiosas honras exemplares
E sobre i Campa dura se levanta
D'hum Sublime Madeiro huma Cruz Szfittf
LXI.
P LXÍI.
, , ,
}<» IL A R G U E I D A.
LXII.
Jaz aqui , ó Mortaes , Harfet Divina ,
Que por amar Machim a má Vencura
Perseguio atéqui sempre ferina ,
E aqui mesmo lhe deo a sepultura :
LXIV.
Veste-te , ó Noite , veste-te de luto
E espalha sobre mim trevas escuras ,
Qu3 a Dor abafem , com que triste luto
Entalado entre feras Amarguras :
Em quanto minhas lagrimas tributo
Da minha Cara Hârfet ás cinzas puras »
Para que minhas lagrimas náo visse ,
Quizera , que do Dia a Luz fugisse.
LXV.
, ,, : ,
CANTO II. 5Í
LXV.
Agora em negras sombras envolvido
Posso afFouto soltar queixas aos ares j
Qual irováo vai soar o meu gemido.
Fugindo ás garras d'infernaes Pezares
Da minha voz o horrisono estampido
Vai troar nestes hórridos Lugares j
Da Dor nas Lides , em que afflicto gema
Vou fallar contra a Morte, que náo temo,
LXVI.
Faminta Morte , Aborto despiedado
P li LXIII.
. !
5* 2 A R G U E I D A.
LXVIII.
Que sacrílego golpe desfecliâíte í
LXIX.
Ai de mim que no centro ào meu peito
Sinto o meu Coraçáo lascar-seao meio !
LXX.
Mas onde me arrebatas , Dor Cruenta í
LXXI.
, ! , ,
LXXT.
Os juízos dâ Sâcra Divindade,
Que o Universolirou das mãos ao Nada
Sáo arcanos 5 qi'!e a fraca Humanidade
Não deve investigar por Lei Sagrada:
Do Arrifice Divino a Magesrade
Não deve ser dos homens profanada ;
Tuda quanto acontece neste mundo
Sáo destinos d'hum Deos Sábio, e Profundo»
LXXII.
Quanto falsarios são os bens da vida
Se nos dáo de prazer algum momento ,
Wil momentos nos dão da Dôr na lidt ,
Em que cança o mais fone soffrimento :
LXXIIÍ.
Na© temas ,
que Machim roube á Lembrança
Por hum breve momento a Imagem tua
Onde a tua Alma plácida descança ,
Cedo irá descançar taníbem a sua:
Vem ó Morte Cruel, vem, sem tardança.
,
LXXIV.
, ,,
f4 Z A R GU E I A.
LXXIV-
Se o Destino não quiz ser-nos propicio
Ainda mesmo nesra Terra inculta ;
Se por fazer fatal o nosso exicio
Se mostrou contra nós a Sorte Estulta ;
Dá-me de compaixão hum claro indicio,
O' Morte avara mísero sepulta
,
Lxxvn.
, ,
CANTO IL fj;
LXXVII.
Ide em paz, ide em paz buscar ventura,
( Esta graça por ultimo vos peço )
Que eu aqui junio desta sepultura
bspero o fim da vida, que aborreço:
]á que por dura Lei da Sorte dura
Premiado não foi de Amor o Excesso,
Unida com a de Harfet , e no seu grémio
Minha Alma alcançará da Gloria o premio.
LXXVIII.
SuíFocou-se Machim ; e a face unindo
Ao Mâusoico , á Dor se rende ,
frio
E os montes com soluços aluindo
O frágil corpo sobre a campa estende :
LXXX.
,: ;
tf Z A R G U E I D A.
LXXX.
Alli CO* â Linda Harfec foi sepultado
O mísero Macliim por nós , que afflitos
De rêr este Successo desgraçado
De horror soltámos formidáveis gritos 2
Depois do seu cadáver enterrado ,
Depois de honras , e cultos infinitos ,
N'hum Cedro , que cobria a fatal campa >
Este Epitaphio lúgubre se estampa
LXXXI.
Jaz também tumulo no seio
deste
O Mísero Machim , que a dura Morte,
A' sua fera Dor tomando o freio,
Quiz unir com a mísera Consorte :
LXXXIII.
, , !
CANTOU. IT
LXXXIII.
Lançando as ondas o batel pequeno
Que nrs tinha íícado sobre a praia ,
Qualquer de nós cem animo sereno ,
Para a vida perder no mar se ensaia:
Já parece tu^ir-nos o Terreno ,
Por nós dcixado , mas nenhum desmaia;
E a poucos sulcos da nadanre Quilha ,
Emrc as ondas se some a fértil ilha.
LXXXIV.
Poucos dias ând^'mos vagueando
Sobre mares paciticos , e puros ,
Na Piedade dos Deoses confiando
Porque assim navegássemos segures:
Tranquillos doce; Zephyros s prando
Trazem áà. Barbaria aos Climas duros
O boianre b^rel , que icmerario
Se expôz is fúrias do Oceano vârio.
LXXXV.
Finalmente aq» i omos Prisioneiros;
Por^m ih! ene vtniura aç ra tenho
De achar aqui aquelles Compa-.ineiros ,
LXXXVI.
, :, :,
SS ZARGUEIDA.
LXXXVI.
Tal â narração da mesta hiitoríi
foi
De Machim , e de Haríec : este Captivo
Imprimio-mt toda ni memoria
Com termos , de que tinha o cunho vivo
Agora pois que tenho a ingente gloria
De achar em ti hum Numen Compassivo
A Morales , Senhor , permitte a graça
De que huma grande siipplica te faça.
LXXVIf.
Vamo» , Vamos tentar a augusta cmpreza
De Terra ,
descobrir aquella inculta
Onde dizem , que a Madre Natureza
Wimosas producções próvida encerra
Longe de nós a timida fraqueza ,
Rcdóbre-se o valor , que a ti se afferra 9
A fim de que in da hum dia , ó Zargo , seja
Tua Gloria Immorcal digna de inveja,
LXXXVIII.
Finalizou Morales , quando Zargo
LXXXIX.
, : ,, : ,
CANTOU. $9
LXXXIX.
Co' â triste Narração , que me fizeste
D'hum Caso de De5^raças mil tecido
Tanto de pasmo , e dor minha Alma encheste 9
XC.
Justo Ke , que to Grande Henrique se dè parte
De quanto como Amigo me tens dito ;
O Infante quer por génio , e quer por arte
Fazer soar da Lusa Gloria o grito
Este Heróe ha de Justo prem:ar-te ,
Ha de ter em te ouvir gosto infinito
E podes desde já ter a certeza
De que iremos tentar tão alta Empreza.
XCL
Ah! se eu vejo, ó Morales, realizado
Hum sonho que inda , ha pouco deleitoso
Me teve entre delicias embrenhado.
Dentre os Lusos serei o mais ditoso
Eu sonhei , que , fendendo o mar salgado
Lá do Atlântico Pego Salitroso
Grande Ilha descobri gentil , e pura
Coberta de frondosa vestidura.
XCII.
,, ! ,
^ ZARGUEIDA,
XCII.
Qae sonKo para mim tão lisonjeiro
Pârro amável áa prenhe Fantasia ,
Ah ! se tu inda fosses verdsdeiro ,
Quão feliz minha sorte eniáo seria !
CAN-
k23^Xh:3^
CANT
G U M-^N T O.
I.
n.
: , , 4
:
62 ZARGUEIDA.
JI.
V.
,:
, , :
V.
Estando junta a Corte Neptunina
Sobe o Monarca ao Throno adiamantado y
E a mão dando ao Thyrsigero Divina
Beija-lhe a face, e o senta ao Dextro Lado:
Depois pondo a Coroa Crystâllina,
E empunhando o seu Sceptro [riplicado
A todos, quantos lhe faziáo Còrie,
£m honra de Lieo diz desta sorte :
VI.
VIL
Apenas isto disse o Rei dos Mares ,
Pela escada do Throno Refulgente
As Divindades vão subindo a pares ,
Para beijar a mão Thyrsi-virente ;
Baccho , vendo estas honras singulares
VIII.
! ,; :
,
64 Z A R G U E I D A.
VIII.
Eu sou Filho de Júpiter Sagrado
Was entre os Deoses da Celeste Corte
Náo fui indâ atéqui táo venerado
Nem passei por táo magico transporte:
Que enchente de prazer divinizado
híe alaga o coração! Divina Cohorte
De inexhiustas Delicias me arrebata >
£ sobre mim mil extasis desata
IX.
X.
%l
CANTO Iir. 6i
XI.
XIIJ.
XIV.
,,
66 Z A R G U E I D A.
XIV.
Ouvindo
esta proposta ao Deos Tonante ,
Que Deo?es
os todos junios approváráo ,
Do Throno Augusro seu une puz diante
E a- tentos alii todos me escutsrâo :
XVI.
Allionde o meu
, Nome
he respeitado
Pelos índicos Povos , que
submissos
]Vle adoráo por seu ldo:o Sagrado ,
Sem que nos cultos meus sejáo remisses:
AUi, onde fui semp-e venerado
Por Povos brutos , e na ccr mistiços
Hei de soífrer , que hum dia ò forte Gama
Me roube o culto , a gloria , o Nome, a Fama ?
XVII.
,, , , ,
CANTO MI. él
XVII.
Alli, onde por célebres façanhas ;
Bem dignas todas de immorral memoria ,
Offuquei por Cidades, e Montanhas,
Do GrCj^o Rei a chamcjanre Gloria ;
Alii , onde fiz ver acções tamanhas
Qne não cabem nss paginas da Historia ,
Hei de soíFr^r que os Lusos as occuhem
E abaixo inda do Lethes as sepultem ^
XVIII.
E ii XX.
, ,, : ,,
^v Z A R G U E I D A.
XX.
Do teu Reino nas fundas Cavidades
Fncerra desde já Numen Porenre
,
XXI.
Direi,
que aos Ventos soke as prizóes feas ,
XXI II.
,, ,
CANTO III. e^
XXIII.
Se o Gama for com iucId prore^iJo
Por algum Numen , que me seja opposto ,
Chegando alli de sustos combatido
O esforço perderá e a cor do rosto
, :
XXV.
E se acaso inda vencendo enganos
assim , j
E vencendo traições, que armar percendo , ''
XXVI.
, , ,
•jo Z A R GU E I D A.
XXVI.
Cem estas precauções táo bem pensadas
Talvez possa evitar os ímpios danos ,
Que nas Indicas Terras dilatadas
Iráõ fazer os fortes Lusitanos :
XXVIII.
Que pode o Filho do Tonante Jove
Pedir , ou desejar , que cu lhe náo faça ?
Se queres, Thyoneo , que isto te prove ,
Pede outra nova , e mais sublime graça :
XXIX.
: ,
CANTO III. 71
XXIX.
Sim deixa a meu cuidado o ^rão castigo
:
Náo receio ,
que, tendo estas cautelas'^
Possáo fazer estrago iniquo , e rudo ,
Sem que as mandem sahir das prizóes feas
E lhes tiriim as rigidas cadcis.
XXXII.
!
•72 Z A R G U E I D A.
XXXII.
Descânçâ , Thyoneo , serás vingado ;
Eu farei , que e>se Heróe , que se destina
Respeite o Gama
de Neptuno as Fúrias :
XXXIV^
Pelas agoas da Estyge somnolentas
Te juro, qiie esse Heróe, por ti temido.
Ha de ver-se entre horríficas icimentas
Por assanhadas ondas combatido :
XXXV.
, ,
CANTO IIJ. 75
XXXV.
Mai? não disse: e Lieo , por d ir indicio
Da sua ^randáo, com ar afável.
