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ANCORAGEM – CAPÍTULO 11

Libânio M. Pinheiro, Cassiane D. Muzardo

06 maio 2016

ANCORAGEM

Ancoragem é a fixação da barra no concreto, para que ela possa ser


interrompida. A transferência de esforços entre aço e concreto e a
compatibilidade de deformações entre eles são fundamentais para a existência
do concreto armado. Isto só é possível por causa da aderência.
Aderência (bond, em inglês) é a propriedade que impede que haja
escorregamento de uma barra em relação ao concreto que a envolve. É,
portanto, responsável pela solidariedade entre o aço e o concreto, fazendo com
que esses dois materiais trabalhem em conjunto.
Na ancoragem por aderência, deve ser previsto um comprimento
suficiente para que o esforço da barra (de tração ou de compressão) seja
transferido para o concreto. Ele é denominado comprimento de ancoragem.
Além disso, em peças nas quais é necessário fazer emendas nas barras,
por razões construtivas ou pelo grande comprimento da peça, também se deve
garantir um comprimento suficiente para que os esforços sejam transferidos de
uma barra para outra. Isto também é possível graças à aderência entre o aço e
o concreto.

1 TIPOS DE ADERÊNCIA
Esquematicamente, a aderência pode ser decomposta em três parcelas:
adesão, atrito e aderência mecânica. Essas parcelas decorrem de diferentes
fenômenos que intervêm na ligação dos dois materiais.

1.1 Aderência por Adesão


A aderência por adesão caracteriza-se por uma resistência à separação
dos dois materiais. Ocorre em função de ligações físico-químicas na interface
das barras com a pasta, geradas durante as reações de pega do cimento. Para
pequenos deslocamentos relativos entre a barra e a massa de concreto que a
envolve, essa ligação é destruída.
A Figura 1 mostra um bloco de concreto moldado sobre uma placa de
aço. A ligação entre os dois materiais se dá por adesão. Para separá-los, há
necessidade de se aplicar uma ação representada pela força Fb1. Se a força
fosse aplicada na horizontal, não se conseguiria dissociar a adesão do
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comportamento relativo ao atrito. No entanto, a adesão existe independente da


direção da força aplicada.

Figura 1 – Aderência por adesão

1.2 Aderência por Atrito


Por meio do arrancamento de uma barra em um bloco concreto (Figura
2), verifica-se que a força de arrancamento Fb2 é maior do que a força Fb1
mobilizada pela adesão. Esse acréscimo é devido ao atrito entre a barra e o
concreto.

Figura 2 – Aderência por atrito

O atrito manifesta-se quando há tendência ao deslocamento relativo entre


os materiais. Depende da rugosidade superficial da barra e da pressão
transversal , exercida pelo concreto sobre a barra, em virtude da retração
(Figura 2). Em barras curvas ou em regiões de apoio de vigas em pilares,
aparecem acréscimos dessas pressões de contato que favorecem a aderência
por atrito.

11.2
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O coeficiente de atrito entre aço e concreto é alto, em função da


rugosidade da superfície das barras, resultando valores entre 0,3 e 0,6
(LEONHARDT, 1977).
Na Figura 2, a oposição à ação Fb2 é constituída pela resultante das
tensões de aderência (b) distribuídas ao longo da barra.

1.3 Aderência Mecânica


A aderência mecânica é devida à conformação superficial das barras. Nas
barras de alta aderência (Figura 3), as saliências mobilizam forças localizadas,
aumentando significativamente a aderência.

Figura 3 – Aderência mecânica em barras nervuradas

A Figura 4 (LEONHARDT, 1977) mostra que mesmo uma barra lisa pode
apresentar aderência mecânica, em função da rugosidade superficial, devida à
corrosão do aço e ao processo de fabricação da barra, gerando irregularidades
na superfície. Para efeito de comparação, são apresentadas superfícies
microscópicas de: barra enferrujada, barra recém-laminada e fio de aço obtido
por laminação a quente e posterior encruamento a frio por estiramento. Nota-se
que essas superfícies estão muito longe de serem efetivamente lisas.
Portanto, a separação da aderência nas três parcelas (adesão, atrito e
aderência mecânica) é apenas esquemática, pois não é possível quantificar
isoladamente cada uma delas.

