Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Hal Foster
FOSTER, Hal. The return of the real: the avant-garde at the end of the century. The MIT
Press. London; 1996.
Resumo: Refletindo sobre o legado artístico do texto “O autor enquanto produtor” de Walter
Benjamin, Hal Foster discute um redirecionamento e o aparecimento de um novo paradigma
contemporâneo: O artista enquanto um etnógrafo.
Abstract: Reflecting about the artistic legacy of Walter Benjamin’s text The author as
producer, Hal Foster discusses a shift and the emerging of a new contemporary paradigm:
The artist as an ethnographer.
Uma das mais importantes intervenções na relação entre autoria artística e política cultural é
“O autor enquanto produtor” de Walter Benjamin, apresentado pela primeira vez em abril de
1934 sob forma de conferência no Instituto para Estudos do Fascismo em Paris. Lá, sob
influência do teatro épico de Bertold Brecht e dos experimentos factográficos de escritores
soviéticos como Sergei Tretiakov, Benjamin chamou o artista de esquerda “para tomar partido
junto ao proletariado”. Na Paris de 1934 este tipo de apelo não era radical, sua abordagem,
entretanto, o era. Benjamin impulsionava o artista “avançado” a intervir como um trabalhador
revolucionário nos meios de produção artística; para alterar a “técnica” da mídia tradicional
transformar o “mecanismo” da cultura burguesa. Uma “tendência” correta não era suficiente,
o artista deveria assumir um lugar “ao lado do proletariado”1. E “que lugar era esse?”.
Benjamin perguntava em sua escrita mordaz. “Aquele do benfeitor, de um patrono ideológico
– um lugar impossível”.
Muitas oposições estruturam este famoso argumento. Por trás do privilégio da
“técnica” sobre o “tema” e da “tomada de posição” sobre a “tendência”, encontra-se uma certa
vantagem do produtivismo sobre o prolekult, dois movimentos rivais na recente União
Soviética. O produtivismo trabalhou para desenvolver uma nova cultura proletária através de
uma extensão dos experimentos formais construtivistas em uma produção industrial
propriamente dita; neste sentido procurou pôr fim à arte burguesa e à cultura. Já, o proletkult
também politicamente comprometido, procurou desenvolver uma cultura proletária no sentido
mais tradicional da palavra, procurando transpor a arte e cultura burguesas. Para Benjamin,
isto não era suficiente: mais uma vez, implicitamente, ele imputou à movimentos como o
proletkult um patronato ideológico, que posicionou o trabalhador como um outro passivo2.
Apesar de difícil, a solidariedade com os produtores, que tinha importância para Benjamin,
era uma solidariedade da prática material e não sobre temas artísticos ou em forma de atitude
política isolada.
Um rápido olhar sobre este texto revela duas oposições que continuam a atormentar a
recepção da arte: qualidade estética versus relevância política, forma versus conteúdo;
questões “familiares e infrutíferas” desde 1934. Benjamin procurou superar estas oposições na
representação através de um terceiro termo, produção; mas as oposições não desapareceram.
No início de 1980, alguns artistas e críticos retornaram ao “Autor enquanto produtor” para
trabalhar questões contemporâneas sobre estas antíteses (por exemplo: teoria versus
ativismo).3 Desta maneira, esta leitura sobre Benjamin se diferenciava de sua recepção no
final da década de 70; em uma reconstituição de sua própria trajetória, rupturas alegóricas
entre imagem e texto foram recolocadas como intervenções culturais e políticas. Como
Benjamin havia reagido à estetização da política sob o fascismo, também estes artistas e
críticos responderam à capitalização da cultura e à privatização da sociedade sob o governo de
Reagan, Tatcher, Kohl entre outros, ainda que estas transformações tenham dificultado ainda
mais tal intervenção. De fato, quando esta intervenção não se restringia ao aparato artístico
isolado, suas estratégias eram mais situacionais do que produtivistas – ou seja, mais
interessadas com re-inscrições de representações4 já colocadas.