Reconhecendo o ingente beneficio
Baixa a fionce com modo respeitável :
XXXVII.
Tu dizes ó , Thyrsig^ra Deidade ,
Qne por graça de Júpiter honrosa
Vas ser agora a Sacra Divindade
Désst Grande Ilha fértil e frondosa :
, ,
XXXVIII.
, « :
74 Z A R G U E I D A.
XXXVIII.
Este Numen por ti com seus Siivínos
]á lançado fora do Oriente ,
foi
Onde viveo com elles longos annos
Como Deos Tutelar da inculta Gente:
Ainda contra ti ódios insanos
Conserva no seu pei:o vivamente
Ainda resenrido desta afFronta
De rancor cheio co'' a viniianca conta.
XXXIX.
Das Indicas Flo-es as desrerrado
Por ,
que
ti eniáo lhe ârma<:te dura guerra «
Correo Fan a buscar seu gazalhado
Nos verdes bo5ques dessa Nova Terra
Alií de hirsutos 6'atyíos cercado
Fm grande gruta hcrriíica se encerra ;
He que o seu Novo Império estende
aili ,
He nestes Bosques ,
que ficir periende.
XL.
A Gruta , trx\ nue elle habita , assas profunda ,
XLI.
: , :
XLI.
D'hum lado , e doutro lado estão rochedos
Pendurados alli de immensa alrura
Coberros de Silvestres arvoredos ,
Que e?palháo huma sombra sempre escura
Alli por entre desi^^uae? penedos
Em grossos borbalhóes límpida, e pura,
Tombando d'alco cahe da gruta perco
Agoa sempre em confuso desconcerto.
XLII.
O
Semicâpro Deos alli vacando
Por valles , e por montes infinitos
Conduz sempre apôs si lascivo bando
De cornigeros Satyros âuritos
Ora montes descendo ora trepando
, ,
XLIV.
,,:
76 Z A R G U E I D A.
XLIV.
Muitas delias em banhos de agí>â puri
Lavar se deixáo nas mais moles sestas.
Em (]u?nfo dentre arremula verdura
Erguem os Faunos as bicorneas testas
Tal ha , que , vendo canta formosura ,
^aha dentre as frondiferas Horestas ,
E surprendel.'as vai, porque náo tarde
5, A matar n'agoa o fogo , x|ue nelie arde. ,3
XLV.
Entre tantas delicias Pan vivendo
Cem os seus torpes Sa.yros biformes
Que lhas roubem esiá sempre temendo,
Armado alli de precauções disformei:
Ha de ó Namen Thyrsigero , em te vendo
Cruel tecer-te en-áo traições enormes,
Ha de , sim , com seus Satyros crinitos
Tecer-te Insano dolos infinitos.
XLVI.
Este bicórneo Deos moni-vas^anre
Conserva contra ti hf^m ódio anrigo
E quando aiii checares peulanre ,
Te negará na incuiia Terra abr;go :
Convém pois , ó Lieo , que neste instante
Contes com este pcrtido inimigo ,
Que abrazâdo em rancor, ardendo em fúria,
Náo quererá soíirer segunda injuria.
XLVII.
;
Canto in.
•'
77
XLVII.
He terrpo ainda , he tempo de cederes
Da eirpreza , a Que de novo te desclnas
Deixa , c]'je Pan alli goste os prszeres
Dos seus boíq':es, seus mentes, e campinas:
Náo lhe queiras roubar os seus p. deres i
Vê 5 de novo hum Numen amofinas,
<)ue
E que pode ser , que e!le irritado
jncía
Procure meios de se vêr vingado.
XLVni.
Mal acabou Protheode Ni^a o Nume ,
XLIX.
Que direito rem Pan á Terra inculta ,
De que Jove meu Pai, me fez a graça?
Jii que este Deos monti-vago me insulta ,
Sinta pois sua mism desgraça :
yg Z A R G U E I D A.
L.
LU.
Por Júpiter , meu Pai ,
proreçto , e juro
Que se Pan oppozer aos meus intentos
se
O estrago senciíá mais ímpio , e duro
Que se vio atéqui de pensamentos
:
LIIL
, ,
CANTO Iir. 7f
UII.
Té farei , que essa Máo , que os Astros move,
5epulre nas profundas cavidade^
Do negro Reino do Taríareo ]ove
A Pan ,as mais Cornií;erâs Deidades:
e
Té farei
, que eíte Numen âlli prove
Por castigo da pérfidas maldades
Tormentos Infemaes , bem como Ticio
Está pigando da Lascivia o Vicio.
LIV.
Ah! perdoa 5 Nepruno , se excedido
Tenho aos limires d'hum Dever S;ígrado ;
LV.
Apenas isto disse , então se ca'a,
Supprimindo no peito a voz queixosa
Donde de qu»ndo em quando afflicto exhala
Respiração convulsa, e dolorosa:
Rancor faminto o coração lhe rala ;
LVI.
So ZARGUEIDA.
LVI.
Nepruno por domar de Baccho as irâs
^
LVIII.
LIX.
, : :
CANTO III. Si
LIX.
Nas de crystaí abobadas lustrosas
Longo tempo soarão os accenros
Das melliRuas vozes sonorosas 9
E dos suaves doce? Instrumentos
Que divinas Canções harmoniosas !
Lxr.
LXIf.
: : , ,
li Z A R G U E I D A.
LXII.
Assim disse e do Throno Crystallino
:
LXV.
, , ,
:
CANTO III. «I
LXV.
Sobre grossas columnas auri-puras
Ornaváo o Jardim maravilhoso
Diversas emblemaiicas Figuras
Fabricadas de mármore lustroso :
F ii LXVIII.
, ,, : ,
^4 Z A R GU E I D A.
LXVIII.
Doutro kdo se avista convertido
Em cornigero cervo desgraçado
O Filho de Aristèo , porque atrevido
Diana vè no banho prateado :
LXXI.
, ,
CANTO III. Sç
LXXI.
Depois de lhe mostrar as exceílentes
Bellezas natarâes , que a Baccho enleão ,
Passa a mostrar-lhe os campos transparentes Í
Que o<? gados escíimi-geros va^ueáo :
Campinas , valles , montes diííerentes
Co' as Divindades húmidas rodeáo ,
Té que váo dar nas grutas cavertiOdas >
Que habitáo Tempestades proceliosas.
LXXII.
Bem como nos ergástulos immundos ,
Em que Feras os Príncipes encerrão
Leóes sanhudos , Ursos furibundos
D'hum lado fremem , d "outro lado berrão ;
Assim também nos cárceres profundos
As Tempet^des , que ás prizóes se aíFertáo ,
K a cujo movimento os mares tremem ,
D'hum lado berráo , d'outro lado fremem.
LXXIH.
Nas gruías , em que Hippótades grilhôl
Os assanhados revoltosos ventos ,
LXXIV.
: ; ,
t6 ZARGUEIDA.
LXXIV.
D*âíli pâssâ a mosrrar-lhe as grutas bellas
Em que habiráo as húmidas Deidades ;
CAN-
,
CANTO (QUARTO.
ARGUMENTO.
A^A jtindo o Lenho Luso na enseada
De Ligas , donde Zargo , alienas chega ,
p^ai informar da Terra inhabitada
Ao Grande Henrique \ Zar<^o se erjca^reç^4
Do se fá Descobrimento : aos ventos dada
A (juilha , o Luso Heróe ao mar se en*rega
j
E en^io coma , ao sulcar do Tejo a vêa ,
A fmdach da Célebre UHysse/i,
I.
11.
,
U Z A R G U E I D A.
11.
V.
,
, ; :,
CANTO IV.
V.
Saberes que este Heróe assiduamente
Se embrenha em Marhematicos Esrudos ,
E que delles traz prenhe a Sabia Mente,
De que nascem Juízos sempre agudos
Rlle sabe prezar constantemente
Engenhos perspicazes , e não rudos
Huma vez qne te veja , e te conheça
Veras tua ventura , e bem depressa.
VI.
Vás hoje conhecer , Quem noite , e diâ
Trabalha pela Gloria Lusitana ,
Desejando estender a Monarchia
Ainda além da Terra Ting.itana :
Pela sua Immorcal Sabedoria ,
Que parece exceder a força humana ,
Se tem fdito Immorcal; ah! vamos vêilo,
A ventura terás de conhecello.
VII.
VIII.
; :
9» Z A R G U E I D A.
VIII.
XI.
:
CANTO IV. 91
XI.
Quando Henrique Morales escurava ,
a
Reçia t Noire o taciturno Impírio
Das somnolentas sombras , que espichava ,
E em que envolvia o lúcido Hetrâ^fefio:
Sobre o sen Carro d''ébano trilhava
Logo abaixo do Olvmpo o espaço aerio ,
E Cynthia como em languidos desmaios
iÃpenas espargia frouxos raios.
X!I.
XIII.
XIV.
, , ,
92 Z A R o U E I D A.
XIV.
Apenas de Tirán a Precursora
Os seus áureos cabellos sacodindo ,
Vier sobre os Jardins da gentil Fiort
Crystallinos aijofres esparzindo ;
ÍNobre a Quilha dos mares cortadora
Vá Zargo as salsas ondas dividindo ,
XVII.
: , : ,,
C A N T O IV. 95
XVII.
Mostrava a bella face luminosa
Da Terra , e de Tiu'n a Clara Filha
Quando já fresca aragem bonançosa
Wovia pelo mar a curva quilha
De Neptuno a Campina marulnosa
De novo o cavo Pinho ouzado trilha ?
XX.
: , ,
94 ZARGUEIDA.
XX.
Vem , FilKo meu ( dizia ) nos meus braços
>
Vê como ,
para vèr-te , a frente altêa ,
E a cabeça musgui-fera menêa !
XXII.
xxin.
, ,, , , ,
CANTO IV. 95
XXIII.
Fis que se cíla o Tejo , que escutava
,
f
^r XXVI.
: ,
9â ZARGUEIDA.
XXVI.
Em quanto assim dizia , o cavo Pinho
Fnrrava a rica foz do Tejo ufano ,
Er."<»^damenre estendendo azas de linho
Sobre o das a^oas cryçtallino plano
Brilha nos copos o pnrpureo vinho
Invenção Divintl do Deos Thebano ,
Bebem os Nauras , claros vivas soáo
De Zargo em honra , com que as praias troão.
XXVII.
D*hum e d''outro as Tágides brincando
lado ,
XXVIII.
Favonio , que enráo plácido respirsí ,
Brincardo apds das X^^iraçóes serenas
Do Tejo pelos Csmpos de Safira
Cuia o Lenho, soprando-lhe as antennís:
Wcrales , que se espanta , e q'ie se admira
De ver as margens do áureo Tejo amenas ,
'Kcmpe o Silencio, e diz: Illusrre Zargo >
Tira-me dsste extático Letargo.
XXIX.
: , : ! .,
C A N T o IV. 97
XXIX.
De qnânto avisto, e que com pâsmo vejo,
Nunca fiz atév]ui tiecente id-^a
XXX.
He este , sim , que vès , Rio Pomposo
( Zar^o responda ) o Tejo decantado ,
Que com arêas d'ouro precioso
Paga justo tributo ao Mar ssÀgado
He este o Padre Tejo Glorioso
Pelas suas riquezís invejado :
E Aquella,
que vès , Emula de Rema
D'Uiysses Im.mortal o Nome toma.
xxxr.
, Esse
UIys«:es Grego Heróe Facundo
Ulysses , Esse Heróe d^incliia gloria ,
Cujo Nome foi Célebre no mundo ,
E tanro lustre dso á Grega Hi>torit:
Depois de longos tempos vagabundo
Fazer-se dií^no de exemplar memoria.