Figura 4 – Rugosidade superficial de barras e fios lisos (LEONHARDT, 1977)

11.3
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2 TENSÃO DE ADERÊNCIA
Para uma barra de aço imersa em uma peça de concreto, como a
indicada na Figura 5, a tensão média de aderência é dada por:

Figura 5 – Tensão de aderência

Rs
b 
  b
Rs é a força atuante na barra;
 é o diâmetro da barra;
b é o comprimento de ancoragem.

A tensão de aderência depende de diversos fatores, entre os quais:


 Rugosidade da barra;
 Posição da barra durante a concretagem;
 Diâmetro da barra;
 Resistência do concreto;
 Retração;
 Adensamento;
 Porosidade do concreto etc.

Alguns desses aspectos serão considerados na sequência deste texto.

3 SITUAÇÕES DE ADERÊNCIA
Na concretagem de uma peça, tanto no lançamento como no
adensamento, o envolvimento da barra pelo concreto é influenciado pela
inclinação dessa barra. Sua inclinação interfere, portanto, nas condições de
aderência.

11.4
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Por causa disso, a ABNT NBR 6118:2014 considera em boa situação


quanto à aderência os trechos das barras que estejam com inclinação maior
que 45º em relação à horizontal (Figura 6a).

FIGURA 6 – Situações de boa e de má aderência (PROMON, 1976)

As condições de aderência são influenciadas por mais dois aspectos:

 Altura da camada de concreto sobre a barra, cujo peso favorece o


adensamento, melhorando as condições de aderência;

 Nível da barra em relação ao fundo da forma; a exsudação produz


porosidade no concreto, que é mais intensa nas camadas mais altas,
prejudicando a aderência.

Essas duas condições fazem com que a ABNT NBR 6118:2014 considere
em boa situação quanto à aderência os trechos das barras que estejam em
posição horizontal ou com inclinação menor que 45º, desde que:

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 para elementos estruturais com h < 60 cm, localizados no máximo 30 cm


acima da face inferior do elemento ou da junta de concretagem mais
próxima (Figuras 6b e 6c);
 para elementos estruturais com h  60 cm, localizados no mínimo 30 cm
abaixo da face superior do elemento ou da junta de concretagem mais
próxima (Figura 6d).
Em outras posições e quando forem usadas formas deslizantes, os
trechos das barras devem ser considerados em má situação quanto à
aderência.
No caso de lajes e vigas concretadas simultaneamente, as barras na
parte inferior da viga podem estar em uma região de boa aderência e na parte
superior, em região de má aderência.
Se a laje tiver espessura menor do que 30 cm, as barras estarão em uma
região de boa aderência.
Sugerem-se, então, as indicações das Figuras 6e e 6f para determinação
das condições de aderência.

4 RESISTÊNCIA DE ADERÊNCIA
A resistência de aderência de cálculo entre armadura e concreto é dada
pela expressão (ABNT NBR 6118:2014, item 9.3.2.1):
f bd  1  2  3  f ctd

1,0 para barras lisas



1  1,4 para barras entalhadas
2 ,25 para barras nervuradas

1,0 para situações de boa aderência


2  
0,7 para situações de má aderência

1,0 para   32 mm
3  
(132   ) / 100 para   32 mm
O valor fctd é dado por (item 8.2.5 da ABNT NBR 6118:2014):
f ctk,inf
f ctd  com f ctk, inf  0,7 f ct, m
c
f ct, m  0,3 f ck2 / 3 para concretos até C50
f ct,m  2,12 n (1  0,11 f ck ) para concretos C55 até C90
sendo fct,m e fck expressos em megapascals (MPa).

