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DIREITO PENAL E CONTROLE SOCIAL

Márcia Boen Garcia Liñan Figueiredo* & Enio Luiz Rossetto**

RESUMO RESUMEN

O presente trabalho discute as questões Este artículo discute los temas de


do Direito Penal e o Controle Social, a partir Derecho Penal y Control Social, de los
dos fenômenos de violência e a dificuldade do fenómenos de la violencia y la dificultad del
Estado em resolvê-los, o surgimento das Estado en la resolución de ellos, la aparición de
desigualdades sociais, protestos de jovens, de la desigualdad social, las protestas de los
desempregados e outros movimentos sociais jóvenes, los desempleados y otros
num mundo globalizado das redes sociais. Para movimientos sociales en un mundo
a obtenção de um novo Bem Estar Social há globalizado de las redes sociales. Para
necessidade de uma interação entre a obtención de una nueva Bienestar Social se
organização de controle social informal como necesita de una interacción entre la
a família, escola, associações locais, meios de organización del control social informal, como
comunicação bem como as de controle social la familia, la escuela, las asociaciones locales,
formal como a polícia, sistema judiciário, los medios de comunicación y el control social
instituições prisionais. Em função da formal, como la policía, el poder judicial, las
diversidade de classes sociais deve-se buscar cárceles. Debido a la diversidad de clases
um modelo de controle penal e social de forma sociales se debe buscar un modelo de justicia
democrática, que garanta os direitos civis, penal y del control social de manera
políticos e sociais. democrática, que garantiza derechos civiles,
políticos y sociales.

Palavras-chave: Direito Penal. Controle Keywords: Derecho Penal. Control Social.


Social. Ressocialização. Educação. Resocialización. Educación. Crimen. Estado
Criminalidade. Estado Democrático de Democrático.
Direito.

*Aluna da Graduação do Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas – Faculdade de Direito. Trabalho
apresentado à Iniciação Científica da FMU no ano de 2013.
**Professor de Direito Penal do Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas - Faculdade de Direito.
Orientador do trabalho de Iniciação Científica FMU no ano de 2013.
Mestre em Direito Penal pela USP.
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poderiam buscar o objetivo pretendido pela


Introdução sociedade que é o bem-estar social. Nesse
aspecto surge a discussão da formação policial,
O presente trabalho discute as questões de uma educação alternativa, e da importância
do Direito Penal e o Controle Social, a partir dos sistemas de informação policial.
dos fenômenos de violência e a dificuldade do O primeiro capítulo deste artigo analisa a
Estado em resolvê-los, o surgimento das evolução histórica de controle das formas de
desigualdades sociais, protestos de jovens, de punição do Direito Penal; as correntes de
desempregados e outros movimentos sociais pensamento e sua influência.
num mundo globalizado das redes sociais. Em seguida, buscou-se compreender a
Buscam-se alternativas de controle social entre relação do Sistema Penal como parte do
o formal e o informal, discutindo-se a mediação controle social, um dos instrumentos pelos
de conflitos por meio das tecnologias policiais, quais a sociedade pode contar a fim de obter por
a construção de uma nova educação aliada a um parte de seus integrantes os comportamentos
bom treinamento policial, amplo acesso à sociais esperados.
Justiça, as penas alternativas, humanização dos O terceiro capítulo, final desse trabalho,
sistemas prisionais buscando a ressocialização analisa como objeto de estudo o controle social
dos culpados. formal, a polícia. O papel do Controle Social
A sociedade nos “educa” para em nossas vidas, a questão dos Direitos
determinados fins, tais como, quais metas Humanos e a Dignidade da Pessoa Humana,
buscar, quais caminhos seguir, ou seja, tenta apontando a situação agravante das prisões,
nos conduzir por um caminho dito “correto”. crime violento, “terra sem lei”, a subcultura do
Os desvios desses caminhos devem estar prisioneiro, as normas de vida acatadas pelos
previstos em uma sociedade, as previsões e internos como um ajuste à nova vida, e
soluções formam parte integrante do mostrando que nesse sistema prisional não
denominado processo de socialização. De existe a reabilitação dos agentes.
acordo com Rodríguez (2001), a socialização é Em função das desigualdades sociais, das
o processo pelo qual o indivíduo vai se necessidades da vida como geração de renda e
integrando à sociedade e interiorizando as de oportunidade de trabalho, bem como acesso
formas de conduta. A primeira é a socialização à educação e à saúde, surgem ainda outras
primária que ocorre na infância, por meio da necessidades da sociedade como a organização
qual o indivíduo se converte em membro da do controle social formal de forma inovadora,
sociedade, aprende acerca do certo e do errado, como a polícia, orientada em um novo modelo
cercado de afeto e atenção, para que em uma de formação educacional, pela construção de
fase posterior à infância, na socialização uma nova profissão policial, com a
secundária, possa interpretar que as normas responsabilidade e dignidade que essa profissão
penais fazem parte da condução do requer, com uma abordagem multidisciplinar,
comportamento humano, questões como conduzindo a uma democracia digna e
valores morais, éticos e sociais. As normas socialmente justa, que garanta uma segurança
sociais ou regras de conduta são acompanhadas cidadã.
de sanções. A sanção pode ser positiva
(recompensa como prêmio, elogio) ou negativa 1.Breve Evolução Histórica: Formas
(castigos como desprezo, segregação do grupo, de Punição
prisão).
O controle social é um instrumento do Direito Penal é o instrumento do controle
qual não se pode abrir mão para a socialização formalizado, buscando adequar os
do indivíduo. Não se pode viver sem controle comportamentos com a finalidade de alcançar a
social. convivência harmoniosa, de acordo com cada
Desta forma, os modos de controle social organização social, uma vez que protege os
formal - polícia, sistema judiciário, instituições bens jurídicos mais relevantes, como a vida, por
prisionais -, e o informal – família, escola, exemplo. O Direito Penal tem o poder de punir
associações locais, meios de comunicação -, o infrator em qualquer tipificação penal, cujos
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pressupostos são os de manter o respeito em com atmosfera de incerteza, insegurança e


relação aos direitos fundamentais do indivíduo, justificado terror. Desigualdade de punição
estabelecidos na Magna Carta, a Constituição entre nobres e plebeus, sistema repressivo, com
Federal de 1988, a proposta garantista. a pena capital aplicada com monstruosa
Para que se possa entender o delito e o frequência e executada por meios brutais como
delinquente em um determinado contexto a forca, fogueira, roda, afogamento,
social, há que se analisar a evolução histórica estrangulação, arrastamento, arrancamento de
das ideias penais, analisar as concepções vísceras, enterramento em vida,
filosóficas em um determinado recorte esquartejamento; torturas em que a imaginação
histórico, as estruturas políticas, econômicas, a se exercitava na invenção dos meios mais
fim de se buscar o entendimento do engenhosos de fazer sofrer e multiplicar e
relacionamento do indivíduo com a sociedade e prolongar o sofrimento, mutilações dos pés,
o Estado. mãos, línguas, lábios, nariz, orelha, castração,
Iniciando-se com a vingança privada na pescoço, açoites, penas propriamente
qual a justiça era feita pelas próprias mãos (Lei infamantes, e onde a pena privativa de
de Talião), era o “olho por olho, dente por liberdade, quando usada, se tornava hedionda
dente”. pelas condições em que então se executava.
As religiões em geral consideram o delito Evidentemente, desde épocas remotas, o
como pecado, o indivíduo deve expiar o pecado homem busca formas de controle social com o
por meio da tortura para obter confissão, a intuito de conter os delitos. Por vezes, utilizou
prova, aplicada pela Igreja Católica – no auge o poder e a força para alcançar seus objetivos.
da Inquisição com os Tribunais do Santo Cita-se, como exemplo claro, a colonização
Ofício, a partir de 1215. Finalmente, superando europeia, no caso do Brasil, a portuguesa, que
as fases da vingança privada e da vingança na verdade buscava a exploração das riquezas à
divina, chegou-se à vingança pública (“Período custa da escravidão adotada no país. Nessa
das Trevas”), cujo objetivo era a segurança do época, a população nativa que habitava o país
monarca pela sanção penal, que mantém as era muito frágil, apesar de sua revolta
características da crueldade e da severidade da permanente nos séculos XVI e XVII, e que foi
Inquisição, com o mesmo objetivo controlada mais facilmente por meio da
intimidatório (Bitencourt, 2012, p.72). catequese dos jesuítas ou pela escravidão dos
Época do Estado forte, absolutista, a negros africanos.
punição recaía sobre o corpo provocando o Mesmo após a libertação dos escravos
maior sofrimento possível, prolongando o pela Princesa Isabel em 13 de maio de 1888,
sofrimento até a morte, cujo poder era exercido tanto os negros como os indígenas passaram a
pelo medo. É o processo do Antigo Regime ser marginalizados.
(perdurou até segunda metade do século Para Umberto Gaspari Sudbrack (2012,
XVIII), uma sociedade de ordens e de ordem, p.44), os índios e negros foram as primeiras
que procura respeitar a autoridade divina e a vítimas de políticas de genocídio públicas e da
humana, mesmo quando multiplicada suas violência dos agentes do Estado pelo menos por
transgressões. cinco séculos. Já era uma estrutura desigual de
Nessa época, o Direito era gerador de grandes tensões sociais, e havia separação entre
desigualdades, com privilégios, heterogêneo, ricos, classe média, pobres e miseráveis, e a
caótico, construído sobre um conglomerado preocupação dos grupos dominantes em relação
incontrolável de ordenações, leis arcaicas, aos grupos populares no que diz respeito à
editos reais e costumes, arbitrário, manutenção da ordem.
excessivamente rigoroso. Era a defesa do As leis portuguesas foram aplicadas no
príncipe e da religião, cujos interesses se Brasil desde a colonização, com influência da
confundiam, e que introduziu o critério da razão Igreja na legislação, cujo primeiro corpo
de Estado no Direito Penal, o arbítrio judiciário, legislativo chamado Codex Legum ou Lex
sem limites, não só na determinação da pena,
mas na definição dos crimes, justiça punitiva

