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Acórdãos TRL Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa

Processo: 11557/19.2T8LSB.L1-7
Relator: CRISTINA COELHO
Descritores: ARRESTO
PESSOA COLECTIVA
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
ADMISSIBILIDADE
PRESSUPOSTOS

Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 21-04-2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N

Meio Processual: APELAÇÃO


Decisão: IMPROCEDENTE

Sumário: 1. Apurados os factos integrantes de situação de abuso


funcional de personalidade colectiva, pode o credor
requerer o arresto de bens para garantia de crédito de
pessoa singular, ainda que formalmente se encontrem
inscritos na esfera jurídica de uma sociedade
constituída, ou utilizada, para iludir os credores.
2. Os fundamentos e princípios que enformam o
instituto da desconsideração da personalidade coletiva
não afastam que o agente possa ser uma pessoa que
não faça parte do substrato pessoal da sociedade, mas
que por força dos poderes que tem sobre a gestão da
sociedade a use em seu benefício e em manifesta
violação da ética dos negócios ou dos princípios gerais
de boa fé, sendo sócio ou acionista (de forma
significativa) pessoa especialmente relacionada com o
agente, um testa-de-ferro.
Decisão Texto Parcial:

Decisão   Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


Texto
Integral
: RELATÓRIO
Em 1.6.2019, Caixa Geral de Depósitos, SA intentou procedimento
cautelar de arresto contra A e B [ …….. Imobiliária,SA ] [1],
pedindo que, sem prévia audição dos requeridos, se ordene o arresto
de todo o património da Requerida B, designadamente:
1. A fração autónoma “AE” do prédio urbano sito na Avenida
Infante Santo e Rua Teixeira de Sampaio, com entrada pela
Avenida Infante Santo, nº , em Lisboa, descrito na CRP de Lisboa
sob o nº 343 da freguesia de Santos-o-Velho; 
2. Quaisquer outros bens móveis sujeitos a registo ou imóveis, que
se encontrem registados a favor da Requerida B ;
3. Saldos bancários e/ou valores de qualquer conta de depósito, à
ordem ou a prazo, poupança, fundos de investimento mobiliário,
ações ou quaisquer outros títulos e valores depositados que a
Requerida B possua em qualquer Banco ou Instituição Financeira a
operar em Portugal; 
4. Qualquer crédito de natureza fiscal de que a Requerida B seja
titular.
Fundamentou a sua pretensão na factualidade constate do
requerimento inicial que se tem por reproduzido.
Realizada inquirição das testemunhas, em 14.6.2019, foi proferida
sentença que julgou procedente a providência cautelar requerida, e,
consequentemente decretou o arresto dos seguintes bens:
a) Fração Autónoma designada pela letra “AE” do prédio urbano
sito na Avenida Infante Santo e Rua Teixeira Sampaio, com
entrada pela Avenida Infante Santo nº  , em Lisboa, descrito na
CRP de Lisboa, sob o nº 343, da freguesia de Santos o Velho;
b) Fração Autónoma designada pela letra “B” do prédio urbano
sito na Rua Garcia de Orta, nº  , em Lisboa, descrito no Registo
Predial de Lisboa sob o nº … da freguesia de Santos o Velho;
c) Saldos bancários e/ou valores de qualquer conta de depósito à
ordem ou a prazo, poupança, fundos de investimento mobiliário,
ações ou quaisquer outros títulos e valores depositados que a 2ª
requerida possua em qualquer Banco ou Instituição Financeira a
operar em Portugal;
d) Crédito de natureza fiscal de que a requerida seja titular;
e) Quaisquer outros bens móveis sujeitos a registo ou imóveis
registados a favor da 2ª requerida.
Efetuado o arresto e citados os requeridos, ambos deduziram
oposição, pedindo a respetiva procedência e o levantamento dos
arrestos decretados.
Na sequência de convite do tribunal, a Requerente pronunciou-se
sobre as oposições.
Realizada inquirição das testemunhas, em 3.12.2019, foi proferida
sentença que julgou improcedentes as oposições.
Não se conformando com a decisão, apelou a 2ª Requerida,
formulando, a final, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
1) Deve ser alterada a decisão da matéria de facto, e, em
consequência, ser dado por provado que “Carolina ….. é acionista
única da sociedade B, há mais de oito anos.”
 2) O facto 92 [2] deve passar a ter a seguinte redação: A B exerce a
sua atividade na modalidade de investimento imobiliário,
apostando na valorização do seu património imobiliário no longo
prazo. 
3) O facto 92 [3] deve passar a ter a seguinte redação: “85. O
Requerido A constituiu a Requerida B, com uma participação de
99,99%, conjuntamente com mais quatro outros acionistas, que
subscreveram cada um deles uma única ação, do valor nominal de
um euro cada uma;” 
4) Para que a pretensão da CGD pudesse proceder seria mister ter
ficado demonstrado que A era titular da B, o que não sucedeu.
Assim, para a manutenção do arresto falta o principal pressuposto
da desconsideração da personalidade coletiva: a confusão entre a
esfera da sociedade e a esfera do sócio. 
5) Deveria ter sido dado como provado que: “A e Carolina …. são
casados no regime de separação de bens, há 45 anos.” 
6) Deveria ter sido dado como provado que: “A CGD nunca
considerou os imóveis arrestados como integrando o património
do(s) devedor(es) das entidades a quem concedeu financiamento,
nem sobre eles pediu a constituição de qualquer garantia.”
7) Não se verificam os pressupostos do levantamento da
personalidade coletiva da B.
8) A CGD é um credor forte, que nunca contou com os bens
arrestados para a satisfação do seu crédito. 
9) Os credores fortes não devem poder gozar da desconsideração da
personalidade coletiva, pois podem negocialmente proteger o seu
crédito. 
10) A GCD poderia ter acautelado a sua posição recorrendo a uma
ação de impugnação pauliana. Não o tendo feito, não pode recorrer
à desconsideração da personalidade coletiva que é de natureza
subsidiária, e não serve para remendar situações em que o lesado
voluntariamente se colocou.  
11) O procedimento cautelar de arresto movido contra terceiro (i.e.,
sujeito não devedor) titular do bem não é meio processual
adequado a discutir a eventual desconsideração da personalidade
jurídica desse terceiro. 
12) A CGD não demonstrou o perigo de dissipação patrimonial,
necessário ao decretamento de um arresto. 
13) Não se pode, sem razões ponderosas, que não se invocaram nem
demonstraram, desconsiderar a existência de personalidade
jurídica autónoma da B, não bastando para tal dizer que A é
devedor da CGD e é também quem “tem o controlo” da B. 
14) A CGD age em abuso de direito ao invocar a desconsideração
da personalidade coletiva da B.
15) A CGD não demonstrou que a possibilidade de executar os
imóveis agora arrestados seja necessária à satisfação do seu crédito,
sendo que a CGD tem a seu favor outras garantias, cuja
insuficiência está longe de estar demonstrada. 
16)  A constituição e atividade da B (investimento em imóveis a
longo prazo) são manifestações lícitas da autonomia privada,
frequentes no comércio jurídico, nenhum motivo existindo para
entender que a atribuição de personalidade jurídica à B é um modo
de permitir a A colocar parte do seu património a salvo dos
credores. 
17) Sendo a B detida a 100% por Carolina …., casada com José
……. no regime de separação de bens, nunca a eventual
desconsideração da personalidade jurídica da B teria como
resultado que o património da sociedade pudesse responder pelas
dívidas invocadas pela CGD, uma vez que a acionista nada deve
àquele Banco.
18) Para determinar quem tem o controlo de uma sociedade
comercial é essencial saber quem são os seus sócios, pois são estes
quem tem o poder de nomear e de destituir os membros do
Conselho de Administração. 
19) Apesar do casamento (e mesmo independentemente do regime
de bens), os membros do casal mantêm personalidades jurídicas
autónomas, pelo que não se pode dizer que é irrelevante para a
sorte da causa que a B seja detida pela mulher ou pelo marido.
20) Consequentemente, nenhuma razão existe para se
desconsiderar a personalidade jurídica da B, fazendo o seu
património responder por dívidas de terceiros a quem esta não
prestou qualquer garantia. 
Termina pedindo a procedência do recurso, sendo, em
consequência, ordenado o levantamento do arresto.
A Requerente contra-alegou, pugnando pela improcedência da
apelação e manutenção do arresto decretado, formulando as
seguintes conclusões:
1. A junção de 3 documentos, a coberto das alegações sob resposta,
correspondentes às transcrições efetuadas pela Recorrente de
depoimentos prestados no âmbito da II Comissão Parlamentar de
Inquérito à Recapitalização da CGD (Recorrida), e à sua gestão,
não poderá ser admitida por não se encontrarem preenchidos os
respetivos pressupostos, designadamente a sua superveniência, nos
termos previstos no artigo 651º do CPC, pelo que deverá ser
liminarmente rejeitada, ordenando-se o seu desentranhamento e
remessa à Recorrente, sendo também dados como não escritos os
excertos das alegações da Recorrente que reproduzem aqueles
depoimentos;
2. Na Sentença recorrida, o Tribunal a quo procedeu a uma
exemplar apreciação e decisão sobre as questões em discussão nos
autos, quer no que respeita à decisão proferida sobre a matéria de
facto, quer no que respeita à decisão de direito;
3. Em concreto, não se verifica qualquer erro de julgamento no que
respeita à decisão proferida sobre os pontos 72 e 85 da matéria de
facto, cuja redação se deve manter nos precisos termos em que foi
decidida, nos termos previstos no artigo 662º, nº 1, do CPC;
4. Do mesmo modo, improcede a impugnação da Recorrente no que
respeita ao aditamento à matéria de facto dada por assente de
factualidade atinente à invocada propriedade das ações por
Carolina ……, à relação de casamento existente entre esta e o
Requerido A, e sua duração, e à suposta (in)exigência da prestação
de outras garantias pelo Requerido A no âmbito do processo de
concessão de crédito, seja por não ter sido efetuada prova sobre
esta matéria, seja por se mostrar irrelevante para a boa decisão da
causa;
5. Contrariamente ao que a Recorrente sustenta, o artigo 391º do
CPC admite que seja decretada a providência cautelar de arresto
destinada a assegurar o efeito útil de ação a propor com
fundamento na desconsideração da personalidade jurídica da
Recorrente; 
6. No caso dos autos, resultou indiciariamente provada matéria de
facto que permite, com razoável certeza, considerar que o
património da Recorrente deve responder pelas dívidas do
Requerido A, com recurso à figura da desconsideração da
personalidade jurídica coletiva, cujos pressupostos se mostram
preenchidos, nomeadamente no que respeita ao crédito da
Recorrida e ao recurso abusivo à figura da separação de
patrimónios por parte do Requerido A e da Recorrente B –
sociedade comercial controlada por aquele –, em prejuízo dos
credores, incluindo da ora Recorrida;
7. Não obsta ao recurso à figura da desconsideração da
personalidade jurídica a invocada factualidade atinente à alegada
(mas não demonstrada e que não corresponde à verdade)
(in)exigência de outras garantias no âmbito do processo de
concessão do financiamento, quer por não alterar a obrigação do
Requerido A de pagamento dos valores devidos à Recorrida, quer
por não afastar o princípio geral, previsto no artigo 601º do Código
Civil, de que todos os bens do devedor suscetíveis de penhora
respondem pelo cumprimento das suas obrigações.
QUESTÕES A DECIDIR
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões da recorrente
(arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC), as questões a decidir são:
a) impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
b) a desconsideração da personalidade jurídica da
apelante/terceiro;
c) do risco de dissipação do património;
d) atuação da apelada em abuso de direito;
Questão prévia: junção de documentos com a apelação.
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
O tribunal recorrido teve como indiciados os seguintes factos:
Da providência:
1. A Requerente é uma sociedade anónima de capitais
exclusivamente públicos, de que só o Estado pode ser detentor e que
se rege pelas mesmas normas das empresas privadas do sector, nos
termos do Decreto-Lei nº 287/93, de 20 de agosto, que transformou
a Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência em sociedade
anónima de capitais exclusivamente públicos; Cfr. Fls. 32 v. e ss.;
2. O seu objeto é o exercício da atividade bancária; Cfr. certidão
comercial com o código de acesso 1585-6484-5630 cujo teor aqui se
dá por integralmente reproduzido;
3. O Requerido A é um empresário madeirense;
4. Em 2010, o Expresso avaliou a fortuna do Requerido A, num
valor estimado de 589 milhões de euros, colocando-o em nono lugar
na lista das personalidades mais ricas de Portugal – cfr. doc. de fls.
45 v. e ss.;
5. O Requerido A dedica-se também a colecionar obras de arte,
sendo que, no site da coleção de arte à qual deu o nome – a Coleção
….. (https://www.berardocollection.com/), o seu percurso é descrito
da seguinte forma: “(…) Homem de negócios, espalhados pelos
quatro cantos do Mundo, pioneiro em diversos sectores,
colecionador de arte e filantropo, nasceu a 4 de Julho de 1944,
numa Madeira conservadora e onde a pobreza era lugar comum.
(…) Torna-se proprietário de quatro refinarias de ouro e avança
para as minas de diamantes. Inicia-se no ramo da banca e o passo
seguinte seria o mercado acionista. (…) As oportunidades de
negócio seguiam-se a bom ritmo na África do Sul. Após o ouro e os
diamantes, chegou o petróleo, os mármores e granitos, as
telecomunicações, o material informático (chips), o papel, e até o
cinema, empregando mais de dez mil colaboradores. (…) Na
segunda metade dos anos 80, decide diversificar a localização das
suas atividades. Intensificam-se, então, as viagens ao Canadá, a
Portugal e à Austrália, para onde expandiu o negócio mineiro. No
Canadá opera com o gás natural e com os vinhos. (…) Na década de
1990, seguiam-se os negócios em Portugal. Adquire títulos de
comunicação social e participações nos sectores turístico,
imobiliário, alimentar e tabaco. Não esquece o sector financeiro e
funda o Banif. Retomando uma paixão antiga investe no sector dos
vinhos, tanto na cultura agrícola como na produção vinícola. (…)
Considerado pela Art Review uma das pessoas mais influentes no
mundo da arte, A tem como principal motivação contribuir, cada
vez mais, para uma abertura que sistematize encontros entre o
grande público e a arte, ambicionando que o colecionismo possa ser
partilhado por todos, como enriquecimento da atividade humana,
fomentando o gosto e o deleite de desfrutar a arte. (…) No “império
Berardo” o sol nunca se põe. Há negócios em todo o mundo, ou
quadros expostos em vários museus, ou investimentos nas bolsas de
Lisboa, Nova Iorque ou Tóquio. Não anda com muitos papéis mas
está sempre atualizado. Nenhum pormenor lhe passa ao lado. Visita
as suas empresas, museus e jardins com regularidade e gosta de se
sentar com os seus colaboradores, quer seja nas salas de reuniões,
num recanto dos seus jardins, nas caves e adegas, ou nas reservas
de obras de arte. Gosta de sentir o pulso das instituições que lidera.
(…)”. cfr. Excertos do texto disponível no referido site, conforme
doc. de fls. 47 e ss.;
6. O Requerido A é fundador e dá o nome à instituição particular
de solidariedade social Fundação A, IPSS (“FJB”);
7. O Requerido A é acionista e Presidente do Conselho de
Administração da holding do Grupo Berardo: a Metalgest, com o
NIPC 501493972, conforme certidão permanente com o código de
acesso 8573-3608-1644 que se junta a fls. 49 v. e ss., cujo teor aqui
se dá por integralmente reproduzido, sendo que as ações por si
detidas se encontram penhoradas a favor da Requerente Cfr. fls.
195 v. a 199;
8. O 1º Requerido é acionista da “Bacalhôa – Vinhos de Portugal,
S.A.” (“Bacalhôa Vinhos”), sendo que as ações por si detidas se
encontram empenhadas a favor do Banco Comercial Português,
S.A. (“BCP”) e penhoradas a favor da Requerente; Cfr. fls. 200 v e
201;
9. O Requerido A era, à data de 30 de Abril de 2019, membro dos
órgãos sociais das seguintes entidades (todas elas relacionadas com
o “Grupo Berardo”): (i) Presidente do Conselho de Administração
da Dismade – Distribuição da Madeira, S.A., com o NIPC
511039514; (ii) Vogal do Conselho de Administração da Viborba –
Companhia dos Vinhos de Borba, S.A., com o NIPC 501308890;
(iii) Vogal do Conselho de Administração da J.P. Águas S.A., com o
NIPC 502808900; (iv) Vogal do Conselho de Administração da
Agro ABC, S.A., com o NIPC 508680352; (v) Vogal do Conselho de
Administração da J.P. Viticultura, S.A., com o NIPC 504504398;
(vi) Vogal do Conselho de Administração da Quintas Aliança –
Dão, Sociedade Agrícola, S.A., com o NIPC 505207290; (vii) Vogal
do Conselho de Administração da Edivin – Vinhos S.A., com o
NIPC 502560762; (viii) Vogal do Conselho de Administração da
Quinta da Rigodeira, Casa Agrícola, S.A., com o NIPC 506254348;
(ix) Vogal do Conselho de Administração da Caves Aliança
Agrícola, S.A., com o NIPC 502561106; (x) Vogal do Conselho de
Administração da D’Aguiar – Companhia Agrícola, S.A., com o
NIPC 502207213; (xi) Vogal do Conselho de Administração da
Quintas Aliança – Alentejo, Sociedade Agrícola, S.A., com o NIPC
5030436281; (xii) Vogal do Conselho de Administração da Quintas
Aliança – Douro – Sociedade Agrícola, S.A., com o NIPC
505654954; (xiii) Presidente da Associação Oceano Atlântico, com o
NIPC 514139137; (xiv) Gerente da Delicious Dialogue, Unipessoal
Lda., com o NIPC 513733213; (xv) Presidente da Fundação A,
IPSS, com o NIPC 511032625; (xvi) Vogal do Conselho de
Administração da Parfitel, (SGPS) S.A., com o NIPC 503505099;
(xvii) Vogal do Conselho de Administração da Moagens Associadas,
S.A., com o NIPC 500386153; (xviii) Presidente do Conselho de
Administração da Metalgest - Sociedade de Gestão, SGPS S.A.