11.6
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5 ANCORAGEM DAS ARMADURAS


As prescrições ora indicadas sobre ancoragem das armaduras são dadas
no item 9.4 da ABNT NBR 6118:2014.
Todas as barras das armaduras devem ser ancoradas de forma que as
forças a que estejam integralmente sejam integralmente transmitidas ao
concreto, por meio de aderência, de dispositivos mecânicos ou por combinação
de ambos.
Na ancoragem por aderência, os esforços são ancorados por meio de um
comprimento reto ou com grande raio de curvatura, seguido ou não de gancho.
Com exceção das regiões situadas sobre apoios diretos, as ancoragens
por aderência devem ser confinadas por armaduras transversais ou pelo
próprio concreto, considerando-se este caso quando o cobrimento da barra
ancorada for maior ou igual a 3 e a distância entre as barras ancoradas
também for maior ou igual a 3.
Nas regiões sobre apoios diretos, não é necessária armadura de
confinamento, pois a pressão do concreto sobre a barra aumenta da aderência
por atrito.

5.1 Comprimento de Ancoragem Básico


No item 9.4.2.4 da ABNT NBR 6118:2014, define-se comprimento de
ancoragem básico b (Figura 5) como o comprimento reto necessário para
ancorar a força limite FSd = As fyd, admitindo-se, ao longo desse comprimento,
resistência de aderência uniforme e igual a fbd, obtida de acordo com o item 4.
O comprimento de ancoragem básico b é obtido igualando-se a força
última de aderência b  fbd com o esforço na barra FSd = As fyd (ver Figura 5):

b   fbd = s fyd
 2
Como As  , obtém-se:
4
 f yd
b  , com  b  25
4 fbd

De maneira simplificada, pode-se dizer que, a partir do ponto em que a


barra não seja mais necessária, basta assegurar a existência de um
comprimento suplementar b que garanta a transferência das tensões da barra
para o concreto.

11.7
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5.2 Comprimento de Ancoragem Necessário


Nos casos em que a área efetiva da armadura s,ef for maior que a área
calculada As,calc, a tensão nas barras diminui e, portanto, o comprimento de
ancoragem pode ser reduzido na mesma proporção. A presença de gancho na
extremidade da barra também permite a redução do comprimento de
ancoragem.
Com base nessas duas condições, o comprimento de ancoragem
necessário pode ser calculado por (item 9.4.2.5 da ABNT NBR 6118:2014):
As ,calc
 b ,nec   .  b    b,mín
As ,ef

1,0 para barras sem gancho


0,7 para barras tracionadas com gancho , com cobrimento no plano normal ao

 gancho  3
 
0,7 quando houver barras transversais soldadas
 0,5 quando houver barras transversais soldadas e gancho com cobrimento no

 plano normal ao do gancho  3

b é o comprimento de ancoragem básico, calculado conforme o item 5.1;


b,min é o comprimento de ancoragem mínimo, maior valor entre 0,3b, 10 e
100 mm.

As barras transversais soldadas devem atender as prescrições do item


9.4.2.2 da ABNT NBR 6118:2014.

5.3 Ancoragem de Barras Comprimidas


Nas estruturas usuais de concreto armado, pode ser necessário ancorar
barras compridas, nos seguintes casos:

 em vigas – quando há barras longitudinais compridas (armadura dupla);


 em pilares – nas regiões de emendas, no nível dos andares ou da
fundação.

As barras exclusivamente compridas ou que tenham alternância de


solicitações (tração e compressão) devem ser ancoradas em trecho reto, sem
gancho (Figura 7). A presença do gancho gera concentração de tensões, que
pode levar ao fendilhamento do concreto ou à instabilidade da barra.
Em termos de comportamento, a ancoragem de barras comprimidas e a
de barras tracionadas são diferentes em dois aspectos. Primeiramente, por
11.8
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estar comprimido na região da ancoragem, o concreto apresenta maior


integridade (está menos fissurado) do que se estivesse tracionado, e poderiam
ser admitidos comprimentos de ancoragem menores.
Um segundo aspecto é o efeito de ponta, como pode ser observado na
Figura 7. Esse fator é bastante reduzido com o tempo, pelo efeito da fluência
do concreto. Na prática, esses dois fatores são desprezados.
Portanto, os comprimentos de ancoragem de barras comprimidas são
calculados como os das tracionadas. Porém, nas comprimidas não se usa
gancho.
No cálculo do comprimento de traspasse 0c de barras comprimidas,
adota-se a seguinte expressão (ABNT NBR 6118:2014, item 9.5.2.3):
 0 c   b ,nec   0 c , mín

0c,mín é o maior valor entre 0,6 b , 15  e 200 mm.