Isto não quer dizer que as ações simbólicas não causassem efeito; especialmente
aquelas que ocorreram da metade para o final da década de 80, em torno da crise da AIDS,
direito ao aborto e ao Apartheid (Eu penso nos projetos do grupo de artistas ACT-UP, os
pôsteres de Bárbara Kruger, as projeções de Krzysztof Wodiczko). Mas estes não são o meu
assunto aqui. Antes, quero sugerir que um novo paradigma estruturalmente similar ao antigo
modelo “Autor enquanto produtor” emergiu na arte avançada de esquerda: o artista enquanto
etnógrafo.
O que aconteceu aqui? Que desvios de interpretações ocorreram entre a antropologia, a arte e
outros discursos? Pode-se apontar para um teatro virtual de projeções e reflexos nas duas
últimas décadas, pelo menos. Primeiramente, alguns críticos da antropologia desenvolveram
um tipo de inveja do artista (o entusiasmo de James Clifford pelas colagens interculturais do
“surrealismo etnográfico” é uma exemplo importante). 24 E neste processo, o artista tornou-se
uma paradigma da reflexividade formal, um leitor auto-consciente da cultura entendida
enquanto texto. Mas aqui, o artista real ou não, seria este indivíduo uma projeção de um ego
ideal do antropologista: o antropologista enquanto um artista da colagem, um semiologista,
um vanguardista? 25
Em outras palavras, esta inveja do artista não seria uma auto-idealização
onde o antropólogo é reconstruído como um intérprete artístico do texto cultural? Raramente
esta projeção cessa na nova antropologia ou, neste contexto, em estudos culturais ou em um
novo historicismo. Muitas vezes, esta interpretação se prolonga sobre o objeto destes estudos,
o outro cultural, que é também reconfigurado para refletir uma imagem ideal do antropólogo,
crítico ou historiador. Esta projeção não é novidade para a antropologia: alguns autores
clássicos desta disciplina apresentam o conjunto de uma cultura enquanto coletivos de artistas
ou os lê enquanto modelos estéticos de práticas simbólicas (Patterns of Culture de Ruth
Benedict [1934] é apenas um exemplo). Mas pelo menos, a velha antropologia projetava
abertamente; a nova antropologia persiste nestas projeções, somente as considera
fundamentais/críticas e até desconstrutivas.
Obviamente, a nova antropologia entende a cultura de forma diferente, enquanto texto,
o que significa dizer que esta projeção sobre outras culturas é tão textual quanto estética. O
modelo textual supostamente desafia a “autoridade etnográfica” através de “paradigmas
discursivos do diálogo e da polifonia.”26. Contudo, há muito tempo atrás, em Outline of a
Theory of Practice (1972), Pierre Bourdieu questionou a versão estruturalista deste modelo
textual porque este reduzia “relações sociais em relações comunicativas e mais precisamente
em operações decodificadoras” e portanto, tornava o leitor etnográfico mais e não menos
autorizado.27 De fato, esta “ideologia do texto”, esta recodificação da prática enquanto
discurso, persiste na nova antropologia, assim como também, na arte “quasi-antropológica” da
mesma forma que, nos estudos culturais e no novo historicismo, apesar das ambições
contextualistas que também direcionam estes métodos.28
Recentemente a antiga inveja do artista entre os antropólogos deslocou-se de outra
maneira: uma nova inveja etnográfica assola muitos artistas e críticos. Se os antropólogos
desejavam utilizar o modelo textual na interpretação da cultura, estes artistas e críticos
aspiravam a um trabalho de campo onde teoria e prática pareçam se reconciliar. Muitas vezes,
eles esboçam indiretamente os princípios básicos da tradição do observador/participante, na
qual Clifford aponta um foco crítico sobre uma instituição particular e um tempo narrativo
que privilegia “o presente etnográfico.” 29 Contudo, estas apropriações são somente sinais do
direcionamento etnográfico em arte contemporânea e crítica. O que impulsiona este desvio?