(Zona Franca da Madeira), com o NIPC 501493972; (xix) Vogal do
Conselho de Administração da Cotrancer - Comércio e
Transformação de Cereais S.A., com o NIPC 503043664; (xx)
Presidente do Conselho de Administração da Sociedade Agrícola
Quinta do Carmo, S.A., com o NIPC 502687550; (xxi) Presidente do
Conselho de Administração da Empresa Madeirense de Tabacos,
S.A., com o NIPC 511001690; (xxii) Gerente da Bernardino Carmo
& Filho - Sociedade Gestora de Participações Sociais Lda., com o
NIPC 501172360; (xxiii) Presidente do Conselho de Administração
da Aliança - Vinhos de Portugal, S.A., com o NIPC 500059675;
(xxiv) Presidente da Associação de Coleções, com o NIPC
507545389; (xxv) Vogal do Conselho de Administração da Bacalhôa
-Vinhos de Portugal, S.A., com o NIPC 500150460; (xxvi)
Presidente do Conselho de Administração da Imobiliária Magnólia
da Madeira S.A., com o NIPC 511022816; (xxvii) Vogal do
Conselho de Administração Requerida B; (xxviii) Presidente da
Associação Coleção Berardo, com o NIPC 506492788; (xxix) Vogal
do Conselho de Administração da Aviatlântico - Avicultura S.A.,
com o NIPC 511170181; (xxx) Presidente do Conselho de
Administração da Matiz - Sociedade Imobiliária S.A.; (xxxi) Vogal
do Conselho de Administração da Sintra Modernarte - Arte e
Cultura, S.A., com o NIPC 503721395; (xxxii) Vogal do Conselho
de Administração da Ronardo - Gestão de Empresas Lda. (Zona
Franca da Madeira), com o NIPC 501692355; - cfr. Informações
disponibilizadas pela Autoridade Tributária na sequência de uma
consulta efetuada pela Senhora Agente de Execução no processo de
execução nº 5221/16.1T8FNC,  doc. junto a fls. 53 v. e ss.
documento confirmado por esta em sede de prova testemunhal e
cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
10. Pelas sociedades referidas em 9, foi declarado que o Requerido
A não aufere qualquer remuneração como contrapartida pelo
desempenho dos trinta e dois cargos supra identificados; Cfr. fls.
353 e ss.
11. A Requerente concedeu dois financiamentos à Metalgest,
sociedade holding do Grupo Berardo: 
a. (i) Em 14 de Julho de 2006, a Requerente celebrou com a
Metalgest um Contrato de Abertura de Crédito, e que de ora em
diante se designará como CAC 2006, através do qual a Requerente
concedeu à Metalgest um empréstimo sob a forma de abertura de
crédito em conta corrente até ao montante de €50.000.000,00
(cinquenta milhões de euros) – cfr. Cláusula Segunda; Cfr. doc. de
fls. 55 v. e ss.;
b. (ii) Em 7 de Maio de 2009, foi concedido um novo crédito pela
Requerente à Metalgest, agora no valor de €1.000.000,00 (um
milhão de euros), nos termos do Contrato de Mútuo que a partir de
agora se designará por CM 2009, para maior facilidade de
referência. Cfr. doc. de fls. 63 v. e ss.
12. Os dois contratos em apreço foram alvo dos seguintes
Aditamentos:
a. Em 20 de Abril de 2010, foi celebrado o 1º Aditamento ao CAC
2006, tendo sido acordado substituir o prazo inicial do CAC 2006 à
Metalgest pelo prazo de seis anos e seis meses, igualmente a contar
da data da celebração, ou seja, com término a 14 de janeiro de 2013
– cfr. doc. junto a fls. 69 v. e ss.;
b.  Em 6 de Março de 2012, foi celebrado o 2º Aditamento ao CAC
2006 e o 1º Aditamento ao CM 2009, contrato intitulado “2º
Aditamento ao Contrato de Abertura de Crédito, de 14 de julho de
2006 e 1º Aditamento ao Contrato de Mútuo, de 7 de Maio de
2009”, e por via deste Aditamento, a Requerente, a Metalgest e a
FJB, acordaram que os financiamentos à Metalgest passariam a
vigorar pelo prazo de 7 (sete) anos, a contar da data do Aditamento
– cfr. Cláusula Primeira. Cfr. doc. de fls. 71 e ss.;
13. No âmbito do CAC 2006 à Metalgest foram concedidas, inter
alia, as seguintes garantias:
 a. Em 14 de Julho de 2006, foi celebrado entre a Requerente e a
Metalgest um Contrato de Penhor, por via do qual a Metalgest
constituiu a favor da Requerente penhor sobre valores mobiliários
para garantia de todas e quaisquer quantias que fossem ou viessem
a ser devidas à Requerente pela Metalgest ao abrigo do CAC 2006 –
cfr. Contrato de Penhor junto a fls. 75 e ss.;
b. Este Contrato de Penhor veio a ser objeto de onze Aditamentos,
com o objetivo de reforçar o número de ações dadas em penhor, em
11 de janeiro de 2007, 22 de janeiro de 2007, 7 de fevereiro de 2008,
20 de fevereiro de 2008, 13 de março de 2008, 27 de março de 2008,
8 de abril de 2008, 16 de abril de 2008, 24 de abril de 2008, 9 de
maio de 2008 e 31 de dezembro de 2008 – cfr. docs. juntos de fls. 79
a 99 v; 
14. A Requerente concedeu dois financiamentos à FJB, fundação do
Grupo Berardo fundada pelo Requerido A e à qual o Requerido
deu o nome:
a. Em 28 de Maio de 2007, a Requerente celebrou com a FJB um
Contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente com
Promessa de Penhor, conforme documento junto a fls. 100 e ss.,
cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, através do qual
a Requerente concedeu à FJB um empréstimo sob a forma de
abertura de crédito em conta corrente até ao montante de
€350.000.000,00 (trezentos e cinquenta milhões de euros) – cfr.
Cláusula Segunda; o prazo do CAC 2007 à FJB foi fixado em cinco
anos, com início na data da sua celebração – cfr. Cláusula Terceira;

b. Em 29 de Abril de 2008, foi concedido mais um financiamento


pela Requerente à FJB, através de um Contrato de Abertura de
Crédito em Conta Corrente com Penhor de Ações, celebrado entre
a Requerente, a FJB e o Requerido A, este último na qualidade de
Avalista, conforme documento junto a fls. 110 e ss. cujo teor aqui se
dá por integralmente reproduzido sendo que, através do referido
contrato, a Requerente concedeu à FJB um empréstimo sob a
forma de abertura de crédito em conta corrente até ao montante de
€38.000.000,00 (trinta e oito milhões de euros) – cfr. número 1 da
Cláusula Segunda; este montante foi tornado indisponível no
âmbito do CAC 2007 enquanto não se encontrassem integralmente
pagas todas as responsabilidades emergentes desse contrato – cfr.
número 2 da Cláusula Segunda. Cfr. fls. 130 e ss.
15. Os dois contratos em apreço foram alvo dos seguintes
Aditamentos:
a. Em 20 de Abril de 2010, foi celebrado o 1º Aditamento ao CAC
2007, intitulado “Aditamento ao Contrato de Abertura de Crédito
em Conta Corrente com Promessa de Penhor de 28 de Maio de
2007” – cfr. documento junto a fls. 118 e ss., cujo teor aqui se dá
por integralmente reproduzido, sendo que por via do referido
Aditamento, o prazo inicialmente acordado de duração do CAC
2007 foi substituído pelo prazo de seis anos e seis meses, igualmente
a contar da data da sua celebração, ou seja, cujo prazo terminaria
em 28 de Novembro de 2013 – cfr. Cláusula Primeira do
Aditamento;
b. Em 20 de Abril de 2010, foi celebrado o 1º Aditamento ao CAC
2008, intitulado “Aditamento ao Contrato de Abertura de Crédito
em Conta Corrente com Penhor de Ações de 29 de Abril de 2008”,
entre a Requerente, a FJB e o Requerido A, este último como
avalista – cfr. documento junto a fls.126 e ss. cujo teor aqui se dá
por integralmente reproduzido, sendo que por via do referido
Aditamento, o prazo inicialmente acordado de duração do CAC
2008 à FJB foi substituído pelo prazo de 67 (sessenta e sete) meses,
igualmente a contar da data da sua celebração, ou seja, cujo prazo
terminaria em 28 de Novembro de 2013 – cfr. Cláusula Primeira do
Aditamento;
c. Em 16 de Março de 2012, foi celebrado o 2º Aditamento ao CAC
2007 à FJB e ao CAC 2008 à FJB, intitulado “2º Aditamento ao
Contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente com
Promessa de Penhor, de 28 de Maio de 2007, e ao Contrato de
Abertura de Crédito em Conta Corrente com Penhor de Ações, de
29 de Abril de 2008” – cfr. documento junto a fls. 129 e ss. cujo teor
aqui se dá por integralmente reproduzido, sendo que este
Aditamento foi celebrado entre a Requerente, a FJB, a Metalgest e
o Requerido A, este último na qualidade de avalista do
financiamento concedido ao abrigo do CAC 2008 tendo  no referido
Aditamento sido, inter alia, acordado que os Financiamentos ao
abrigo do CAC 2007 e do CAC 2008 passariam a vigorar pelo
prazo de 7 (sete) anos a contar daquela data – cfr. Cláusula
Segunda.
16. No âmbito do CAC 2007, foi concedida à Requerente, inter alia,
a seguinte garantia: Em 25 de Junho de 2007, foi celebrado entre a
Requerente e a FJB um Contrato de Penhor, por via do qual a FJB
constituiu a favor da Requerente penhor sobre valores mobiliários
para garantia de todas e quaisquer quantias que fossem ou viessem
a ser devidas à Requerente pela FJB ao abrigo do CAC 2007 – cfr.
Contrato de Penhor junto a fls. 136 e ss.;
17. No âmbito do CAC 2008, foram concedidas à Requerente, inter
alia, as seguintes garantias:
a. Penhor sobre 31.488.540 (trinta e um milhões quatrocentas e
oitenta e oito mil quinhentas e quarenta) ações do Banco Comercial
Português, S.A., concedido nos termos da Cláusula Décima Oitava
do CAC 2008 (cfr. fls. 114);
b. A FJB e o Requerido A entregaram, no ato de assinatura do
referido contrato, uma livrança com montante e vencimento em
branco, devidamente datada, subscrita pela FJB e avalizada pelo
Requerido A e autorizaram a Requerente a preencher a referida
livrança, quando se mostrasse necessário a juízo da própria
Requerente, tendo em conta, nomeadamente, o seguinte: (i) a data
de vencimento seria fixada pela Requerente quando, em caso de
incumprimento pela FJB das obrigações assumidas no CAC 2008, a
Requerente decidisse preencher a livrança; (ii) a importância da
livrança corresponderia ao total das responsabilidades decorrentes
do CAC 2008, nomeadamente em capital, juros remuneratórios e
moratórios, comissões, despesas, encargos fiscais, incluindo os da
própria livrança; (iii) a Requerente poderia inserir cláusula “sem
protesto” e definir o local de pagamento – cfr. número 1 da
Cláusula Vigésima Primeira do CAC 2008 (cfr. fls. 115 v.) e foi
ainda estipulado que a livrança não constituía novação do crédito,
pelo que se mantinham as condições do empréstimo, incluindo as
garantias, e que a livrança seria libertada e ficaria sem efeito, a
qualquer momento, e sem qualquer penalização, mediante o
reembolso do contrato, conforme estabelecido na Cláusula Sétima,
nº 4 – cfr. números 2 e 3 da Cláusula Vigésima Primeira. Cfr. fls.
115/116;
18. Em 16.03.2012, foi celebrado o 2º Aditamento ao CAC 2006
concedido à Metalgest e o 1º Aditamento ao CM 2009 concedido à
Metalgest – cfr. de fls. 71 e ss.
19. Também em 16.3.2012, foi celebrado o 2º Aditamento ao CAC
2007 à FJB e ao CAC 2008 à FJB – cfr. fls. 129.
20. A partir de 15 de setembro de 2015, a Metalgest e a FJB
incumpriram as obrigações de pagamento de juros decorrentes dos
financiamentos concedidos, nos termos previstos nos aditamentos
aos contratos de financiamento celebrados em 2012, acima
referidos Cfr. fls. 141;
21. Em 14 de Dezembro de 2015, o Requerido A solicitou à
Requerente um financiamento titulado por livrança, no montante
de €2.830.000,00 (dois milhões oitocentos e trinta mil euros) – cfr.
carta junta a fls. 141;
22. O financiamento foi concedido, tendo sido subscrita a respetiva
livrança, com data de vencimento em 12 de julho de 2016 – cfr. doc.
de fls. 141 v;
23. Em 14 junho de 2016, o Requerido A solicitou novo
financiamento titulado por livrança, no montante de €3.768.000,00
(três milhões setecentos e sessenta e oito euros), com vista a
regularizar novo pagamento de juros em falta – cfr. carta de fls.
142;
24. O financiamento foi concedido, tendo sido subscrita a respetiva
livrança, com vencimento em 15 de janeiro de 2017 – cfr. fls.142 v.
25. A Requerente concedeu os seguintes financiamentos ao Grupo
Berardo:
a. Até €50.000.000,00 (cinquenta milhões de euros) à Metalgest, ao
abrigo do CAC 2006, concedido em 14 de julho de 2006;
b. Até €1.000.000,00 (um milhão de euros) à Metalgest, ao abrigo do
CM 2009, concedido em 7 de maio de 2009;
c. Até €350.000.000,00 (trezentos e cinquenta milhões de euros) à
FJB, ao abrigo do CAC 2007, concedido em 28 de maio de 2007;
d. Até €38.000.000,00 (trinta e oito milhões de euros) à FJB, ao
abrigo do CAC 2008, concedido em 29 de abril de 2008;
e. €2.830.000,00 (dois milhões oitocentos e trinta mil euros) ao
Requerido A, ao abrigo de um Financiamento Titulado por
Livrança, solicitado em 14 de dezembro de 2015 (fls.141);
f. €3.768.000,00 (três milhões setecentos e sessenta e oito euros) ao
Requerido A, ao abrigo de um Financiamento Titulado por
Livrança, solicitado em 14 de junho de 2016 (fls.142);
26. Na sequência do incumprimento do CAC 2006 à Metalgest, em
03 de novembro de 2017, a Requerente intentou uma ação executiva
contra a Metalgest, peticionando o pagamento da quantia total de
€55.929.452,89 (cinquenta e cinco milhões novecentos e vinte e nove
mil quatrocentos e cinquenta e dois euros e oitenta e nove
cêntimos), à qual cumulou depois o pedido de pagamento de mais
€1.410,11 (mil quatrocentos e dez euros e onze cêntimos) – cfr.
Requerimentos Executivos juntos a fls. 145 e ss.;
27. No que toca à FJB, em 16 de abril de 2019, foi intentada ação
executiva conjunta pela Requerente, pelo BCP e pelo Novo Banco,
com vista a executar a dívida da FJB à Requerente, em particular a
garantia resultante do penhor dos títulos de participação ao abrigo
dos CPPP 2008 e CP 2010 – cfr. Proc. 8489/19.9T8LSB, Lisboa-
Juízo de Execução, J-3 (citius viewer);
28. No âmbito do CAC 2007 e do CAC 2008, a requerente
peticionou em sede de ação executiva, em 12 de abril de 2019, o
montante global de €357.063.395,19; aos valores em dívida
acrescem os juros vincendos sobre o valor do capital em dívida, até
total e efetivo pagamento;
29. Relativamente ao Requerido A, a Requerente deu à execução:
a) Uma livrança subscrita pelo Requerido A, no montante de
€2.830.000,00 (dois milhões oitocentos e trinta mil euros) – cfr. Doc.
de fls.141 v;
b) Uma livrança subscrita pelo Requerido A, no montante de
€3.768.000,00 (três milhões setecentos e sessenta e oito mil euros) –
cfr. doc. de fls. 142 v.;
c) Uma livrança subscrita pela FJB e avalizada pelo Requerido A,
no montante de €40.105.726,52 (quarenta milhões cento e cinco mil
setecentos e vinte seis euros e cinquenta e dois cêntimos) – cfr. Doc.
de fls. 117.