Foi quem fundou a Célebre Cidade ,
De que ce admira a Regia Magestsde.
xxxa
,:
9S ZARGUEIDA.
xxxir.
Em quânto pois o Lenho docemente
Abre do Tejo as ondas aniladas
E Ulyssea nos mó;;íra a Augusta Frente
Cingida de mil torres levantadas
O' Morales , e^cuti afentamente
Denrre as acções de Ulysses decantadas
A mais sublime acçá-o , que a vaga Fama
Com cem trombetas pelo mundo acciair.i.
XXXIII.
Ulysses , Esse Heróe Industrioso ,
Eloquente , isagaz . Perito, Agudo,
Da Constante Penélope era Esposo ,
Penélope , q< e foi Famosa cm tudo :
Foi hum dcs Gregos Reis , que astucioso
Por vingar Meneláo , punio sanhudo
Do Adultero Troiano a torpe insânia,
Incendiando a mísera Dardania.
XXXIV.
Destruída de Priamo a Cidade ,
E transformada em hórridas Campinas ,
Onde em vez de belleza , e Magestade
Só se avistaváo cinzas , e ruinas :
Seguindo Agamemnon na heroicidade,
Com elle fende as ondas Neptuninas,
Quando o destináo já Fados seguros
Para erguer de Ulyssea os altos muros,
XXXV
,, , ,
C A N T o IV. 99
XXXV.
Em destroço fatal Tróia deixando ,
Atravessava o Pélago espumante ,
A que deo nome eterno , e miserando
A Desgraçada Filha de Athamante:
Os Gregos Estandartes , ondeando
Aos sopros d-huma aragem respirante,
Pareciáo beijar , e com ternura
Da infeliz Helle a triste sepultura.
XXXVI.
Viâo-se apenas os Dardaneos Muros
De fumegantes cinzas carregados ,
Aquelies, que mostraváo ser seguros
Contra a fúria do Tempo , e até dos Fados ',
G ii XXXVIIL
, , ,,
ICO Z A R G U E I D A.
XXXVIII.
Acoçidas d^Korrivel Tempestade
Os bárbaros Ciconeos Pcvos vírâo
A ferocidade
cuja vil brutal
Enfiadas de susto então fugirão :
Em Lemnos , Singular na amenidade
Por breve tempo plácidas surgirão ,
XLI.
, ,
C A N T O IV. loi
XLI.
Foi alli , oue em miisí:osa Lspa hum dia
O Fa^idico v^ace Nep unino
Ao que dormia,
Filho de L?.ertes ,
XLIV.
,
101 Z A R GU E I D A.
XLIV.
Fendendo o mar Tyrrheno as Náos veleiras
Em quanto fica Circe pranteando ,
Pafpiadas de aragens lisonjeiras
Víráo o Tibre pelo mar enfando :
Fis f^chre as tristes Náos aventureiras
Vrm horrivel procella desabando ;
F í brindo bocas mil , os mares bravos
Pcnendem engolir os Pinhos cavos,
XLV.
/coitados das ondas, e dos ares
^^írão de Scylla asfauces vorsdoras ,
Oiie quando
, sorvem ondas â milhares ,
Fnçolpm altas Quilhas nadadoras ;
A^cmirando em cachões mil grossos mares
Pe Carybdes as fauces tragadoras
Também víráo. . . ( Que vista táo maldita !
)
Quando huma sorve , a outra entáo vomita.
XLVI.
Das Sereas vencendo o doce accento
As Ilhas Estoéchades vencerão ,
XLVII.
, , , ,
XLVII.
A' voz de Alcides , que nos ares troa,
Esiremece de susto a Grega Genie ;
Nas cavernas maricimas resoa
Da Herciilea voz o estrépito vehemerite :
XLIX.
Vio aqui grande Garça levantada
Que mais veloz, que o vento, o ar abrit,
E apôs delia voando accelerada
Real Águia, que altiva a perseguia :
Foi encáo , que elle achou realizada
De Pròtheo a pasmosa Profecia ;
L.
, ; ;
104 & A R G U E I D A.
L.
LII.
LIII.
:, , ,
LIII.
LVÍ.
, , ,,
lod Z A R G U E I D A,
LVI.
F.ntãoo Padre Tejo, alçando a frente,
Qae encostada tem sobre arêas d*ouro
Sobe ao cimo da liquida corrente ,
Em cuio seio encerra o seu ihesouro:
D'alli LJlysses vio distincitmenre
E então quiz com fausto agouro
falia r-Ihe ,
LVII.
LVIII.
LIX.
, : , ,
LIX.
LX.
Ei? tremulo pizando a branda área,
O encanecido Tejo , qne se arrima
A grossa verde cana , fende a vei
Da túmida corrente , e salta acimí :
Dos D?oses Assem^léa
a hellissima
Caminhando adiante o velno snjma,
Acé que chej;a em fim a gnra fria
Em que inJa Ulysses plácido doimia,
LXI.
LXII.
,, ,
io8 Z A R G U E I D A.
LXII.
Fez-lhe vêr entre as sombra^ dos futuro?
O que tinha Protheo vaticinado
Depois Gue elle erigisse os ahos muros
Da Cidac^e, que tinha começado:
Fez-lhe v.êr as ?cçces , e os Feitos pnros
Dos Lusiianos Reis d^Kenriqae Amado
:
LXIIÍ.
A Ulysses ,
que dormia , então deixando
Ct:m os Deo;e.s marítimos se ausenta ,
LXIV.
Acorda o Grego , e de prazer confuso
Ke}£ie quanto ouvio ao scmno entregue j
LXV
CANTO IV. 109
LXV.
nórgor's então Rei da Lusitânia
Pelas malignas Fúrias assanliâdo
Se entrega do Rancor á torpe insânia
Centra o Itnaco Heróe de ]ove Amado:
O que e^te fez á nnsera Dardania
Perttnde o Rei em fúrias abrazado
Fazer á Grá Cidade, armindc guerra
A Geiíie Argiva , que em seu seio encerra»
LXVI.
Soa de Marte ahorrisona trombeta ,
Tuniáo-se os Lusitsnos centra es Gregcs ,
LXVIIL
: :,
lio Z A R G U E I D A.
LXVIII.
Pelas NocrurriJs Scmbra? protegido
^tèa as chamas enrrc as Náos undantcs 5
Mas o Tejo áo es:rago condoído
Açoita as labarea^s Citalantes
O mesmo Sacro Jove , commovido
Das súpplic^s dos Gregos anhelantes ,
Desprendendo dcs Cecs as cacaratas,
Apaga as chamas, deixa as Náos intactas.
LXIX.
Afrontado então Gór^oris , a lança
Posro á (esta dos seus feroz brandindo 9
LXX.
Depois de mil Combates furibundos
Em que se consumirão muitos dias ,
Fm negros mares de seu sangue immundcf
Górgoris íepultou as ousadias i
LXXI.
, , ,,, :
LXXÍ.
Inda os Campos estiváo roxeados
De lagoas de sangue , onde os seus vultos
Escondiáo os Corpos traspassados
Dos Gregos , e dos Lusos insepultos ;
Quando Uiy^ses de novo aos começados
Edifícios , rendendo a Palias cultos
Com divino furor forças applica
Completando a Cidade Augusta, e Rica,
LXX!I.
Edificada a Célebre Cidade
E o Templo Sacroa Palias , nelle rende
Sacrifícios Pura Divindade ,
á
Que o protegeo na guerra , e que o defende
Do Tejo er.táo deixando a amenidade ,
De linho as azas concâvas estende
E de lihaca pizando o salso trilho
Voa a buscar Penélope , e seu Filho.
LXXIII.
Por longo tempo o Tejo entáo saudoso
Do Filho de Licrtes , e Anticlea,
Gemer se ouvio atfiicio , e doloroso
Languido posto sobre a fulva arêa :
LXXíV.
,
112 Z A R G U E I D A.
LXXIV.
Por longo rerrwo as Tiígides sentidas ,
Arrepelando as tranças , vaguearão
Por estas praias , e de dor feridas
A Saudade de Ulyfses prantearão:
As agoas deste Rio amonecidss
Scbre is túrbidas margens se encostarão,
E parecem alli de quando em quando
Estar da triste ausência murmurando.
LXXV.
Desta sorte , ó Morales , foi fundada
A sempre Alii-fami-gera Ulyssea ,
Cuja brilhante frente torreada
Se vè do Téjo na espelhenra vêa :
Virá tempo , em que seja respe-tada
De tudo quanto o mar, e o Ceo rodea-;
Contempla pois a fulgida Grandezt
D'AqueJla ,
qte das Ccrtes he Princeza.
LXXVI.
Dizia Zargo a?sim , qujfdo chegava
O Lenho ao porto , cm que ancorar devia ;
LXXVII.
, ,
CANTO IV. ut
LXXVII.
Tomba da proao ferro denta ^uco
Ferindo is mansas ago/s cryítallinas ,
E vai descarregar seu golpe rudo
Nas húmidas arèas auri-finas:
Estava o Padre Tejo vendo tudo ;
LXXVIII.
Salve , Zargo Feliz , cujas Proezas
Hão de ser inda hum dia decantadas ;
O Sacro Jovè te destina a Empiezas ,
Que inda háo de ser em metro eternizadas :
LXXIX.
Calou-se o Tejo: e a frente profundando.
Por entre as a^oas cérulas se some
Alegre só consigo ariiculindo
Do meu ínclito Heróe o Grato Nome:
Morales no convez as vozes dando ,
Manda o panno ferrar e sem que dome
;
H Lxxx;
, ,
ai4 Z A R G U E I D A.
LXXX.
Contempla da Cidade
Belli=;sima
Os altos edificios porremosos
E a sempre Augusta Regia Magesrade
Pos seus Sagrados Templos sumptuosos :
LXXXT.
Gozando destas vistas lisonjeiras ,
CAN-
, :
CANTO (^U I NT O.
ARGUMENTO.
V
E
Em Baccho de Ner>tuno ãcompanh^.do
dos Deoses A^aritimos seguido
,
I.
XZi M
luminoso Carro ê: Diiininte
Seis vezes tinha o Sol í!ammi-ta:^en:e
Sahido pelas Portas do Levinte
E entraao pelas portas cio Occid-nte j
Quando na liza Concha fulgurante ^
H ii lí.
:
iitf ZARGUEIDA.
n.
Todos os Deoseç húmidos sepuiáo
A crysuUina Concha cjue tirívao
,
III.
IV.
Descem da Concha
os Deoses Scberanos ,
E a apenas pizáo
pedregosa praia ,
r.
) ,:
C A N T o r. iif
V.
A Thyrso conhecendo,
Baccfiò pelo
E Neptuno
a também pelo Tridente ,
Solta o disforme Pân hum grito horrendo
Como quem fera dor no peito sente
Das assanhadas fúrias accendendo
No igt\eo coréçáo a chamma ardente,
Pondo os lábios nos ásperos canudos
Chama a Ck)ncelho os Faunos cabelludos.
VI.
VII.
VIII.
:
%iJ XAK.GUEIDA.
VIU.
Dizendo assim
os Satyros se armário
,
j^
Apenas vio , o Nizeo Nume
isto
0$ peiulantts Satyros persegue ,
E c'os Deo^es Marinhos em cardume
jMais , que nunca , feroz Neptuno o segue
Dos vivos olhos chammejando lume ,
O Thyrsigero Deos á sanht entregue
Vai topar-se com Pin , que hum Cedro abraça >
Para delie fazer uemenda Massa.
X.
XI.
,
,
CANTO V. 11^
XI.
xir.
, :
il2e E A R G U E I D A.
XIV.