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Wisigotothorum (Fuero Juzgo) 1 entrou em Século das Luzes, baseado no contrato social,
vigor em 693 e com grande intolerância tratando do princípio da igualdade perante a lei;
religiosa, principalmente em relação aos o poder sendo exercido de forma legítima e não
judeus. Foram previstas penas corporais pela força, no qual “cada indivíduo deposita
(mutilação), mas admitia-se também a parte de sua liberdade” para que haja harmonia
composição. O processo era das ordálias – social. Cesare Beccaria traz uma visão do delito
provas judiciárias sem direito a defesa. Pela de forma racional, contemplado pelo
compilação publicada em 1446, sob o reinado pensamento do Iluminismo da época,
de Dom Afonso V, portanto, as Ordenações questionando o antigo regime do Direito Penal
Afonsinas, a pena de morte é aplicada com alcançando o que hoje se tem como Direito
frequência, com desigualdade entre plebeus e Penal Mínimo.
nobres e a forma de conter os homens era Beccaria apud Câmara (2003, p. 5)
realizada por meio do terror e sangue. Em 1521 posiciona-se contra as leis e costumes da época,
surgem as Ordenações Manoelinas contra a arbitrariedade dos juízes: “O delito ou
estabelecidas por Dom Manoel I, e em 1536 é certo ou é incerto; se é certo, não lhe convém
passa a funcionar a Inquisição baseada no outra pena senão a estabelecida pela lei, e
Tribunal de Inquisição da Espanha a qual era inúteis são as torturas, porque inútil é a
aplicada por Torquemada, sendo que Portugal confissão do réu; se é incerto, então não deve
segue a mesma linha de tortura e os autos de fé torturar-se um inocente, porque é inocente,
e as fogueiras; e em 1603 as Ordenações segundo as leis, o homem cujos delitos não
Filipinas estabelecidas pelo Rei Felipe II da estão provados (...). Este é o meio de absolver
Espanha e aplicadas por Portugal, apesar de já os robustos celerados e de condenar os débeis
ter se separado da Espanha. Desde o século inocentes”; e a desnecessidade e inutilidade da
XVII o legislador tinha a preocupação em outra: “A pena de morte causa uma impressão
castigar escravos, os quais já aculturados e que, apesar da sua força, não supre o olvido
despossuídos de seu patrimônio original rápido, natural no homem mesmo nas suas
tiveram de se adaptar às novas condições de coisas mais essenciais, e acelerado pelas
exploração nas fazendas patriarcais (op. cit., paixões”. Desta forma, Beccaria deslegitima a
2012, p.45-46). pena de morte como instrumento de repressão
Ao mesmo tempo, nessa época na ao crime, mostrando que a intimidação nasce
Europa, surge a publicação em 1764 do livro não da intensidade, mas da extensão da pena
“Dos Delitos e Das Penas”(Dei Delitti e delle (prefere a pena de prisão perpétua à pena
Pene), por Cesare Bonessana, Marquês de capital).
Beccaria (Milão, 1738-1794), inspirado pelas Diz Beccaria: “Cabe aos teólogos
ideias de Montesquieu, Rousseau, Voltaire e estabelecer os limites do justo e do injusto, no
Locke, marcam o início do Direito Penal que diz respeito à malícia ou à bondade
moderno, da Escola Clássica do Direito Penal, intrínsecas do acto; estabelecer as relações do
é o Período Humanitário, época do Iluminismo, justo e do injusto políticos, isto é, do que é útil

1
O Fuero Juzgo foi o primeiro código jurídico a vigorar rei mandasse (Livro VI, tít. IV). Só era punido o
na Península Ibérica, após o Direito Romano. Teve várias homicídio quando havia vontade de matar: quem matasse
versões, desde o Breviário de Alarico (reinou de 484- outro homem sem o conhecer, sem malquerença alguma,
507), passando a se chamar Código Visigótico, até chegar não seria punido. Quem matasse algum parente, seria
à definitiva, como Fuero Juzo, em 693 (LOBO, Abelardo morto (Livro VI, tít. V). O furto em geral era punido com
Saraiva da Cunha. Curso de Direito Romano. Brasília: uma pena pecuniária (Livro VII). Ladrões noturnos ou
Senado Federal, Conselho Editorial, 2006, p. 349). Havia armados que fossem mortos, não implicariam em pena
penas arbitrárias, como, por exemplo, para o caso de para quem os matasse (Livro VII, Título II). Falsários vis
alguém ser envenenado e não morrer do veneno: o teriam a mão decepada: nobres, pagariam uma
criminoso era entregue à vítima, para que lhe fizesse o indenização (Livro VII, tít. V). Em resumo, as penas
que quisesse (Livro VI, tít. II). Quem oferecesse eram açoites, redução à condição de escravo, morte e
sacrifício ao diabo, receberia 200 açoites e teria a fronte pecuniárias. Disponível em:
assinalada (Livro VI, tít. I). Quem provocava aborto com http://brasocentrico.blogspot.com.br/2010/03/as-penas-
ervas, recebia 200 açoites se fosse servo; se não fosse, e-o-processo-no-fuero-juzgo.html
perderia sua dignidade e seria dado por escravo a quem o

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ou do que é prejudicial para a sociedade, isso comunicação e cada pequena cela


respeita ao publicista”, o que demonstra que a tem uma porta que se abre para a
galeria. Uma torre ocupa o centro e
“transcendência é substituída pela imanência da esta é o lugar dos inspetores: mas a
lei” e que “as raízes teológicas da lei são torre não está dividida em mais do
cortadas” (Reis Marques2 apud Câmara, 2003, que três andares, porque está
p.307). disposta de forma que cada um
Afirma Câmara (2003, p. 307) que a domine plenamente dois andares da
cela. A torre de inspeção está
inequívoca intencionalidade de dessacralizar o também rodeada de uma galeria
direito penal trouxe como consequência quase coberta de uma gelosia transparente
que imediata a inclusão dos “delitos” no Index que permite ao inspetor registrar
dos livros proibidos pela Igreja já no ano de todas as celas sem ser visto. Todo
1776, suprimido duzentos anos depois, por edifício é como uma colméia, cujas
pequenas cavidades podem ser
ocasião do Concílio Vaticano II. Enfim, vistas desde um ponto central. O
Beccaria “reza”, sem dúvida, o evangelho da inspetor invisível reina como um
razão. espírito. O nome”panóptico”
Apesar da Revolução Francesa, o Direito expressa a faculdade de ver, com
Criminal permanece desumano, tendo Voltaire um olhar, tudo o que nele se faz.
chamado os magistrados de seu tempo de
A pesquisa de Bentham tem início na
bárbaros de toga. (Prado, 2013, p.95-96).
influência da obra do gravurista Giovanni
Outro personagem importante foi o do
Battista Piranesi, publicada em 1745 com o
advogado Jeremy Bentham, (Londres, 1748-
título “Carceri d'Invenzione” (Invenção de
1832), que sempre buscou o sistema de controle
Presídios), na qual elaborou várias gravuras ou
social, um método de controle de
invenções de presídios, idealizando nos
comportamento humano conforme o
projetos espaços diáfanos, planos transparentes
utilitarismo, que se traduz na procura da
e plantas centralizadas, em forma circular.
felicidade para maioria ou simplesmente da
Além dessa pesquisa, Bentham buscou a obra
felicidade maior. Um ato possui utilidade se
do francês Brissot de Warville, na obra
visa produzir benefício, vantagem, prazer, bem-
“Théorie dês lois criminelles”, publicada em
estar, e serve para prevenir a dor. Para
1781, descrevendo uma prisão modelo, a prisão
Bentham, o homem sempre busca o prazer e
que mais tarde serviu de inspiração à obra do
foge da dor. Desenvolveu a importância do
arquiteto francês Claude Nicola Ledoux.
projeto da arquitetura penitenciária,
A casa de correção de Brissot possuía
denominado de “Panóptico”, e apesar de dar
quatro andares, um quadrado perfeito dividido
importância à prevenção especial, considerava
em quatro partes, cada parte destinada a um tipo
que esta deveria estar em segundo plano, com o
de detentos: mulheres e crianças, devedores,
objetivo de cumprir o propósito da pena, que
libertinos e assassinos que esperavam a
seria a punição.
execução ou deportação. Cada parte possuía
Bentham apud Bitencourt (2012, p. 85-
seus escritórios, enfermarias e pátios para
86) afirmava:
exercício. A capela estava situada no centro.
Uma casa de Penitência, deveria ser Por outro lado, a construção realizada pelo
um edifício circular, dois edifícios arquiteto Ledoux, se referia à construção de
encaixados um no outro. Os quartos uma fábrica de extração de sal, nas
dos presos formariam o edifício da proximidades do Bosque de La Chaux,
circunferência com seis andares e
podemos imaginar esses quartos
conduzindo nesse local a água salgada por meio
com umas pequenas celas abertas de uma canalização (Salina Real de Arc-et-
pela parte interna, porque uma Senans, de 1774-79).
grade de ferro bastante larga os Diz Vidler (1994, p.44 e 50) que a obra
deixa inteiramente à vista. Uma de Ledoux se situava entre o simbolismo pré-
galeria em cada andar serve para

2
MARQUES, MÁRIO REIS. “A Problemática da Cunha (Org.). Instituições de Direito. Coimbra:
fundamentação do direito”. In: Paulo Ferreira da Almedina, jun. 1998. p. 219-285.