Figura 7 – Ancoragem de barras comprimidas (FUSCO, 1975)

6 ANCORAGEM NOS APOIOS


De acordo com a ABNT NBR 6118:2014, item 18.3.2.4, os esforços de
tração junto aos apoios de vigas simples ou contínuas devem ser resistidos por
armaduras longitudinais que satisfaçam a mais severa das seguintes
condições:

a) no caso de ocorrência de momentos positivos, as armaduras obtidas


através do dimensionamento da seção;

11.9
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b) em apoios extremos, para garantir ancoragem da diagonal de


compressão, armaduras capazes de resistir a uma força de tração
a 
FSd      Vd  N d (4)
d 
na qual Vd é a força cortante no apoio e Nd é a força de tração eventualmente
existente." A área de aço, neste caso, é calculada pela equação:
FSd
As,calc 
f yd
c) em apoios extremos e intermediários, por prolongamento de uma parte
da armadura de tração do vão (As,vão), correspondente ao máximo momento
positivo do tramo (Mvão), de modo que:

As,apoio  1/3 (As,vão) se Mapoio ≤ 0 e de valor absoluto |Mapoio|  0,5 Mvão;


As,apoio  1/4 (As,vão) se Mapoio 0 e de valor absoluto |Mapoio|  0,5 Mvão.

6.1 Comprimento Mínimo de Ancoragem em Apoios Extremos


Em apoios extremos, para os casos (b) e (c) anteriores, a ABNT NBR
6118:2014 (item 18.3.2.4.1) prescreve que as barras devem ser ancoradas a
partir da face do apoio, com comprimento mínimo dado por:

 b ,nec conforme o item 5.2



 be ,mín  (r  5,5 ) sendo r o raio interno de curvatura do gancho (Tabela 1)
60 mm

Desta forma, pode-se determinar o comprimento mínimo necessário do
apoio:

t min   be ,min  c
c é o cobrimento da armadura (Figuras 8a e 8b).

A ABNT NBR 6118:2014, ainda no item 18.3.2.4.1, estabelece que


quando houver cobrimento da barra no trecho do gancho, medido normalmente
ao plano do gancho, de pelo menos 70 mm, e as ações acidentais não
ocorrerem com grande frequência com seu valor máximo, o primeiro dos três
valores anteriores pode ser desconsiderado, prevalecendo as duas condições
restantes.

11.10
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a) Barra com ponta reta b) Barra com gancho


Figura 8 – Ancoragem no apoio

6.2 Esforço a Ancorar e Armadura Calculada


Na flexão simples, o esforço a ancorar é dado por:
a 
FSd     Vd
d 
Vd é a força cortante no apoio.
A armadura para resistir esse esforço, com tensão s = fyd, é dada por:
FSd
As,calc 
f yd

6.3 Armadura Necessária em Apoios Extremos


Na expressão do comprimento de ancoragem necessário (item 5.2),
As ,calc
 b, nec    b
As ,ef
Impondo-se  b ,nec   b ,disp e As ,ef  As ,nec , obtém-se:

 b
As ,nec  As,calc
 b,disp
A área das barras ancoradas no apoio não pode ser inferior a As,nec.

7 ANCORAGEM FORA DE APOIO


Algumas barras longitudinais podem ser interrompidas antes dos apoios.
Para determinar o ponto de início de ancoragem dessas barras, há
necessidade de se deslocar, de um comprimento a (decalagem), o diagrama
de força no banzo tracionado.