Vai paz habitar com teus Silvino«
em
Essas montanhas ásperas , e duras ,
0»^de não possáo ir braços homanof
Abrir as Terras , e fazer Culturas :
Ac\ui náo tardio fortes Lusitanos ,
De quem farei as prósperas venturas ,
F que hão de agricuhar todas as terras
Inda sendo penhascos , brenhas , serras.
XV.
Cedo verás romper da Terra o seio
O férreo dente do robusto arado ,
E o forte Agricultor d''espVanças cheio
Tornar o Bosque em Campo semeado
Cedo verás por meu maior recreio
O duro Camponez de fouce armado
Podar as parras , que daráó fecundos
Racimos áureos, outros rubicundos.
XVI.
Do recinto de agrestes Serranias
Náo te he dado o sabir , ( outra vez digo^)
Vai habitar fragosas penedias ,
XVII.
,, )
CANTO V. lAt
XVII.
Emquanto assim se explica ; o Dcos Caprint
Esteve madamenre praguejando
O Seu tyranno bárbaro Destino ,
E icrriveis vinganças projectando :
O lúcido tridente de ouro fino
Lieo ao Salso Numen entregando ,
Ah! vamos vèr ( ihe diz) o quanto occultâ
Dentro no seio seu a Terra inculta.
XVIII.
XX.
, ;
laa ZARGUEIDA.
XX.
Aquelle Valle ameno , qur , talKadai
Por três grandes Ribeiras pedregosas ^
Apparece de Funchos semeado .
XXII.
Tu a verás com
gosto cuitivada,
Deliciosos frutos prometi erdo ,
R^osirar-se terna IVlái , Mai Compassiva
Da^ueliS , f]ue soiicito a cuitiv*.
XXIIL
: , ,
C A N T o V. 1*1
XXJII.
Na Fstação pelas Campinas
florida
Verás , ó Thioneo , com vistas curas
Bordadas de papoilas , e bor^inas >
As pullulantes tremulas searas
Verás aqui mil flores peregrinas ;
Verás mil producçóes em tudo raras ;
Verás brotar de Flora os gratos mimos;
E das pampineàs vides os lacimos*
XXIV.
Em qualquer parte abrolharão das terras
Ag oas mais paras , que o crystal nevado 9
E até dos cimo^ das fra^oí^a» serras
Rolarão , imitando ao prateado :
Sem que temáo aqui do Tempo as guerras
Daráó as plantas fruto sazonado
Mifiioso no sabor ; e na grandeza
Ham prodigio será da Natureza.
XXV.
Cobertos de gramínea vestidura
Estâídõ sempre os prados, e as florestas.
Onde Amores com graças de mi-^tura
Passarão por prazer as molles sestas :
Sempre frondentcs firmes na verdura
Erguerão muitas árvores as testas ,
Prome* tendo huma eterna Primavera
Semelhante á da flórida Cichera.
XXVI.
,
124 Z A R G U E I D A.
XXVI.
Aqui o lácteo Lirio deleitoso,
A delicada Angélica fragrante ,
O nevado ]a mim
puro, e mimojo,
,
XXIX.
: ,
C A N T o V. 1*5
XXIX.
Cs álsrrcs aqui
, aos Ceos subindo,
E CS verdes cdoriferos Loureiros
^ os olhos mostrarão hum quadro lindo
Nas encostas dos íngremes Oireiros
Aqui daquella planta ir:.ó cahindo
As flores, qte ev?poráo gratos cheiros
Fm todas as Sazões seus pomos bellos
:
XXXT.
Aqui vèr-re-háo p$ árvores tiota^-do
Fm CS frutos, que Fcmona adoiâ
flor
XXXIt
: ,
, ,
126 Z A P. G U E I D A.
XXXV.
! , ! ! ,
CANTO V. 127
?:xxv.
Ar» ! quânras ve2es nos recintos deUaj
Sacrifícios i Amor faraó pre<^r?ntes
As formosas Donzelhs
rernissimas
^sOs meigos braços dos fiéis Amar.res
Quantas vezes tecendo-lhes capelhs
Das flores mais mimosas, mais fragrantes.
Consumirão alli lic,eiras horas
As engraçadas simplices Pastoras!
XXXVI.
Quantas ve7es cm rústicos passeios
Verás as Insulanas Carinhosas
Ornando Ledís os nevados seio5
De verdes mirthos , de purpúreas rezas
Quantas vezes por mágicos rodeios
Wais de amor , do c]ue d'agoa , sequiosas
As verás c'os Am.antes pelos montes
Descerem a buscar sombrias fontes !
'}y{\^ ^. XXXVII.
Oh ! que f.imintos beijos mutuamente
Se daráô entre a flórida ve^^dnra ,
Mergulhando de Amor a chamma srdenre
Em mares de meiguice , e de ternura !
XXXVIII.
, , ) ^
12? ZARGUEIDA.
XXXVIII.
No
seco Estio liberal , fecundo ,
Frurigera Fítaçáo a Geres grati ,
Quando em calmas arder o vasro Mundo
A Madeira será da chamma intacta :
O seu terreno aqui faráô jucundo
Vagos mananciaes da fluida prata ,
Em que os Fivonios , ensopando as azas,
Apagarão da Calma as vivas brazas.
/ XXXIX.
Aqui então d'bum lado a Loura Ceres
E doutro lado a rúbida Pomona
Fm repartir faráõ os seus prazeres
Os frutos , que qualquer delias SàZr na :
Aqui nas frekas noites ( se quizetes
^ eras ccmo o Cultcr cm paz resona
Ora junto das messes sazonadas
Ora á sombra das árvores copadas*
XL.
XLL
: : , ,
CANTO V. 12^
XLI.
xuv.
, : ! ,
ijo Z A R G U E I D A.
XLIV.
Aqui cl'arvores raes , como os Coqueiros ^
Verás pender ts célebres bananas ,
Que em túmidos racimos feiticeiros
A cor imiráo das maduras canas :
Estes frutos ao gosto lisonjeiros
Náo produzem as Terras Lusitanas
Razáo porque háo de ser mniro prezados
Dos Lusos ás Delicias inclinados.
XLV.
O mimoso Ananáz aqui transposto
Florecerá com tanta galhardia ,
XLVI.
Oh ! como então contentes pelas Eiris
Marcando alegres festivaes Corças
Saltarão Leves Ninfas feiticeiras
De transportes de amor, e gosto cheas
Alliconsumirão noites inteiras
Dritdes, Hamadriades , Napeas ,
Ora em magicas danças entretidas ,
Ora cm doces Amores embebidas.
XLVII.
,, «
CANTO V. ijl
XLVII.
Na tbundanre Estação em que o Sol vario
He no vasto Zodíaco hospedado
Por Libra, Escorpião, e Sagitrario
Com terno mimo carnhoío agrado ;
Veras que aqui náo falta o necessário
Sustento ao camponez , que agricultado
Tiver com grato amanho a fértil Terra ,
Que no seu seio áureo thesouro encerra.
XLVIII.
Verás então a Laranjeira linda
Produzir vaidosa os pomos d^ouro
IVIsiorcí atéili náo vistos inda.
De Gue fará Pomona o seu thesouro :
I ii
; , , !
iji Z A R G U E I D A.
L.
LI.
LII. '
Nachuvosa Estação , gelada , e fria ,
Em que Hippotades abre as gruías feas
E aos ventos ghciaes , que aiii prendia.
Quebra as duras risperrimas cadèas :
LIII.
,,: :
CANTO V. II)
LIIÍ.
. Em
quanto nos Paizes mais sombrios,
Que do Árctico Polo e^táo mais pertos ,
Se encanecerem montes , prados , rios ,
De niveos gelos hórridos cobertos :
Fm
quanto os ares seus pezados , frios,
Fizerem nestes Climas desconcertos
Os míseros humanos retalhando
E as mais robustas Arvores creàtando :
LV.
Na singular Mide'râ en^ão apenas
\^cris cahir dasnuvens condensadas
Mil grossas chuvas sim , poiém serenas ,
Benéficas fecundas , temperadas
,
LVI.
: ,
t34 Z A R G CJ E I D A.
LVI.
Aqui não soprará constantemente
O Boreas Glacial,
gemendo insano ;
Se al^um dia soprar com fúria ingente ,
Rápido pasííârá sem maior dano
Raras vezes verás túrbida enchente
Despenhar-se dos montes no Oceano ;
Té se unirem espumosts
co' as ondas :
LIX.
: , , ,
C A N T o V. ij;
LIX.
Raras vezes verás forre tormenta,
Pe roxas nuvens abafando os ares f
í^fí-pejar do «eu seio turbulenta
Tenebrosas proceilas a milhares :
Do estrondoso trovão a voz violenta ,
Troando sobre a Terra , e sobre os mares >
Fará soar horrisono estampido
Mas seu estrago não será temido.
LX.
LXI.
LXII.
, :
I]6 Z A R G U E I D A.
LXII.
Por suâs Prodiicçóes nesta grande Ilha ,
Com quem predigafoi a Natureza
Terá mais huma Rara Maravilha
O Mundo em toda a vasta Redondeza:
Esta do Africo Mar a melhor Filha
Será das Ilhas Lusas a Princeza ,
LXIII.
CAN-
,
M7
xxxíooocKxT^ *TxxxT^ *rxxxxxx:xx.xT^
CANTO SEXTO.
ARGUMENTO.
P Ronostica Protheo as AccÕes Bellas
D^ Zargo , e àos /ilustres Descevdemes :
I. •
II.
ijS Z A II G U E I D A.
II.
Não'
re direi as ímmortaes Proezas
Do Primeiro João d Alra Memoria ,
Esse Keróe , que das Gentes Portuguezas
Tem feito o brilho, a Perfeição, e a Gloria:
Náo te direi as ínclitas Emprezas
D'Henrique porque deixo á Lusa Historia
,
III.
V.
, ,
C A N T o VI. M9
V.
Do Futuro nos túrbidos volumes
Ha rempos lendo vi Forienros claros
, ,
VI.
VII.
VIII.
,
14© Z A R G l) E I D A.
VIU.
Vzi povoar a Terra fre?ca , e pjra ,
Que dís nuvens roubasse ao negro seio ;
Trata mais, que rudo , da cultura,
alli
IX.
xr.
; :
XI.
Levinrará depois hum Templo Augusto
Ko seio do Fnnchal e tão sublime,
,
XIV.
, ,
142 Z A R G U E r D A.
XIV.
Qnândo
a Velhice frís^ida , e rugosa
encanecer , gelando-lhe as enrrannas.
Fará hnma façanha a mais pasmosa
De todas as mais cél-bres Façanhas :
Animado d^huma Alma beliicosa
Com sublime valor , forças estranhas
1-1 um dia arrostará , sem medo a prigos y
Fera invasão de bravos Inimigos.
XV.
Quaes os lanosoç tímidos Cordeiros
Ouvindo o vofAZ Lfbo esiar rangendo
Os esquálidos dentes carniceiros
Fogem velozes pávidos tremendo ;
XVI
Regendo Povo? com saber profundo ,
Fdificando Villas e Lugares ,
,
xvir.
, ,
XVII.
Fn'áo os SáiidosGs Insulanos ,
xviir.
XX.
,
144 Z A R G U E I D A.
XX.
A viuva infeliz co* â máo no rosto»
Ferido o coração pela Ancijdade ,
Fm contínuo lethar^ico desgosto
Dirá por desafogo da saudade :
Pelos Fados estava assim disposro,...
Oh! funesra pensão da Humanidade!
O Nosso Protecíor já náo existe ! . . .
XXT.