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panóptico de vigilância e o modelo proto- Na época de Bentham, esse zoológico


rousseaunianos de comunidade (estado da desapareceu, mas encontramos no programa do
natureza, o “bom selvagem”). A salina ainda Panóptico a preocupação análoga da
existe, apesar das restaurações. Esta obra foi a observação individualizante da caracterização,
que teve maior influência para Bentham. da classificação e da organização analítica da
Interessante notar que a edificação constava de espécie. (Foucault, Microfísica do Poder, 2008,
dois prédios para fabricação do sal e no centro p. 168 apud Faller). Da mesma forma, a
entre os dois prédios da fábrica localizava-se o Penitenciária de Stateville, Illinois, Estados
edifício do Diretor, e ao redor destes edifícios Unidos, já abrigou alguns dos criminosos mais
às casas dos operários em forma de semicírculo, famosos de Chicago e foi proclamada ser “mais
gravitando em torno do centro, no qual estava o dura prisão do mundo”. A casa de reclusão
prédio do diretor, desta forma, o diretor apresenta em sua forma a estrutura panóptica e
localizado no prédio central possuía a visão dos tem como missão: “incentivar e promover um
trabalhadores nas fábricas, bem como das casas clima de condições de segurança em que os
dos operários. infratores e funcionários podem desenvolver
O edifício do diretor era considerado o atividades positivas e promover programa de
“eixo do poder”, “o olho”, o local da vigilância. trabalho, oportunidades e experiências que os
Diz Ledoux apud Vidler (1994, p. 50): “O olho infratores guiam em direção à reintegração na
vigia facilmente a linha mais curta; o comunidade”.(Faller, 2012, p. 21).
trabalhador percorre o local com passos Seguindo o mesmo modelo panóptico foi
rápidos; o trajeto se faz com rapidez com a construído o Presídio Modelo da Isla de Pinos,
esperança de um pronto retorno. Tudo obedece depois rebatizada de Isla de la Juventud, foi
a esta combinação que perfecciona a lei do uma das cruéis prisões usadas por Fidel Castro.
movimento”. Construída pelo ditador cubano Gerardo
Para Foucault (Vidler, 1994, p. 52) esta Machado entre 1926 e 1931, nesta prisão Fidel
planta era uma espécie de “máquina de Castro e seu irmão Raul Castro ficaram presos
observar”, um aparelho disciplinar perfeito, depois de um ataque mal sucedido ao Quartel
uma premonição do sistema de Bentham, um de Moncada em Santiago de Cuba, cumprindo
centro perfeito, a funcionalização do controle pena de 1953 a 1955. Após a luta empreendida
visual, tal como o teatro de Besançon (cidade por Fidel em 1959, e agora no poder, manteve a
de Besançon, 1784, França), obra com o mesmo prisão para dissidentes políticos, testemunhas
formato semicircular, edificado também por de Jeová, homossexuais. A prisão chegava a
Ledoux, representado simbolicamente no abrigar 8.000 detentos, assemelhava-se a um
interior do olho, no qual a pupila reflete o campo de concentração. O presídio foi fechado
auditório vazio, porém o olho reflete em 1967.
igualmente um raio de luz que vai desde o No final do século XIX, por meio das
fundo da sala até o local do cenário, como se lutas dos trabalhadores, vários direitos são
iluminasse o ator (ou o diretor da cena) ao qual obtidos: sufrágio universal, associações,
pertence este olho, este duplo reflexo simboliza reuniões, surge o pensamento marxista, com
a reciprocidade entre ator e espectador, intervenção do Estado como regulador das
sociedade e legislador, trabalhadores e diretor. tensões advindas do regime capitalista em
Faller (2012, p. 168) informa que função do desequilíbrio social e econômico.
Foucault acredita que Bentham também tenha No período da Segunda Guerra Mundial
se inspirado no zoológico dos Jardins de (1939-1945), novo terror se estabeleceu pela
Versailles, afirmando: “no centro um pavilhão Alemanha Nazista com o extermínio de seis
octogonal que, no primeiro andar, só milhões de judeus, sem contar os ciganos,
comportava uma peça, o salão do rei; todos os homossexuais, romenos nos campos de
lados se abriram com largas janelas, sobre sete concentração.
jaulas, onde estavam encerradas diversas Após a Segunda Guerra Mundial, o
espécies de animais”. Estado Social de Direito, leva ao Estado do
Bem Estar Social nos países capitalistas e pós-

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industrializados alterando o sistema jurídico. O p.44-46) 3 chamam de controles formais


Direito Penal, portanto, com base nos valores considerados injustos ou amorais os que se
sociais, impõe as condutas tipificadas como manifestam por ações ilegítimas ou corruptas
delitos. O Direito Penal Mínimo somente como as detenções arbitrárias, o
autoriza a intervenção penal quando necessária desaparecimento forçado de pessoas, as mortes
para que a violência informal não desestabilize extrajudiciais, a tortura, cumprimento de ordens
a ordem social; deverá ter um caráter garantista ilegais por obediência do subordinado ao
para permitir segurança à vítima por meio da superior hierárquico e outras circunstâncias que
reparação do dano, ao mesmo tempo em que, obrigam os sujeitos a se ajustarem a uma ordem
busca ressocializar e educar o vitimizador. dentro da formalidade ou da informalidade
perversa.
2. Controle Social Formal e Informal Uma das características do controle social
formal é o de cumprir importantes funções
Segundo Ochoa (2003, p. 44), as raízes do como selecionar, delimitar e estruturar as
conceito de controle social se encontram nas possibilidades de ação das pessoas implicadas
ideias de Platão e Aristóteles, todas as escolas no conflito, orientando-as; distancia o autor da
sociológicas estão de acordo que para a vítima e regula seus respectivos âmbitos de
existência da sociedade é necessário um grau resposta, suas regras e expectativas, protegendo
mínimo de solidariedade, e que nela impere a parte mais fraca e abre vias para a
certa ordem social, premissa de uma sociedade possibilidade de solução de conflitos. Lembre-
moderna. se que a norma, o processo e a sanção são
O controle social, de acordo com Ochoa componentes fundamentais de qualquer
(2003, p. 44), é o conjunto de instituições, instituição de controle social, orientadas a
estratégias e sanções sociais que pretendem assegurar a disciplina social, estabelecendo as
promover e garantir a submissão do indivíduo pautas de conduta que o poder reclama. A
aos modelos e normas comunitárias; última autoridade do controle social é o Estado
geralmente atuam de forma automática e o com seu poder coercitivo, que um Estado de
indivíduo as apreende inconscientemente. É Direito deve exercitar através da lei. A lei é
também a capacidade da sociedade para se formal, é a manifestação do controle social, tem
regular de acordo com os princípios e valores força, mas também apresenta fragilidades, e
aceitos majoritariamente. Tem dois objetivos: nem sempre pode resolver todas as tarefas de
regular a conduta individual, e manter a controle social. A lei deve apoiar os
organização social. A finalidade é a de ensinar mecanismos de controle social informal. As
aos indivíduos a fazer uso dos valores aceitos normas jurídicas, sociais, éticas e religiosas,
pelos grupos com o fim de obter uma disciplina que todas as sociedades têm, evidenciam
social que resulte funcional para manter as critérios para avaliação das ações sociais.
estruturas que sustentam o Estado, buscar a (Ochoa, 2003, p.46).
harmonia social, manter o status quo, em Alguns indivíduos ou grupos perdem seus
âmbito econômico, político e social. liames e começam a atuar de modo desviado, se
As instâncias de controle social informal afastam das expectativas sociais em um dado
são eficazes, diz o autor, quando convertem o momento, e atuam contra os modelos
indivíduo a um sujeito adaptado que aceita o estabelecidos pela maioria social, violando
que a sociedade impõe. Quando as instâncias normas da sociedade, rompem com as normas
informais falham entram em ação o conjunto de sociais, e as instituições autorizadas bem como
instâncias formais de controle que reproduzem seus membros reagem com controle, ameaça e
as mesmas exigências de poder, mas de modo pena. Muitas são as condutas de desvio como
coercitivo. Alguns autores penalistas latino- alcoolismo, prostituição, suicídio, enfim
americanos (Sánchez, 1998 apud Ochoa, 2003, voltadas ao delito, compreendendo a contra

3
SILVA SÁNCHEZ, JESÚS MARÍA. Perspectivas
sobre la política criminal moderna. Buenos Aires:
Editorial Abaco de Rodolfo de Palma, 1998.