11.11
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7.1 Deslocamento a do Diagrama

O valor do deslocamento a é dado por (item 17.4.2.2c da ABNT NBR


6118:2014).
Quando a armadura longitudinal de tração for determinada através do
equilíbrio de esforços na seção normal ao eixo do elemento estrutural, os
efeitos provocados pela fissuração oblíqua podem ser substituídos no cálculo
pela decalagem do diagrama de força no banzo tracionado, dada pela
expressão:

 VSd ,max 
a  d    (1  cot g )  cot g   d
 2  (VSd ,max  Vc ) 
onde
a  d , para |VSd,máx| ≤ |Vc|

0,5d , no caso geral;


a  
0,2d , para estribos inclinados a 45º.
Essa decalagem pode ser substituída, aproximadamente, pela
correspondente decalagem do diagrama de momentos fletores.
O ângulo  é a inclinação da armadura transversal em relação ao eixo
longitudinal da peça (45    90). O valor de Vc para flexão simples, flexo-
tração com a linha neutra cortando a seção ou para flexo-compressão em vigas
não protendidas é dado por:
Vc = Vco = 0,6 fctd bw d

Vale ressaltar que, nos casos usuais, em que a armadura transversal


(estribos) é normal ao eixo da peça,  = 90o e a expressão de a resulta:

 VSd ,max 
0,5d  a  d   d
 2  (VSd ,max  Vc ) 
O deslocamento a é fundamentado no comportamento previsto para a
resistência da viga à força cortante, em que se considera que a viga funcione
como uma treliça, com banzo comprimido e diagonais comprimidas (bielas)
formadas pelo concreto, e banzo tracionado e montantes tracionados
constituídos, respectivamente, pela armadura longitudinal e pelos estribos.
Nesse modelo há um acréscimo de esforço na armadura longitudinal de tração,
que é considerado através de um deslocamento a do diagrama de momentos
fletores de cálculo.

11.12
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7.2 Trecho de Ancoragem


Apresentam-se as prescrições do item 18.3.2.3.1 da ABNT NBR
6118:2014 para ancoragem por aderência de armaduras de tração na flexão
simples.
O trecho da extremidade da barra de tração, considerado como de
ancoragem, tem início na seção teórica em que sua tensão s começa a
diminuir, ou seja, a força de tração na barra começa a ser transferida para o
concreto.
A barra deve prolongar-se pelo menos 10 além do ponto teórico de
tensão s nula, não podendo, em caso algum, ser inferior ao comprimento de
ancoragem necessário calculado conforme o item 5.2 deste texto.
Assim, na armadura longitudinal de tração dos elementos estruturais
solicitados por flexão simples, o trecho de ancoragem da barra terá início no
ponto A (Figura 9) do diagrama de forças RSd = Md/z, decalado do
comprimento aℓ, conforme o item 7.1 deste texto.
Se a barra não for dobrada, o trecho de ancoragem deve prolongar-se
além de B, no mínimo 10 (ver Figura 9).
Se a barra for dobrada, o início do dobramento poderá coincidir com o
ponto B. Atualmente é raro o emprego de barras dobradas.

Figura 9 – Cobertura do diagrama de força de tração solicitante pelo diagrama


resistente
11.13
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7.3 Ancoragem em Apoios Intermediários


Se o ponto A de início de ancoragem estiver na face do apoio, ou além dela
(Figura 10a), e a força FSd diminuir em direção ao centro do apoio, o trecho de
ancoragem deve ser medido a partir dessa face, com a força FSd dada no item
6.2.
Quando o diagrama de momentos fletores de cálculo não atingir a face do
apoio, as barras prolongadas até o apoio (Figura 10b) devem ter o
comprimento de ancoragem marcado a partir do ponto A e, obrigatoriamente,
deve ultrapassar 10 da face de apoio.
Quando houver qualquer possibilidade da ocorrência de momentos
positivos nessa região, provocados por situações imprevistas, particularmente
por efeitos de vento e eventuais recalques, as barras deverão ser contínuas ou
emendadas sobre o apoio.

