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FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE EDUARDO MONDLANE

CIÊNCIA POLÍTICA E DIREITO CONSTITUCIONAL

TEMA: ACTOS JURÍDICO-CONSTITUCIONAIS

1. Actos jurídico-públicos e actos jurídico-constitucionais

No estudo das funções do Estado (função política, função administrativa e função


jurisdicional) verificamos que a elas correspondem diferentes categorias de actos
jurídicos, designadamente, as leis (constitucionais e ordinárias); actos de governo,
eleições e referendos, regulamentos, actos administrativos, contratos administrativos e
outros contratos públicos, actos jurisdicionais ou sentenças letíssimo senso.
Ao conjunto destes actos designa-se actos jurídico-públicos, ou seja, actos do
Estado (ou do Estado e das demais entidades públicas no exercício de um poder público e
sujeitos a normas do Direito público.
Neste vasto conjunto se destacam os actos jurídico-constitucionais, que se
definem:
a) Segundo uma perspectiva formal – actos cujo estatuto pertence, a título
principal, ao Direito Constitucional, isto é, os que, além de previstos, são regulados por
normas constitucionais, embora não necessariamente de forma completa, ou os actos
provenientes de órgãos constitucionais com a sua formação sujeita a normas
constitucionais.
b) Segundo uma perspectiva material – actos de relevância constitucional, ou
actos de concretização imediata da Constituição, ou actos de realização e de garantia das
normas constitucionais.
2. Os actos jurídico-constitucionais

A partir da conjugação destas duas definições se chega à conclusão de que são


actos jurídico-constitucionais apenas os actos da função política-legislativa e os actos da
função política-governativa.

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Em complemento, são igualmente juríodico-constitucionais os actos da garantia
jurisdicional da constitucionalidade das leis e da legalidade dos actos normativos dos
órgãos do Estado.
Com efeito, estes actos têm de comum as seguintes características:
a) São os únicos que a Constituição especifica e visa disciplinar em
articulação com as competências próprias dos órgãos e dos colégios
eleitorais que institui;
b) Estão directa e imediatamente subordinados à Constituição;
c) Através deles se projectam, desde logo, as opções político-constitucionais
ou a ideia de Direito apoiada na Constituição;
d) É a respeito deles que se suscitam fundamentalmente os problemas de
inconstitucionalidade.

Pode-se considerar grosso modo que o arrolamento feito pelo artigo 144 da
Constituição corresponde a este tipo de actos.

3. Pressupostos, elementos e requisitos


Na análise dos actos jurídico-constitucionais podem ser considerados
pressupostos, elementos e requisitos.

3.1. Pressupostos – são as condições prévias e exteriores ao acto de que depende


a sua existência ou a sua formação, e de entre eles avulta o pressuposto da competência
que implica as seguintes exigências:
a) Que o acto dimane de um órgão do Estado;
b) Que o acto dimane de um órgão competente em razão da matéria e de
outros factores de competência (tempo, lugar e pessoas).
3.2. Elementos – são partes integrantes do acto e definem o seu modo de ser ou a
sua estrutura:
a) Vontade – o acto jurídico- constitucional é uma manifestação de vontade
juridicamente relevante, sendo uma vontade funcional.

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b) Objecto - pode ser (i) imediato (o conteúdo do acto): o efeito ou conjunto de
efeitos a que o acto se dirige, a realidade jurídica sobre a qual o acto incide, a
transformação da ordem jurídica objectiva ou a constituição, modificação ou
extinção de relações ou situações jurídicas que o acto determina; (ii) mediato:
a realidade de facto que lhe subjaz, o conjunto de situações que o acto
conforma ou sobre que faz recair os seus efeitos.
c) Fim – a finalidade que o órgão prossegue através do acto, sendo de distinguir
entre a causa ou função típica objectiva e o fim assumido especificamente em
relação a cada acto em concreto.
d) Forma – declaração ou exteriorização da vontade, de ordinário traduzida
numa forma típica consoante o tipo de acto de que se trate e que comporta ou
pode comportar as formalidades necessárias a prepará-la ou a completá-la.
3.3. Requisitos – são os pressupostos e os elementos tomados não tanto da
perspectiva da estrutura quanto dada a sua conformidade com a norma jurídica e da
apreciação que esta faz sobre eles.
Os requisitos respeitam tanto à garantia do interesse público como à protecção
dos direitos e interesses dos cidadãos que podem ser atingidos pelo acto.
São requisitos dos actos jurídico-constitucionais:
a) Requisitos orgânicos – os que respeitam à competência.
b) Requisitos materiais – os que se prendem com a vontade, o objecto e o fim.
c) Requisitos formais – os que se prendem com a forma.