Existem muitos enlaçamentos do outro na arte do século XX, a maior parte deles é
primitivista, com estreitas ligações com a política da alteridade: no surrealismo, onde o outro
é representado principalmente em termos do inconsciente; na art brut de Jean Dubuffet, onde
o outro representa um recurso redentor anti-civilizacional; no expressionismo abstrato, onde o
outro se coloca como exemplar primário de todos os artistas; e de forma variável na arte das
décadas de 60 e 70 (a alusão à arte pré-histórica em alguns trabalhos de site
specific/earthworks, em alguns tipos de arte conceitual e arte crítica institucional o mundo da
arte visto como um sítio antropológico, a invenção de sítios arqueológicos e civilizações
antropológicas por Anne e Patrick Poirier, Charles Simonds e muitos outros.) 30 Assim, o que
caracteriza este direcionamento atual, além de sua relativa auto-consciência sobre o método
etnográfico? Primeiro, como havíamos visto, a antropologia é apreciada como a ciência da
alteridade; e neste sentido é, conjuntamente com a psicanálise, a língua franca da prática
artística e do discurso crítico. Segundo, antropologia é a disciplina que considera a cultura
como seu objeto e este campo expandido de referências é o domínio da teoria e da prática pós-
moderna ( portanto também a atração por estudos culturais e em um grau menor, o novo
historicismo). Terceiro, a etnografia é considerada contextual, uma demanda muitas vezes
automática que artistas e críticos atuais dividem com outros praticantes, muitos dos quais
almejam desenvolver um trabalho de campo no dia-a-dia. Quarto, a antropologia é pensada
como reguladora da interdisciplinaridade, outro caminho habitual na arte contemporânea e na
crítica. Quinto, a recente auto-crítica da antropologia a torna atrativa, pois promete uma
reflexividade do etnógrafo no centro, preservando um romantismo do outro nas margens. Por
todas estas razões, as investigações escusas da antropologia, assim como críticas estranhas de
psicanálise, possuem um status de vanguarda: é como se, ao longo destas linhas que o
extremidade crítica realiza o corte de maneira mais incisiva.
Mas, a direcionamento etnográfico foi confirmado por outro fator, que inclui a dupla
herança da antropologia. Em Culture and Practical Reason (1976), Marshall Sahlins
argumenta que duas epistemologias dividem por muito tempo a temática: uma enfatiza a
lógica simbólica, onde o social é entendido principalmente em termos de um sistema de
trocas; a outra privilegia a razão prática, onde o social é entendido principalmente em termos
de cultura material.31 Neste aspecto, a antropologia já participa de dos dois modelos
contraditórios que dominam a arte contemporânea e a crítica: por um lado, na antiga ideologia
do texto, o direcionamento lingüístico na década de 1960 que reconfigurou o social enquanto
ordem simbólica e/ou sistema cultural e antecipou “a desintegração do homem”, “ a morte do
autor” e etc... E por outro lado, no desejo recente pelo referente, o direcionamento para o
contexto e para a identidade que se opõe aos velhos paradigmas textuais e às criticas do
sujeito. Com o direcionamento para este discurso dividido da antropologia, artistas e críticos
podem solucionar estes modelos contraditórios magicamente: eles podem assumir os
disfarces um semiólogo cultural e ou de um trabalho de campo contextual, eles podem
perpetuar e condenar a teoria crítica, eles podem relativizar e recentralizar o sujeito, tudo ao
mesmo tempo. No nosso estado corrente de ambivalências artístico-teóricas e de impasses
político-culturais, a antropologia é o discurso comprometido da escolha.32
Novamente, esta inveja do etnógrafo é compartilhada por muitos críticos,
especialmente em estudos culturais e no novo historicismo, que assumem o papel do
etnógrafo geralmente de uma forma mascarada: o etnógrafo dos estudos culturais vestido
como um colega aficionado (por razões de solidariedade política, mas com grande ansiedade
social); o novo etnógrafo historicista vestido como um mestre arquivista (por razões de
respeitabilidade acadêmica, mas com muita arrogância profissional). Primeiramente, alguns
antropólogos adaptaram métodos textuais do criticismo literário de modo a reformular a
cultura enquanto texto; então alguns críticos literários adaptaram métodos etnográficos de
modo a de reformular textos enquanto cultures writ small. E estas trocas foram responsáveis
por grande parte dos trabalhos interdisciplinares em um passado recente. 33 Mas existem dois
problemas neste teatro de projeções e reflexões, o primeiro metodológico; o segundo, ético.