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cultura, com valores invertidos, operando às as garantias mínimas individuais e a ideia de


margens da sociedade de diversas formas como proporcionalidade.
desentendimento, rebeliões, repressão, e De Giorgi, A. 4 publicou o livro
patologias sociais resultantes das sociedades “Tolleranza Zero”, o qual deu origem a um
modernas, gerando a desorganização social. programa de mesmo nome implantado nos
Esta não é aceita pela sociedade demonstrando Estados Unidos, cujo controle social vem sendo
fracasso e insuficiência na satisfação das articulado por meio das instituições públicas,
necessidades sociais, ou fracasso em âmbito think tanks (Instituto, organismo ou empresa,
ético-político exercido por um grupo de poder formados por consultores ou especialistas às
em um dado momento histórico, exigindo uma vezes de várias áreas, que fazem análises,
reconstrução da sociedade imperante. (op. cit., estudos, especialmente da conjuntura política,
p.47-48). econômica ou militar, em geral por
Surge a reação social como resposta da encomenda), meios de comunicação e empresas
sociedade e do Estado pela conduta desviada, privadas participantes da economia da prisão,
esta reação social pode ser formal e devido ao crescimento exponencial e constante,
institucional por meio do Estado ou informal, da população penitenciária estadounidense, da
esta como resposta do grupo social (família, própria clientela do sistema penal. O think tank
escola, meios de comunicação e partidos neoconservador é defensor da tríade do livre
políticos). O controle penal como modalidade mercado, responsabilidade individual e valores
de controle social formal somente entra em patriarcais. O advogado Rudolph Giuliani que
ação quando os mecanismos primários de ganhou as eleições municipais em Nova York
controle social informal e os de controle social promoveu uma política agressiva de
formal "mais leves” tiverem fracassado, perseguição da pequena delinquência, bem
intervém por meio do Estado pela justiça penal como de outras disfunções sociais, como a
a fim de fazer respeitar as garantias das pessoas mendicância, o alcoolismo, o consumo de
envolvidas nos conflitos e punir os grupos drogas, a prostituição, a realização de grafites,
envolvidos, ou seja, o direito penal deve ser a a vida nas ruas (homeless) coordenada por
ultima ratio. William Bratton, chefe do New York Police
Como afirma Muñoz Conde em seu livro Department – NYPD-, e conhecida pelo slogan
Derecho Penal y Control Social (1985, p. 50) citado acima de “Tolerância Zero” (Tolleranza
não se imagina um direito penal desconectado Zero).
das demais instâncias de controle social, o qual Esta forma de trabalho de controle social
só tem sentido se for considerado como uma urbano foi estruturada em três elementos
continuação de um conjunto de instituições fundamentais: a) aumento do efetivo policial,
públicas e privadas, cuja tarefa consiste em bem como dos meios materiais; b) os incentivos
socializar e educar para a convivência dos econômicos dos resultados quantitativos, como
indivíduos por meio de aprendizagem e mecanismo de introdução de técnicas
interiorização de determinadas pautas de empresariais na administração das forças
comportamento; o direito penal consegue policiais; c) a melhora e ampliação das bases de
proteger os bens jurídicos de forma efetiva dados de controle. Por essa teoria de trabalho, a
quando as pessoas convencidas da importância tolerância de pequenas infrações como o
desta proteção cooperam com esta função. O grafitismo, a mendicância, o urinar em público
direito penal pensa na proteção de interesses ou o uso de transportes sem bilhetes, fomenta a
prioritariamente coletivos ou sociais incluindo delinquência grave, transmitindo a impressão
os do indivíduo que integra o coletivo. Depois, para a população de descontrole; a melhor
secundariamente se pensa nos direitos do forma de se lutar contra as grandes patologias
delinquente. Outra missão do direito penal é criminais consiste em perseguir com severidade
limitar o poder do Estado que poderia impor as pequenas desordens cotidianas. Este modelo
sanções excessivas ou arbitrárias sacrificando “Tolerância Zero”, dirigido à criminalização da

4
De Giorgi, A. Zero Tolleranza. Roma: Deriveapprodi.
2000. p.15

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pobreza, tem a ver com a reordenação mercantil transporte público, padres, etc., como
da cidade, a qual já foi exportada para outros controladores do crime. (op. cit., p.19-20).
países ocidentais. Essas situações ocorrem em Beck5 apud García (2004, p.22) informa
determinados grupos e espaços sociais, de que a sensação social de insegurança obedece a
acordo com De Giorgi, em função do abandono outros fatores, além do econômico, o qual ele
destes locais e grupos por parte do Estado denomina de “futuro de insegurança
Social e da intensificação de controle social permanente”, como baixos níveis de coesão
sobre os mesmos, ocasionando maior número social e de solidariedade comunitária derivados
de comportamentos desviados ou delinquentes, das crises de identidade como nação, família,
portanto, há que se centrar nestes grupos e nos classe, bem como a intensificação do caráter
espaços sociais, os esforços institucionais na multicultural das sociedades ocidentais
gestão de controle social. A sensação social de contemporâneas. De Giorgi 6 (2000, p. 48),
insegurança exige demandas de segurança, que aponta a progressiva marginalização dos
devido à centralização do sistema penal nesta mecanismos de controle social, tão severos
interação social, se converte em incrementos de quanto perceptíveis, como a prisão, a favor
nível punitivo que, ao responder às desta proliferação difusa de dispositivos de
expectativas, redobram a sensação de vigilância, controle e normalização menos
insegurança e de demandas sociais. (García, perceptível que caracteriza a sociedade de
2004, p.1-8). controle.
Nos Estados Unidos surge, portanto, uma Atualmente se constroem socialmente o
grande modalidade de empresas privadas controle e a vigilância como verdadeiras
atuando na construção de estabelecimentos obsessões, a segregação dos grupos de risco, as
penitenciários, desde o financiamento de fortificações e as exclusões como urgências,
construção privada de penitenciárias, à são todas respostas voltadas para o medo, e,
integração da indústria privada no mundo aliás, a própria economia contribui na gestão do
prisional, por meio do trabalho penitenciário, medo. Vive-se a sensação constante de
administração e gestão integral dos insegurança social, e a busca de dispositivos
estabelecimentos penitenciários por parte de como prevenção dessas situações como
contratos privados; desaparecem os programas obstáculos aos espaços privados, trincos nas
reabilitadores acompanhados por uma redução portas, grades nas janelas, câmeras nos acessos,
de pessoal de vigilância substituídos por alarmes nas casas e nos carros, alarmes de luzes
mecanismos telemáticos de controle, inclusive ao sair de casa, limitação da quantidade de
nos espaços públicos. Isto ocorre devido à dinheiro que se leva, a não abertura de portas a
incapacidade do Estado em garantir de forma estranhos, evitar o uso de transportes públicos,
efetiva a segurança no interior de suas não estacionar em zonas sem vigilância, evitar
fronteiras, quebrando o mito fundamental de sair à noite principalmente próximo de parques
soberania moderna. Ao mesmo tempo, surge a e ruas sem vigilância, utilizar transportes
responsabilidade de garantia de segurança por privados para levar os filhos à escola, dentre
meio de uma cidadania organizada como outras.
proprietários, vizinhos, empresários, Busca-se a reforma dos sistemas de
autoridades, escolares, responsáveis pelo segurança e de assistência social utilizando-se
de mecanismos de vigilância e de controle.

5
Beck, U. La sociedad del riesgo. Barcelona: Paidós, de modo difuso ao longo de linhas espaço-temporais que
1998. atravessam os umbrais das instituições totais (prisão,
6
De Giorgi, A. em “Tolerância Zero” acrescenta que manicômio e fábricas). Surgem nos espaços indefinidos
atualmente ocorre uma alteração do controle, este das metrópoles, as novas cidades-estado fortificadas,
abandona a prisão como lugar específico, difundindo-se com a presença de exércitos de segurança pessoal. Não
para o ambiente urbano e metropolitano, deste modo à obstante, o autor enfatiza a aparente perda de
prisão somente lhe resta a função de neutralização em centralidade das instituições como a prisão. (Zero
relação aos agentes particularmente perigosos. Cada vez Tolleranza. Roma: Deriveapprodi. 2000, p. 48 apud
menos é possível individualizar e definir um lugar e um García, 2003, p.23).
tempo de repressão. O controle e a vigilância se estendem