4. Caso prático
Verifiquemos na prática os pressupostos, elementos e requisitos de um acto
jurídico-constitucional, por exemplo uma Lei do Ambiente.
a) Pressuposto – a competência da Assembleia da República (art. 169, n.º 2,
conjugado com o art. 179, n.º 1 da Constituição).
b) Vontade – deliberação da Assembleia da República nos termos dos números
1 e 2 do art. 187 da Constituição).
c) Objecto imediato ou conteúdo – a nova regulamentação da matéria ou o
novo regime jurídico que a lei cria (v.g. a obrigatoriedade de uma avaliação

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do impacto ambiental antes de se autorizar empreendimentos turísticos nas
zonas costeiras).
d) Objecto mediato – as várias situações de facto que lei visa regular (v.g. o uso
sustentável dos recursos florestais e marinhos).
e) Fim (causa) – prossecução do interesse público por via normativa (v.g. a
prossecução do interesse público relativo à protecção do ambiente).
f) Fim (concreto ou subjectivo) – a realização de programa político (v.g.
Programa Quinquenal do Governo) ou a resolução de qualquer problema (v.g.
a poluição dos rios, a erosão costeira).
g) Forma – a forma de lei, observadas todas as formalidades constitucionais e
regimentais.

5. Requisitos e valores jurídicos dos actos


A validade e a eficácia dos actos jurídicos- constitucionais são determinados com
base na ponderação em abstracto da relevância dos requisitos orgânicos, materiais e
formais.
Para efeitos dessa ponderação, os requisitos são agrupados em três categorias:

a) Requisitos de qualificação – são os requisitos de enquadramento do acto em


qualquer dos tipos constitucionais de acto estabelecidos (v.g. lei de revisão
constitucional, lei, decreto-lei).
b) Requisitos de validade – são os requisitos de perfeição do acto ou da plena
possibilidade da produção dos seus efeitos jurídicos típicos.
c) Requisitos de regularidade – são os requisitos de adequação do acto às regras
constitucionais (sobretudo, às regras formais, independentemente da produção
dos seus efeitos).
d) Requisitos de eficácia – são requisitos de realização prática dos efeitos do
acto.

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6. Valores jurídicos do acto jurídico-constitucional

Os valores jurídicos do acto jurídico-constitucional se traduzem nas diferentes


valorações do acto tomando os requisitos como critérios para se aferir a sua
conformidade com a Constituição.
O conceito de valores jurídicos do acto jurídico-constitucional abrange:
a) A inexistência jurídica – decorre da preterição dos requisitos de qualificação.
b) A invalidade (nulidade e anulabilidade) – resulta da preterição dos requisitos
de validade.
c) A irregularidade – decorre da omissão dos requisitos de regularidade.
d) A ineficácia – resulta da preterição dos requisitos de eficácia.

7. Classificação dos actos jurídico-constitucionais


Os actos jurídico-constitucionais podem ser classificados tendo em conta os
critérios da vontade, do objecto e da forma.

7.1. Quanto à vontade


a) Actos livres e actos devidos – os primeiros são aqueles cuja prática se
insere na esfera de liberdade da actuação do órgão (v.g. indulto e
comutação de penas pelo Presidente da República – al. i) do art. 159
CRM) e os segundos são aqueles cuja prática é obrigatória (v.g.
promulgação obrigatória das leis de revisão constitucional – n.º 3 do art.
295 da CRM e os actos do Conselho de Estado previstos nas alíneas do
art. 166 da CRM);
b) Actos unilaterais e actos plurilaterais – os primeiros são os que resultam
da manifestação da vontade de um único órgão (v.g. promulgação das leis
pelo PR – art. 163, n.º 1 da CRM) e os segundos são os que resultam do
acordo de vontades de dois ou mais órgãos ou entidades (v.g. o referendo
que é proposto pela Assembleia da República – art. 179, n.º 1, al. f) da
CRM e realizado por decisão do PR – art. 159, al. c) da CRM), após
pronunciamento do Conselho do Estado – art. 166, al. c);

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c) Actos simples e actos complexos – os primeiros são os que se esgotam na
prática de um único acto (v.g. nomeação, exoneração e demissão do
Primeiro Ministro pelo PR – art. 160, n.o 1, al. b) e os segundo sãos
aqueles que são produto da soma de actos parcelares (de novo o
referendo);
d) Decisões e deliberações.

7.2. Quanto ao objecto


a) Actos de eficácia interna e actos de eficácia externa;
b) Actos de eficácia geral e actos de eficácia individual;
c) Actos normativos e actos não normativos;
d) Actos imperativos e actos permissivos ou facultativos;
e) Actos declarativos e actos constitutivos;
f) Resoluções e pareceres.

7.3. Quanto à forma


a) Actos de formação instantânea e actos de formação sucessiva, processual
ou procedimental;
b) Actos expressos e actos tácitos;
c) Actos de fundamentação necessária e actos sem fundamentação
necessária;
d) Actos solenes e actos não solenes.
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Bibliografia: Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo V, Coimbra
Editora, 1997.

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