Se tanto os direcionamentos textuais quanto os etnográficos dependiam de um único discurso,
quão realmente interdisciplinares poderão ser os resultados? Se os estudos culturais e o novo
historicismo freqüentemente trapaceiam um modelo etnográfico (quando não um modelo
sociológico), poderia ser “uma ideologia teórica comum que silenciosamente habita a
‘consciência’ de todos estes especialistas.... oscilando entre um vago espiritualismo e um
positivismo tecnocrático?”34 O segundo problema, mencionado acima é mais sério. Quando o
outro é admirado enquanto divertido na representação, subversivo no gênero e assim por
diante, poderia ele ser uma projeção do antropólogo, artista, crítico ou historiador? Neste
caso, uma prática ideal pode ser projetada no campo do outro, que então é solicitado a refletí-
la como se fosse não somente autenticamente indigenista mas, politicamente inovador.
Em parte esta é a minha projeção e a aplicação de métodos etnográficos antigos e
atuais, esclareceu muito. Mas também obliterou muito do campo do outro e em seu nome. Isto
é o oposto de uma crítica da autoridade etnográfica, de fato, o oposto do método etnográfico
pelo menos como eu os compreendo. E este “lugar impossível”, como Benjamin o chamou há
muito tempo atrás, é uma ocupação habitual de muitos antropologistas, artistas, críticos e
historiadores.
1
Walter Benjamin, Reflections, ed. Peter Demetz, trans Edmunt Jephcott ( New York:
Harcourt Brace Jovanovich, 1978), 220-38. Exceto quando indicado, todas as referências
subsequentes a Benjamin são deste texto.
2
Benjamin critica de maneira explícita somente dois movimentos, o ativismo e o Neue
Sachlichkeit (nova objetividade): o primeiro associado a escritores como Heinrich Mann e
Alexander Döblin, abastece o aparato burguês com temas revolucionários, enquanto o
segundo, associado com o fotógrafo Albert Renger-Patzsch, serve “para renovar de dentro - o
que é, conforme a moda- o mundo como ele é”. De fato, Benjamin continua relevante ainda
hoje, este fotógrafo transforma “mesmo a pobre mais abjeta num objeto de prazer.”
ii
NT: Ceci n’est pas une poème.
3
Ver por exemplo, Benjamin Buchloch, “Since Realism there was….(on the current
conditions of factographic art),” em Marcia Tucker, ed. Art & Ideology (New York: New
Museum of Contemporary Art, 1984). Buchloch discute o trabalho de Allan Sekula e Fred
Lonidier em particular.
4
“Autor como produtor” aponta para a única conjuntura do alto modernismo sobre a inovação
artística, revolução social e transformação tecnológica, mesmo quando Benjamin estava
atrasado; Stalin condenou a cultura de vanguarda (o produtivismo acima de tudo) em 1932,
um evento que deve transformar qualquer leitura deste texto. Hoje, faz muito tempo que a
triangulação do alto modernismo já acabou: não há mais nenhuma revolução socialista no
sentido tradicional do termo, e a transformação tecnológica apenas deslocou artistas e críticos
para além do modo dominante de produção. Resumindo, as estratégias produtivistas são
dificilmente pertinentes quando sozinhas.
Vestígios do produtivismo sobrevivem na arte e na teoria do pós-guerra, primeiro no estilo
proletário adotado por escultores como David Smith e Richard Serra, e na produção retórica
da arte pós-studio e na teoria textual (ex, Tel Quel na França). No começo da década de 70, as
críticas ao produtivismo emergiram; Jean Baudrillard perguntava se os meios de
representação haviam se tornado tão importantes quanto os meios de produção (ver capítulo 4,
nota 50). Isto provocou um giro situacionista na intervenção cultural (da mídia, local,
endereço, e assim por diante), e agora seguido, eu sugeri um giro etnográfico. (Eu delineio o
legado produtivista em “Somes uses and abuses of Russian Constructivism,” em Richard
Andrews, ed: Ar tinto Life [New York: Rizzoli, 1990].)