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Ocorre ainda a mudança do Welfare para assegurar defesa eficaz aos seus súditos (CF,
Workfare (bem estar em troca de trabalho), o artigo 5º, LV) ofertando defensoria pública de
trabalho que deve ser uma garantia do Estado boa qualidade, para que se obtenha a isonomia
para a inclusão social o faz pela imposição de preconizada no caput do referido dispositivo.
coação de um trabalho assalariado precário, (op. cit., p.128).
sem contar a parte de setores da população Atualmente se observa uma urbanização
ocupados profissionalmente com tráficos sociopática, com espaços urbanos
ilícitos, como as drogas, atualmente a maior fragmentados: centros deteriorados e bairros
clientela penal. periféricos carentes, habitados por populações
Informa o Professor João Mestieri sobre vulneráveis; bairros de populações de altas
o “Direito Penal e Mínimo Social” apud rendas, com forte presença de segurança
Carvalho (1996, p.124) que se torna importante privada assim como a implementação de
observar os seguintes pontos: 1) necessidade de condomínios fechados; territórios controlados
um movimento intelectual firme e abrangente, pelo crime organizado, espaços privados de
no sentido de restabelecer o papel a ser comércio, com controle social por segurança
realmente desempenhado pelo direito penal no privada; desigualdade social e espacial;
concerto (acordo entre pessoas, ou instituições, violência cotidiana nas ruas; e violência no
com vistas a um objetivo comum) das medidas espaço escolar, resumindo, falência do poder
de controle social; 2) considerar o direito penal público regulatório (Taylor8, 1999, p.110 apud
não como uma panacéia para a solução dos Santos, 2004, p.6).
males sociais, mas como a ultima ratio no Além disso, o crime passa a ter novas
concerto das medidas de controle social, e modalidades informa Santos (2004, p.7):
apenas daí derivando-se as modernas criminalidade violenta; crime organizado,
considerações sobre a teoria da intervenção tráfico de armas e de drogas; crimes de
mínima e os trabalhos de despenalização, “colarinho branco”, crimes informacionais, seja
descriminalização e até mesmo de abolição por fenômenos sociais de violência contra a
penal; 3) repensar se a ilicitude como ente pessoa ainda não considerada, exemplo, as
indissociável da realidade social e não como violências contra crianças, sob a ideologia da
algo abstrato, de mera contradição formal entre educação pelo castigo físico; os infratores da lei
o dever ser e o ser jurídicos; 4) incorporar, a não são mais uma minoria, mas podem ser
essa linha de investigação, considerações extensos continentes sociais; a probabilidade de
sociais essenciais para a compreensão alguém ser vítima, de excepcional, passa a ser
abrangente da ilicitude como critério de contingente; as causas do crime são difusas,
reprovação social, tais como a criativa teoria do eminentes ou por “escolha racional”, nos casos
espaço social e a afirmação de Nilo Batista, de delito contra o patrimônio ou de extorsão por
muito rica em linhas de investigação, da co- sequestro; há uma continuidade entre o fato
culpabilidade do Estado ou do sistema social normal e o crime, transformado em
(Introdução Crítica ao Direito Penal fenômenos societários; o assaltante deixa de ser
Brasileiro. Rio de Janeiro, 1990, p. 105)7 profissionalizado para tornar-se um ofensor
O processo penal, diz o autor, tem que se sem especialização, realizando a ação delituosa
modernizar, sob pena de submeter os acusados, quase ao acaso (Pegoraro 9 , 1999); a relação
como os mais pobres, ao demorado pelourinho entre agressores e vítimas passa a ser uma
do sub judice. A demora no julgamento das relação complexa, pois o agressor não é mais
lides penais pode configurar violência de índole somente o estranho, mas alguém conhecido ou
processual, posto que angularizada, no pólo do próprio grupo da vitima, estranhos e íntimos,
ativo, pelo próprio Estado-Juiz. Também é habitantes locais e de outras regiões; as causas
dever do Estado, por imperativo constitucional, do crime passam a ser multidimensionais; o

7 9
Livro de Estudos Jurídicos, n.8. Rio de Janeiro: PEGORARO, J. Inseguridad y violencia en el marco
Instituto de Estudos Jurídicos, 1994. p. 443. Del control social. In: TAVARES DOS SANTOS, J.V..
8
TAYLOR, I. Crime in context. Cambridge: Polity (Org.). Violências no tempo da globalização. São
Press, 1999. p.110. Paulo: Hucitec, 1999.

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crime passa a ser societal, em um continuum na socializadores da prisão tradicional. Assim


vida social, sendo o lugar da ocorrência tanto sendo, diz a autora Hammerschmidt et al (2012,
privado quanto público; e o controle social p. 16) têm-se caminhado no sentido de
formal não é mais monopólio do sistema de ampliação de medidas alternativas à privação
justiça criminal mas passa a ser compartilhado da liberdade, reservando o instrumental penal
por outras agências sociais. Ocorre uma aos casos de necessidade absoluta, hipóteses em
falência do controle social formal, crise que o criminoso não pode receber tratamento
mundial das polícias. A questão policial, na em liberdade.
última década tornou-se mais complexa, seja Também para Muñoz Conde12:
pela ineficácia e ineficiência frente ao
crescimento e diferenciação das ações sociais Críticas à ideia de ressocialização
refletem melhor que nenhuma outra
socialmente criminalizadas, seja pelos novos a grave crise atual do Direito Penal,
fenômenos criminalizados na “modernidade suas condições internas, seus
tardia” nos países centrais do mundo fracassos e frustrações em um
capitalista; expande-se pelo planeta o mundo onde muitos creem que o
crescimento do controle social repressivo da Direito Penal só serve para
aumentar as diferenças entre ricos e
polícia, com o apelo sistemático ao uso da pobres, para defender os interesses
violência ilegal e ilegítima. (Young 10 , 1999 daqueles e para controlar,
apud Santos, 2004, p.8) discriminar e marginalizar, através
Donaldo Clemmer (1958) apud do castigo, todos aqueles que se
Hammerschmidt et al (2012, p.13-15), aponta atrevem a questionar a ordem social
e jurídica dominante
ainda como um dos focos centrais do debate, a (Hammerschmidt et al, 2012, p.
questão do processo de aprendizagem da 18).
cultura carcerária denominada por ele de
prisionização ou aculturação, sendo que Existe alguma saída? Algum sistema
Goffman (1961) apud Hammerschmidt et al ideal? Para Hammerschmidt et al (2012, p.19) é
(2012, p. 13) passou a qualificar como muito difícil corrigir, recuperar, ensinar alguém
fenômeno da desculturação 11 a recepção de a viver em liberdade sem liberdade, praticando
valores considerados negativos por uma valores sociais em jogo, quando é um
sociedade livre, correspondente à perda de transparente social, produzir uma cultura de
autodeterminação gerada no interno. Clemmer respeito quando o desrespeito é a tônica do
demonstra que o interno se prisioniza (condição sistema, atentar para os desvios individuais com
a que o prisioneiro é reduzido), assimila valores esquecimento dos desvios estruturais que os
opostos ao mundo livre. Os males produzidos alimentam. Apesar das complexas construções
na prisão são variados, com consequências teóricas sobre a natureza e os fins da pena, sua
psicológicas como atrofia intelectual, desvio de função retributiva, retribuição ou
atitudes, transtornos psicopáticos (sexuais, correcionalismo, intimidação, prevenção
fanatismo, insegurança, etc.), depressão, especial ou ressocialização, o que se cumpre é
ansiedade, medo, insônia, pesadelos, o castigo, a expiação.
alucinações. É na prisão que se mente, se Seria importante que o Direito Penal
dissimula costumes que acabam criando um buscasse a redução ao máximo possível da
automatismo da astúcia. violência social informal, mantendo as
Desde o século XIX, a prisão foi garantias individuais de modo a melhor
considerada como um importante fator legitimar a medida penal, enfim buscar
penológico e acreditava-se que se poderia substitutivos eficazes ao cárcere, por meio de
recuperar o delinquente. Mas atualmente, já não projetos de execução da pena com real
existe tanta esperança nos resultados

10 12
YOUNG, J. The exclusive society. London: Sage, MUÑOZ CONDE, F. La resocialización del
1999. delincuente, análisis y crítica de un mito. Bogotá:
11
GOFFMAN, ERVING. Internados. Buenos Aires, Cuadernos de Política Criminal. n.7, 1979. p.91-106.
1972.