Figura 10 – Ancoragem em apoios intermediários

8 GANCHOS DAS ARMADURAS DE TRAÇÃO


Os ganchos das extremidades das barras da armadura longitudinal de
tração podem ser (item 9.4.2.3 da ABNT NBR 6118:2014):
 semicirculares, com ponta reta de comprimento não inferior a 2 
(Figura 11a);
 em ângulo de 45º (interno), com ponta reta de comprimento não inferior a
4  (Figura 11b);
 em ângulo reto, com ponta reta de comprimento não inferior a 8 
(Figura 11c).
11.14
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Para barras lisas, os ganchos devem ser semicirculares.

(a) (b) (c)

Figura 11 – Tipos de ganchos

Ainda segundo a ABNT NBR 6118:2014, o diâmetro interno da curvatura


dos ganchos das armaduras longitudinais de tração deve ser pelo menos igual
ao estabelecido na Tabela 1 (Tabela 9.1 da Norma).

Tabela 1 – Diâmetros dos pinos de dobramento

BITOLA CA - 25 CA - 50 CA - 60
(mm)

 < 20 4 5 6

  20 5 8 -

9 GANCHOS DOS ESTRIBOS


A ABNT NBR 6118:2014, item 9.4.6, estabelece que a ancoragem dos
estribos deve necessariamente ser garantida por meio de ganchos ou barras
longitudinais soldadas. Os ganchos dos estribos podem ser:

 semicirculares ou em ângulo de 45o (interno), com ponta reta de


comprimento igual a 5 t, porém não inferior a 5 cm;
 em ângulo reto, com ponta reta de comprimento maior ou igual a 10 t,
porém não inferior a 7 cm (este tipo de gancho não deve ser utilizado para
barras e fios lisos).

11.15
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O diâmetro interno da curvatura dos estribos deve ser, no mínimo, igual ao


valor dado na Tabela 2 (Tabela 9.2 da Norma).

Tabela 2 – Diâmetros dos pinos de dobramento para estribos

BITOLA (mm) CA - 25 CA - 50 CA - 60

t  10 3 t 3 t 3 t

10 < t < 20 4 t 5 t -

t  20 5 t 8 t -

10 EXEMPLOS DE CÁLCULO DO COMPRIMENTO DE ANCORAGEM


Apresentam-se dois exemplos, um para concreto C30 e outro para C70.

10.1 Exemplo 1
Calcular o comprimento de ancoragem em situação de boa e má
aderência, sem e com gancho. Dados: concreto C30, aço CA-50 (nervurado),
 16 mm.

a) Cálculo de fctd
Para concreto de classe até C50, fctd é dado por (item 4):
2/ 3
0,7  0,3  f ck 0,21  302 / 3
f ctd    1,448 MPa
c 1,4

b) Resistência de aderência
Para boa aderência, sem gancho, a resistência de aderência é dada por
(item 4):
f bd  1   2   3  f ctd  2,25  1,0  1,0  1,448 = 3,259 MPa

c) Boa aderência, sem gancho


Para boa aderência, sem gancho, o comprimento de ancoragem básico é
dado por (item 5.1):
 f yd 1,6 500 / 1,15
lb    25 
 lb    53 cm  25  1,6  40 cm 
 OK
4 fbd 4 3,259

11.16
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Portanto:
lb  53 cm (boa aderência, sem gancho)

d) Boa aderência, com gancho


De acordo com o item 5.2, o valor anterior deve ser multiplicado por
 = 0,7 (efeito do gancho), resultando:
lb  37 cm (boa aderência, com gancho)

e) Má aderência, sem gancho

No cálculo de f bd (item b deste exemplo), para má aderência, deve-se


considerar  2  0,7 :
f bd  1   2   3  f ctd  2,25  0,7  1,0  1,448 = 2,281 MPa
 f yd 1,6 500 / 1,15
lb    25 
 lb    76 cm  25  1,6  40 cm 
 OK
4 f bd 4 2,281
Portanto:
l b  76 cm (má aderência, sem gancho)

Este valor também poderia ser obtido, simplesmente, dividindo o do item c


(53 cm) por 0,7.