Até mesmo os sonoros passarinhos ,
Que sempre a!li canráráo sempre ledos
Sentidos trocaráó os Pátrios ninhos
Pelos mais solitários Arvoredos:
Até me?mos os lanosos ccrdeirinhos
A^agaráó pelos cumes dos rochedos
Cheios de dor das caras Wáis perdidos
Soltando sentidíssimos balidos.
XXII.
XXIIL
, , , ; «
XXIII.
, como chorando
As tgoas correrão ,
Hamas rochedos
d^iltos despenhadas
Outras , por enire relvas serpeando
As ondas buscaráó do màr salgadas:
Echo chorosa , lúgubre vagando
Repetirá nas grutas descarnadas
O Nome deste Heróe ; e ao repetiilo
A$ mesmas grutas tremerão de ouvillo.
XXIV.
Oeste moco será sentida a Morte
De Zargo , cujo Nome, e cuja tama
]^ mais háo de soíFrer da Parcí o Corte
Da Parca dura que os respeita , e ama
, :
K XXVI.
, ,:
J46 Z A R G U E I D A.
XXVI.
Só direi que esu lUustre Descendência
Felizmente se irá ramificando
De famosas Acções pela exccllencia
Da insigne Gloriai ao Cume remontando:
Será egrégia a sua Competência;
Sublimes Dignidades occupando ,
Por todo o IViundo lançará ftlizes
Preclaras Fecundíssimas Raizes.
XXVII.
Quatro Grandes Fidalgos Lusitanos
Por Acções , e por Sangue Esclarecidos ^
Demandarão os Lares Insulanos ,
Em bellezas , e em glorias embebidos
Aqui háo de viver por longos annos
De Zargo as Filhas por Amor unidos.
Desfrutando seus Claros Dotes Bellos
Cabral , Sousa , Aguiar , e \'asconcellos#
XXVIII.
Propagando-se a Prole Venturosa
Do Nobre Zargo , Kerces Famigerados
Da Lusa Corte a Gala Preciosa
Faraó dos seus Monarcas bafejados :
Os Ramos desta Prole Numerosa
Com outros Nobres Ramos enlaçados
De Ornato servirão em Régio Abono
Lá na vindoura idade ao Luso Throno*
XXIX.
,
XXíX.
Destes Illustres Ramos Florecerr-es
De Insigne Geração por Linha Ra^i
Háo de então ser Preclaros Descendentes
Os Condes da Ribeira e da Callieta
, :
K ii XXXII.
! , ,, !,
, !
US Z A^R G U E I D A.
XXXII.
Que Famosos Heróes delles provindos
Faraó da Lusitânia a Grá Nobreza
Por feitos immorraes , por feitos lindos
IVfemorizando a Gente Portugueza !
XXXIV.
Lusitânia Feliz , tu serás Leito
De parte da immortal Posreridade
Que entáo nutrida da Grandeza ao peito
Bafejada será da Magesrade :
Ssldanhas Oliveiras , que respeito
Náo devcTi merecer era longa idade
Assêcas , Portugnes , e outros Saldanhis
Dos berços ayezados ás façanhas
XXXV*
, :,
XXXV.
Tn Madeira
, , rambem serás o berço
De Parte desta Prole Prosperada ,
Cuio S^angue por vèas mil disperso
j\ irá fazendo e:erna , e dilar^da :
XXXVI.
Viráó tempos felices , tempos ledos ,
Em que os Ramos dos Cameras Inviros,
Vegecando , quaes verdes arvoredos
Espa.hem Nobres Ramos InfinÍ!:o^
Háo de então florecer nestes Enredos
Bithanconrs , Carvalhaes , Freiras , e Britos 9
Giratido-lhes o sani^ue pelas vèas
De Esmeraldos , Orneilas , e Cuireas.
XXXVII.
Também Acciaióles, verdejando,
os
Alb 15 , e Seixas , florecendo ,
i(^'jerqu
Iraó Viçosos Ramos espalhando
De Zargo a Df^cendencia enriquecendo :
XXXVIII.
, : ,, ,
tjo Z A R G U E I D A.
XXXVIII.
Wais não ílirei da Grã Genealogit
D'Aquelle Grande Heróe direi somente
:
XLI.
: , : ,
,
XLI.
Hum Filho deste Heros , Filho Secundo ,
Qae entáo seri Magnifico chamado ,
Exemp o^ dando de grandeza ao Mundo
Suecederá ao Pai no Emprego Honrado :
Será na Guerra Monstro Furibundo ;
Nove vezes rompendo o mir salgado 9
E os Lenhos esquipando á própria custt
O Mouro açoitará d'Africa Adusta.
XLII.
XLIV.
: ,
jj« Z A R G U E I D A.
XLIV.
Sínco Lustros, e mais tendo regido
Os com amor frs terno
Insulanos
Do Grande Zargo o Nero Esclarecido
O Exemplo seguira do Avô Paterno :
XLVI.
Quâsl dois Lustros viverá , regendo
Os Funchalenses Povos com ternura
De rodos clles com prazer fazendo
Os Gostos, as Delicias, a Ventura:
A' negra Morte o Espirito rendendo ,
Irá Corpo á fria sepjltura ;
seu
Porém seu ÍCome , e Feitos Soberanos
Respeitados scrj.ó dos Insulanos.
bíLVIL
! ,, ,
XLVIT.
Será seu successor seu Fillio Amado
Heròe , que ainda me<<mo em terna idade
Fará , que o Mouro bárbaro tostado
Conheça do seu braço a potestade
Pizando de seu Pai o trilho honrado
Para Gloria da Lusa Magestade,
Fará , pondo em fugida o Mouro izedo ,
O Gráo Cabo de Gué tremer de medo.
XLVIII.
Virá tempo , em que tenha este Heróe Claro
O Titulo de Conde •,
e to mundo dando
De Singular Virtude Exemplo Raro,
Irá Feliz seu Povo governando:
Do Rico Prezador , do Pohre Amparo ,
As Leis da Humanidade executando ,
Mais de oito lustros viverá fazendo
A Gloria do Funchal , que irá crescendo.
XLIX.
OFilho deste Heróe por tempo breve
Succederá no Cargo , e no Condado
Porque a Morte cruel com mãos de neve
Desfechará sobre elle o golpe irado :
Nos áureos Livroj , em qje a Fama escreve
Será sempre o seu Nome eternizado
A pezir de ráo cedo a desabrida
Morte cerrar-lhe o circulo da vida.
L.
154 ZARGUEIDA.
L.
Lin.
LIII.
LVI.
: , , ,
156 Z A R G U E I D A.
LVI.
Das ^ciência? fará , que o Ramo cre^ç* ,
Fará com que o Commercio amortecida
y^os ares erga a tLÍmida Cabeça ,
UX.
,
IIX.
Deste Principe Excelso o N', me Augusto
Inda acima do Olympo Crysrailino
Levado àeve ser , porque hum Rei Justo
Tem me'^os de Worral, que de Divino:
Kste Príncipe então a rodo o custo ,
Velando do Funchal sobre o Destino ,
Per fazello feliz com fausto agouro ,
Grande parte dar-lhe-ha do seu Thesouro.
LX.
Vendo do*? Insulanos a humidade ,
LXIÍ.
: ; , :
15? Z A R G U E I D A.
LXII.
Esre Príncipe Tn igne , Insigne em tudo,
5sem lemer suas negras ameaças,
Virrude tem por forie Escudo ,
Porq'''e a
A' Madeira fará sublimes Graças
Entregue rodo ao mais profundo Estudo
De eviíar-ihe as terríficas Desgraças,
Dará mil Providencias Necessárias,
Para arrostar as Invasões Contraiias,
LXIII.
LXV.
: :
LXV.
Esta será eniáo a iiióc veniura
Dos Povos Funchalenses commovidos
Pelos eífcitos d'huma Guerra dura ,
Dignos de serem com razão temidos
Encáo á Santa Paz serena , e pura ,
Os Povos do Funchal agradecidos ,
LXVIII.
:
léo Z A R G U E I D A.
LXVIII.
No centro delia tu verás erguida
Aos limpos ares com grandeza esinnhi
De Louros, e de ^íirthos revestida
A ApoUmea Florigera \2ontanha :
LXIX.
da Paz ^agrada na Bonança
A 111
rntoaraó os Meficcs Cantores
Da Clara Regia Prole de Bragança
Os sonorosos métricos Louvores
Do Luso Império á ^^hxlmâ Esperança
O Funchal pelos seus Habitadores
Vcris render da Gratidão nas Aras
Cultos fiéis. Adorações Preclaras.
LXX.
Tu verás o Funchal também Contente
Da Pura Gratidão sobrt es altares
Do seu Descobridor á Gloria Ingente
Kender Sclemnes cuhcs a milhares:
K quando decantar for docemenre
Do Immortal Zargo os Feitos Exemplares
Ouvirás como grato lhe responde
Lo Elysio Campo, em que acs Mortacs se esconde.
LXXL
, :, ,
LXXI.
Verás mais Re^ia Praça illaminada
Em simétrico risco apparatoso »
E de Estâncias xMsgnihcas cercada
Com tablado no Centro luminoso :
LXXIÍI.
LXXIV,
, :
i62 ZARGUEIDA.
LXXIV.
Verás então , Lieo , nas Insulanas
Praias gemer Nepruno ao pezo duro
Das fluctuantes Máquinas Liritanas ,
Que àili viráó fazer Comniercio puroi
L ii CAN-
, ;
a6f
CA N ^
E N T o.
I.
A
Ao
Dmjrado Lieo de quanto ouvira
fluctivago Vate, em gozo torna
ir.
,! ! , !
)66 X A R GU E I D A.
fll.
V.
, ,
V.
He eniâo ,
que se cKe''cem com pureza
As vene andas L.eis da Pied/.de
Aq.ellas, que gravara a Níturf^za
No Coração da fraca Humanidade :
He eniáo , que se vè toda a Bellezâ
Da dos Morraes devida Sociedade ,
He então , que entre docsí alegrias
Cons' mem iodos docemente os d>as.
VI.
VIU.
, : ,
i6l Z A R G U E I D A.
VIII.
XI.
, ;, :
XI.
Tu
5
que tudo prevês , destinas tudo
E que do Fado ás Leis dás força ingente |
Que a hum leve aceno teu abalas Nludo
Dos Ceos , Máquina fulgente ;
c Terra a
Já sibes muito bem o qúe o Sizudo
Fado quer a íavor da Lusa Gente j
]i sabes muito bem a feliz sorte
De Zargo , e sua Prole Illustre , e Forte,
XI í.
Agora pois só quero a Nova Graça
De mandares, que Pan dalli se aparte,
Para que com seus Satyros náo faça
^Igum dano á Cultura em qualquer parte:
Deste Kjmen náo temo ímpia ameaça ,
XIII.
XIV.
,
170 Z A R G U E I D A.
XIV.
De-eio pois ó , Jupirer ^'agrado ,
Mais severa, mais rígida vin^^ança;
Deí?ie Numen o crime arrebatado
R iscar nào posso ainda da Lembrança :
XV.
Seu crime he digno de exemplar castigo
Terça até dis monranhas o Governo ;
0% do escuro Averno ;
anrros habitar
Ah pune, Jucto Pai, o Deos Intorme ,
!
XVI.
Mais diria Lleo , se o Grão Tonante
r«.áo lhe ata'h<»sse a voz , assim dizendo!
^ocega, Filho meu cciasa bâscanre }
XVII.
: , ,:
XVII.
Náo devem ser os Numes vingativos.
Devem ser Jusros ,
porem ser Pie<do.cs
P*râ que dos Morraes em quanto vivos
Seiáo sempr* huns Rspelhos Luminosos
Pára tanto rigor náo tens motivos ;
XIX.
XX.
, , , ,: ,
17» Z A R G U E I D A.