30. Em 24 de Agosto de 2016, a Requerente intentou uma ação
executiva contra o Requerido A no sentido de obter o pagamento
coercivo da livrança no valor de €2.830.000,00 (dois milhões
oitocentos e trinta mil euros) – cfr. Requerimento Executivo e
requerimento de retificação do valor em dívida que juntos fls. 176 e
ss.;
31. Foi então peticionado o pagamento do valor total de
€2.850.914,24 (dois milhões oitocentos e cinquenta mil novecentos e
catorze euros e vinte e quatro cêntimos), discriminado da seguinte
forma:
a. €2.830.000,00 (dois milhões oitocentos e trinta mil euros),
correspondente ao montante titulado pela livrança;
b. €20.109,85 (vinte mil cento e nove euros e oitenta e cinco
cêntimos), correspondente aos juros de mora, contados à taxa
supletiva legal de 6% ao ano (nos termos do artigo 48º da LULL),
desde 12 de julho de 2016 até 24 de agosto de 2016, sobre o
montante titulado pela livrança acima referida;
c. €804,39 (oitocentos e quatro euros e trinta e nove cêntimos),
correspondente ao Imposto de Selo incidente sobre os juros
referidos na alínea b) supra.
32. Nada tendo sido pago à Requerente pelo Requerido A;
33. A execução em causa deu origem ao processo nº
5221/16.1T8FNC, que corre termos no Juízo de Execução do
Funchal, do Tribunal Judicial da Comarca da Madeira, conforme
resulta de fls. 517 v. e ss.;
34. Em 26 de Abril de 2017, no âmbito do referido processo de
execução, a aqui Requerente apresentou novo requerimento
executivo, com o objetivo de cumular à execução já existente, no
sentido de obter o pagamento coercivo da livrança no valor de
€3.768.000,00 (três milhões setecentos e sessenta e oito mil euros) –
cfr. Requerimento Executivo junto a fls. 1185 v.;
35. Foi então peticionado o pagamento do valor total de
€3.829.840,63 (três milhões oitocentos e vinte e nove mil oitocentos e
quarenta euros e sessenta e três cêntimos), discriminado da
seguinte forma:
a. €3.768.000,00 (três milhões setecentos e sessenta e oito mil euros),
correspondente ao montante titulado pela livrança;
b. €59.462,14 (cinquenta e nove mil quatrocentos e sessenta e dois
euros e catorze cêntimos), correspondente aos juros de mora,
contados à taxa supletiva legal de 6% ao ano (nos termos do artigo
48º da LULL), desde 15 de janeiro de 2017 até 21 de abril de 2017,
sobre o montante titulado pela livrança acima referida;
c. €2.378,48 (dois mil trezentos e setenta e oito euros e quarenta e
oito cêntimos), correspondente ao Imposto de Selo incidente sobre
os juros referidos na alínea b) supra.
36. Nada tendo sido pago à Requerente pelo Requerido A; 
37. Em 8 de Abril de 2019, a Requerente intentou nova ação
executiva contra o Requerido A no sentido de obter o pagamento
coercivo da livrança no valor de €40.105.726,52 (quarenta milhões
cento e cinco mil setecentos e vinte seis euros e cinquenta e dois
cêntimos) – cfr. Requerimento Executivo junto a fls. 189 e 190;
38. Foi então peticionado o pagamento do valor total de
€43.488.232,50 (quarenta e três milhões quatrocentos e oitenta e
oito mil duzentos e trinta e dois euros e cinquenta cêntimos),
correspondendo:
a. €40.105.726,52 (quarenta milhões cento e cinco mil setecentos e
vinte seis euros e cinquenta e dois cêntimos) correspondente ao
montante titulado pela livrança;
b. €3.252.409,60 (três milhões duzentos e cinquenta e dois mil
quatrocentos e nove euros e sessenta cêntimos), correspondente aos
juros de mora, contados à taxa supletiva legal de 4% ao ano, desde
24 de marco de 2017 até 4 de abril de 2019, sobre o montante
titulado pela livrança acima referida;
c. €130.096,38 (cento e trinta mil noventa e seis euros e trinta e oito
cêntimos), correspondente ao Imposto de Selo incidente sobre os
juros referidos na alínea b) supra. Cfr. fls. 189 e ss.;
39. No processo executivo nº 5221/16.1T8FNC, que corre termos no
Juízo de Execução do Funchal, do Tribunal Judicial da Comarca
da Madeira, foram penhorados os seguintes bens:
a. Uma fração autónoma designada pela letra NO-3 correspondente
ao R/c de estacionamento do prédio urbano sito na Rua Dr. Pita, nº
24, Ed. Magnólia, Bloco C, Funchal, descrito na CRP do Funchal
sob o nº 33 e inscrito na matriz sob o artigo 3569 da freguesia de
São Martinho, SF Funchal 1, com o valor patrimonial tributário de
€7.630,00 (sete mil seiscentos e trinta euros) – cfr. Auto de Penhora
de 30 de janeiro de 2017, que ora se junta a fls. 194 v e ss.;
b. Um prédio rústico sito no Lugar dos Carvalhos de Baixo,
freguesia de Pedroso, descrito na 2ª CRP de Vila Nova de Gaia sob
o nº 2989 e inscrito na matriz sob o artigo 4091, da União de
Freguesias de Pedroso e Seixezelo, SF Vila Nova de Gaia 3, com o
valor patrimonial tributário de €654,00 (seiscentos e cinquenta e
quatro euros) – cfr. que ora se junta a fls. 194 v e ss.;
c. Um prédio urbano sito no Lugar dos Carvalhos de Baixo,
freguesia de Pedroso, descrito na 2ª CRP de Vila Nova de Gaia sob
o nº 2996 e inscrito na matriz sob o artigo 7680, da União de
Freguesias de Pedroso e Seixezelo, SF de Vila Nova de Gaia 3, com
o valor patrimonial tributário de €108.120,00 (cento e oito mil cento
e vinte euros) – que ora se junta a fls. 194 v e ss.;
d. 1/3 da pensão do aqui Requerido A, no valor mensal de €861,63 –
que ora se junta a fls. 194 v. e ss.;
e. Ações do Executado na Metalgest, no valor nominal total de
€3.300.000,00 (três milhões e trezentos mil euros) – cfr. Auto de
Penhora de 23 de novembro de 2017, que ora se junta a fls. 195 v. e
ss;
f. Ações do Executado na Metalgest, no valor nominal total de
€4.500.000,00 (quatro milhões e quinhentos mil euros) – cfr. Auto
de Penhora de 18 de dezembro de 2017, que ora se junta a fls. 197
v. e ss.;
g. Ações do Executado na Bacalhôa Vinhos, no valor nominal total
de €4.156.978,00, com penhor a favor do BCP – cfr. Auto de
Penhora de 15 de janeiro de 2019, que ora se junta a fls. 200 v. e ss.;
h. Depósito bancário no valor de €5.158,70 (cinco mil cento e
cinquenta e oito euros e setenta cêntimos) junto do Banco
Santander Totta, S.A. – cfr. Auto de Penhora de 23 de abril de
2019, que ora se junta a fls. 201 v. e ss.;
40. O valor nominal das ações da Metalgest não corresponde ao
respetivo valor real de mercado, uma vez que se trata de uma
sociedade cujos documentos de prestação de contas relativos ao ano
de 2017 revelam resultados transitados dos exercícios anteriores
negativos em €199.614.938,13 (cento e noventa e nove milhões
seiscentos e catorze mil novecentos e trinta e oito euros e treze
cêntimos), a que acresce o resultado líquido negativo no exercício
de 2017 de €18.087.236,99 (dezoito milhões, oitenta e sete mil
duzentos e trinta e seis euros e noventa e nove cêntimos) e o facto de
o capital próprio já ser negativo em €25.542.315,76 (sendo o capital
social de €51.603.790,00) – cfr. documentos de prestação de contas
relativos ao ano de 2017 da Metalgest a fls. 202 v. e ss.;
41. As ações da Bacalhôa Vinhos encontram-se empenhadas a favor
do BCP; cfr. fls. 200 v. e 201;
42. No que concerne ao depósito bancário no valor de €5.158,70
(cinco mil cento e cinquenta e oito euros e setenta cêntimos), a
mulher do Requerido A, Carolina ……., intentou já embargos de
terceiro alegando ser titular de metade desse valor e requerendo o
levantamento da penhora sobre a sua quota-parte – cfr. Embargos
de 22.05.2019 junto a fls. 217 v. e ss.;
43.  O Requerido A é titular dos títulos de participação dados em
penhor no âmbito do CPPP 2008 e do CP 2010, os quais se
encontram afetos à garantia do pagamento dos financiamentos
contraídos pela FJB junto da Requerente e ainda de financiamentos
contraídos junto do BCP e do BES, sendo que as partes do CPPP
2008 e do CP 2010 reconheceram e aceitaram que as garantias
constituídas ou prometidas constituir pelo Requerido A, ao abrigo
do CPPP 2008 e do CP 2010 eram adicionais e não prejudicavam
quaisquer outras garantias ou promessas de garantia que tivessem
sido prestadas a favor dos bancos no âmbito dos financiamentos;
44. No processo executivo nº 5221/16.1T8FNC, foram realizadas,
desde 2016 até à presente data, diligências de penhora, entre as
quais a notificação das seguintes entidades, para penhora de
valores mobiliários, de créditos vencidos e vincendos em
consequência de participações sociais e de abonos, vencimentos,
salários:
a) Agro ABC, S.A.
b) Aliança – Vinhos de Portugal, S.A.
c) Associação de Coleções
d) Associação Oceano Atlântico
e) Requerida B
f) Aviatlantico – Avicultura, S.A.
g) Bacalhôa – Vinhos de Portugal, S.A.
h) Banco Santander Totta, S.A.
i) Bernardino Carmo & Filho - Sociedade Gestora de Participações
j) Caves Aliança Agrícola, S.A.
k) Centro Nacional de Pensões
l) Cotrancer - Comércio e Transformação de Cereais S.A.
m) D’Aguiar – Companhia Agrícola, S.A.
n) Delicious Dialogue, Unipessoal, Lda.
o) Dismade – Distribuição da Madeira, S.A.
p) Edivin – Vinhos S.A.
q) Empresa Madeirense de Tabacos, S.A.
r) Exploração Turística da Fajã da Pedra S.A.
s) F. Models Management - Eventos de Moda, Lda.
t) Fundação de Arte Moderna e Contemporânea Coleção Berardo
u) Fundação A IPSS
v) Imobiliária Magnólia da Madeira, S.A.
w) J.P. Águas S.A.
x) J.P. Viticultura, S.A.
y) Matiz - Sociedade Imobiliária S.A.;
z) Metalgest SGPS, S.A.
aa) Moagens Associadas, S.A.
bb) NOS Madeira Comunicações, S.A.
cc) Parfitel (SGPS), S.A.
dd) Quinta da Rigodeira, Casa Agrícola, S.A.
ee) Quinta do Lorde - Gestão e Exploração Hoteleira Lda.
ff) Quintas Aliança – Alentejo, Sociedade Agrícola, S.A.
gg) Quintas Aliança – Dão, Sociedade Agrícola, S.A.
hh) Quintas Aliança – Douro – Sociedade Agrícola, S.A.
ii) Rama – Rações para Animais S.A.
jj) Ronardo – Gestão de Empresas, Lda.
kk) Savoy - Investimentos Turísticos, S.A.
ll) Sicel – Sociedade Industrial de Cereais, S.A
mm) Sintra Modernarte – Arte e Cultura, S.A.
nn) Sociedade Agrícola Quinta do Carmo, S.A.
oo) Statuschange, Lda.
pp) Viborba – Companhia dos Vinhos de Borba, S.A.
qq) Viborel – Distribuição, S.A. – cfr. Notificações juntas de fls. 226
a 352 v;
45.  Estas entidades notificadas informaram que o Requerido A não
aufere qualquer remuneração como contrapartida pelo
desempenho de funções enquanto membro dos seus órgãos sociais,
respondendo negativamente à penhora – cfr. Respostas juntas de
fls. 353 a 403 v. cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

46.  A Requerida B é uma sociedade imobiliária que tem como


objeto social a compra e venda e revenda dos imóveis adquiridos
para esse fim, a promoção imobiliária e a prestação de serviços
conexos, tendo o capital social de €90.000,00 (noventa mil euros),
conforme resulta da certidão comercial com histórico com o código
de acesso 4560-8487-3748 junta a fls. 404 e ss.;
47. A Requerida B foi constituída por escritura pública de 25 de
novembro de 2003, lavrada no 4º Cartório Notarial de Lisboa, de
que se junta cópia a fls. 406 e ss.;
48. A Requerida B foi constituída com “um capital social de
cinquenta mil euros, dividido em cinquenta mil ações, do valor
nominal de um euro cada uma (…) integralmente subscrito e
realizado da seguinte forma:
- O acionista A [ora Requerido] subscreve quarenta e nove mil
novecentas e noventa e seis ações no valor nominal de um euro cada
(correspondentes a quarenta e nove mil novecentos e noventa e seis
Euros);
- O acionista Gonçalo Fragoso Afonso Proença subscreve uma ação
(correspondentes a um Euro);
- O acionista José ….., subscreve uma ação (correspondentes a um
Euro);
- O acionista António …., subscreve uma ação (correspondentes a
um Euro);
- O acionista André ….., subscreve uma ação (correspondentes a
um Euro)” – cfr. fls. 406 e ss.
49. Na mesma escritura pública ficaram designados os membros
dos órgãos sociais da Requerida B, para o quadriénio de 2003 a
2006, tendo o Requerido A sido designado para exercer o cargo de
Presidente do Conselho de Administração e Presidente da Mesa da
Assembleia Geral – cfr. fls. 406 e ss.;
50. Foram, ainda designados, André …. para o exercício do cargo
de vogal do Conselho de Administração e de Secretário da Mesa da
Assembleia Geral e Gonçalo ….. para o exercício do cargo de vogal
do Conselho de Administração – cfr. fls. 406 e ss.;
51. O registo de constituição da Requerida B foi efetuado com data
de 15 de dezembro de 2003, tendo-lhe sido atribuído o número de
matrícula 12163 – cfr. certidão permanente junta a fls. 404 e ss.;
52. Nos termos dos respetivos estatutos, a Requerida B fica
vinculada pela assinatura ou intervenção do administrador
presidente, de dois administradores ou de um administrador
delegado dentro dos respetivos limites – cfr. artigo 8º, nº 4 dos
estatutos anexos ao doc. de fls. 406 e ss.;
53. Desde então o Requerido A manteve-se ininterruptamente como
Presidente do Conselho de Administração da Requerida B;
54. Apenas em 2019 ocorreu nova designação dos membros dos
órgãos sociais, tendo o Requerido A sido reeleito para o exercício
do cargo do Presidente do Conselho de Administração da
Requerida B, para o mandato de 2018 a 2020 – cfr. Certidão
permanente junta a fls. 404;
55. Antes disso, por deliberação da Assembleia Geral de 10 de
Outubro de 2008, tinha sido decidido “aumentar o capital social da
B – Sociedade Imobiliária, SA para noventa mil euros,
correspondendo a um reforço no montante de quarenta mil euros, a
subscrever e realizar integralmente por um dos acionistas da
sociedade mediante uma entrada em espécie, com a consequente
emissão de quarenta mil novas ações ordinárias, tituladas e ao
portador com o valor nominal de um euro cada uma e sujeito ao
pagamento de um ágio de dezasseis euros e cinquenta cêntimos por
ação, perfazendo este o valor global de seiscentos e sessenta mil
euros” – cfr. escritura pública de aumento de capital que se junta a
fls. 413 e ss.;
56. Em consequência, em execução da referida deliberação, por
escritura pública de 20 de Outubro de 2008, foi realizado o
aumento do capital social da Requerida B, de €50.000,00 (cinquenta
mil euros) para €90.000,00 (noventa mil euros), mediante a emissão
de 40.000 (quarenta mil) ações ordinárias do valor nominal de um
Euro cada uma, integralmente subscritas pelo Requerido A – cfr.