5
Chamar de mito não é dizer que nunca é verdade, mas questionar se é sempre verdade – e e
questionar se ele pode obscurecer outras articulações do político e do artístico. Num sentido, a
substituição da política pela arte agora desloca a substituição da teoria pela política.
6
Este perigo deve ser distinguido de “a indignidade de falar pelos outros”. Numa “entrevista
imaginária” de 1983 com este mesmo título, Craig Owens chamou os artistas para ir além da
problemática pordutivista para “desafiar a atividade mesma da representação” (em William
Olander, ed. Art and Social Change [Oberlin: Oberlin College, 1983]). Apesar da linguagem
pós-estruturalista, “a indignidade de falar pelos outros” apresenta a representação como um
deslocamento literal.Este tabu permeou a esquerda cultural norte-americana nos anos 80, onde
provocou um silêncio censurador mais do que um discurso alternativo.
7
Roland Barthes, Mythologies, trad Annette Lavers (New York: Hill and Wang, 1972), 146.
Não só a linguagem revolucionária é também mítica (aqui é também machista), mas esta
noção de linguagem, que termina entre o produtivismo e o performativo, é praticamente
mágica: linguagem aqui confere realidade, evocando-a.
8
Esta fantasia primitivista também pode operar em modernismos produtivistas, ao menos
para demonstrar que também o proletariado é frequentemente percebido como primitivo neste
sentido, negativamente (a massa como uma horda primordial ) e positivamente (o proletariado
como um coletivo tribal).
9
Por exemplo, ver Bataille, “The notion of Expendidure” (1933) em Visions of Excess, ed. e
trad. Allan Stoekl (Minneapolis: University of Minnesota Press, 1985), e Senghor, Anthologie
de la Nouvelle Poésie et Magalache d’Expression Française (Paris : Presses Universitaires de
France, 1948)
10
James Clifford descreve o texto de Leiris como “auto-etnografia” em The predicamant of
Culture (Cambridge: Harvard University Press, 1988), 170.
11
Ver Fanon, “The Fact of Blackness,” em Black Skin, White Masks (1952), trad. Charles
Lam Markmann (New York: Grove Press, 1967), e Soyinka, Myth, Literature, and the African
world (Cambridge: Cambridge University Press, 1976).
12
Johannes Fabian, Time and the Other: How Antropologhy makes its object (New York:
Columbia University Press, 1983), 11-12. Para um discussão sobre tais mapeamentos na
história da arte ver “The writing on the wall”, em Michael Govan, ed. Lothar Baumgarten,
américa: Invention (New York: Giggenheim Museum, 1993).
13
Sigmund Freud, Totem and Taboo, trad. James Strachey (New York: W.W. Norton, 1950),
1. Esta estranha associação do selvagem e do neurótico – de fato do primito, do insano e da
criança – foi tão fundamental para o alto modernismo como parecer natural. Sua
desarticulação exporia muitos mitos.
14
Entretanto um novo perigo surgiu aqui: uma estetização, de fato, uma fetichização de
signos do híbrido e espaços do entre. Ambos não privilegiaram a mistura, mas de maneira
mais problemática, pressupunham uma distinção prévia ou até mesmo, alguma pureza.
15
Ver Franco Rella, The Myth of the Other, trad. Nelson Moe (Washington: Maisonneuve
Press, 1994), especialmente 27-28. Alguém pode considerar que esta ‘re-valoração’ (ex, do
“negro” ou do “gay”) é parte de qualquer política de representação. Ver Stuart Hall, “New
Etnicities”, em Kobena Mercer, ed. Black Film, Black Cinema (London: Institute of
Contemporary Art, 1988).