XX.
Pem poderá evitar de certo modo
Mil fururos succesios : bem poderá
Fazer com que inda hum dia o mundo tod»
Visse o Sacro poder de quem o impera :
IVJas da Ignoranci* viverão no lodo
Té mesmo os Deoses da Celeste Rsfera 5
Conhecerão somente os meus Preceitos y
Náo pelas Causas , sim pelos LíFeitos»
XXf.
Desta sorte o Omnipotente
fallanrlo ,
XXIII.
: : , , ,
XXIII.
Entretanto no Tejo se breava
De novo o Lenho para a Nova FrnpreZâ i
XXIV.
do prompto Madeiro a toda a pressa
Já
Os mastaréos o Contramestre acunha ,
E a Companha Maritima começa
A despegar da arêa a férrea unha :
XXV.
Do
Gran(áe Henrique as Ordens recebmdo
Dando animoso a Deos aos seus Ámi£os
Navega o Claro Zar2;o , náo temendo
Do Vario Mar os hórridos Perigos
Aos Ulyssci a voz erguendo
ares
Ah praza aos Ceos ( dizia ) que inimigos
!
XXVI.
: ,
,; ,
174 Z A R G U E I D A.
XXVI.
PrAZâ aos Ceos que , sulcando planos mâre5
Sem vêr escolhos , sem topar torrnenias
Descubras novas Terras , novos ares >
Já que d^honras, e glorias te alimentas:
Se acaso hum dia aos braços meus voltares 5
Depois de conseguires o que inrcntas ,
Cem que doce prazer , e de que geito
Te cerrarei , ó Filho , contra o pei:o !
XXVII.
Vai-te em p»z , Filho meu , Honras Lustrosas
Não se alcançáo sem áspera fadiga ;
Costurráo mais alfas, mais famosas.
ser
Quando a ganhallas Amor Pairio obriga;
>*s Acções dos Heròes sáo façanhosas.
Quando a vida se ai risca , e mais periga ;
Pela esirada da Inércia em váo presume
^ubir o Homem da Ventura ao cume.
XXV Hl.
Tu Fados elegido
estás pelos
Fará essa Empreza , que a li só se deve
Tu fosic dentre todos escolhido ,
XXIX.
)
!
xyix.
Em tanto que Uiysset as>im dizia ,
Da praia os Lusiranos acenavao ,
E em muitas partes mujmwâr se oi:via
De Kmpfczas , t que humanos se arriscavão :
XX Kf.
Pa^^ que he intentar grandes Fmpreza^,
Ariiscando-se a Cousa mais queiida.
Se o iruto das mais Ínclitas Proezas
Só para se colher he curta a vida J
As cegas navegar entre incertezas,
Trdhando salsa via náo sabida ,
Chamáo-lhe Ingente Gloria Soberana j
XXXII.
:: ,,
176 Z A R G U E I D A.
/ XXXII.
Queira o Ceo conduzir-tc , ó Quilha undante ,
Sem que topes horrisonas procelías
A Cbma deste Clima náo distante ,
E a Regiões pac-ficas , e bcllas
Hum vento sempre doce , e murmunnre
Com brar.»ios sopros te refresque as veias ,
Para que abrindo o mádido Elcrr.ento
Vás , e voltes á Pátria a salvamento.
XXXIII.
XXXIV.
Queira o Ceo , Luso Heroe , ser-te propicio
Em quanto as ondas do alto mar fenderes ,
E^ nunca arrostes do fatal F.xicio
Os deploráveis hórridos Poderes
(^ueiía o Cgo , que bem cedo hum sacrifício
Venhas render nas aras dos Prazeies
Ao Primeiro joáo na pura ofíerta
Da Tem , de que vás á Descoberta.'
XXXV".
:
XXXV.
Se de saudoso pranto as faces banho ,
Se sinto da Saudade a vehemencia ,
Se languidos suspÍTOs desentranho ,
São efteitos da tua cura ausência :
M XXXV III.
,
I7S ZARGUEIDA,
XXXVIII.
Sonoras virações , doces , e brandas ,
Cujo bafejo 06 Nautas lisonjca ,
XIX
, ,: ,
XLI.
Appareção is tuas Maravilhas
Aos olhos dos Mundanos novos mares , :
Permitie
, sim , que cedo á Pátria volte ,
Sem que enconcre jámnis perigos duros
Dando maia huma Terra náo mesquinha
Ao Lusiiano Império , á Pátriaminha.
XLlíf.
M is XLIV.
,,
'i"So Z A R G U E I D A.
XLIV.
Quando aos Ceos o Grão Zargo desta eortí
Seus rogos enviava , que subindo,
XLVL
Enredado em sublimes pensamentos,
Fm quanto o Luso Capitão descança ,
Worales calculava os movimenros
Dos Astros, a que experto as vistas lança;
Fazia a cada instante .apontamentos ,
Para sua mais firme segurança ,
E no mar da llazáo lançando o prumo
Da Bússola seguia hum ceiío luma*
XLVII.
: ,
CANTO Vil. 1 Si
XLVIÍ.
Tá de Venu3 gentil o A^tro brllhnte ,
Dl muda Noite as sombras apartando.
Espalhava huma luz clara , e radiante
Sobre os mírej, que o Lenho hia sulcando:
Da Culta Grande Europa já distante ,
Porque lhe refrescara o vento brando,
Zargo animoso com feliz a'jspicio
Somente via o Mar, e o Ceo Propicioi
XLVIII.
Os Novo? Argonautas navegarão
Desta sorte alguns dias felizmente ,
Até que em certa altura projecráráo
Avante não pissar prudentemenre
For alií;uns dia? sobre o mar pairarão
Em demanda da Terra florecen^e ,
Até que hum dia pí;Ia me-íTia rota
Houveráo vista d'hama Terra nota.
XLIX.
Aquella ( disse Zar^o ) Illiâ frondo5a ,
Que vemos, e talvez vos cause espanto,
He a aprazivel Ilha milagrosa ,
Que por mim chamada o Porto Santo
foi
'
L.
, : ; : ,
iti Z A R G U E I D A.
L.
LIL
Com estranho ralor , Zargo Sublime ,
Tenho mil vezes encarado t Morte j
Á minha Intrepidez jamais opprime
Do Cobarde Pavor o pezo forte :
LIII.
, : , , ,
LIIÍ.
LIV.
Lvr
:
tU Z A R G U E I D A.
LVT.
Os et"''.ere'>s e«íp2ços dividindo ,
LVIII.
^/. 7ar?o Tllu-ítre toda a noite vela ,
Ao lado de Morale-? calculando ,
LIX.
, : ,,, ,
LIX.
LXí.
LXir.
iS6 ZARGUEIDA.
LXII.
Tudo i'to ouvindo , Zargo mtis ê^ ínflamma ,
E em discretos exames continiia,
A mira tendo na prestante Uma
Dos Povos Lusos , c da Gloria sua :
CAN^
; ; ,
rt7
CANTO OITAVO.
ARGUMENTO.
N.Egar na Terra abrigo d Lusíí Gente
Projecta Pan , e desce ao Flegethonte^
Cuja medonha túrbida Corrente
Passa na Curva barca de Charome :
I.
rr.
,, ,
i88 X A R G U E I D A.
II.
IV.
V.
, , ,
C A N T O VIIÍ. 1S9
V.
Por todos estes Mrnsrros socccrrido
Bem posso ç;i erra por ao Mcrdc inteiro;
Pagarás, ó L leo , Nume A^rtvido,
A offení^a , que fizeste ao Deos mcnceiro :
Teu vil delicio deve rer punic;o ;
F. aquelle 5 Aven'iHciro
(]ue tentar
Tccar as praias desta fértil Terra ,
Hospedado seiá por ciuâ Gutiri.
VI.
Náo acabava ,
qaando a Noite , abrindo
As seirii-net!ra?; azas , appr^rece ,
VIU.
: ! ,
i$e Z A R G U E I D A.
VIII.
XI.
; : , ; ,
XI.
%IV.
, , ,
192 Z A R G U E I D A.
XIV.
Fra a Barca Avern^l Betuminosa
De enormissimos lenhos fabricada i
XV.
Lança o Barqueiro a prancha sobre l praia
For onde róláo lúbricas serpentes ;
Fmbarca o Deos das Brenhas, e se ensaia
Para sulcar ss túrbida? correntes :
"Pesa Ferra o batel
, e an^es que saia ,
Prende Charonte a escota aos ralos dentes
E os miiSguiferos remos meneando
Vai pelo Avemal Rio serpeando.
XVI.
D'hum lado , e d oirro lado se divisão
^^agândo pelas praias lutulentas
Pállidas scmbras , que dispersas pizao
As arêas esquálidas cinzentas :
XVII.
:
XVII.
Alll gemem os Mochos á porfia
Co' as lúi^ubre» Corujis rapinanres ,
O negro Bufo guincha , e dcsaria
Os pardos Noitibós pium-estaiances
Fazem huma confusa vozeria
Aves Sinisrras , Serpes sibilantes ,
Em quanto as vagas Sombias d'horror chêas
Tímidas calcáo hórridas arèas.
XVIII.
N XX.
, ,, :
194 Z A R G U E I D A.
XX.
Assim Qrilha undírsga navega
a
Pela túrbidaFsiyge. tjue serpêa ,
Aié que á margem declinada chega,
Onde encalhar cosUim^ em branda arêa :
XXI.
XXíI.
XXIII.
; , , , ^
XXIII.
Altos Montes agrestes apparecem
Como que estáo de guarda ao negro Avcrno;
A cada instante todos estremecem
Co' a voz , que da garganta sahe do Inferno :
N ii XXVÍ,
,, , , ,
ijò Z A R G U E I D A.
XXVI.
Apenas assim di^se , Espectro horrendo
Anre o Numen Sylvano se apresenta
O corpo giganteo ao ar erguendo
Que soberbo Colosso representa :
XXIX.
, ;
XXIX.
^e â^^ombrâs ( lhe diz o Horror ) de veres
te
XXXI.
Aquellâs ,
que tu vês , em vão roubanda
Ao triite rio as verdenegras agoas ,
São Filhas de Dânao miserando ,
as
Que assim apagáo do seu crime as fragoâs
Seus peitos homic!dâ9 retalhando
Buidos gumes de aguçadas Mágoas,
Expiáo as traidoras ímpias mortes
Dos malfadados míseros Consortes.
XXXII
; !
JpJ J^ A R G U E I D A.
XXXII.
Aquelle cujo fi^^ado d vora
.
XXXIII.
Vês aq^elIe infeliz em vão procura
,
que
Subir do Monte á elevação sublime,
R que pertende pôr na mor aliura
O penedo falaz , que o dorso opprime ;
He Sí.-,ypho Cruel , que em pen* dura
Paga de roub^dor o torpe crime ;
Lá lhe tomba o penedo ! . . eis vem buscallo • ! • •
XXXIV.
OntTos muifos ,
que vês em seus supplicios
Por efernos tormentos lacerados ,
São os que em lodo de execrandos vicies
Vivêráo noutros tempos atolados :
Agora nos seus hórridos exícios
Fxpiáo os delictos ^cus malvados :
Tristes aquelles que se
, atoláo inda
Em vicios , sem temer a penna infinda
XXXV.
,
XXXV.
Se âos antros fore? cio Sulfúreo Inferno ^
Também encontrarás Chefes Insanos ,
Cada qu.^l em seu vil tormento eterno,
Tormentos infemaes , ímpios , tyrannos :
XXXVIII.
, , :
aeo ZARGUEIDA.
XXXVIII.