“Relatório de Verificação das Entradas em Espécie No Aumento do
Capital da Sociedade B – Sociedade Imobiliária, SA” anexo à
escritura pública junta a fls. 413 e ss.;
57. Para efeito de realização do aumento do capital, o Requerido A
transmitiu a favor da Requerida B “a propriedade da fração
autónoma designada pelas letras “AE”, correspondente ao “T-
cinco”, no piso catorze, destinado a habitação, com um terraço,
uma arrecadação com o número um no piso menos três, três
estacionamentos no piso menos um com os números vinte e quatro,
vinte e cinco e vinte e seis, e uma parte do terraço que serve de
cobertura do prédio, para instalações técnicas, do prédio urbano
em regime de propriedade horizontal (…) sito na Avenida Infante
Santo, números dezanove e dezanove-A e Rua Embaixador Teixeira
de Sampaio, números um e um-A, em Lisboa (…) pelo valor
atribuído de setecentos mil euros, o qual atinge o valor da entrada”
– cfr. escritura pública de aumento do capital social junta a fls. 413
e ss.;
58. O valor atribuído à fração autónoma “AE” foi confirmado pelo
Revisor Oficial de Contas, que avaliou a mesma em €700.000,00
(setecentos mil euros) tendo em conta “o valor de mercado do
imóvel, tratando-se assim de uma avaliação de bens pelo critério
mais conservador” – cfr. relatório anexo escritura pública junta a
fls. 413 e ss.;
59. A fração autónoma designada pelas letras “AE” faz parte do
prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de
Lisboa sob o artigo 343 da freguesia de Santos o Velho e inscrito na
matriz sob o artigo 2782 da freguesia da Estrela;
60. A propriedade da fração autónoma “AE” tinha sido adquirida
pelo Requerido A, por compra à Indomil – Investimentos
Dominiais, Lda., conforme registo de aquisição a que corresponde a
AP. 20 de 1999/04/21 – cfr. certidão predial permanente com o
código de acesso nº PP-1863-79846-110637-000343 e caderneta
predial urbana, juntas de fls. 421 v. a 423 v.;
61.  E foi transmitida a favor da Requerida B, para efeito de
realização do aumento do capital social, sob a forma de entrada em
espécie, conforme registo de aquisição a favor da Requerida B a
que corresponde a Ap. 1 de 2008/10/22 – cfr. certidão predial
permanente junta a fls. 421 v. e 422;
62. A mencionada fração autónoma “AE” correspondente ao 14º
andar do prédio urbano sito na Avenida Infante Santo, nºs 19-A e
19, e Rua Embaixador Teixeira de Sampaio, nº 1 e 1-A, em Lisboa,
correspondia à data da transmissão para a Requerida B, por efeito
do aumento do capital social, ao local da residência em Lisboa do
Requerido A; 
63. Para além disso, e não obstante a mencionada transmissão, o
Requerido A manteve desde então e mantém na presente data a sua
residência em Lisboa no apartamento da Av. Infante Santo;
64. Em 9 de Julho de 2008, o proprietário da fração autónoma do
mesmo prédio urbano designada pela letra “P”, propôs contra o
Requerido A ação declarativa de condenação, com fundamento na
realização pelo Requerido de obras na fração autónoma designada
pelas letras “AE” que abrangeram também a fachada e cobertura
do prédio, afetando as suas partes comuns, alterando a linha
arquitetónica e o arranjo estético do edifício e que não tinham sido
autorizadas pelos condóminos, pedindo, com esse fundamento, para
além do mais, a condenação do Requerido (ali réu) a demolir as
mesmas, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de
Lisboa – Juízo Central Cível de Lisboa – Juiz 12, sob o número
1986/08.2TVLSB – cfr. doc. de fls. 434 e ss.;
65. O Requerido A contestou a mencionada ação, no dia 29 de
setembro de 2008, reconhecendo ser o proprietário da mencionada
fração autónoma e invocando, para além do mais, que a realização
de tais obras “decorreu da necessidade de assegurar as condições
de habitabilidade, conforto e segurança na fração do réu” e
apelando ao direito a habitação previsto no artigo 65º da
Constituição da República Portuguesa – cfr. artigos 115º e 116º da
contestação;
66. Não obstante a transmissão a favor da Requerida B da
propriedade do apartamento da Av. Infante Santo (efetuada menos
de um mês depois, em 20 de outubro de 2008, por efeito do aumento
capital social), o Requerido A prosseguiu em nome próprio todos os
termos da ação judicial acima identificada;
67. Em 6 de Novembro de 2016, foi proferida Sentença que decidiu
“condenar o réu A a demolir as obras que realizou nas varandas e
terraço identificados em a) e que constituem inovações face ao
projeto de arquitetura original” – cfr. Doc. de fls. 434 e ss.;
68. Em consequência, em 13 de Janeiro de 2017, o Requerido A
interpôs recurso de apelação da Sentença proferida naqueles autos,
invocando o direito à vida e à integridade pessoal, previsto nos
artigos 25º e 26º da Constituição, o qual, segundo o Requerido ali
invoca, é afetado pela existência de guardas nas varandas que
possibilitem a queda de crianças, e fazendo referência à prova
efetuada nos autos de que a “fração do Recorrente era habitada
regularmente pelos seus netos, tendo o mais novo apenas dois anos
de idade” – cfr. alegações de recurso constantes do doc. junto a fls.
434 e ss.;
69. Pode ler-se na motivação do recurso, o Requerido A alegou que
«Na ação, o A., ora Recorrido, alega que o Réu realizou, sem
autorização do condomínio, obras nas partes comuns do edifício –
nomeadamente na fachada do mesmo, ao fechar varandas e um
terraço -, pelo que peticiona que o Réu seja condenado à sua
demolição. Contestando, invocou o Réu que as obras por si
efetuadas eram obras necessárias, visando fazer face às
consequências dos vícios de construção do prédio, principalmente
às infiltrações e à falta de segurança das guardas dos vãos. (…) No
caso presente estão em conflito vários direitos: (i) quanto ao
Recorrido, o direito à manutenção da linha arquitetónica e do
arranjo estético do prédio, previsto, indiretamente, no art. 1422º, nº
2, al. a) do CC; (ii) quanto ao Recorrente, o direito à vida e à
integridade física, e à saúde e conforto, direitos fundamentais
previstos na Constituição. (…) A interpretação feita pelo tribunal
dos artigos 1422º e 1425º do CC, no sentido de que é vedado ao
condómino realizar obras nas partes comuns, nomeadamente
fechar varandas e terraços, mesmo quando tais obras são
necessárias para a sua segurança e da sua família, bem como da sua
qualidade de vida, conforto e segurança, é inconstitucional por
violação dos arts. 25º, 26º e 65º da Constituição da República
Portuguesa (CRP), que contém direitos fundamentais, e do art. 18º
da CRP, que obriga à proporcionalidade no sacrifício de direitos
fundamentais em favor de outros. (…) No caso sub judice, deve
entender-se que devem prevalecer os direitos do Recorrente, por
serem direitos fundamentais, nenhum direito existindo no nosso
ordenamento que seja superior ao direito à vida e à integridade
física. Pelo que, prevalecendo o direito do Recorrente, deveria a
sentença ter julgado, também por esta razão, improcedente a ação.
(…) 7. Existe colisão de direitos entre o direito à manutenção da
linha arquitetónica e ao arranjo estético do Recorrido e os direitos
do Recorrente e sua família à vida, segurança, saúde, higiene e
conforto”; Cfr. fls. 434 e ss.;
70. Em 03 de Julho de 2017, o Requerido A interpôs recurso para o
Tribunal Constitucional do Acórdão proferido pelo Tribunal da
Relação de Lisboa, que julgou improcedente a apelação, com
fundamento em violação dos artigos 25º, 26º e 65º da Constituição
da República Portuguesa, mas que não veio a ser admitido, mais
uma vez alegando que as obras que realizou foram “necessárias
para a sua segurança e da sua família” e que uma interpretação
contrária das normas do Código Civil em causa deveria ser
declarada inconstitucional – cfr. requerimento de interposição do
recurso e decisão sumária a fls. 434 e ss.;
71. Em 16 de Janeiro de 2018, o Requerido A reclamou para a
Conferência do Tribunal Constitucional, novamente alegando que
as obras que realizou foram “necessárias para a sua segurança e da
sua família” e que uma interpretação contrária das normas do
Código Civil seria inconstitucional – e tendo declarado perante o
Tribunal da Relação de Lisboa e perante o Tribunal Constitucional
que é o proprietário daquela fração autónoma, tendo
inclusivamente invocado a sua segurança e da sua família como
motivo para obstar à necessidade de proceder à demolição em que
fora condenado nunca tendo informado o Tribunal, no âmbito do
processo nº 1986/08.2TVLSB, da transmissão do imóvel em
questão; Cfr. fls. 434 e ss.;
72. A  Requerida B não exerce qualquer atividade relacionada com
o seu objeto social, de compra e revenda de imóveis adquiridos
para esse fim, não obstante a transmissão efetuada a seu favor, pelo
Requerido A, do apartamento da Av. Infante Santo, a título de
entrada em espécie no aumento do capital social constante da
escritura pública de 20 de outubro de 2008;
73.  Resulta da demonstração de resultados constante das contas
apresentadas relativas ao exercício de 2017, entre 01 de janeiro de
2017 e 31 de dezembro de 2017, a Requerida B não teve qualquer
rendimento por vendas ou serviços prestados, apresentando apenas
um rendimento, no montante de €360,78, a título de outros
rendimentos e ganhos – cfr. pág. 1 do documento de prestação de
contas individual, relativo ao ano de 2017, que se junta a fls. 500 e
ss.;
74. Não obstante a inexistência de quaisquer rendimentos, no que
respeita a gastos, a Requerida B suportou, no mesmo período,
custos com fornecimentos e serviços externos, no montante de
€52.067,66, e outros gastos e perdas, no montante de €14.241,03 –
cfr. fls. 500;
75. Em consequência, no indicado período correspondente ao
exercício de 2017, a Requerida B apresentou um resultado negativo,
antes de depreciações, gastos de financiamento e impostos, no
montante de €65.947,91, a que acresce o montante de €19.553,15 a
título de gastos ou reversões de depreciação e amortização
decorrendo um resultado negativo, antes de impostos, de
€85.501,06; Cfr. fls. 500;
76. Decorre do balanço relativo ao mesmo período, a Requerida B
evidenciava resultados negativos, transitados dos exercícios
anteriores, no montante de €345.632,51, e apresentava dívidas no
montante de €836.761,79, contabilizadas no passivo corrente a
título de outras contas por pagar; Cfr. fls. 500 v.;
77. A Requerida B não tem também quaisquer trabalhadores; Cfr.
fls. 512 v.;
78. No decurso das declarações prestadas no passado dia 10 de
maio de 2019, na audiência realizada no âmbito da II Comissão
Parlamentar de Inquérito à Recapitalização da Caixa Geral de
Depósitos e à Gestão do Banco, o próprio Requerido A confirmou
que a casa onde vive não lhe pertence, tendo aludido ao suposto
pagamento de uma renda, mas cujo montante não soube indicar,
nem sequer em termos aproximados – cfr. 03:48:12 do vídeo da
audição do Requerido disponível no site do Canal
Parlamento:http://www.canal.parlamento.pt/?
cid=4006&title=audicaode-jose-berardo.
79. Em 2017, a Requerida B não declarou qualquer valor a título de
rendas, vendas ou serviços prestados
80. Os documentos de prestação de contas relativos ao ano de 2017,
da 2ª requerente indicam que mesma é detida a 100% por pessoas
singulares residentes em Portugal – cfr. 500 e ss.;
81. No âmbito do processo de execução nº 5221/16.1T8FNC, em que
é Exequente a Requerente e Executado, o Requerido A, notificada
pela Senhora Agente de Execução para a penhora de valores
mobiliários, a Requerida B respondeu, no dia 29 de outubro de
2018, nos seguintes termos: “De acordo com os registos desta
sociedade, não existem quaisquer ações registadas em nome de José
Manuel Rodrigues Berardo representativas do capital social desta
sociedade”. - cfr. notificação da Senhora Agente de Execução e
resposta da Requerida B a fls. 515 e ss.;
82. Uma ata da Assembleia Geral da Requerida B realizada no dia
13 de abril de 2018 refere-se ao “acionista único da sociedade”, sem
identificar o seu nome –cfr. fls. 516 v. e 517;
83. Nessa mesma Assembleia Geral, o Requerido A foi eleito
Presidente do Conselho de Administração e simultaneamente
Presidente da Mesa da Assembleia Geral, para o triénio 2018-2020
– cfr. fls. 516 v. e ss.;
84. O Requerido A exerce, desde a data da sua constituição, o cargo
de Presidente do Conselho de Administração da Requerida B,
dispondo, nos termos estatutários, de plenos poderes para, por si só,
vincular a sociedade; 
85.  O Requerido A detém o total controlo sobre a Requerida B, a
qual foi por si constituída, com uma participação de 99,99%,
conjuntamente com mais quatro outros acionistas, que
subscreveram cada um deles uma única ação, do valor nominal de
um euro cada uma;
86. Procedendo posteriormente ao aumento do capital social, por si
subscrito na totalidade e realizado por entradas em espécie,
mediante a transferência da propriedade do imóvel sito na Av.
Infante Santo, correspondente à fração autónoma designada pelas
letras AE do prédio urbano em propriedade horizontal sito na
Avenida Infante Santo, nºs 19-A e 19, e Rua Embaixador Teixeira
de Sampaio, nº 1 e 1-A, em Lisboa;
87. E sendo os restantes cargos de administração ocupados pelo
Advogado pessoal do Requerido A, Dr. André …., e pelo Dr.
Gonçalo ….., sócio do Dr. André …… na Luiz Gomes & Associados
– cfr. informação disponível em
https://www.lgpas.com/membro/goncalo-afonso-proenca/;
88. O Requerido A manifestou, publicamente, não reconhecer
qualquer tipo de dívida (Cfr. Audição em sede de Inquérito
Parlamentar);
89. No processo de execução nº 5221/16.1T8FNC, o Requerido A
deduziu oposição à execução negando ser responsável pela dívida
exequenda, oposição esta que foi julgada improcedente por douta
Sentença de 07 de abril de 2019 – cfr. Sentença na sequência de
Embargos de Executado junta a fls. 518 e ss.;
90. Nesta sequência, o Requerido A interpôs recurso da referida
sentença, em 20 de maio de 2019 – cfr. Alegações de recurso juntas
a fls. 528 v. e ss.;
91. No contexto das declarações prestadas, no passado dia 10 de
maio de 2019, no âmbito da II Comissão Parlamentar de Inquérito
à Recapitalização da Caixa Geral de Depósitos e à Gestão do Banco
(“CPI”), o Requerido A afirmou que não tinha quaisquer dívidas à
Requerente: Requerido A: Eu pessoalmente, eu não tenho dívidas!
Agora eu tenho tentado ajudar… E eu…Deputada Mariana
Mortágua: Não tem dívidas como?? Pede empréstimos mas não tem
dívidas?? Requerido A: Eu pessoalmente não tenho dívidas,
minha… Claro que não tenho dívidas! Deputado: [impercetível]
Requerido A: Esse… o aval, vamos ver esse aval…– cfr. 02:01:39
do vídeo da audição do Requerido disponível no site do Canal
Parlamento: http://www.canal.parlamento.pt/?
cid=4006&title=audicao-de-joseberardo;
Da oposição (com interesse para a decisão):
92. Dos estatutos da 1ª requerida consta como seu objeto social: a
compra e venda e revenda dos imóveis adquiridos para esse fim, a
promoção imobiliária e a prestação de serviços conexos; Cfr. doc.
de fls. 717 e ss.
*
E deu como não provado que:
Carolina …. é acionista única da sociedade, há mais de oito anos.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
QUESTÃO PRÉVIA – DOCUMENTOS JUNTOS COM AS
ALEGAÇÕES
Com as suas alegações de recurso juntou a apelante 3 documentos,
para prova de factualidade que pretende ver aditada à
fundamentação de facto, alegando:
“Nas oposições, foi alegado que a CGD, aquando da concessão dos
diversos financiamentos à Fundação A, e ao próprio JB, não exigiu
qualquer demonstração dos bens que integravam os patrimónios dos
devedores, nem a constituição de quaisquer garantias adicionais, pelo
que, na decisão de atribuir os financiamentos, não teve em
consideração a circunstância de, em caso de incumprimento, poder
vir a fazer-se pagar pela execução da casa de habitação de JB, ou
pelo património de sociedades por este detidas. [Nesta sequência, foi
requerido que a CGD juntasse aos autos os processos internos de
concessão de crédito, o que o Tribunal indeferiu, decisão que foi
objeto de recurso pelo Requerido JB, para onde se remete]. Esta
questão foi considerada irrelevante pelo Tribunal a quo (…). Mas,
para a Recorrente, parece evidente que não é desprovido de interesse,
para saber se será de desconsiderar a personalidade coletiva da B,
saber se o credor, ao conceder o financiamento, acreditava ter o seu
crédito garantido (ainda que como credor comum) pelo património da
B/casas de JB e família, expectativa que teria sido depois
abusivamente defraudada, ou se, pelo contrário, a decisão de
concessão dos créditos nada disso teve em consideração, antes tendo
tal decisão sido fundada em considerações de outra natureza,
mormente na conveniência da CGD/Estado Português em, primeiro,
financiar a aquisição de ações do BCP, e, depois, não declarar
imparidades nas contas do Banco Público. No pressuposto dessa
relevância, requer-se a junção aos autos, ao abrigo do artigo 651º do
CPC, de documentos a que só depois da realização da audiência de
julgamento a Recorrente teve acesso, pois antes não se encontravam
acessíveis, e que consistem na transcrição de declarações prestadas
no âmbito da II Comissão Parlamentar de Inquérito à
Recapitalização da Caixa Geral de Depósitos e à Gestão do Banco,
em que os depoentes falam sobre o processo de concessão de crédito à
Fundação A, a A e a outras entidades relacionadas, assim ordenados:
Docs. n.º 1 e 2: Declarações prestadas por Faria …... Doc. n.º 3:
Declarações prestadas por Francisco …... O teor dos documentos ora
juntos dá-se por integralmente reproduzido, mas, por motivos de
facilidade, transcrevem-se os trechos mais impressivos: I - Audição
do Eng.º Fernando …., Reunião nº 16– 03.05.2019: … II - Audição
Eng.º Fernando …… - Reunião nº 35– 17.06.2019 … III - Audição
do Dr. Francisco …. nº 29 – 05.06.2019 …” (sublinhados nossos).