16
Por exemplo, o movimento de negritude associou o colonizado e o proletariado como
objetos de opressão e reificação (ver Césaire, Discourse of Colonialism [Paris, 1955]), uma
afiliação política que preparou uma apropriação política. Em “Black Orpheus”, no seu
prefácio para a antologia de Senghor (citado na nota 9), Sartre escreveu: “ Pelo menos uma
vez a idéia subjetiva, existencial, étnica de negritude ‘passa’, como Hegel coloca, para uma
idéia objetiva, positiva e exata do proletariado... De fato, a negritude aparece como um termo
menor de ma progressão dialética” (x1). A qual Fanon respondeu: “Fui privado de minha
última chance... E então não sou eu que constrói um significado para mim mesmo, mas sim o
significado que já estava lá, preexistindo, esperando por mim, esperando por este giro da
história” (Black Skin, 133-34).
17
Michel Foucault, The Order of Things (New York: Vintage Books, 1970), 364. Eu retorno a
esta revelação no capítulo 7.
18
Paradoxalmente, esta preservação da identidade pode ter sido provocado por um
masoquismo moral na política da alteridade, que Nietzsche atacou em The Genealogy of
Morals (1887) como o ressentimento no trabalho dialético entre senhor e escravo. Como
Anson Rabinbach me sugeriu, Sartre exibe este masoquismo em seu famoso prefácio para The
Wretched of Earth onde, como numa resposta ao desafio da apropriação dialética (ver nota
16), ele então posiciona que a descolonização é o “fim da dialética” (1961; trad. Constance
Farrington [New York: Groove Press, 1968], 31). Sartre então ultrapassa o argumento
Fanoniano de que a colonização também desumanizou o colonizador através de um chamado
masoquista para reduplicar a vingança redentora do colonizado. Seria este masoquismo moral
uma versão disfarçada de um “patronato ideológico”? É um ressentimento de segunda ordem,
uma posição de poder na pretensão de sua rendição? É uma outra maneira de manter a
centralidade do sujeito sobre o outro?
19
Sobre a psicanálise por este olhar ver Mikkel Borch-Jabobsen, The Freudian Subject. trad.
Catherine POorter (palo Alto: Stanford University Press, 1988). Sou também grato a Mark
Seltzer, “Serial Killers, I and II”, em Differences (1993) e Critical Inquiry (Autumn 1995)
20
Claude Lévi-Strauss, The Sauvage Mind (Chicago: University Press, 1966), 247. Esta é sua
reividicação contra a dialética Sartreana.
21
Ver Foucault, The Order of Things, 340-43. “’Antropologização’ é a grande ameaça interna
do conhecimento nos nossos dias” (348). Mas esta restauração pode ser o que a arte quase-
antropológica deseja, e que certamente foi originada em alguns estudos culturais. The Order
of Things termina com a imagem apagada do homem; Crusoe’s Footprints, a visão geral de
Patrick Bantlinger sobre os estudos culturais, termina com suas marcas na areia (New York:
Routledge, 1990). Esta multiplicidade de homens não pode perturbar a categoria do homem.
22
Clifford desenvolve a noção de um “auto-remodelamento etnográfico” em The Predicament
of Culture, em grande parte de Stephen Greenblat em Renaissance Self-Fashioning (Chicago:
University of Chicago Press, 1980). Este sugere uma existência de atributos comuns entre a
nova antropologia e o novo historicismo. Mais sobre isto, abaixo.
23
Em “World Tour”, uma série de instalações em lugares diferentes, Renée Green
performatiza este nomadismo do artista reflexivamente. Por um lado, ela trabalha sobre traços
da diáspora africana; por outro, ela faz um tour de arte (sua camiseta “World Tour” brinca
com o modelo dos concertos de rock)
24
Em The Predicament of Culture Clifford estende esta noção de etnografia em geral: “Não é
todo etnógrafo algo de surrealista, um reinventor e um trapaceiro das realidades?” (147).