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vislumbre da vida em liberdade, não danificar, faculdades vitais e sociais mínimas exigíveis
conclui Hemmerschmidt et al (2012, p.19). para manter uma vida em liberdade, e lhe,
Foi Clemmer 13 que em 1940 descobriu oferece, em troca, uma atitude negativa frente à
pela primeira vez as características especiais da sociedade.
vida em uma prisão de segurança máxima. Diz ainda Muñoz-Conde (1985, p.116)
Segundo Clemmer, na prisão coexistem dois que o estabelecimento penitenciário tradicional
sistemas de vida diferentes: o oficial como hoje (fechado, de segurança máxima),
representado pelas normas legais que não é um lugar idôneo para a terapia social e de
disciplinam a vida no cárcere e o não oficial que tratamento, mas pelo contrário, fomenta a
rege a vida dos reclusos e as relações entre si. delinquência e produz a dessocialização das
Este sistema não oficial constitui uma espécie pessoas que nele adentram. Que esse estado de
de “código do recluso”, por meio do qual este coisa deva ser modificado é algo que todos
não deve nunca cooperar com os funcionários e estão de acordo, mas o que resta saber é como e
muito menos lhes facilitar informação que quais alternativas poderiam ser oferecidas.
possa prejudicar um companheiro. Há que se seguir lutando para melhorar e
Complementarmente, existe um princípio de humanizar o sistema penitenciário, não apenas
lealdade recíproca entre os reclusos. Os pensando na ressocialização, mas porque o
reclusos, portanto, se regem por suas próprias delinquente que entra na prisão tem pelo menos
leis e impõem sanções para aqueles que o direito a uma coisa: que após cumprir sua
descumprem. Aquele que entra na prisão, condenação, não saia pior do que entrou ou em
inicialmente, se quiser sobreviver, terá que se piores condições, afim de que possa levar uma
adaptar à forma de vida imposta pelos outros vida digna em liberdade.
companheiros. Pondera o autor Muñoz-Conde (1985,
O recluso se adapta porque não têm outro p.124-127), a sociedade tem direito a proteção
remédio, as formas de vida, usos e costumes de seus interesses mais importantes, o
que os próprios internos impõem no delinquente tem direito a ser tratado como
estabelecimento penitenciário. Assim, se pessoa e não ficar definitivamente separado da
adapta a uma nova forma de linguagem, sociedade, sem esperança de poder se
desenvolve hábitos novos no comer, vestir e reintegrar. A tensão dialética entre um e outro
dormir aceita um papel de líder ou secundário extremo não é fácil de resolver em uma
nos grupos de reclusos, estabelecem novas sociedade injusta, cujas falhas estruturais são
amizades, etc. Esta aprendizagem de uma nova muitas vezes causa imediata da delinquência. O
vida é mais ou menos rápida, ou mais ou menos dilema se resolve quase sempre em favor da
efetiva, segundo o tempo em que o indivíduo prevenção geral, não porque a sociedade é mais
estiver no cárcere, o tipo de atividade que forte que o indivíduo, mas porque o Direito
realiza, a sua personalidade, suas relações com Penal, como todos os sistemas de controle
o mundo exterior. Mas, é evidente que a social estão a serviço de proteção dos interesses
prisionização tem seus efeitos negativos para a sociais e todas suas instituições que procuram
ressocialização, dificilmente evitáveis com o cumprir essa função. O que se pode fazer é que
tratamento. a finalidade preventiva seja o mais justa
No cárcere, o interno geralmente não possível, que esteja a serviço de interesses
apenas aprende a viver livremente, pelo legítimos democráticos e que se utilize um
contrário, prossegue e ainda aperfeiçoa sua mínimo de repressão e de sacrifício da
carreira criminal por meio de contatos e liberdade individual. Espera-se que o Direito
relações com outros delinquentes. O cárcere Penal possa cumprir essas metas, pois se assim
modifica completamente o delinquente, no não o for se tornará um Direito Penal cego e
sentido de piorar sua conduta. Não lhe ensina vazio de conteúdo como as teorias absolutas
valores positivos, mas negativos para a vida retribucionistas. O resultado poderá ser à volta
livre em sociedade. Faz com que ele perca as da Pena de Talião, do Direito Penal de sangue e

13
CLEMMER, DONALD. The prison community.
2ªed., 1958.

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lágrimas, que não consegue obter uma solução constitucionais e com a busca de uma
aos problemas da criminalidade, mas que distrai prevenção especial positiva (ressocialização) e
a atenção e oculta as causas reais da situação, a execução da privação da liberdade como
conduzindo ao desgaste, ao desprestígio do pena.
poder punitivo do Estado, reduzindo sua função Esse promissório plano de política
a uma expressão simbólica de frustração e criminal era adaptável a um marco social de
angústia coletivas e refletindo a impotência do elevada produtividade, pleno emprego,
sistema social para resolver adequadamente seguridade social, educação garantida em todos
seus problemas. Há que se buscar um ponto de os níveis, saúde pública e respeito às liberdades
equilíbrio entre prevenção especial e geral, básicas. O fim preventivo especial positivo era
entre sociedade e indivíduo, entre os legítimos de readaptação social, imprescindível para que
desejos de funcionalidade e eficácia dos a sociedade pudesse reintegrar os que se
instrumentos jurídicos sancionatórios e a tornaram marginais, por seu comportamento
salvaguarda da liberdade e dignidade das infrator, e lhe ofereciam um marco de vida nas
pessoas. quais as necessidades básicas estivessem
3- Controle Social Formal – Polícia garantidas. (op. cit., 2003, p. 27).
Bergalli (2003, p.25-27), esclarece que o Porém, diz Bergalli (2003, p.28), a
sistema penal foi construído de acordo com as elevada produtividade e a consequente
necessidades de controle voltado para um acumulação estatal sobre a que se edificou o
determinado modelo social, como no final do marco social de Bem Estar Social começou a
século XVIII e início do século XIX, momento dar mostras de esgotamento; e as fórmulas da
em que se impulsionava a industrialização no socialdemocracia se manifestaram insuficientes
sistema de relações sociais. Quando o modelo para enfrentamento dos perigos de injustiças
de organização social apresentava uma sociais e da desigualdade na distribuição de
profunda injustiça e desequilíbrio social, o riquezas; ou seja, as políticas de saúde,
sistema penal moderno tornou-se suficiente educação, trabalho, moradia, serviços em geral
determinado para atender às exigências básicas estavam insuficientes e esgotados para atender
daquela sociedade industrial para sua as demandas que coletivamente se formavam.
conservação e reprodução. Protegia os direitos Já em 1970 surgem novos conflitos sociais, as
subjetivos e as liberdades individuais, lutas armadas, o terrorismo como manifestação
permitindo a cada indivíduo a livre disposição dessa violência e o antiterrorismo como defesa
de seus bens, e para os proprietários contratar a do Estado democrático de direito. O direito
força de trabalho, os operários. Este foi o surge como orientação social (Bergalli, 2003,
modelo fordista, no qual a regulação penal do p.30-31), o qual estabelece regras jurídicas de
liberalismo foi suficiente para a sociedade de caráter organizativo, para regular a vida social,
massa. Após o Holocausto no período da um tratamento de conflitos declarados,
Segunda Guerra Mundial, surge o Positivismo, caminhos com força de lei, a necessária
período criminológico com amplas medidas pré integração social, a função mais relevante para
e pós delituais, fundamentos de evitar denominadas condutas de desvio que
responsabilidade criminal, sistema de reações e constitui o controle social. O Direito Penal
consequências jurídicas, o deslocamento de constituiria nessa perspectiva um instrumento
responsabilidade criminal até o conceito de desse controle social, modelo previsto pela
periculosidade social e a ampliação do direito a filosofia social funcionalista. A teoria do bem
castigar. No pós-guerra, fase do jurídico é de um valor inatacável como eixo da
constitucionalismo social, foi o momento que dogmática penal que pretende orientar sua
despertou a necessidade de uma intervenção tarefa até a construção de um conceito de delito
punitiva dos Estados democráticos a fim de com um sentido preciso e crítico.
proteger as necessidades sociais que se A elevada complexidade na qual vive a
consideram atualmente como básicas para o sociedade pós-industrial, os constantes riscos
desenvolvimento das forças coletivas; reação de conflito, as manipulações do poder político,
punitiva aplicada respeitando-se as garantias são expressões que colocam em tensão

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permanente o papel que deve cumprir a de Educação Policial, consubstanciada numa


dogmática jurídica na elaboração de tipos polícia com condições dignas de trabalho,
penais. Criminalizar e descriminalizar voltada aos fundamentos e princípios
comportamentos, atribuir mais ou menos pena constitucionais do Estado de Direito, baseado
a determinadas condutas delitivas constituem na dignidade da pessoa humana e da construção
cada dia fortes desafios para a imaginação jus- da cidadania, recoloca o conceito de segurança
penalista. (Bergalli, 2003, p.45). Assim, a pública como um direito constitucional de
polícia, a jurisdição penal (administração de todos os cidadãos, mas para isso é preciso que
justiça) e a prisão (instituições penitenciárias) todos os órgãos estejam sintonizados e sintam-
são instâncias previstas na ordem constitucional se como integrantes de um mesmo sistema com
do Estado de direito que aplicam ou exercem o objetivos corporativos voltados para um mesmo
controle punitivo. Este nível de sistema penal fim. Integração firmada nos laços de
pode denominar-se de dinâmico, iniciando-se solidariedade, cooperação, complementaridade
pelas atividades que dentro da estrutura desse e corresponsabilidade. (Santos, 2012, p, 21).
sistema cumpre a polícia, como um aparelho do Foucault mostra que a polícia é utilizada
Estado moderno, cuja natureza peculiar é a de pelos grupos dominantes para reprimir os
formar um conjunto de aparelhos que tem setores populares da sociedade, de onde os
recebido sua caracterização como repressivos. policiais são oriundos, participam sem
A formação policial tem se ressentido da perceber, do jogo imposto por aqueles grupos,
insuficiência do ensino do direito aplicado ao introduzindo uma série de contradições no
ofício de policial, porque a formação que interior das camadas desfavorecidas, capaz de
muitas vezes delegados e oficiais têm recebido manter-lhes a divisão e a alienação. Tanto os
em cursos jurídicos foi orientada pelo Direito membros da polícia quanto os do exército são
Positivo e Dogmático, restrito a tecnicalidades buscados na plebe. Portanto, as classes
do direito. É importante que na formação dominantes dividem a plebe em duas grandes
policial haja conteúdos das Ciências Jurídicas – partes: de um lado os criminosos, e de outro os
Direito Constitucional, Direito Penal, Direito militares ou policiais encarregados de reprimir
Processual Penal, Direito Administrativo, aqueles. Inviabiliza-se qualquer solidariedade
Direito Tributário, Direitos Humanos, Justiça entre as classes dominadas, o que poderia
Restaurativa – e que haja incorporação representar uma ameaça aos grupos
vinculada aos objetivos do serviço policial. dominantes. (Sudbrack, 2012, p. 91-92). Costa
(Santos, 2012, p.19). (2012, p.225) diz que a questão de segurança
Educação envolve aprendizagem de pública e da violência no Brasil foi considerada
conceitos gerais, termos, políticas, prática e como problema de polícia por muitos anos, pois
teorias, ou seja, a educação é no nível afetava a população de baixa renda e baixa
conceitual associada à preparação do escolaridade. Durante o período de exceção no
profissional. A Academia Inglesa define a país entre 1964 e 1984, as polícias acabaram
educação policial como “atividades destinadas a sendo controladas e passaram a se constituir
desenvolver conhecimentos, habilidades, valores morais como instituições auxiliares das Forças
e a compreensão necessária em todos os aspectos da Armadas no combate e na repressão ao
vida, em vez de um conhecimento e habilidades relativas
a somente um campo limitado de atividade”
“inimigo interno”, representado por opositores
(International Academy Bramshill, s.d. apud ao regime ditatorial. Esse passado de repressão
Santos, 2012, p.20). O processo de educação e perseguição fez com que a sociedade fosse
policial possibilitará a construção de um saber subtraída em seus direitos, e a polícia ficasse
teórico-prático processual e reflexivo, fundado em lados opostos, como se a última não fizesse
no princípio de complexidade o qual reconhece parte dessa mesma sociedade. A atividade
a multidimensionalidade do social, a policial passou desde então a ser considerada
incorporação do indeterminismo, da incerteza e pelos segmentos progressistas da sociedade
do risco nas ações coletivas e a ruptura como repressora e antidemocrática. Problemas
epistemológica no processo de conhecimento sociais como violência e criminalidade eram
das situações sociais. A concepção alternativa vistos pela elite intelectual brasileira de