Cumpre aquilatar da possibilidade de junção de tais documentos
nesta fase, impondo-se sublinhar que o recurso a que a apelante
alude foi julgado improcedente por acórdão de 6.2.2020, que
confirmou o despacho recorrido, e o seu entendimento de que a
questão suscitada pela apelante era irrelevante.
No âmbito processual, em matéria de instrução rege o princípio de
que os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da
ação ou da defesa devem ser juntos com o articulado em que se
aleguem os factos correspondentes (art. 423º, nº 1 do CPC),
podendo ser juntos posteriormente até 20 dias antes da data em que
se realize a audiência final, mediante o pagamento de multa, exceto
se a parte provar que não os pôde oferecer com o articulado (art.
423º, nº 2 do mesmo diploma legal).
Para além daquele limite temporal (20 dias antes da data em que se
realize a audiência final), só pode a parte juntar documentos cuja
apresentação não tenha sido possível até àquele momento, ou cuja
apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência
posterior (art. 423º, nº 3 do CPC).
Em fase de recurso, dispõe o nº 1 do art. 651º do CPC que “As
partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações
excecionais a que se refere o art. 425º ou no caso de a junção se ter
tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª
instância”.
Dispõe, por seu turno, o art. 425º que “Depois do encerramento da
discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja
apresentação não tenha sido possível até àquele momento”.
Da conjugação destes artigos resulta que a junção de documentos
em fase de recurso só é admissível em 2 situações, a saber: a) por se
ter tornado necessária a junção em virtude do julgamento
proferido na 1ª instância; b) por não ter sido possível a sua
apresentação até ao encerramento da discussão em 1ª instância.
Do exposto constata-se que não existe fundamento para a junção
requerida pela apelante nesta fase.
Os documentos que a apelante pretende juntar aos autos reportam-
se a acontecimentos (audições parlamentares de 3.5.2019, de
17.6.2019 e de 5.6.2019) anteriores à apresentação da oposição
(18.9.2019), pelo que, à partida, podiam ter sido juntos no momento
processual próprio.
Alegou a apelante que só teve acesso aos referidos documentos
depois da realização da audiência de julgamento, pois antes não se
encontravam acessíveis, mas nenhuma prova fez de tal facto, que é
contrariado pela apelada.
Os documentos juntos são (alegadamente) transcrições dos
referidos depoimentos (desconhecendo-se a fonte), dos mesmos
constando, apenas, as datas das audições, sem qualquer referência
quanto à data em que as referidas audições/documentos se
tornaram “acessíveis”.
A impossibilidade de apresentação anterior encontra-se ligada a
uma ideia de “superveniência objetiva ou subjetiva” como afirma
Abrantes Geraldes, em Recursos no NCPC, 2013, pág. 184.
No Ac. da RC de 18.11.2014, P. 628/13.9TBGRD.C1 (Teles Pereira),
em www.dgsi.pt, densificaram-se as referidas noções nos seguintes
termos: “… sendo superveniente (objetivamente superveniente) o
que só ocorreu historicamente depois de um determinado momento
considerado, ou (superveniência subjetiva) o que justificadamente
só foi conhecido por alguém depois desse momento, vale a asserção
de superveniência aqui relevante – vale, portanto, como integração
positiva da facti species do nº 1 do artigo 651º do CPC – pela
constatação da ocorrência da situação revelada pelo documento só
posteriormente à decisão recorrida (superveniência objetiva,
pressupondo esta a criação posterior do documento) ou pela
justificação de que o conhecimento da situação documentada, ou do
documento em si, não obstante a sua existência ser anterior ao
momento considerado, só teve lugar posteriormente, por razões que
se prefigurem como atendíveis, no sentido de serem razões aptas a
demonstrar a impossibilidade daquela pessoa (quer o artigo 423º,
nº 3 como o artigo 425º, ambos do CPC, falam em “não [ter] sido
possível”), num quadro de normal diligência referida aos seus
interesses, ter tido conhecimento anterior da situação ou ter tido
conhecimento anterior da existência do documento. Estas razões,
todavia – rectius, a atendibilidade delas – pressupõem à partida a
respetiva invocação e a prova da não possibilidade (da
impossibilidade) de um conhecimento anterior […] e abrem
caminho, quando alegadas, à respetiva indagação”.
São exemplos clássicos de impossibilidade de apresentação anterior
a circunstância “de o documento se encontrar em poder de terceiro,
que só posteriormente o disponibiliza, de a certidão de documento
arquivado em notário ou outra repartição pública, atempadamente
requerida, só posteriormente ser emitida ou de a parte só
posteriormente ter conhecimento da existência do documento. (…)”
(J. Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, no Código
de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 2ª ed., pág. 458).
Não basta à apelante invocar que lhe foi impossível juntar os
documentos em momento anterior, cumprindo-lhe alegar e
demonstrar que assim sucedeu.
Não concretizou a apelante porque não estavam antes acessíveis as
audições/documentos cuja junção requereu, sendo certo que
aquelas são, objetivamente, anteriores à oposição.
Em todo o caso, impunha-se-lhe fazer prova, com a junção, da
impossibilidade da mesma em momento anterior, o que não fez.
Carece, pois, de justificação a requerida junção, pelo que se rejeita
a junção dos documentos apresentados com as alegações de
recurso, sendo de ordenar o seu desentranhamento e restituição à
apelante, com a consequente condenação nas custas do incidente a
que deu causa.        
*
1. Impugna a apelante a decisão sobre a matéria de facto.
Tendo dado cumprimento ao disposto no art. 640º do CPC, cumpre
apreciar e decidir, depois de analisados os documentos juntos aos
autos e ouvidos os depoimentos prestados em sede de audiência,
seguindo a ordem das questões apresentadas pela apelante.
1.1. O tribunal recorrido deu como não provado que “Carolina ….é
acionista única da sociedade, há mais de oito anos”, fundamentando
a sua decisão nos seguintes termos: “Desde logo cumpre assinalar
que grande parte do alegado nos requerimentos de oposição não foi
considerado por diversas razões, a saber: ser matéria de direito a
dirimir em sede de recurso e matéria conclusiva ou sem qualquer
interesse para a decisão da causa.  Anote-se a este respeito que a
alegação de que o 2º requerido já não é detentor das ações da 1ª
requerida há mais de oito anos, se trata de matéria inócua e que não
põe em causa a prova do controle da sociedade por parte do mesmo,
controlo esse que não foi posto em causa, produzida a prova da
oposição.  Para se concluir pelo controlo da sociedade por parte do 2º
requerido resulta inócua a prova de quem é detentor das ações.  Na
verdade, sendo evidente que a situação subjacente ao presente
procedimento tem grandes e complexas dimensões, não nos podemos
esquecer que estamos em face de um procedimento cautelar que tem
subjacente um juízo de probabilidade. … Foi ouvida a testemunha
Sofia …., Controler de Financiamento das sociedades relacionadas
com o 2º requerido, sendo que nalgumas delas referiu exercer cargos
sociais. Referiu que gere as sociedades, faz controlo de contas, gestão
bancária, em suma tudo o que envolve a parte financeira das
empresas.  Esta testemunha referiu que o capital social da 1ª
requerida é da titularidade da esposa do 2º requerido tendo
confirmado o teor de fls.692 v.. Este documento trata-se de uma
comunicação datada de 5 de Maio de 2011, dirigida ao Conselho de
Administração da 2ª requerida, subscrita pelo 2º requerido [4] (que é
o Presidente da Administração da mesma) informando que alienou a
favor da mulher o capital social que detinha na 1ª requerida. Mais se
declara, que tendo sido uma doação, não foi paga qualquer
contrapartida pela doação.  No aludido documento nada se menciona
relativamente aos créditos que detinha sobre a sociedade. Tal questão
põe-se, porquanto tendo a testemunha alegado que a sociedade não
tinha atividade comercial, consistindo o preenchimento do objeto
social na manutenção na sociedade de imóveis para valorização, pela
testemunha foi dito que as despesas eram suportadas pelos acionistas.
Questionada, referiu que de certeza haverá documento atestando a
doação de créditos.  No mais referiu-se aos financiamentos e
questões pontuais relativas aos relatórios e contas juntos. Também a
testemunha  João Moura que trabalha numa sociedade que faz a
auditoria às contas da B referiu não se recordar de alguma vez a 1ª
requerida ter tido qualquer atividade referindo que do relatório de
contas apresentado conclui dado o património da mesma, que a
sociedade mantém os imóveis no seu património para valorização. 
Esta testemunha referiu que o que sabe resulta dos documentos que
lhe são trazidos para realizarem o seu trabalho de ROC.  Referiu que
quem financia a atividade da sociedade é o acionista sendo certo que
a sociedade tem as despesas inerentes aos imóveis, designadamente
pagamento de IMIs. Quanto aos ativos (imóveis) referiu que eles
estão valorizados como sempre estiveram ao preço de custo.  Teve
conhecimento do documento de fls. 692 v. e quanto a este e
questionado sobre os suprimentos já que conforme referiu os
acionistas suportavam as despesas, referiu que na altura lhe foi dito
que a alegada doação abrangia tudo, designadamente os
suprimentos.  Não deixa de ser revelador o facto de num dos imóveis
residir o 2º requerido e cônjuge e no outro a sua filha e família.  Do
exame crítico formulado sobre os depoimentos prestados pelas
testemunhas e, bem assim, da análise global e pormenorizada
efetuada em face dos documentos juntos aos autos não resultou
infirmada a factualidade considerada como provada em sede de
procedimento cautelar. Aliás grande parte da oposição consiste em
pôr em causa os fundamentos de Direito que fundaram a decisão ou
as conclusões retiradas dos factos dados como assentes.”.
Pretende a apelante que se dê como provado que “Carolina ….. é
acionista única da sociedade B, desde 2011”, sustentando a sua
pretensão na carta junta a fls. 692vº dos autos, e nos seus Relatórios
e Contas de 2011 e 2017 juntos aos autos (fls. 869 e ss., e 703 e ss.,
respetivamente), estes dotados de fé pública, fazendo prova plena,
bem como no depoimento das testemunhas Sofia Catarino e João
Moura.
A carta junta a fls. 692vº dos autos é uma carta datada de 5.5.2011,
subscrita pelo requerido A e endereçada ao Conselho de
Administração da B, informando que alienou a favor da mulher
Carolina ….. as 90 mil ações que detinha no capital social da B, e
que, “por ter sido uma doação não foi paga qualquer contrapartida
pela transmissão”, sendo tal comunicação feita nos termos do art.
447º do CSC.
O documento em causa apresenta um singelo carimbo no respetivo
topo direito com a data “6 maio 2011”, sem quaisquer outros
dizeres ou assinatura/rubrica que permitam concluir pela sua
receção efetiva no seio da apelante.
É um facto, contudo, que a testemunha Sofia …. declarou que
“entrou na empresa uma comunicação de transmissão de
obrigações” a favor de Carolina …. (embora nada soubesse
esclarecer sobre a mesma ou, sequer, sobre o tipo de ações em
causa), e confrontada com o referido documento, disse ter sido esse
o documento a que se referia.
Também a testemunha João ….. [5], confrontada com o
mencionado documento, declarou ter tido conhecimento do mesmo
que serviu de suporte ao Relatório e Contas de 2011, onde se fez
constar (na nota 8), que o capital social da empresa é totalmente
subscrito e detido por Carolina …. a 100% [6].
É certo que as certificações legais (que exprimem a opinião do
revisor oficial de contas de que as demonstrações financeiras
apresentam ou não, de forma verdadeira e apropriada, a posição
financeira da empresa, bem como os resultados das suas operações,
relativamente à data e ao período a que as mesmas se referem)
estão dotadas de fé pública.
Não deixa, porém, de ser revelador o facto de no Relatório e Contas
de 2010 se ter feito constar que “o capital social da empresa,
totalmente subscrito, é detido por A a 99,99%”, de acordo, aliás,
com o que resulta das escrituras de constituição da sociedade e de
aumento do capital social, passando, em 2011, a constar que
Carolina … é detentora de 100% do capital social, sem outra
explicação que não a referida “doação” feita pelo requerido (que
doou mais ações do que as que detinha), sem qualquer reserva pelo
revisor oficial de contas.
No mesmo sentido também não deixa de ser estranho que na ata da
AG da requerida realizada no dia 13.3.2018 se faça referência ao
“acionista único da sociedade” (ponto 82. da fundamentação de
facto).
Por outro lado fica por explicar como se operou a transmissão dos
créditos do requerido sobre a sociedade para Carolina …., atento o
que as referidas testemunhas disseram sobre o pagamento das
dívidas da sociedade pelos mencionados sócios e se mostra
espelhado nos referidos Relatórios.
Afigura-se-nos assim, que a prova não é concludente para dar o
referido facto como provado na redação pretendida pela apelante,
mas tendo em conta o que se acaba de referir quanto ao
depoimento das testemunhas e ao que consta nos Relatórios e
Contas, bem como o teor do ponto 81. da fundamentação de facto,
afigura-se-nos que não se poderá deixar de dar como provado que,
por comunicação de 5.5.2011, o requerido comunicou à sociedade a
doação das suas ações a Carolina …., facto que se adita à
fundamentação de facto.
1.2. Insurge-se a apelante contra os factos dados como provados sob
os pontos 72. e 85. da fundamentação de facto.
1.2.1. O tribunal recorrido deu como provado que “A Requerida B
não exerce qualquer atividade relacionada com o seu objeto social,
de compra e revenda de imóveis adquiridos para esse fim, não
obstante a transmissão efetuada a seu favor, pelo Requerido A, do
apartamento da Av. Infante Santo, a título de entrada em espécie
no aumento do capital social constante da escritura pública de 20
de outubro de 2008”.
Fundamentou a sua decisão (na sentença que decretou o arresto)
nos seguintes termos: “Da análise da demonstração de resultados
constante das contas apresentadas relativas ao exercício de 2017 da 2ª
requerida, ficou o tribunal convicto que esta não exerce qualquer
atividade já que não teve qualquer rendimento por vendas ou serviços
prestados, apresentando apenas um rendimento, no montante de
€360,78, a título de outros rendimentos e ganhos, não, evidenciando
ter quaisquer trabalhadores. Não estando demonstrada a existência
de quaisquer rendimentos, no que respeita a gastos, a 2ª requerida
suportou, no mesmo período, custos com fornecimentos e serviços
externos tendo apresentado resultado negativo. Ficou pois o tribunal
convencido de que a 2ª requerida não exerce a atividade constante do
seu objeto”.
Pretende a apelante que o facto 72. passe a ter a seguinte redação
“A B exerce a sua atividade na modalidade de investimento
imobiliário, apostando na valorização do seu património
imobiliário no longo prazo”.
Sustenta a sua pretensão “no conjunto da prova documental – de
onde se retira que a B tem dois imóveis, não tendo trabalhadores,
nem receitas, e do depoimento da testemunha João …..”.
Salvo o devido respeito por opinião contrária, não nos merece
censura a apreciação da prova feita pelo tribunal recorrido.
Dos relatórios de exercício e contas de 2010, 2011 e 2017 juntos aos
autos resulta que, nos anos em causa, a apelante não exerceu
qualquer atividade comercial e não tem trabalhadores.
E não obstante as declarações prestadas pela testemunha João …..
sejam no sentido de que os dois imóveis detidos pela sociedade se
destinam a valorização do capital, o que é um facto é que tal
afirmação resulta do facto da sociedade ser detentora de 2 imóveis,
e de, pelo menos nos últimos anos (do que a testemunha se
recordava), não ter tido atividade, só despesas.
Por outro lado, cumpre assinalar, como o faz a apelada, que o
objeto social da apelante não compreende a atividade de
“investimento imobiliário” – o seu objeto é “a compra e venda e
revenda de imóveis adquiridos para esse fim, a promoção
imobiliária e a prestação de serviços conexos” -, não tendo,
efetivamente, a apelante exercido a atividade constante do seu
objeto social.