Alguns questionaram de que maneira a arte e antropologia eram recíprocas no ambiente
surrealista. Ver Jean Jamin, “L’etnografie mode d’inemploi. De qualques rapports de
l’ethnologie avec le malaise dans la civilisation,” em J. Hainard e R. Kaehr, eds., Le mal et la
douleur (Neuchâtel : Musée d’etnographie, 1986) ; e Denis Hollier, « The Use-Value of the
Impossible », October 60 (Spring 1992)
25
Não exclusiva para a nova antropologia, esta cobiça do artista é evidente na análise retórica
do discurso histórico iniciado na década de 60. “Não houveram empreendimentos
significantes”, escreve Hayden White em “The Burden of History” (1966), “na historiografia
surrealista, expressionista ou existencialista deste século (exceto por novelistas e poetas), para
todas as vangloriadas ‘obras’ dos historiadores dos tempos modernos” (Tropics of Discourse
[Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1978], 43). Clifford Geetz coloca a antropologia
“textual” no mapa em The Interpetration of Culture (New York: Basic Books, 1973)
26
Clifford : “A antropologia interpretativa, por visualizar culturas como assemblagens de
textos... contribui de maneira significativa para a desfamiliarização da autoridade etnográfica”
(The premedicament of Culture, 41).
27
Pierre Bourdieu, Outline of a Theory of Practice, trad. Richard Nice (Cambridge:
Cambridge University Press, 1977). 1. Os “paradigmas discursivos” da nova antropologia são
diferentes – pós-estruturalista mais do que estruturalista, dialógico mais do que decodificador.
Mas uma orquestração Bahktniana das vozes do informante não evita a autoridade
etnográfica. Em “Banality in Cultural Studies”, Meaghan Morris comenta: “Uma vez que ‘as
pessoas’ são ao mesmo ao mesmo tempo a procura da autoridade para um texto ou uma figura
de sua própria autoridade crítica, a empresa populista não é unicamente circular mas (como a
maioria das sociologias empíricas) narcisista em estrutura” (em Patrícia Mellencamp, ed., The
Logics of Television [Bloomington: Indiana University Press, 1990], 23).
28
Ver Fredric Jameson, Ideologies of Theory (Minneapolis: University of Minnesota Press,
1989). Como percebe Jameson, o primeiro movimento textual foi necessário para que a
antropologia perdesse suas tradições positivistas. Em “New Historicism: A comment”,
Hayden White aponta para uma “falácia referencial” (relacionada à minha “hipótese realista”)
e uma falácia textual (relacionada a minha “projeção textual”): “Por isto que o desafio do
Novo Historicismo é reducionista num duplo sentido: ele reduz o social ao status de uma
função do cultural, e então mais adiante, reduz o cultural ao status de um texto” (em H. Aram
Veeser, ed. The New Historicism [ New York: Routledge, 1989], 294).
29
Ver Clifford, The Predicament of Culture, 30-32. “O presente etnográfico” é antiquado em
antropologia.
30
Sobre este aspecto da arte conceitual ver Joseph Kosuth, “The Artist as an Anthropologist”
The Fox 1 (1975)
31
Marshall Sahlins, Culture and Practical Reason (Chicago: University of Chicago Press,
1976). Esta crítica foi escrita no ápice do pós- estruturalismo, e Sahlins, então próximo a Jean
Baudrillard, favoreceu a lógica simbólica (lingüística) sobre a razão prática (marxista). “Não
há material lógico separado do interesse prático”, escreveu Sahlins, “ e o interesse prático do
homem na produção é constituído simbolicamente” (207). “Na cultura Ocidental”, continua,
“a economia é o lugar principal da produção simbólica. Para nós, a produção de mercadorias é
ao mesmo tempo o modo privilegiado da produção simbólica, e da transmissão simbólica. A
exclusividade da sociedade burguesa não consiste no fato de que o sistema econômico escapa
da determinação simbólica, mas que o simbolismo econômico é estruturalmente
determinante.”
32
A regra do etnógrafo também permite que o crítico recupere um posição crítica ambivalente
entre o acadêmico e outras culturas, especialmente quando as alternativas parecem limitadas à
irrelevância acadêmica ou à afirmação subcultural.