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esquerda como efeitos de problemas estruturais atitudes dos policiais na solução de conflitos e
do modelo de desenvolvimento capitalista. Isso combate à criminalidade. A inserção policial na
explica porque as universidades também comunidade onde atua vai ocorrer ao mesmo
ficaram de costas para a educação policial. tempo como protetor e repressor. O fazer do
Conquistado o Estado de direito, do ponto policial não encontra, por um lado, a tradução
de vista político formal, a sociedade e os nas racionalidades jurídicas, e por outro lado,
governantes começaram a preocupar-se com a esse trabalho é pouco visível para as
questão da violência policial, por ser o corporações, para os Policiais Militares e para a
policiamento um serviço essencial para clientela que utiliza os seus serviços, devido à
pacificar as relações sociais, oferecer segurança zona cinzenta do trabalho policial (zona de
e colaborar na construção de uma sociedade ambiguidade, ao mesmo tempo é protetora e
pautada no respeito à cidadania, resguardadora repressora).
e promotora dos direitos humanos. Desde A discricionaridade do ofício da polícia
então, passou-se a denunciar e não mais admitir tem a ver com sua cultura e com os saberes
comportamentos antiprofissionais; a não tolerar adquiridos na rua e nos mais diversos tipos de
ou apoiar o uso de violência dentro das ocorrência que atendem cotidianamente nas
corporações policiais. Uma das conclusões que atividades de vigilância, preservação da ordem
pesquisadores, profissionais de segurança e repressão da criminalidade (“a teoria na
pública, governos e sociedade produziram prática é outra”). O “bom policial” no Brasil é
consensualmente foi sobre a necessidade de aquele que “resolve qualquer parada”, de
investir na profissionalização, em novas preferência com emprego da força ou arma de
tecnologias para agilizar o controle social e fogo. Isso se deve à falta de profissionalismo e
aumentar o nível de eficiência nas coloca em lados opostos a sociedade “civil” e a
investigações criminais, bem como de sociedade “policial”, que se estranham, não se
estabelecer critérios claros para avaliar as reconhecem como parceiros na luta pela
condutas e as ações das polícias preventivas e consolidação da democracia no país. A
judiciárias. (Costa, 2012, p.227). impunidade tem sido considerada como a
Balestrelli 14 (1998) apud Costa (2012, principal motivadora do emprego
p.227-228) contribui com a reflexão sobre a indiscriminado da força. (Jaqueline Muniz,
suposta dualidade ou oposição entre uma 1999, p. 9 apud Costa, 2012, p. 229).
“sociedade civil” e outra denominada Profissionalizar as polícias, melhorar as
“sociedade policial”. Essa afirmação é válida condições de trabalho com instrumentos de
mesmo quando se trata da Polícia Militar, a qual avaliação e acompanhamento das atividades
realiza um serviço público baseado na policiais, assim como redefinir o foco do
perspectiva de uma sociedade na qual todos os controle social e da repressão à criminalidade,
segmentos estatais são derivados. Portanto, incentivar as práticas civilizatórias da polícia, e
segundo o autor, não há uma sociedade “civil”, aperfeiçoar as formas de controle da violência
e outra sociedade “militar”, temos que policial são fatores fundamentais para
considerar a dimensão pedagógica da polícia na construirmos uma segurança cidadã, inovadora
sua função de intervir de forma preventiva e e respeitadora dos direitos dos cidadãos e do
repressiva no cotidiano em momentos de crise, Estado de direito. Deve-se reformular a
uma vez que a democracia não se sustenta sem formação dos policiais, com capacitação
um poder de polícia fundado na moralidade, profissional necessária para desempenho de
ética e no respeito aos direitos do cidadão, suas funções com uso mínimo da força. (op.
principal usuário dos serviços de segurança. cit., 2012, p.231).
Para Muniz 15 (1999, p.9) apud Costa Costa (2012, p.236-237) aponta que os
(2012, p.229) a atividade policial realizada por comandantes e coordenadores pedagógicos têm
meio da autoridade e do perigo explicam certas visões conservadoras do processo de formação

14 15
BALESTRELLI, R. B. Direitos Humanos: coisa de MUNIZ, J. Ser policial é sobretudo uma razão de
polícia. Passo Fundo: CPEC, Anistia Internacional, ser: cultura e cotidiano da Polícia Militar do Rio de
1998. Janeiro. Tese (Doutorado). IUPERJ, 1999.

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e acabam influindo nos conteúdos curriculares, liberdade que goza a ação concreta da polícia e
na carga horária, na seleção dos instrutores que que ultrapassa as margens dentro das quais a lei
serão convidados a ministrar as disciplinas. permite a intervenção de considerações de
Mas é preciso pensar a questão da formação oportunidade da polícia. Os policiais também
como um processo educativo que pode são vítimas de coerção e têm de procurar
provocar mudanças de comportamento, como defesas contra ela, as delegacias policiais estão
um momento de reflexão, em que policiais, numa esquina da rua e não nos corredores dos
professores, instrutores e movimentos sociais palácios, são autênticos street-corner
possam falar de igual para igual, sem ranços do politicians. (Dias e Andrade, 2013, p. 447).
autoritarismo e do militarismo. Nesse processo Além disso, necessitam de melhor
de reflexão objetiva-se mostrar que não existe aparelhamento para trabalhar como carro
um inimigo da sociedade a ser combatido; que blindado, coletes mais espessos e individuais,
o militarismo e a ideologia militar não melhor armamento, melhor remuneração, além
contribuem para entender os conflitos de acompanhamento realizado por psicólogos,
decorrentes das redes de sociabilidade e poder; pois a função é de alto risco, expondo a vida, e
que a segurança pública deve estar a serviço do quem sabe se não seria apropriada a criação de
cidadão e que as práticas de controle social e vilas militares com patrulhamento, câmeras de
repressão à criminalidade não são vigilância e segurança para os policiais bem
incompatíveis com os direitos humanos e o como para suas famílias. É o processo do
Estado de direito. As ciências humanas controle que atualmente não dispensamos.
(sociologia, psicologia, antropologia, direitos Segundo Foucault, “a vigilância
humanos, filosofia e direito) podem ser hierárquica, contínua e funcional não é, sem
parceiras no diagnóstico e busca de dúvida, uma das grandes “invenções” técnicas
compreensão da expansão da violência e da do século XVIII, mas sua insidiosa extensão
criminalidade em nossa sociedade e contribuir deve sua importância às novas mecânicas de
no diálogo de construção de um novo poder, que traz consigo”. Pensando neste
paradigma de gestão do sistema de justiça contexto, o autor fala do poder disciplinar, que
criminal nos tempos atuais. torna um sistema “integrado”, ligado do interior
Dias e Andrade (2013, p. 443-444) da economia e aos fins dos dispositivos onde é
referem-se ao papel da polícia no processo de exercido. Foucault, conclui: Organiza-se um
seleção. Dizem os autores que a polícia poder múltiplo, automático, e anônimo; “pois, se
constitui o símbolo mais visível do sistema é verdade que a vigilância repousa sobre os indivíduos,
formal de controle, mais presente no cotidiano seu funcionamento é de uma rede de relações de alto e
baixo, mas também até um certo ponto de baixo para
da vida dos cidadãos, o first-line enforcer da lei cima e lateralmente; uma rede “sustenta” o conjunto, e
criminal, daí seu processo de seleção ser o perpassa de efeitos de poder que se apoiam uns aos
determinante. Situada no limiar do complexo outros: fiscais perpetuamente fiscalizados”. (Foucault,
processo da law in action, a polícia não é Microfísica do Poder, p.148 apud Faller, 2012,
somente a instância que processa o volumoso p.40)
deviance, mas que o faz em condições de maior Uma das teorias explicativas da
discricionaridade. Interage com “leigos” discricionaridade e da seleção pela polícia é a
(denunciantes e suspeitos), em posição de do conflito de papéis, decorrente do equívoco
domínio e à margem da vigilância dos demais do estatuto jurídico, sociológico e cultural da
intervenientes processuais que fazem parte do polícia. O que é e o que faz a polícia, apresenta-
cenário; portanto, o fato da sociedade ter se em três tarefas cumulativas: aplicar a lei,
confiado a maior parte das suas funções de manter a ordem e prestar serviços. A maior
controle social a polícia significa que é ela e parte tem a ver com manutenção da ordem e a
mais ninguém que toma a maior parte das prestação de serviços do que com aplicação da
decisões políticas, responsável pela lei (peace officer). A manutenção da ordem só
manutenção da ordem e aplicação da lei. é normalmente possível à custa do sacrifício da
Hoje então se fala da discricionaridade de aplicação da lei; o mesmo vale para a prestação
fato da polícia, ou seja, daquele espaço de de serviços, que implica um estar ao lado de e