Também não se nos afigura despiciendo o facto da apelante estar
constituída desde 2003 e os dois imóveis de que é titular sejam, um,
a casa de morada de família do requerido A (adquirida por este em
1999), e, o outro, a casa de morada de família da filha daquele e de
Carolina ….., como resultou do depoimento da testemunha Sofia
…. e dos documentos juntos aos autos.
Não procede, pois, a pretensão da apelante. 
1.2.2. O tribunal recorrido deu como provado que “85. O
Requerido A detém o total controlo sobre a Requerida B, a qual foi
por si constituída, com uma participação de 99,99%,
conjuntamente com mais quatro outros acionistas, que
subscreveram cada um deles uma única ação, do valor nominal de
um euro cada uma”.
Pretende a apelante que o facto 85. passe a ter a seguinte redação:
“O Requerido A constituiu a Requerida B, com uma participação
de 99,99%, conjuntamente com mais quatro outros acionistas, que
subscreveram cada um deles uma única ação, do valor nominal de
um euro cada uma”.
Sustenta a sua pretensão na circunstância do controlo efetivo da
sociedade pertencer à sua acionista única e não ao requerido A,
cujas funções (ponto 84.) podem cessar a qualquer momento, para
além de alegar que os termos utilizados (“total controlo”) são
conclusivos.
Salvo melhor opinião, não assiste razão à apelante.
O que está em causa é um facto, e não considerações sobre quem,
eventualmente, exerce juridicamente controlo sobre a sociedade.
O que está em causa é o controlo, de facto, da sociedade, sendo
nesse sentido que a expressão utilizada tem de ser entendida.
Este facto consta dos factos dados como provados na sentença que
decretou o arresto, embora o tribunal recorrido tenha alterado,
ligeiramente, a redação anterior [7], retirando-lhe a natureza
conclusiva que tinha.
A factualidade em causa resulta da documentação junta aos autos,
nomeadamente da certidão de registo (fls. 404/405), escritura de
constituição da apelante (fls. 406/411), escritura de aumento de
capital (fls. 413/421), da qual resulta que a apelante foi constituída
com um capital social €50.000, dividido em 50.000 mil ações, do
valor nominal de €1 cada uma, integralmente subscrito e realizado
da seguinte forma: o requerido A subscreveu 49.996 no valor
nominal de €1 cada, e Gonçalo …., José Diogo ….., António João
……, e André ……, subscreveram, cada um, uma ação de €1, e em
2008, foi aumentado o capital social para €90.000, sendo o reforço
de €40.000 subscrito e realizado integralmente pelo requerido A,
através da entrada em espécie da fração autónoma onde residia e
reside (ponto 86.)
Nos termos do art. 8º, nº 4 dos Estatutos, a apelante fica vinculada
pela assinatura ou intervenção do administrador presidente, de dois
administradores ou de um administrador delegado dentro dos
respetivos limites.
Logo na escritura de constituição o requerido A ficou designado
como presidente do Conselho de Administração [8], para o
quadriénio de 2003/2006, funções que manteve desde então (ponto
84. da fundamentação de facto), apenas tendo ocorrido nova
designação dos membros dos órgãos sociais em 2018, tendo o
requerido A sido (novamente) eleito Presidente do Conselho de
Administração [9] para o triénio 2018-2020 (ponto 83.).
Ou seja, desde a constituição que o requerido A tem exercido o
cargo de Presidente do Conselho de Administração da apelante,
tendo, nessa conformidade, plenos poderes para, por si só, vincular
a sociedade (ponto 84. da fundamentação de facto), controlando-a.
Acresce que os restantes cargos de administração são ocupados por
pessoas da confiança do requerido (ponto 87.).
Significativo foi, ainda, o depoimento da testemunha Sofia
Catarino, como refere a apelada, que se identificou como sendo
controller financeiro das entidades direta ou indiretamente
relacionadas com o requerido A (e não com Carolina Berardo),
continuando a intervir na atividade da apelante.
Tudo ponderado, nenhuma censura nos merece a decisão do
tribunal recorrido sobre o facto impugnado, que se mantém.    
1.3. Pretende a apelante que à factualidade provada sejam aditados
os seguintes factos, por se mostrarem relevantes:
- “José …. e Carolina ….. são casados, no regime de separação de
bens, há 45 anos”.
Sustenta a sua pretensão no teor do Doc. 8 junto com a sua
oposição.
O facto em causa mostra-se comprovado pelo assento de casamento
junto a fls. 725vº/726, pelo que se adita à factualidade provado, nos
termos do mesmo constante.
- “A CGD nunca considerou os imóveis arrestados como integrando
o património do(s) devedor(es) das entidades a quem concedeu
financiamento, nem sobre eles pediu a constituição de qualquer
garantia”.
Sustenta a sua pretensão no teor dos documentos juntos com as
alegações (transcrição de audições parlamentares), no facto da
apelada nada ter alegado nesse sentido, e no depoimento da
testemunha Sofia …...
Desde logo, os documentos a que a apelante se reporta não foram
admitidos, pelo que não podem ser ponderados.
O depoimento da testemunha Sofia ….. é, manifestamente,
insuficiente para dar tal factualidade como provada, porquanto se
limitou a dizer que informações foram ou não pedidas pela apelada
aquando das negociações, sendo certo, porém, que as garantias que
foram pedidas constam da factualidade provada (pontos 13., 16.,
17., 21., e 23.).
Nenhuma prova direta foi feita do facto cujo aditamento se
pretende.
Em todo o caso, afigura-se-nos irrelevante a factualidade em causa,
ao contrário do que sustenta a apelante, como melhor se explicará.
Improcede, pois, a pretensão da apelante.    
*
Em sede de alegações e no âmbito “Do julgamento da matéria de
facto”, a apelante refere-se, ainda, aos “Factos que não foram
alegados ou provados pela CGD”, e aos “Factos irrelevantes”, mas
apenas tece considerações de direito, que se apreciarão no momento
próprio.
*
Foram aditados aos factos provados os seguintes:
93. Por comunicação de 5.5.2011, o requerido comunicou à
sociedade a doação a Carolina …. das ações por si detidas.
94. A e Carolina …. casaram em 29.6.1969, no regime imperativo
de separação de bens, conforme certidão junta a fls. 725vº/726.
*
2. Nos termos do disposto nos arts. 619º, nº 1 do CC e 391º do CPC,
o credor que tenha justificado receio de perder a garantia
patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do
devedor.
São, pois, pressupostos do decretamento da providência em causa:
a) a existência de um crédito; e b) o justificado receio de perda da
garantia patrimonial.
Ao credor/requerente incumbe deduzir factos que tornam provável
a existência do crédito e justificam o receio invocado (art. 392º, nº 1
do CPC).
No que ao primeiro requisito respeita, tal como nos demais
procedimentos cautelares, basta a prova de uma séria probabilidade
de existência do crédito.
Quanto ao 2º requisito, Abrantes Geraldes, em Temas da Reforma
do Processo Civil, IV Volume, págs. 191 e 193, escreve que “este
receio é o que no arresto preenche o periculum in mora, que serve
de fundamento à generalidade das providências cautelares. (...)
Como é natural, o critério de avaliação deste requisito não deve
assentar em juízos puramente subjetivos do juiz ou do credor (isto
é, em simples conjeturas, como refere Alberto dos Reis), antes deve
basear-se em factos ou em circunstâncias que, de acordo com as
regras de experiência, aconselhem uma decisão cautelar imediata,
como fator potenciador da eficácia da ação declarativa ou
executiva”.
Provado que o devedor, praticou atos de “delapidação ou alienação
do seu património”, consente a lei que o credor lance mão do
arresto, não só quanto aos bens que se encontrem na posse de
terceiro – art. 391º, nº 2 e 747º CPC -, como quanto aos bens objeto
de alienação, desde que tais atos possam ser judicialmente
impugnados e se verifiquem os pressupostos da providência em
causa, conforme resulta do disposto nos arts. 619º, nº 2 do CC, e
392º, nº 2 do CPC.
Na sentença que decretou o arresto, o tribunal recorrido
considerou que resultava indiciariamente provada a existência do
crédito da requerente sobre o requerido, já dado à execução, que
corre seus termos.
Tendo em conta que a requerente pedia o arresto de bens da
requerida e não do requerido/devedor, fundando a sua pretensão
no instituto da desconsideração da personalidade coletiva, analisou
os fundamentos invocados pela requerente e, concluiu que, face à
factualidade indiciariamente provada, se mostravam preenchidos
os pressupostos para a sua aplicação [10].
Por último, concluiu que se verificava, também, o requisito de
receio de perda da garantia patrimonial, porquanto resultou
indiciariamente provado que o requerido não tem intenção de
ressarcir a requerente e poderá subtrair o seu património da esfera
patrimonial da sociedade que domina, dissipando-o e deixando a
requerente desprovida de qualquer garantia patrimonial do crédito
indiciariamente provado.
Na sequência das oposições apresentadas pelos requeridos, o
tribunal recorrido veio a manter o arresto decretado, entendendo
que os requeridos não tinham logrado abalar os fundamentos em
que tinha fundado a sua decisão, nomeadamente os respeitantes ao
levantamento da personalidade coletiva da requerida [11],
mantendo-se os requisitos de que dependia o decretamento do
arresto (art. 372º, nº 1, al. b) e 3 do CPC).
A apelante insurge-se contra a sentença recorrida, invocando,
essencialmente que:
a) falta o principal pressuposto da desconsideração da
personalidade coletiva: a confusão entre a esfera da sociedade e a
esfera do sócio, uma vez que o requerido não é “sócio”;
b) não se verificam os pressupostos do levantamento da
personalidade coletiva;
- quanto à ilicitude da conduta - a constituição da sociedade (em
2003) e subsequente colocação do imóvel na sua esfera jurídica (em
2008), inserem-se no âmbito da autonomia privada e cumpre o
objeto da sociedade de investimento imobiliário, sendo certo que o
requerido não é seu acionista; a factualidade constante dos pontos
63 a 71 é inócua; nenhum facto reflete a intenção fraudulenta do
requerido de ocultar património;
- quanto à censurabilidade da conduta - como a atuação do
requerido não colide com qualquer norma, não é censurável;
- quanto ao prejuízo da requerente - como o requerido só é avalista,
tinha de se ter alegado e provado que os próprios devedores não
têm património suficiente e que inexistem garantias para assegurar
o pagamento das dívidas; os imóveis da B são uma “gota de água”
face ao valor da dívida; tem de se demonstrar a atuação contrária a
normas ou princípios gerais, incluindo ética dos negócios, o que não
resultou feito;
- quanto à subsidiariedade - só a impugnação pauliana é prevista na
lei como meio passível de obter o arresto de bens de terceiro,
instituto de que a requerente não lançou mão em momento
oportuno;
c) o arresto não é meio processual adequado a discutir eventual
levantamento da personalidade coletiva;
d) a requerente atua em abuso de direito, na modalidade de venire
contra factum proprium, uma vez que teve a oportunidade de
negociar e exigir garantias (é um credor forte) e teve garantias
(ações do BCP) que escolheu não executar; ao não solicitar
garantias sobre os imóveis e ao não impugnar a transmissão, terá
de deduzir-se que assumiu que os imóveis não deveriam responder
pelas dívidas.
Apreciemos.
Resulta do disposto no art. 5º do CSC, que a sociedade comercial é
um sujeito de direito, em si mesma, consubstanciando-se desse
modo numa instituição personalizada e num centro de relações
jurídicas, revestindo uma entidade jurídica própria e distinta de
cada um dos seus sócios. Tem nome, sede, órgãos que formam,
exprimem e executam a sua vontade, um estatuto ou pacto social
pelo qual se rege, património próprio e afeto aos seus fins [12],
personalidade e capacidade judiciária (ativa e passiva).
Assim sendo, a sociedade mantém a sua identidade apesar das
modificações que possam ocorrer relativamente aos sócios, ao
património próprio, aos termos da respetiva organização, ou
mesmo quanto ao tipo legal decorrente de transformação,
permitindo essa individualização jurídica a distinção entre as
relações internas, estabelecidas entre a sociedade, os respetivos
sócios e os órgãos sociais, e as relações externas nascidas entre a
sociedade (representada nos termos legais ou estatutários) e
terceiros.
Como observa o Luís Brito Correia, em Sociedades Comerciais,
Vol. II, 1993, AAFDL, pág. 327, a separação entre a sociedade e os
sócios é sobretudo importante do ponto de vista patrimonial,
tornando-se assim a sociedade um instrumento jurídico ao serviço
da vida económica, advertindo, porém, que nem sempre este
instrumento é utilizado para fins lícitos, pelo que a doutrina e a
jurisprudência, perante certos tipos de utilização abusiva, têm
vindo a construir uma solução conhecida por desconsideração (ou
superação) da personalidade jurídica.
No domínio da autonomia privada, assiste, de facto, à generalidade
das pessoas o direito de constituir pessoas coletivas e de exercer
atividade por intermédio delas, conformando-as aos seus interesses,
não podendo, porém, ser desvirtuado o princípio subjacente à
“atribuição” da personalidade coletiva (de instrumento jurídico ao
serviço da vida económica), não podendo ser ultrapassados os
limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social
e económico desse direito.
É, precisamente, por, em certas situações, se mostrarem
ultrapassados esses limites que se vem considerando, perante
circunstâncias excecionais, a utilização do instituto denominado de
levantamento ou de desconsideração da personalidade coletiva.
Como se escreveu no Ac. do STJ de 7.11.2017, P.
919/15.4T8PNF.P1.S1 (Alexandre Reis), em www.dgsi.pt, “…o
princípio da atribuição da personalidade jurídica às sociedades e da
separação de patrimónios, ficção jurídica que é, não pode ser
encarado, em si, como um valor absoluto e, quando estejam em
causa práticas ilícitas – contrárias à ordem jurídica –, censuráveis e
com prejuízo de terceiros, a personalidade coletiva não pode ter
uma finalidade redutora, não pode ter a natureza de um manto ou
véu de proteção dessas mesmas práticas. … Devido a
comportamentos abusivos e fraudulentos, que não são
substancialmente da sociedade mas dos que estão por detrás da sua
autonomia (ficcionada) e a controlam (ou ao invés), a mesma pode
ser utilizada desonestamente e, funcionalmente, ao arrepio do seu
fim social ou com desvio da rota que o ordenamento jurídico lhe
traçou, para servir de véu para encobrir uma realidade ou para
mascarar uma situação. Com a liberdade que o julgador tem na
concretização daquilo que é o direito, tal resultado não pode ser
tolerado, por se traduzir, afinal, no desrespeito pelo princípio da
autonomia e da separação que a atribuição da personalidade
deveria prosseguir (…). Em tese geral, justifica-se, nesses casos, a
desconsideração, o levantamento ou a superação da personalidade
jurídica da pessoa coletiva, por imposição dos ditames da boa-fé”.
No Ac. RP de 25.10.2005, P. 0524260 (Henrique Araújo), em
www.dgsi.pt, considerou-se que “Em tese geral, pode dizer-se que a
desconsideração da personalidade jurídica da pessoa coletiva,
imposta pelos ditames da boa fé, se traduz no desrespeito pela
separação, pelo princípio da separação entre a pessoa coletiva e os
seus membros. Nos casos de desconsideração o que se passa é que a
própria sociedade (pessoa coletiva) se desvia da rota que o
ordenamento jurídico lhe traçou, optando por um comportamento
abusivo e fraudulento que não pode ser tolerado na utilização
funcional da sociedade ou de que aquela conduta não é
substancialmente da sociedade mas do ou dos seus sócios (ou ao
invés). A sociedade é, assim, utilizada para mascarar uma situação;
ela serve de véu para encobrir uma realidade – cfr. Pedro Cordeiro,
ob. cit., pág. 73, nota 75”.
E no Ac. do STJ de 12.05.2011, P. 280/07.0TBGVA.C1.S1 (João
Bernardo), em www.dgsi.pt, citando Pedro Cordeiro (A
Desconsideração da Personalidade Jurídica das Sociedades
Comerciais, pág. 19), escreveu-se que “deve entender-se por
desconsideração “o desrespeito pelo princípio da separação entre a
pessoa coletiva e os seus membros ou, dito de outro modo,
desconsiderar significa derrogar o princípio da separação entre a
pessoa coletiva e aqueles que por detrás dela atuam”. Existe assim,
na desconsideração, um atingimento da pessoa jurídica diferente da
visada. Será direta, se se ultrapassar a sociedade para atingir os
sócios e indireta (ou invertida) se, partindo-se dos sócios, se atingir
a sociedade (cfr-se, Oliveira Ascensão, Direito Comercial, IV, 58)”.