33
Estas trocas não são triviais no momento em que tais posições são consideradas de modo
estrito – e quando alguns administradores defendem um retorno a antigas disciplinas,
enquanto outros procuram recuperar as venturas interdisciplinares como programas de custo
efetivo. Incidentalmente, tais trocas parecem ser governadas por princípios usados do
discurso: quando uma disciplina se despe do paradigma (“texto” na crítica literária, “cultura”
na antropologia), ela o usa em troca, ultrapassando-o.
34
Louis Althusser, Philosophy and spontaneous Ideology of the Scientists & Other Essays
(London: Verso, 1990), 97. O giro etnográfico em estudos culturais e no novo historicismo é
raramente questionado. Em Renaissance Self-Fashioning (1980), um texto fundamental do
novo historicismo, Stephen Greenblatt é explícito: “Eu havia apontado [ao invés de uma
crítica literária] para uma prática mais cultural ou para uma crítica antropológica – se
considerarmos aqui por “antropológico”, os estudos interpretativos da cultura feitos por
Geertz, James Boon, Mary Douglas, Jean Duvignaud, Paul Rabinow, Victor Turner e outros”.
Tal crítica percebe “a literatura como uma parte do sistema de signos que constituem uma
dada cultura” (4). Isto então, parece um círculo metodológico: a crítica textual aborda a
interpretação antropológica, mas somente por seu novo objeto, a cultura, que é reformulada
como texto.
Os estudos culturais de Stuart Hall realizados no Centro Brimingham desenvolveram uma
crítica que ia do literário para o cultural e posteriormente para o ideológico, com uma “larga
abrangência, da definição ‘antropológica’” da cultura como um resultado (citado em
Brantlinger, Crusoe’s Fotprints, 64). Este giro foi também básico para os estudos culturais
norte-americanos. De Janice Radway do Centro Briminghan entre os estudos americanos, que
também foram decisivos para uma mudança de “uma moral literária da cultura para uma
outra, antropológica”. Também importante foi uma resposta crítica sobre a leitura, que
preparou as “etnografias da leitura” dos estudos culturais (Reading the romance [Chapel Hill:
University of North Carolina Press, 1991] 3-4). Aqui também, as bases etnográficas são
investigadas, mas não questionadas. A nova antropologia questiona a hipótese etnográfica,
mas suas respectivas hipóteses são raramente questionadas, pelo menos quando consideradas
nos estudos culturais e no novo historicismo.
35
Então por exemplo, John Lindell, um membro do coletivo Gran Fury, disse: “Em termos do
meu próprio trabalho, o desejo homossexual é um sítio, e o mundo gay em sua abrangência
também é um sítio. Novamente estou tentando diluir a noção de um sítio físico: um sítio pode
ser um grupo de pessoas, uma comunidade” (“Roundtable On Site-Specificity”, Documents
4/5 [ Spring 1994]: 18).
36
Para Martha Rosler, ver especificamente 3 Works (Halifax: the Press of Nova Scotia School
of Art and Design, 1981); e para Allan Sekula ver Photography Against the Grain: Essays
and Photo Works 1973-1983 (Halifax: The Press of Nova Scotia School of Art and Design,
1984) e Fish Story (Düsseldorf: Richter Verlag, 1995). Para Fredric Jameson sobre o
mapeamento cognitivo ver Postmodernism (Durham: Duke University Press, 1990).
37
Para Mary Kelly ver Ínterim (New York: New Museum of Contemporary Art, 1990); e para
Silvia Kolowski ver XI Projects (New York: Border Editions, 1993). Muitos outros artistas
também questionam as representações documentais e/ou trabalham por sobre os mapeamentos
etnográficos (Susan Hiller, Leandro Katz, Elaine Reichek...). Para um resumo, ver Arnd
Schneider, “The Art Diviners”, Anthropology Today 9, nº2 (April 1993).
38
Ver Bordieu, Outline for a Theory Practice, 2.
Sobre tais oposições ver Fabian, Time and the Other, e sobre Baumgarten ver meu “The
39