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um estilo de interação diversa da que é típica de da polícia e a seleção que ela produz espelham
uma autoridade que aplica a lei criminal. É este as relações sociais e o sistema de que a polícia
conflito, radicado na própria função da polícia é parte funcional e instrumento de
na sociedade moderna, que está na base da manutenção”. “A intervenção da polícia –
ambivalência da sociedade em relação à polícia descrevem Malinowsky e Brusten – representa
e do isolamento da polícia em relação à um ato de poder pessoal, através do qual o
comunidade. A comunidade tem uma imagem Estado garante a reprodução sem atritos do
contraditória da polícia e um quadro de sistema econômico-social vigente. Isto é, a
expectativas irreconciliáveis. Por um lado, polícia contribui para manter e impor uma
projeta-o como super herói na luta contra o ordem social que aproveita, sobretudo, aos
crime, por outro lado, e inversamente, como o privilegiados nas relações de desigualdade
assistente solícito que acorre a quem reclama estrutural e que baseiam nesta desigualdade o
auxílio. Para satisfazer todas estas expectativas seu poder econômico e social”. (op. cit., 2013,
seria necessário, como expressivamente p. 467-469).
escreve August Vollmer (ex-polícia, foi chefe Século XXI, novo tempo, novos desafios,
de polícia de Berkeley, nos Estados Unidos, e precisamos pensar em soluções práticas e
estudioso do tema), que a polícia tivesse inovadoras para dar respostas aos novos e
simultaneamente: “a sabedoria de Salomão, a velhos problemas colocados para a sociedade e
coragem de David, a paciência de Job, a liderança de o governo, com participação dos profissionais
Moisés, a delicadeza do Bom Samaritano, a estratégia de de segurança, universidades, sociedade política
Alexandre, a fé de Daniel, a diplomacia de Lincoln, a
tolerância do carpinteiro de Nazaré e, por último um
e sociedade civil, enfim todos os atores sociais
conhecimento completo de todos os ramos das ciências com responsabilidade e parcerias na busca de
naturais, biológicas e sociais”. Como não é possível, soluções para a questão de violação dos direitos
a polícia acaba por ser necessariamente humanos e do fortalecimento da cidadania,
perdedora. Assim, a polícia reage à comunidade conclui Costa (2012, p.237).
com desconfiança e hostilidade, encarando o
público como inimigo e a si própria como pária, Conclusão
sofrendo isolamento e alienação, acolhendo
formas subculturais de suporte, auto Informa Umberto Gaspari Sudbrack
representando-se como o verdadeiro guardião (2012, p.50-51), que a repressão contra os
do direito e da moral. (Dias e Andrade, 2013, p. grupos desfavorecidos sempre foi à regra no
463-464). Brasil e que a questão da tortura praticada pela
Dois pontos importantes: primeiro uma polícia sempre representou um problema na
referência à corrupção, fenômeno intimamente política criminal brasileira. Nos últimos anos,
ligado à experiência da polícia e com reflexos informa o autor, está se desenvolvendo no
na discricionaridade e na seleção; segundo, para Brasil um movimento visando estudar e
explicitar em que termos a criminologia radical melhorar a segurança pública, com a
se projeta sobre o tema polícia e interpreta a colaboração entre universidades e setores da
seleção por ela realizada. A polícia está segurança pública como as Escolas de Polícia,
cotidianamente em contato com o pior lado da transformando os currículos, de conteúdos e de
humanidade, exposta a espetáculos da concepção do ofício de operador da segurança
ilegalidade; depara-se frequentemente com o pública (policial civil, policial militar, agente
crime de pessoas respeitáveis, inclusive de penitenciário). É importante diferenciar
magistrados, o que facilita o desenvolvimento “treinamento” e educação policial.
de uma atitude cínica e a leva a considerar a Santos (2012, p. 19-20), informa que
corrupção como um jogo em que todos existe uma distinção entre “treinamento” dos
procuram lucrar, surge a ideia do realismo ou policiais e “educação policial”. O objetivo do
para o fato de as práticas proibidas não treinamento é claro, diz o autor: “O objetivo do
prejudicarem ninguém. treinamento é ensinar um método específico de
De acordo com seus postulados teóricos, execução de uma tarefa ou responder a uma
a criminologia radical considera que “a atuação determinada situação. O assunto ensinado é
geralmente estreito no escopo. Educação

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envolve a aprendizagem de conceitos gerais, sociais, e a grave crise social vivida pela
termos, políticas, práticas e teorias sociedade brasileira, importante é que se
(Haberfeld16, 2002, p. 32 apud Santos, 2012, p. busque por meio das políticas públicas um
20). modelo de controle social democrático,
A educação é algo mais amplo, visa a multicultural, garantidor dos direitos civis,
preparação para uma profissão. políticos e sociais. (Sudbrack, 2012, p.55).
Diz Santos (2012, p. 20) citando Pagon: Para Aline Winter Sudbrack (2012, p. 94)
“Definimos educação policial como um quando o PM agride ou mata alguém estranho
processo de transmissão de conhecimentos aos grupos para os quais lhe é facultado o
gerais ou específicos relacionados com a direito de usar força, ele é punido. Perde o posto
Polícia, o qual conduz à obtenção de um grau. e, em casos extremos, passa a ser tão ou mais
Tipicamente, os programas educacionais de marginal do que os outros, retorna às suas
polícia duram vários anos” (Pagon17, 1996 apud origens. Às vezes, pouco importa que sejam
Santos, 2012, p. 20). policiais ou bandidos, o que importa é que as
Conforme esclarece Frigotto 18 citando elites se preservem. Em síntese, diz a autora, os
Paulo Freire, a educação não é um mero policiais são submetidos à mesma dominação
adestramento, mas um processo de formação no de classe, são domesticados assim como as
qual as pessoas se tornam capazes de ler a vítimas que eles prendem ou matam. Por um
realidade, ler o mundo. E por conseqüência, lado, conseguimos conquistar a democracia,
“[...] a Educação tem que levar em conta o porém ainda não conseguimos construir
desenvolvimento de todas essas dimensões. A modelos de controle social formal que atendam
educação é um direito social e subjetivo. No o respeito à cidadania, às leis em vigor, ao
âmbito do conhecimento, é permitir que cada Estado de Direito. Para tal, necessita-se além da
educando aproprie-se dos conceitos básicos que formação e profissionalização, da valorização
permitem compreender como funciona o do policial, investir em políticas de segurança e
mundo das coisas, da natureza e o mundo dos em novas tecnologias agilizando a eficiência
homens, as relações sociais. Pois, o ser humano das investigações criminais para prevenção da
é um ser de múltiplas dimensões: biológicas, violência.
intelectuais, psíquicas, afetivas, culturais, Por fim, este artigo visa contribuir para a
estéticas, sociais, etc..” (Frigotto, 2009, apud dinâmica de transição dos modelos de formação
Santos, 2012, p. 21). e educação dos policiais, os quais fazem parte
Nesse aspecto, desafios como aumentar do controle social formal, conforme a realidade
os programas de prevenção de violência e social, urbana para cada região do país de forma
criminalidade, sem abandonar a repressão, com específica; e buscar um modelo de controle
respaldo na lei, sem abusos, com rigor técnico penal social e democrático, garantidor de
hão de ser enfrentados. Constatado o conflito direitos políticos, sociais e civis.
gerado pelas relações de poder que envolve a
diversidade de interesses entre as classes

16 18
HABERFELD, M.R. Critical Issues in police FRIGOTTO, G. Sobre educação ou treinamento
training. New Jersey: Pearson; Prentice Hall, 2012. (mensagem pessoal). Mensagem recebida por
17
PAGON, M. (Ed.). Policing in Central and Eastern jvicente@ufrgs.br, em 13 de julho de 2009.
Europe. Ljubljana: College of Police and Security
Studies, 1996.

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