f) Má aderência, com gancho


Conforme o item 5.2, o valor anterior deve ser multiplicado por  = 0,7
(efeito do gancho), resultando:
lb  53 cm (má aderência, com gancho)

10.2 Exemplo 2
Idem exemplo anterior para concreto C70.

a) Cálculo de fctd
Para concreto de classe superior a C50, fctd é dado por:

0,7  2,12  n ( 1  0,11 fck ) 0,7  2,12  n ( 1  0,11 70 )


fctd    2,293
c 1,4

11.17
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b) Resistência de aderência
Para boa aderência, sem gancho, a resistência de aderência é dada por
(item 4):
f bd  1  2  3  f ctd  2,25  1,0  1,0  2,293 = 5,160 MPa

c) Boa aderência, sem gancho


Para boa aderência, sem gancho, o comprimento de ancoragem básico é
dado por (item 5.1):

 f yd 1,6 500 / 1,15


lb    25 
 lb    34 cm
4 f bd 4 5,160
Este valor deve ser pelo menos igual a 25  = 25 . 1,6 = 40 cm.
Portanto:
lb  40 cm (boa aderência, sem gancho)

d) Boa aderência, com gancho


De acordo com o item 5.2, o valor anterior deve ser multiplicado por
 = 0,7 (efeito do gancho), resultando:
lb  28 cm (boa aderência, com gancho)

e) Má aderência, sem gancho

No cálculo de f bd (item b deste exemplo), para má aderência, deve-se


considerar  2  0,7 :
f bd  1   2   3  f ctd  2,25  0,7  1,0  2,293 = 3,612 MPa
 f yd 1,6 500 / 1,15
lb    25 
 lb    48 cm  25  1,6  40 cm 
 OK
4 fbd 4 3,612
Portanto:
lb  48 cm (má aderência, sem gancho)

g) Má aderência, com gancho


Conforme o item 5.2, o valor anterior deve ser multiplicado por  = 0,7
(efeito do gancho), resultando:
lb  34 cm (má aderência, com gancho)

11.18
USP – EESC – Departamento de Engenharia de Estruturas Aderência e Ancoragem

QUESTIONÁRIO

1. O que é ancoragem por aderência?


2. Quais as parcelas da aderência e quais as causas delas?
3. Por que existem situações de boa e de má aderência? Quais as causas?
4. Como se determina o comprimento para ancoragem de uma barra?
5. Como se pode reduzir o comprimento de ancoragem?
6. Para estribos a 90º, segundo a ABNT NBR 6118:2014, como se determina
o deslocamento a?

7. Como se determinam os pontos de início de ancoragem e de interrupção


de uma barra?
8. Qual a dimensão mínima do apoio, para ancoragem das barras que
chegam até o apoio?
9. Como se determina o esforço nas barras para verificação da ancoragem
em apoios estreitos?
10. Como se determina o número de barras que devem ser prolongadas até o
apoio?
11. Quando no apoio não for possível a ancoragem das barras utilizadas, quais
as providências que podem ser adotadas?
12. Como este questionário pode ser complementado, com base nos demais
conceitos apresentados neste texto?

AGRADECIMENTOS

Aos colaboradores na redação e na revisão deste texto:

Marcos Vinícius Natal Moreira,


Matheus Bueno Quirino,
Murilo Alessandro Scadelai e
Sandro Pinheiro Santos.

11.19
USP – EESC – Departamento de Engenharia de Estruturas Aderência e Ancoragem

REFERÊNCIAS
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (2014). NBR 6118 –
Projeto de estruturas de concreto. Rio de Janeiro, ABNT.
FUSCO, P.B. (1975). Fundamentos da técnica de armar: estruturas de
concreto. v.3. São Paulo, Grêmio Politécnico.
LEONHARDT, F.; MÖNNIG, E. (1977). Construções de concreto: princípios
básicos do dimensionamento de estruturas de concreto armado. v.1. Rio de
Janeiro, Interciência.
PROMON ENGENHARIA (1976). Tabelas para dimensionamento de concreto
armado: segundo a NB-1/76. São Paulo, McGraw-Hill do Brasil, 269p.

11.20

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