Sempre em teimoso gyro arrebatado
DHuma roda crwel , que nunca para ,
Ixión ver^s tyrannamente arado
Pagando da Lascivia a audácia rara
Vive a tormento eterno condenado
Porque Lascivo a nuvem abraçara ,
Julgando , que abríçava Juno Bôlla ,
Senti ndo-„e abrazar de iS^mor por ellâ.
XXXIX.
Alli verás Hypócritas malinos ,
XLI
: ; :: , ,
XLI.
Assim dizia ,
quando em fim chegarão
A' entrada escura dos Piutonios Paços j
XLII.
XLIV.
,
202 Z A R G U E I D A.
XLÍV.
Depois que Thioneo me lançou fórt
Das Memnoniâs incultas Espessuras
Talando os C.-mpos, em que nasce a Aurora,
Pe ferro , e fogo em vivas guerras duras :
XLVII.
; , , : ,
CANTO VIII. 20 j
XLVII.
Quero pois , ó Flutáo ,
que em fim me ajude?
A puPif hum táo bárbaro delico
Os monuros mar-' cruéis do Inferno rudes
Deixem por ora is margens do Cocyto
Convém q le em m:u favor hoie te mudes ;
Ah í muJ^.- e em lavor d'hurTi Deos afHito 9
Si^4o-me Harpias a punir mjariai,
Centauros , ^cyllas , Gór^ones , e Fúrias,
XLVIil.
Mais diria o Deos Pan , se a cruel ira
Lhe náo prendesse a voz no ardente peiío;
Vivas chammis frenético respira,
Mostrando mais q-ia nunca irado aspeito r
L.
: ,, , ,
204 Z A R G U E I D A.
L.
LIL
Chegarão pois do Tártaro to Recinto
Onde do Averno os Monstros habitaváo ,
E onde n'hum tenebroso Labyrintho
Todos insanamentc voze3váo :
As cores de expressão com que aqui pinta
.
LliL
; , , ,
C A N T O VIII. £0S
LIII.
Hum hilito
f
esfifero , e enfadonho
Exhala iboca d'huma gruta informe ;
LIV.
Semelhante ao Trováo ,
que hórrido troa ,
LVI.
, ,
2o6 Z A R G U E I D A.
LVI.
Mais não disse; e então Pai agradecido
A ne^ra dexrri de Plutão beijando
Mostrava no semblanre denegrido
O prâzer , que o estava dominando :
Cepois , do Avernâl D:te despedido ,
A Monnriiosa Tropa comm^nd^ndu.
Por soierrânea fenda, que apparcce,
Guiado pelo Horror afoito d^isce.
LVII.
LVIIl.
LIX.
, : ,,
C A N T O VIIÍ. 207
LIX.
Embarci Pan co' as Górgones ínfimes ,
LX.
]á sobre a praia lúgubre cinzenta ,
Que lambe o triste túrbido Achercnte ,
Saita Trepa dos Monstros Truculenta,
a
E sobe ao cimo do Cimméfio Monte
A' espera estava a Noitc somnoienta
Do informe Numen de biccmca fronte ,
LXI.
LXIÍ.
, : ,,
2gS. z a R G U E I d a.
LXII.
acodem logo os Sátyros biformcs
A de Pan a grata vinda
festejar j
LXV.
, : ,
LXV.
Evós , ó Cruéis Monstros , que assanhados
Poieís por certo demolir mil mundos ,
Andai por estes monres espalhados
Defendendo estt Terra vagabundos í
De fortes pinhos hórridos armados
E de ingenres peiedos , furibundos
Accommertei aquelles , que tyrannos
Tentarem nesta Terra entrar insanos.
LXVI.
Vós , Filhas de Typhèo , immu^^d'?? Aves
Sempre torpes , famintas , e avarentas ,
O LXVIU,
210 ^ A R G U E I D A.
LXVIII.
Assim tudo di*:punha o Deos hirsuto
Contra o Sâcro Lieo , e a Genre Lusa ;
Assim risca na mente estulta o Bruro
O plano infoime , de que Baccho abusa :
Tudo isto estava ouvindo o Nume astuto
Filho de ]ove n^huma parte escusa ,
Em que as Cepas frrndiferas plantara ,
Que ao Jardim das Hespérides roubara.
LXIX.
Fim do
CAN-
2lt
CANTO NONO.
ARGUMENTO.
-1 Nveste Zargo línpávído o Negrume
Na fluctivííga Quilha Avui urre ira ,
I.
O ii II.
; ,
íi* Z A R G U E I D A.
II.
iV.
V.
:
V.
A esíâs expressões mal proferidas
D^improviso mijácu Zargo de aspeito,
E espalhando enfurecid»s ,
as visras
Taes palavras tirou do Heróico Peito
Vós , que tanto prezais as vossas vidas >
Animai-vos , faltando-me ao respeito ,
A proferir blasfémias , sem receio
De achar prompto castigo ao crime feio l
VI.
Vllt
:,
ai4 Z A R G U E I D A.
VIII.
X.
XI.
, , , ,
XI.
XIT.
XIII.
XIV.
! , , :
aiS Z A R G U El D A.
XIV.
Tinlii o Monarca Lúcido do Dia
Vingado já do OJympo o Excelso Cume,
Quando o ^^alenre Zar^o dividia
As negras sombras do Infernal Negrume
D'hum lado , e doutro horrisono se ouvia
Bramir o Mar ráo fora do costume
Que a não ter Zar^o hum animo constante ,
Káo passaria a curva Quilha avante,
XV.
Manda Zargo emproar Quilha dura
a
PAra a parre , em que o mar mais bravo berra ,
Porque enxerga por entre a névoa escura
Huns altos serros , que figurão terra :
XVII.
: :
XVII.
Graças ao Grande Deos Omnipotente
(Começa Zarçço encáo desii. maneira )
Que me deixou topar co' a Terra ingente y
Que eu bu^ícâva na quilha aventureira !
Tinha acabsdo,
quando o Deos Thebano 9
Que aPoitugueza Gente protegia ,
D Áurea Nuvem n'hum Carro Soberano
Sobre o Madeiro undiva;go descia :
XX.
, ,;
2íS ZARGUEIDA.
XX.
Fai ''on , 6 Zargo 5 a Tiuebr Ocidadel
Da fértil Ilha , c]ue apor ar procuras -,
XXI.
Vshe pois que o Deos Pân , o Deo^ Agre.te^
Qiie hab-ta os bosques de^ra Nova Terra
Com Mcn?rros infemaes , T?.rárea Pescc
Al i te espera per fazer- e g er^a :
XXI!.
XXIIÍ.
: ,
XXIII.
Has de nella encontrar cepas viçosas
Em do Terreno rransp'antadas
partes ,
XXIV.
Seja pois esta a planta mais quer'da ,
XXVI.
: ,,
220 Z A R G U E I D A.
XXVI.
Em qiiânro bate as plumas esta fiirsuiâ
Negra Furia Avernal, Monstro sanhudo ,
Biiscaiuio a opaca formidável gruta
Do semicapro Numen gadelhudo ;
XXIX.
CANTO IX. 221
XXIX.
Fmborâ estuliamenre alguns humanos
Projecfem, sem favor da Divindade,
Perigos arrostir , sem temtr danos
Confiados na vã Felicidade :
Inda c^ue tarde , os miseros in';anos
Conhecerão , qne a sá Prosperidade
He dadiva do Ceo , que só se alcança
Por auxilio do Ceo , não por pujança,
XXX.
Suspende â clara voz, crgue-se , e msnda
O panno marear por ir avante ;
Ao brando sopro dhuma aragem branda
5o!ra as azas o Pássaro nadanre :
XXXII.
22i Z À R G U E I D A.
XXXIÍ.
Pcrcm mosrrava duvidosa
já s€
A luz, que acorrpanhar
Ci stuma o Dia;
xxxm.
Vendo Zargo , que tinha felizmente
Posto em parte limite a scus iniencos ,
Perrendeo ene, éter a Sua Gente
Aqr.eiia noite em mil Divertimeníos
Veio o rubro Licor , puro , e Excellente
Inspirador de alegres pensamentos ,
E apenas vitrtas taças estáo cheas ,
Fervem os brindes , fervem as Coreas.
XXXIV.
Entretanto que rudo isto acontece ,
A Nuvem, que escondia, aurirczada ,
No seio a Tl.yonco, deíarpareee
Velozmene cruzando a láctea estrada:
"Nisto a Futia Avemal insana desce
De Pan á funda Grota descarnada ,
E com medonha voz que a Gruta abala
,
XXXV
, :
C A N T O IX. 32 5
XXXV.
Ccmigera Deidade , Kirsuro Ni^me ,
XXXVIIL
: : ,
224 Z A R G U E I D A.
XXXVIII.
]á lá váó aos Aníipodâs levando
Do Sol o Carro os férvidos Ethonres:
Já semi-negras soiní:r6S vem toldsndo
Os alícs cimos dos erguidos montes :
XL.
XLK
: j , ,,
XLI.
He Numen Filho do Supremo Jove
O Numen que me tece ímpio.^ enganos
,
:
XLII.
XLIV.
,, : ):
2i6 Z A R G U E I D A.
XLÍV.
Talvez qne Thicneo valer náo possa
Aos Lu iianos seus tanto prezados
Huma vez que desabe a 1 ropa nossa
Sobre elles os furores seus malvados
Talvez que náo se opponha á fui ia vossa ,
Vendo tantos mil Monstros assanhados
E quando intente oppôr-se , talvez seja
yictiiTiâ triute da Cruel Peleja.
XLV.
Emborcados em densos Arvoredos
Devemos pois C segunda vez vos di^o
Armados de pinheiros , e rochedos
Fspreitir cautelosos o Inimigo:
Quando o virmos nos mágicos enredos
D hum
incauro prazer, pronipto castigo
Devemos entáo dar-lhe ao cnme reio
De tentar invadir Terreno alheio.
XLVI
Nada rnais disse Pân : e as Fúrias baças
Em confusos violentos alaridos
Faziáo feras negras ameaças
Aos Lusos em folias entretidos :
Desiinando-lhes hórridas Desgraças
Os Monstros Infernaes enfurecidos
Longo tempo murmuráo guintháo, mugem,
Bramâo , grasnáo , sibiláo , fremem , rugem.
XLVII.
,
XLVII.
Em que de Pan na Gruta Escura
tanro
-Se ensâiáo os visMonstros sempre insanos ,
XLVIIL
Nunca tão estrellada, e tão serena
Regeo a Noi^e o taciturno Império!
Nunca mais linda , ma s brilhan e scena
Appareceo no Lúcido Hemisfério'
Clara se distinguia a Terra amena ,
Figurando-se bem no Espelho etherio>
E os Lasos em dulcisonos Cantares
Suspendiáo os Astros , Ventos , Marei.
XLIX.
Morales , cuja voz branda , e canora
A' do Thr^cio Cantor muito imi ava ,
Aos sons debumea Cithara Son ra
Unindo a voz suave , assim cantava :
O' Gloria , dos Heróes Despertadora ,
Apôs quem Zargo Invicto navegava ,
Nesta Terra Feliz tu ih; prtjparas
Solemnes Cultos do Prazer nas aras. -
P ii L.
,
sa: Z A R G U E I D A.
L.
LI.
Lll.
LIII.
, ;, :
LIII.
LV.
Nâo viste em roda ao Lenho tUi surgido
O Coro das Nereidas bellas
belio ,
LVI.
ai9 XARGUEIDA.
LVI.
Não viste em torno ao Lenho fundeado
Undivâgos Delfins andar saltando ,
CAN-
)
CANTO DECIMO.
ARGUMENTO.
1 VjL Anda Zargo a Rui Paes saber da Terra ;
Desembarcai ; e no Tu nulo saudoso ,
f
I.