O instituto em causa de desconsideração da personalidade coletiva
não tem consagração legal expressa [13] e surge como “reação do
ordenamento jurídico a situações que ferem a consciência jurídica
dominante por traduzirem «o exercício inadmissível de posições
jurídicas». São situações onde se configura um mau uso de
institutos próprios do direito das sociedades, nomeadamente
aproveitando ilicitamente a personalidade coletiva (…) para
cometer fraudes ou abuso do direito. Nessas hipóteses a dogmática
jurídica lança mão da desconsideração e inibe os efeitos normais da
autonomia da personalidade, porque esta foi empregue ilicitamente
(contrariando o fim com que foi inicialmente prevista e atribuída).”
- Armando Manuel Triunfante e Luís de Lemos Triunfante,
“Desconsideração da Personalidade Jurídica – Sinopse Doutrinária
e Jurisprudencial”, Revista Julgar, nº 9, 2009, págs. 131/132.
Por não ter consagração legal e o seu uso se justificar como forma
de evitar um resultado injusto a que o direito positivo não
permitiria dar solução justa, a aplicação do instituto da
desconsideração a personalidade coletiva deve ter carácter
subsidiário e excecional [14].
Nada impede, porém, que seja equacionado em sede de
procedimento cautelar, ao contrário do que sustenta a apelante,
sempre que se verifiquem os pressupostos da sua aplicação.
Abrantes Geraldes, na ob. cit., pág. 215, ao discorrer sobre o
“arresto de bens de terceiro”, e depois de se referir ao arresto
requerido na pendência funcional da ação de impugnação pauliana,
ao arresto que incide sobre bens do devedor que se encontrem na
posse de terceiro, e ao arresto de bens alegadamente pertencentes
ao devedor mas que, entretanto, já passaram para a titularidade de
terceiros ou foram inscritos em seu nome no registo (predial,
comercial ou automóvel), escreve que “Diversa de todas as
situações referenciadas é ainda aquela em que só na aparência se
verifica uma autonomia jurídica entre o devedor e o titular dos
bens, como ocorre em situações que a doutrina e a jurisprudência
qualificam como de “desconsideração da personalidade jurídica”.
Apurados os factos integrantes de situação de abuso de direito de
personalidade jurídica, pode o credor requerer o arresto de bens
para garantia de crédito de pessoa singular, ainda que formalmente
se encontrem inscritos na esfera jurídica de uma sociedade
oportunamente constituída para iludir credores”.
Com interesse sobre esta questão, vejam-se, entre outros, os Acs.
Ac. da RC de 8.3.2006, P. 3013/05 (Hélder Almeida), da RC de
18.12.2013, P. 3126/13.7TJCBR.C1 (Moreira do Carmo), da RL de
28.5.2008, P. 2402/2008-4 (Seara Paixão), da RL de 2.7.2009, P.
3435/08.7TBTVD-B.L1-6 (Manuel Gonçalves), da RL de 4.10.2011,
P. 646/11.1TVLSB-B.L1-1 (Manuel Marques), da RL de 6.11.2012,
P. 6320/12.4TBOER-A.L1-7 (Ana Resende), da RL de 8.11.2012, P.
1988/11.1TVLSB-B.L1-2 (Pedro Martins), e da RP de 22.6.2009, P.
1201/09.1TBMAI.P1 (Maria de Deus Correia), todos em
www.dgsi.pt, onde foi equacionada a aplicação do referido instituto
no âmbito da providência cautelar de arresto.
 Menezes Cordeiro, no Tratado de Direito Civil, vol. IV, pág. 709 e
ss., agrupa em três os casos em que se justifica o recurso a este
instituto, a saber:
 - Quando haja confusão de esferas jurídicas, de sorte a que, devido
ao incumprimento de certas regras societárias ou por virtude de
circunstâncias concretas, não seja possível estabelecer uma linha
delimitadora entre o património da sociedade e o património do
sócio.
- Quando haja subcapitalização, ou seja, a sociedade tenha sido
constituída com capital que se revele insuficiente, quer em face do
seu objeto social, quer perante a sua concreta atuação;
- Quando haja atentado a terceiros ou abuso do instituto da
personalidade coletiva, verificando-se este último sempre que “com
recurso a uma pessoa coletiva, se contorne uma lei, se violem
deveres contratuais ou se prejudiquem fraudulentamente
terceiros”, ou ainda quando a pessoa coletiva seja usada para
“frustrar o escopo de uma norma ou de um negócio”, devendo
prevalecer os escopos e regras dirigidas a pessoas singulares.
E no Manual de Direito Comercial”, vol. II, págs. 191/192, o mesmo
autor escreve que “O atentado a terceiros verifica-se sempre que a
personalidade coletiva seja usada, de modo ilícito ou abusivo, para
os prejudicar”.
A primeira questão que importa analisar é a da invocada não
aplicabilidade do instituto de desconsideração da personalidade
coletiva, desde logo porque o requerido não é acionista da
requerida.
Como se escreveu supra, o tribunal recorrido entendeu ser de
aplicar o referido instituto não por o requerido ser acionista da
requerida [15], mas por, desde o início, ser Presidente do Conselho
de Administração da mesma, tendo pleno poderes para, por si só,
poder vinculá-la, detendo (desde sempre) o controlo total da
requerida, motivo pelo qual, aliás, entendeu ser despicienda a
factualidade dada como não provada.
Não nos merece censura o entendimento sufragado pelo tribunal
recorrido.
É certo que na quase totalidade dos casos apreciados pelos nossos
tribunais superiores, o agente é o sócio ou acionista da sociedade
cuja personalidade coletiva se pretende desconsiderar.
Contudo, os fundamentos e princípios que enformam o instituto em
causa não afastam que o agente possa ser uma pessoa que não faça
parte do substrato pessoal da sociedade (não seja sócio, ou
acionista), mas que por força dos poderes que tem sobre a gestão da
sociedade a use em seu benefício e em manifesta violação da ética
dos negócios ou dos princípios gerais de boa fé, sendo sócio ou
acionista (de forma significativa) pessoa especialmente relacionada
com o agente, um testa de ferro, aquilo a que a jurisprudência
alemã chama “homem de palha” [16].
António Menezes Cordeiro, na ob. cit., pág. 122, escreve que “O
atentado a terceiros verifica-se sempre que a personalidade coletiva
seja usada, de modo ilícito ou abusivo, para os prejudicar. Como
resulta da própria fórmula encontrada, não basta uma ocorrência
de prejuízo, causada a terceiros através da pessoa coletiva: para
haver levantamento será antes necessário que se assista a uma
utilização contrária a normas ou a princípios gerais, incluindo a
ética dos negócios. Sub-hipótese particular é a do recurso a “testas-
de-ferro”, que autorizariam a procurar o real sujeito das situações
criadas”.
Armando Triunfante e Luís Triunfante, na obra citada, pág. 136,
sustentam a necessidade de invocar a desconsideração da
personalidade coletiva em dois tipos de casos:1) “naqueles em que o
cerne da questão não reside na confusão patrimonial, mas coloca-se
verdadeiramente ao nível da confusão de pessoas”, 2) e naqueles
“casos em que a comunhão de interesses não se verifica entre a
sociedade e alguns dos seus sócios. Hipóteses existem em que a
imputação de atos devidos em primeira linha à sociedade deva
reconduzir-se a um terceiro estranho à sociedade”, explicando em
nota de rodapé que “Estranho do ponto de vista de que não assume
a qualidade de sócio. Estranho total nunca há-de ser, tendo mesmo
necessariamente uma ligação próxima, pois, caso contrário, nunca
estaria numa situação que conduzisse a uma situação de confusão.
Terá de estar normalmente numa posição de poder controlar a
gestão da sociedade cuja personalidade se vai desconsiderar”. E na
pág. 145, concretizam o seu entendimento nos seguintes termos:
“Por outras palavras, nem sempre se mostra necessário derrogar o
princípio da separação entre a pessoa coletiva e aqueles que por
detrás dela atuam, para que estes possam também ser
responsabilizados. Já a verdadeira desconsideração deverá ficar
limitada para outras hipóteses em que a resposta anterior não é
suficiente, designadamente nos casos em que a confusão seja mais
intensa (ao nível da própria esfera jurídica e não envolvendo
somente aspetos patrimoniais) ou quando o agente seja alguém que
não um sócio” (sublinhados nossos).
Sobre esta matéria, escreveu-se no Ac. RG de 17.12.2018, P. 216/
16.8T8VNF.G2 (Sandra Melo), em www.dgsi.pt, em termos que
subscrevemos inteiramente, que “É evidente que a figura jurídica
das sociedades (mesmo de uma sociedade unipessoal) as constitui
como pessoas jurídicas autónomas dos seus sócios, procedendo à
separação de um património face aos bens pessoais dos seus sócios.
… No entanto, é já doutrina aceite e jurisprudência feita, o
entendimento que considera que quando o princípio da separação
dos bens da sociedade e dos seus sócios ou acionistas e o princípio
da limitação da responsabilidade proporcionado pela sociedade são
utilizados de forma abusiva pelos próprios sócios ou acionistas (ou
por aqueles que para tanto utilizam os sócios ou acionistas
aparentes), para fins ilícitos, verifica-se um afastamento da
utilidade para que foi criada a sociedade que há que impedir.
Considera-se que não é possível permitir que a sociedade
represente um meio pelo qual os sócios ou terceiros visam, não
prosseguir as atividades económicas e correr os inerentes riscos que
estas representam, mas utilizá-las tão só para, através destas, obter
resultados ilícitos ou guardar os seus bens, o que permite escondê-
los dos terceiros credores. … A questão da titularidade das quotas
ou ações não releva para a desconsideração da personalidade da
própria sociedade. Pode numa sociedade constar como sócio ou
acionista um testa-de-ferro, sendo que a mesma é mero
parqueamento de bens da verdadeira pessoa (singular), desde que
esta livremente e a seu bel prazer possa determinar o destino, uso e
gozo desses bens no seu interesse pessoal e próprio,
instrumentalizando a sociedade como mero meio de escamotear a
sua propriedade, gerindo-a sob tal capa” (sublinhados nossos).
Analisando a factualidade tida por indiciariamente provada
constata-se que a requerida foi constituída em 2003 com um capital
social constituído por cinquenta mil ações, tendo o requerido
subscrito e realizado quarenta e nove mil, novecentas e noventa e
seis ações [17].
Em 2008 concretizou-se um aumento do capital social para noventa
mil euros, tendo as quarenta mil novas ações emitidas sido
subscritas integralmente pelo requerido mediante a entrada em
espécie de uma fração autónoma de sua propriedade.
Logo na escritura de constituição da sociedade, o requerido ficou
designado para exercer o cargo de Presidente do Conselho de
Administração para o quadriénio de 2003 a 2006, sendo certo que,
desde então, o requerido manteve-se ininterruptamente como
Presidente do Conselho de Administração da requerida, apenas
ocorrendo nova designação em 2019, tendo o requerido sido reeleito
para o exercício do cargo de Presidente do Conselho de
Administração.
Nos termos estatutários, o requerido, como Presidente do Conselho
de Administração tem plenos poderes para, por si só, vincular a
requerida, e detém o controlo total sobre a mesma [18], a qual se
integra nas empresas direta ou indiretamente detidas pelo
requerido, como declarou a testemunha Sofia Catarino e supra
referido.
Malgrado o requerido tenha comunicado junto da requerida que
tinha transmitido (doado) as suas participações sociais à esposa,
continua a ser o Presidente do Conselho de Administração da
requerida, e quem a vincula, gere e controla, tudo apontando para
que a esposa do requerido seja, apenas, acionista aparente da
mesma.
Não assiste, pois, razão à apelante quando sustenta que falta o
principal pressuposto da desconsideração da personalidade
coletiva, uma vez que, como se escreveu no Ac. da RG referido, “a
questão da titularidade das quotas ou ações não releva para a
desconsideração da personalidade da própria sociedade”.
Do que acaba de escrever-se conclui-se, também, que não assiste
razão à apelante quando sustenta a não verificação dos
pressupostos da desconsideração da personalidade coletiva [19]
com base nesse mesmo fundamento.
Salvo melhor opinião, a factualidade provada permite concluir,
como concluiu o tribunal recorrido pela conduta ilícita do
requerido, e pela sua censurabilidade.
A requerida tem por objeto social a compra e venda e revenda dos
imóveis adquiridos para esse fim, a promoção imobiliária e a
prestação de serviços conexos.
Constituída em 2003, adquiriu logo nessa altura um imóvel que se
mantém no seu património.
Decorridos 14 anos sobre a sua constituição (por referência à data
da propositura do presente procedimento cautelar), a requerida
não exerceu o seu objeto social, uma vez que não vendeu qualquer
um dos imóveis que tem no seu património, não tira dos mesmos
rendimentos, uma vez que não recebe qualquer renda, mas suporta
os custos inerentes aos mesmos, não tem trabalhadores e não exerce
atividade comercial, sendo certo que tem dívidas acumuladas
resultantes dos “provimentos” feitos pelo acionista para fazer face
às despesas.
Significativo, também, é o facto do imóvel adquirido em 2003 ser a
residência da filha do requerido e da esposa, e do imóvel dado como
entrada em espécie de capital em 2008 ser a residência destes.
O escopo das sociedades comerciais é o desenvolvimento da
atividade económica, sem prejuízo do interesse na valorização do
seu património.
No caso, a requerida não exerce a atividade económica inerente ao
seu objeto social, servindo para “guardar” os imóveis do requerido.
Por outro lado, o requerido continua a utilizar a fração onde
habita, e comporta-se em relação à mesma como seu legítimo
proprietário, como resulta da factualidade indiciariamente provada
que, ao contrário do que a apelante sustenta, não é inócua.
 É certo que a requerida foi constituída em 2003, antes do início das
relações negociais do requerido (ou mesmo da sociedade de que é
acionista, a Metalgest) com a apelada.
Contudo, a indiciação da conduta ilícita do agente tanto pode
resultar da constituição de uma sociedade para tal fim, como do
aproveitamento de sociedade já existente.
Como se escreveu no Ac. do STJ de 12.9.2019, P.
8049/15.2TPRT.P1.S3.S1 (Catarina Serra), em www.dgsi.pt, “Não é
raro, neste tipo de circunstâncias, verificar-se que o ato (de
constituição da sociedade ou mesmo de realização da entrada [Na
realidade, a ilicitude existiria ainda que a sociedade já estivesse
constituída antes] foi praticado exclusiva ou predominantemente
para “blindar” os bens que constituem a garantia patrimonial dos
credores pessoais do(s) sócio(s), ou seja, para que estes ficassem
impedidos de executar diretamente estes bens, por força da
aplicação das regras de separação patrimonial, designadamente a
regra de que o património social só responde pelas dívidas sociais
(…)” (sublinhado nosso).
O aumento de capital social da requerida e a entrada do imóvel no
seu património como forma de subscrição daquele ocorreram
escassos meses (seis) depois do requerido ter prestado o seu aval ao
(2º) financiamento concedido pela requerente à FJB, visando,
manifestamente, aproveitar-se da requerida para subtrair da sua
esfera jurídica um bem (mais concretamente a sua casa de
habitação) suscetível de responder pelas suas dívidas, fazendo um
uso abusivo da personalidade coletiva da requerida [20] com o
intuito de prejudicar os seus credores, no caso a apelada,
subtraindo tal bem do seu património, sabendo que o seu restante
património seria insuficiente para honrar o aval subscrito em caso
de incumprimento, atento o montante em causa.
A sequência dos factos, as circunstâncias inerentes à requerida (de
não atividade do seu objeto social), e o posicionamento do
requerido na requerida, apontam, por si só, atentas as regras da
normalidade, ditadas pela experiência comum, para a intenção
fraudulenta deste de ocultar património, sendo a sua conduta
contrária aos princípios da boa fé e da primazia da materialidade
subjacente que devem pautar o tráfego jurídico, uma vez que,
abrigando-se sob o véu da personalidade jurídica coletiva da
requerida, que controla [21], assumiu e cumpriu a obrigação de
entrada, “transferindo” para a sua titularidade a propriedade da
fração que habita, recorrendo à requerida para contornar a lei e
prejudicar fraudulentamente terceiros, nomeadamente a apelada,
sua credora.
A conduta do requerido causa prejuízo à requerente, porquanto vê
diminuído o património do requerido [22], sendo certo que os
restantes bens em seu nome pessoal não são suficientes para pagar
o crédito, como resulta da factualidade indiciariamente provada.
Nos termos do art. 30º da LULL, o aval é o ato pelo qual um
terceiro ou um signatário da letra ou de uma livrança garante o
pagamento desse título, por parte de um dos respetivos
subscritores.
A função do aval é uma função de garantia, inserida ao lado da
obrigação de um certo subscritor cambiário, a cobri-la ou
caucioná-la, sendo o dador de aval, nos termos do artigo 32º, nº 1,
da LULL, responsável da mesma maneira que a pessoa por ele
afiançada, o que significa que a medida da responsabilidade do
avalista é a do avalizado.
A razão de ser do referido art. 32º é ser o aval um ato cambiário
que desencadeia uma obrigação independente e autónoma - a
obrigação do avalista vive e subsiste independentemente da
obrigação do avalizado.