P Or
Mal vinháo
enrre ténue Nnvcm cor de rosa
( como em languidos desmaips
Da Gigantèa Tocha fulgorosa
Reluzindo os prin;eiros tropxos ríios;
Quando Zargo com voz respeitiiosa ,
Porque quer ter da Terra mais ensaios ,
Wtnda hnm certo Rui ^^aes , cjne audácia provâ 5
Com ouiros obseivar a Terra Nova*
n.
:
fi|t Z A R. G U E I D A.
II.
IV,
V.
;,
, ,: :
C A N T o X. 535
V.
Vendo este Capitão , que o seu Desejo
Tinha chegado á meta , a que aspirava
Quiz o Dia passar todo em Festejo ,
vr.
VII.
VIIL
,, , : ,
2i4 ZARGUEIDA.
VIII.
A^sim consumindo ts horas
se forão
Do diâ
, que então rápidas voando,
-^obre as azas do Tennpo dissonoras
Se vão do Nada ao Cahos abysmando
Succedem as da Noite , Precursoras
D'hum Dia sempre Grande, e Memorando,
Claro Oiâ em que Zargo íibrio de Gloria
,
X.
XI.
: , , ,,
; C A N T O X. 2j$
XI.
XIV.
,
2}6 Z A R G U E I D A.
XíV.
Faminta Morte , â Dor , que me consome ,
Me obriga a náo temer p'riíi;os , e danos i
XV.
Quíndo de Harfet a vida preciosa
Intere>savâ mais a Machim triste ,
Tu , 6 Morre cruel , sediciosa
Sobre eUa mortal Golpe despediste:
Como a bonina cândida mimosa
Fm flor cortada sobre a terra a viste ,
Desgraçado Machim ; e em tempo breve
O mesmo fim tiveste ,
que ella teve.
XVI.
Qual C?çador de alados passarinhos
Que , encontrando a Avezinha dtscuidada ,
Á faz cahir dos trémulos raminhos
Do veloz chumbo matador cortada ;
xvn.
!! ,
CANTO X. 1J7
XVII.
Não lhe valerão votos innocentes
Feitos aos Ceos por seu Amante afflito ;
XVIII.
XIX.
Porém que scena horrível se apresenta
Aos tristes olhos meus oh Ceos sagiados
, ] !
XX.
, , ,
2jJ Z A R G U E I D A.
XX.
Parece-me estar vendo em torno delIâ
Vaguearem Fantasmas Pavorosos
Em quanto triste Amor a hum lado anhelâ
Soltando a furto roucos ais saudosos!
Amor as áureas tranças arrepela
Aííogtem pranto es olhos lacrimosos ,
XXIII.
, :
CANTO X. 239
XXIIÍ.
Amigos meus 5 10 pc ik^te Cyrre':*^e
Levan:e-se hum Altar t Dl^OS rkOPlCIO ;
Quando ao pc do Cy preste ,
cjue assombrava
O frio Mausoléo , Aliir Sagrado
Para o Divino Culto se approntava
Já Casto Sacerdoie ImmacuUdo
O Ptiro Sacrifício começ«va
K sobre nuvens cândidas de incensos
Hião subindo ao Ceo voios immensos.
XXV.
nos ricos thuribulos ardia
],í
XXV r.
, , : ,
140 Z A R G U E I D A.
XXVI.
Sa cridos hymnos todos entoarão
Unidos em louvor do OMNIPOTENTE;
As rr.áos , e os olhos para os Ceos alçarão,
Dsrdo grnças a DEOS solemnemenre
l>pois saudosos, trisres derramarão
Sobre o Tumulo frio pranto ardente
Fogtndo ao Sslvador pelas venturas
Das almas das sepulias creaiuras.
XXVII.
Findou-se o culto fervoroso , e puro ;
E á voz do Grande Zargo os Lusitanos
O cenrro deixáo deste Bosque escuro ,
Por vêr montes, e valles Insulanos:
Pizando parte do Terreno duro ,
Sem encontrarem Pan , nem seus Sylvanos ,
Colherão frutos surprendcrão Aves ,
,
XXIX.
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CANTO X. 141
XXIX.
Quando indt apenas a manhã rompia 9
lá Zirgo 9 muitos Lusos ajuntando
F w dois grandes bateis , ondas fendia ,
A verde fenil Ilha costeando
Fcntas , praias, rebeiras descobria,
A que célebres Nomes hia dando
Dobra alta ponta , dá n'huma enseada
Amena , grata , limpa , e socegada.
XXX.
Descobre Zargo hum valle ameno, e fundo.
Por onde três ribeiras scrpejaváo
D'irvoredos despido , c só fecundo
Em funchos , que alli ferreis abundaváo
Os hálitos fragrantes do jucundo
Funchcso valle os ares perfumavào
Montes em meio circulo frondosos
Lhe serviâo de guarda numerosos.
XXXL
Deo Zargo ao do Funchal o Nome
valle 3
E n'hum amigo
lado d'aquelle Porto
Porque de noite entáo descanço tome,
De dois grandes Ilhcos buscou o abrigo
Alli a noite plácido consome
Sem desgosto , sem susto , sera perigo
E quando apenas vinha am.inhecendo
]á novg$ mares Zargo hia fendendo*
Q XXXU»
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«4* 2: A R G U E I D A.
XXXII.
Novas pontas , e praias descobrindo
Cobertas de Arvoredo emmaranhado ,
Que das ondas se vè no espelho lindo ,
Do seu próprio verdor como encantado
Depois de discorrer por mar infindo ,
Mar ainda aié lli nunca sulcado,
Descobrio huma Praia deleirosa ,
A que deo logo o Nome de Formosa.
XXXIII.
XXXV.
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CANTO X. í»4f
XXXV.
Fmquanto as negras Fúrias vozearão,
As monstruosas Gcrgonâs fremi ão
As Harpias alígeras grasnaváo ,
E os Centauros indcmitos rugiáo
As Scyllasquaes Serpentes , sibilaváo,
,
XXXVII.
espera , que amanheça
Isto dizendo ,
E do Funchal chegando ,
junto á praia
Mais que animoso á Terra se arremessa ,
Com Lusos mais desembí>rcando
outros
Do Bosque mais vismho a icda a pressa
A's matas vivas chammas applicândo ,
Começáo-se a atear chammas ferinas,
Talando Montes , Valles , e Campinas.
Q ii XXXVIII»
, : ,,
344 Z A R GU E I D A.
XXXVIII.
D'improviso ateada a labareda
Com sanha incrível , cqm furor insano ,
Do bosque o Luso Heróe se desenreda ,
XXXIX.
Já se unem os bateis ao Lenho cavo.
Já no
salta convéz a Lusa Gente ,
E o forte Gapitáj de animo brAvo
Parece mais que nunca estar contende
Entretanto o Caprino Deos ignavo,
Que incendiados os seus bosques seníc
Estulto de furor , de raiva brame
For entre as filas do Coe y tio Enxame*
XL.
Bem como quando rábida Tormenta
Horrisona troando , abafa os ares
Das entranhas de nuvem corpulenta
Tombando sobre a Terra , e sobre os mares
Retrôa a vozeria truculenta
Dos indómitos Monstros , que a milhares ,
Subindo aos cumrs dos agrestes serros
Do peito arrancão dissonantes berros.
XU
, ,: ;, ,
CANTO X. M5
XLI.
Do Lilybeo o Cyclcpe sânhudo
A quem o Gfcgo Undivago cegara,
Crívardo-líie na frente hum páo agudo ^
Que o redondo Luzeiro lhe eclipsara ;
Qutndo arrancou pinheiros, montes, tudo^
Com violento furor , com fcrça rara
Para cego arrojar ás Náos de Ulysses
Que lhe escapaváo pelo mar felices
XLII.
XUII.
Achando mais matéria , o fogo activo
Cada vez mais voraz se ensoberbecei
Assanha-se láo ispido , táo vivo,
Que querer abrizar o Ceo parece
Por algtm tempo entío Pan pensativo
5er castigo de Jcve reconhece,
E mais limido alli, c^ue furibundo ,
Falia aos m.onstror do Báratro profundo.
XLIV,
, ,
%46 K A R G U E I D A.
XLIV.
Clâro ená (disse Pan ) que o Grande Jove
A BaccHo favorece , e aos Lusitanos
A Dextra
, qje fez tudo , e tudo move
He que semêa sobre nós os danos :
XLVII.
, , ;
C A N To X. 2^T
XLVII.
Fmquânro isto âccnrece , o Grande Zârgo
Pcrtendit &o rciT;per da Wídrugada
O Lenho dâr ás ondas do Mar largo
Demandando Ulyssea Celebrada :
XLVIIL
Vinha de Vénus a fulgente Estrella
VTensageira Gentil da branca Aurora
Wostrando no Oriente a face bella ,
^ face luminosa , e brilhadora :
Quando Morales, desprendendo a véla
Aos d'huma aragem tentadora,
sopros
A' Frondosa Madeira a popa dando ,
Hia serenamente ondas cortando.
XLIX.
Corria pelo mar a undante Quilha,
Deixando atrás assignalada a esteira ;
Entre Nuvens se esconde a fértil Ilha
A sempre fértil Ilha da Madeira ;
}á Zargo as ondas plácidas retrilha
Que t Terra laváo , que lhe está fronteira
Já também deixa atrás o Porto Santo ,
Dos Habitantes seus com raro espanco.
L;
: :
14» Z A R GU E I D Ai:
L.
Lni.
; : ; ,
Canto x. 249
Lllf.
LVI.
;: ; ,
, ,
2$o Z A R G U E I D A.
LVI.
Tem Segurado o Thrcno Lusitano,
De Louros cercando a Regia Frenre
Fez de susto tremer o bravo H empano
Wostrando-lhe da Guerra o raio ardente:
Do seu Insigne Esforço mais que Humano
He Testemunha ainda a Lusa Gente :
Ninguém mais falle , Aliubarrota diga
Os estragos , que fez á Gente Imi^a.
LVII.
LVJII.
LIX.
C A N T o X. 25Í
1 LIX.
Do? Lusos confasissimo ruido
J^e escuta âlli com esrranheza rara :
LX.
Lxn.
:,
; : , : ,
í$a Z A R G U E I DA.
LXII.
Finalmente lhe diz, que elle accerdèra
O fogo , que os seus Bosques devorava
Por castigar de Pan a sanha fera
Que insidias infeinaes l^e maquitíâva
O Rei , que tudo cniáo Sábio pendera,
A Zargo entre feus braços apertava
E á Soberana Vo2 Jar^ando o freio,,
Desta sorte fallou de Prazer cheio
Lxin.
Henrique , Filho N^eu , nesse teu resto
lendo estou teu Pesejo assas bem justo:.
Tu queres ter a Gloria , ter o Gcsro
De premiar a Zargo a icdo o custo :
Em fim por breve mstante seja pcsto
Nas Tuas Wáos o meu Pcder Augusto j
Elege o Premio ,
que dar devo a Zargo;
Eu tudo apprcvarei d Animo Largo,
LXIV.
A Ti C que hum tão feliz Pescobrimcnto
Despertaste , contando co' a victoria ,
LXV
; ; , ,
^A N T o X. ajl
LXV.
A vozes o Infante Agradecido
taes
A Dextra beija ao Pai por tanto indulto,
E voltando-se a Zargo Esclarecido
Assim lhe falia com sereno vulto :
Lxvin,'
i54 Z A R G U E I D A.
I XVIII.
Os Príncipes, que os irériros premêáo,
Suas Acções, e Nones erernizão;
Dos Povos sens Adorações grangeáo,
E a pe7âr de Morrses se divinizáo :