O avalista não é responsável ou não se obriga ao cumprimento da
obrigação constituída pelo avalizado, mas tão só ao pagamento da
quantia titulada no título de crédito, sendo a sua obrigação cartular
e não perante a relação subjacente.
Está em causa uma obrigação solidária, em face do portador,
podendo o avalista ser acionado pelo portador, sozinho ou com os
outros co-obrigados (sacadores, aceitantes, endossantes ou co-
avalistas) - art. 47º da LULL.
Assim sendo, não assiste razão à apelante quando sustenta que à
requerente incumbia alegar e provar que os próprios devedores não
têm património suficiente e que inexistem garantias para assegurar
o pagamento das dívidas.
Recorde-se que o avalista não é um fiador, não gozando por isso do
benefício da excussão prévia [23].
Resta referir que se nos afigura, também, que, no caso, inexiste
outro fundamento legal que invalide a conduta do requerido.
É certo que a requerente poderia ter lançado mão da impugnação
pauliana (art. 610º do CC) para atacar o ato de entrada da fração
no património da requerida para subscrição do aumento de capital
social, o que não fez no prazo legal (art. 618º do CC).
Sucede, porém, que em causa não está, apenas, esse património do
requerido. O que está em causa é todo o património da requerida e
a derrogação do princípio da separação patrimonial entre a pessoa
coletiva (a requerida) e aquele que a controla, que por detrás dela
atua (o requerido).
E nesta conformação, inexiste outro fundamento legal que invalide
a conduta do requerido.
Em conclusão, ao contrário do sustentado pela apelante, verificam-
se, pois, os pressupostos da desconsideração da personalidade
coletiva, como entendeu o tribunal coletivo, o que pode e deve ser
considerado no âmbito do presente procedimento cautelar.
Resta, então analisar se a requerente atua em abuso de direito, na
modalidade de venire contra factum proprium, como sustenta a
apelante.
Estatui o art. 334º do CC que “é abusivo o exercício de um direito,
quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela
boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse
direito”.
Há abuso de direito quando, embora exercendo um direito, o titular
exorbita o exercício do mesmo, quando o excesso cometido seja
manifesto, quando haja uma clamorosa ofensa do sentimento
jurídico-socialmente dominante.
O legislador sufragou a conceção objetivista do abuso de direito
(que proclama que não é preciso que o agente tenha consciência da
contrariedade do seu ato à boa fé, aos bons costumes ou ao fim
social ou económico), o que não significa “que ao conceito de abuso
do direito consagrado no art. 334º sejam alheios fatores subjetivos,
como, por exemplo, a intenção com que o titular tenha agido” - cfr.
Pires de Lima – Antunes Varela, in CCAnotado, Vol. I – 2ª ed., pág.
277 [24] .
A figura do abuso de direito surge como uma forma de adaptação
do direito à evolução da vida, serve como válvula de escape a
situações que os limites apertados da lei não contemplam por forma
considerada justa pela consciência social vigorante em determinada
época, evitando que, observada a estrutura formal do poder que a
lei confere, se excedam manifestamente os limites que se devem
observar tendo em conta a boa fé e o sentimento de justiça em si
mesmo.
Como refere Jorge Coutinho de Abreu, em Do Abuso de Direito,
pág. 43, “Há abuso de direito quando um comportamento,
aparentando ser exercício de um direito, se traduz na realização
dos interesses pessoais de que esse direito é instrumento e na
negação de interesses sensíveis de outrem”.
Para Pires de Lima e Antunes Varela, no CC Anotado, Vol. I, 4ª
ed., pág. 300, “A nota típica do abuso do direito reside ... na
utilização do poder contido na estrutura do direito para a
prossecução de um interesse que exorbita do fim próprio do direito
ou do contexto em que ele deve ser exercido”.
E Cunha de Sá, em Abuso do Direito, pág. 101, escreve que “abusa-
se do direito quando se vai para além dos limites do normal, do
legítimo: exerce-se o direito próprio em termos que não eram de
esperar, ultrapassa-se o razoável, chega-se mais longe do que seria
de prever”. E, mais adiante (pág. 103), analisando a noção legal de
abuso de direito, refere que o mesmo se traduz “num ato ilegítimo,
consistindo a sua ilegitimidade precisamente num excesso de
exercício de um certo e determinado direito subjetivo: hão-de
ultrapassar-se os limites que ao mesmo direito são impostos pela
boa fé, pelos bons costumes ou pelo próprio fim social ou económico
do direito exercido”.
O abuso de direito pode revestir várias modalidades, entre elas, a
invocada - venire contra factum proprium -, que se traduz no
exercício de uma posição jurídica em contradição com o
comportamento assumido anteriormente pelo exercente.
Como ensinava Baptista Machado, na Obra Dispersa, vol. I, págs.
352 e 353, o princípio da confiança é um princípio ético-jurídico
fundamentalíssimo, não podendo a ordem jurídica deixar de tutelar
a confiança legítima baseada na conduta de outrem; poder confiar
é uma condição básica de toda a convivência pacífica e da
cooperação entre os homens; esse poder confiar é logo condição
básica da própria possibilidade da comunicação dirigida ao
entendimento, ao consenso e à cooperação, logo, da paz jurídica.
Na esteira de Meneses Cordeiro (nomeadamente na ob. cit., págs.
95/96), vem-se entendendo que são quatro os pressupostos da
proteção de confiança, ao abrigo da figura do venire contra factum
proprium: 1) Uma situação de confiança conforme com o sistema e
traduzida na boa fé subjetiva e ética, própria da pessoa que, sem
violar os deveres de cuidado que ao caso caibam, ignore estar a
lesar posições alheias; 2) Uma justificação para essa confiança,
expressa na presença de elementos objetivos capazes de, em
abstrato, provocarem uma crença plausível; 3) Um investimento de
confiança consistente, em, da parte do sujeito, ter havido uma
assentar efetivo de atividades jurídicas sobre a crença
consubstanciada; 4) A imputação da situação de confiança criada à
pessoa que vai ser atingida pela proteção dada ao confiante [25].
Analisada a factualidade tida por indiciariamente provada afigura-
se-nos não estarem reunidos os pressupostos para concluir pela
atuação em abuso de direito da requerente ao formular o pedido de
desconsideração da personalidade coletiva da requerida,
especialmente tendo em conta o que supra se deixou escrito sobre a
utilização abusiva da personalidade coletiva da requerida pelo
requerido.
Não se questiona que a requerente seja um credor forte, na aceção
dos que vêm distinguindo entre credores fortes e credores fracos,
nem que, nessa medida, teve a possibilidade negocial de exigir todas
as garantias que entendesse necessárias.
O que é um facto, é que a requerente pediu e foram-lhe dadas pelo
requerido garantias que abarcavam todo o seu património, e à data
em que o requerido prestou o aval a favor da FJB era o
proprietário da fração que viria a “transferir” para a requerida.
Como suprarreferido, o avalista responde pela obrigação cartular,
e fá-lo com o seu património (art. 601º do CC).
Quando a requerente concedeu financiamentos ao requerido, em
2015 e 2016, mais uma vez exigiu garantias (subscrição de
livranças), e na execução das mesmas, é (todo) o património do
requerido que responde.
Não é pelo facto de não pedir garantias especiais sobre determinado
bem [26], que se pode presumir/deduzir que a requerente “nunca
considerou e assumiu que os imóveis não deveriam responder pelas
dívidas dos financiamentos que concedeu”, como pretende a
apelante.
Aliás, a tal “presunção” obsta, desde logo o disposto no art. 602º do
CC que estipula que a limitação da responsabilidade do devedor a
alguns bens tem de ser expressamente convencionada.
Maria de Fátima Ribeiro, em Comentário ao Código Civil, Direito
das Obrigações, Das Obrigações em Geral, UCE, pág. 664, escreve
que “o legislador (…) admite que, por convenção entre as partes,
possa ser limitada – não excluída – a responsabilidade patrimonial
do devedor a apenas alguns dos bens que constituem o seu
património (através da especificação dos bens do património do
devedor que podem responder por determinada obrigação, ou da
exclusão de bens desse património à responsabilidade por uma
dívida específica), quando ele não cumpra voluntariamente a
obrigação: são as vulgarmente designadas «cláusulas de
impenhorabilidade», pelas quais um credor se obriga a não
executar outros bens do património do devedor que não aqueles
que estão delimitados na cláusula (…) ou a executar apenas aqueles
bens que nela estão identificados. Consagra-se nesta norma a regra
de que a limitação da responsabilidade tem de ser pactuada com
mútuo consenso entre as partes, embora existam exceções legais
(…)” [27].
Por outro lado, não resultou provado, como pretendia a apelante,
que a requerida se dedicava ao investimento imobiliário e que
tenha sido esse o escopo que determinou o requerido a fazer a
entrada em espécie do capital.
Em conclusão, improcede a apelação, devendo manter-se a sentença
recorrida.
As custas da apelação são a cargo da apelante em face do
decaimento (art. 527º, nºs 1 e 2 do CPC).
DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se:
a) em rejeitar a junção dos documentos apresentados com as
alegações de recurso, ordenando o seu desentranhamento e
restituição à apelante, condenando-se a mesma nas custas do
incidente a que deu causa, pelo mínimo;    
b) em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença
recorrida.
Custas pela Recorrente.
*
Lisboa, 2020.04.21                             
Cristina Coelho
Luís Filipe Pires de Sousa
Carla Câmara
_______________________________________________________
[1] Alegando que “O presente procedimento cautelar de arresto visa garantir o efeito útil
da sentença a proferir na futura ação que a aqui Requerente pretende instaurar contra os
Requeridos, com vista à desconsideração da personalidade jurídica coletiva da Requerida
Atram, por forma a que o seu património responda pela dívida que o Requerido José
Berardo tem para com a Requerente e assim obstar ao perigo de dissipação desse
património na pendência da mesma”.
[2] Existe manifesto lapso de escrita, reportando-se a apelante ao ponto 72. da
fundamentação de facto, como resulta das alegações.
[3] Existe manifesto lapso de escrita, reportando-se a apelante ao ponto 85. da
fundamentação de facto, como resulta das alegações e da própria conclusão.
[4] Pretende escrever-se “1º requerido”.
[5] Que integra a sociedade Oliveira & Reis que faz a auditoria da requerida.
[6] Idêntica informação constando do Relatório e Contas de 2017.
[7] Deu-se como provado naquela sentença: “… 84. O Requerido José Berardo exerce,
desde a data da sua constituição, o cargo de Presidente do Conselho de Administração da
Requerida Atram, dispondo, nos termos estatutários, de plenos poderes para, por si só,
vincular a sociedade Sendo assim bem evidente que o Requerido José Berardo detém o
total controlo sobre a Requerida Atram, a qual foi por si constituída, com uma
participação de 99,99%, conjuntamente com mais quatro outros acionistas, que
subscreveram cada um deles uma única ação, do valor nominal de um euro cada uma”.
[8] Bem como Presidente da Mesa da Assembleia Geral.
[9] E simultaneamente Presidente da Mesa da AG.
[10] A ilicitude da conduta (o requerido faz uso da requerida para ocultar património,
sendo certo que a domina), a sua censurabilidade (com a transferência da propriedade da
casa onde habita para a requerida sabia que estava a gorar as expectativas dos seus
credores a serem pagos pelo seu património), o prejuízo de terceiro (os bens do requerido e
em nome pessoal não são suficientes para ressarcir o crédito da requerente, sendo os seus
atos atentatórios dos princípios da boa fé e da materialidade subjacente), e a
subsidiariedade do instituto (não existe outro instituto que possibilite à requerente que o
património registado em nome da requerida responda pelas dívidas do requerido).
[11] Porquanto “A alegada transmissão de ações da 1ª requerida para o cônjuge do 2º
requerido também não resultou provado sendo que mesma a provar-se resultaria inócua
porquanto nenhuma prova foi produzida no sentido de afastar a prova de que o controle da
1ª requerida é exercido pelo 2º. Aliás, a alegada transmissão de ações que os requeridos
pretendem provar com o documento de fls. 692 v. apenas reforça a convicção do tribunal
no sentido de dar como provado tal controle. Na verdade, tal documento trata-se de uma
comunicação subscrita pelo 2º requerido, sem qualquer formalidade, dirigida ao Presidente
do Conselho de Administração da 1ª requerida cargo que é exercido por si próprio”.
[12] A posição jurídica dos sócios perante a sociedade não envolve um direito sobre esses
bens.
[13] Embora a justificação da sua atuação, em grande parte dos casos, emerja da exigência
do princípio da boa fé aflorada pelo art. 762º, nº 2 do CC, concatenado com o art. 334º do
mesmo diploma legal.
[14] Conforme entende a maioria da doutrina e da jurisprudência.
[15] Atente-se que já na sentença que decretou o arresto tinha sido dado como provado que
“81. No âmbito do processo de execução nº 5221/16.1T8FNC, em que é Exequente a
Requerente e Executado, o Requerido José Berardo, notificada pela Senhora Agente de
Execução para a penhora de valores mobiliários, a Requerida Atram respondeu, no dia 29
de Outubro de 2018, nos seguintes termos: “De acordo com os registos desta sociedade, não
existem quaisquer ações registadas em nome de José Manuel Rodrigues Berardo
representativas do capital social desta sociedade”. - cfr. notificação da Senhora Agente de
Execução e resposta da Requerida Atram a fls. 515 e ss.”.
[16] Cfr. António Menezes Cordeiro, em Levantamento da Personalidade Coletiva no
Direito Civil e Comercial, pág. 107.
[17] Subescrevendo uma participação esmagadora por contraste com a subscrição simbólica
dos outros sócios.
[18] É certo que os acionistas Gonçalo Proença e André Gomes (que subscreveram uma
ação cada um no valor correspondente a 1€ cada) ficaram designados na escritura de
constituição da sociedade como vogais do Conselho de Administração (mantendo-se nesses
cargos desde então; o André Gomes apenas até 2014, data em que renunciou a tais funções,
mas vindo a ser reeleito em 2019), prevendo os estatutos que a requerida se vincula,
também, pela assinatura de 2 administradores. Contudo, e como resulta da factualidade
provada, as pessoas em questão são pessoas da confiança do requerido, sendo um, o seu
advogado pessoal, e, o outro, sócio deste.
[19] Nomeadamente a não verificação do pressuposto da conduta ilícita do agente.
[20] Está em causa não exatamente um abuso do direito (de constituir sociedades
comerciais ou de exercer atividades por meio delas, ou de invocar a separação patrimonial)
mas um abuso do instituto (da personalidade jurídica das sociedades comerciais).
[21] A circunstância do requerido ter doado as ações à esposa e de os restantes membros do
Conselho de Administração/acionistas serem o advogado e um sócio deste acionam o indício
affectio – ver Luís Filipe Pires de Sousa (ora 2º adjunto), em Prova por Presunção no
Direito Civil, 3ª Ed, pág. 236. Ou seja, o requerido tem influência e/ou ascendente
psicológico sobre as referidas pessoas e elegeu-as como parceiros formais nesses negócios
para, desse modo, continuar a controlar -  material e pessoalmente -  todos os assuntos
atinentes à sociedade. Com interesse neste âmbito, veja-se o disposto no art. 49º, al. a), do
CIRE, para que chama a atenção o referido autor, no loc. cit.
[22] No bem imóvel de maior valor.
[23] Entre outros, cfr. os Acs. da RL de 17.6.2008, P. 4046/2008-1 (João Aveiro Pereira), e
da RP de 24.1.2018, P. 29987/15.7T8PRT-A.P1 (Carlos Querido), ambos em www.dgsi.pt.
[24] A consideração dos fatores subjetivos pode interessar, quer para determinar se houve
ofensa da boa fé ou dos bons costumes, quer para decidir se se exorbitou do fim social ou
económico do direito - Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 2ª ed., págs.
423/424.
[25] Na ob. citada, Meneses Cordeiro explica que “A situação de confiança pode, em regra,
ser expressa pela ideia de boa fé subjetiva: a posição da pessoa que não adira à aparência
ou que o faça com desrespeito de deveres de cuidado merece menos proteção. A justificação
da confiança requer que esta se tenha alicerçado em elementos razoáveis, suscetíveis de
provocar adesão de uma pessoa normal. O investimento da confiança exige que a pessoa a
proteger tenha, de modo efetivo, desenvolvido toda uma atuação baseada na própria
confiança, atuação essa que não possa ser desfeita sem prejuízos inadmissíveis; isto é: uma
confiança puramente interior, que não desse lugar a comportamentos, não requer proteção.
A imputação da confiança implica a existência de um autor a quem se deva a entrega
confiante do tutelado. Ao proteger-se a confiança de uma pessoa vai-se, em regra, onerar
outra; isso implica que esta outra seja, de algum modo, a responsável pela situação criada”.
[26] Apenas assumindo o risco de ser ressarcida como credora comum.
[27] O que determinaria, desde logo, a que tal convecção fosse escrita, mesmo que posterior
aos contratos, e a não admitir prova testemunhal (art. 394º do CC), como pretendeu a
apelante.

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