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AS TÉCNICAS ARGUMENTATIVAS E A CONSTRUÇÃO

DE SENTIDOS EM REDAÇÕES DO ENEM

Marcilene Gaspar Barros (UFC)


Doutoranda em Linguística pelo Programa de Pós-Graduação
em Linguística da Universidade Federal do Ceará (UFC)
marcilenegbarros@yahoo.com.br.

Micheline Guelry Silva Albuquerque (UFC)


Mestranda em Linguística pelo Programa de Pós-Graduação
em Linguística da Universidade Federal do Ceará (UFC)
michelineguelry@yahoo.com.br.

Resumo: Neste estudo, investigamos os efeitos de sentido das técnicas argumentativas


utilizadas pelos candidatos em redações do Enem 2013. Para isso, analisamos 18
redações que receberam pontuação máxima, disponibilizadas em sites públicos. A
análise e a discussão dos resultados foram realizadas à luz dos pressupostos teóricos
de Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005). Os resultados apontam para a confirmação de
nossa hipótese inicial de que os candidatos fazem uso, em seus textos, das técnicas
argumentativas para dar sustentação às teses defendidas e tentar influenciar o
auditório, utilizando, predominantemente, os argumentos baseados na estrutura do
real e as ligações que fundamentam a estrutura do real. Concluímos, portanto, que o
uso das técnicas se configura como essencial na construção de sentidos dos textos,
uma vez que, embora não tenha domínio da teoria que fundamenta as técnicas, o
candidato as utiliza com o propósito de convencer o auditório a aceitar as teses
propostas.

Palavras-chave: texto dissertativo-argumentativo; técnicas argumentativas; efeitos de


sentido; Enem.

Abstract: In this study, we investigated the effects of sense of argumentative


techniques used by candidates in Enem texts. For this, we analyzed 18 texts that
received the maximum score, 2013 edition, available in the public domain. The analysis
and discussion of the results were based in the studies of Perelman e Olbrechts-Tyteca
(2005). The results point to confirm our initial hypothesis that candidates make use, in
their texts, of the argumentatives techniques to give support to the theses and try to
influence the audience, using predominantly the arguments based on the structure of
the real and the arguments that create the structure of the real. We therefore conclude
that the use of the techniques is configured as essential in the construction of
meanings of texts, since the candidate uses them in order to convince the audience to
accept the thesis proposals.
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Keywords: Dissertative-argumentative text. Argumentatives techniques. Meaning
effects. Enem.

Considerações iniciais

O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), cuja finalidade é avaliar o

desempenho escolar ao final da educação básica, é constituído de quatro

provas objetivas e de uma prova de redação, com vistas à avaliação das

diferentes áreas de conhecimento. O Ministério da Educação (MEC) e o Instituto

Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) fornecem

ampla orientação sobre o exame, disponibilizando, inclusive, no caso da

redação, o Guia do Participante, que explica, de forma detalhada, a matriz de

correção referente a cada uma das cinco competências consideradas no Enem1.

No Guia são explicitadas as condições de produção e o plano global do texto a

ser produzido, além de análises de textos da edição anterior, com

recomendações aos candidatos, observações acerca dos textos motivadores e o

que se espera do desenvolvimento do tema proposto. Assim, cabe a cada

candidato produzir um texto em prosa, do tipo dissertativo-argumentativo,

sobre um tema de ordem social, científica, cultural ou política. Para isso, é

necessário defender uma tese coerente e coesa, ou seja, uma opinião sobre o

tema proposto, baseando-se em argumentos estruturados de modo a formar

uma unidade textual.

1
Sobre as competências, ver A Redação no ENEM 2013, Guia do Participante.
546
Considerando tanto as orientações contidas nos materiais do Enem como a

própria natureza da temática da redação, levantamos a hipótese de que os

candidatos usam as técnicas argumentativas para ancorar as teses defendidas,

mesmo sem um conhecimento profundo da teoria que embasa as discussões,

motivados pelo fato de que o tema, que sempre aborda questões de ordem

social, científica, cultural ou política, contribui para que as teses e argumentos

defendidos estejam relacionados às experiências dos sujeitos.

Diante disso, e considerando as amplas discussões de Perelman e Olbrechts-

Tyteca acerca da argumentação, levantamos a seguinte questão: quais os

efeitos de sentido das técnicas argumentativas presentes nas redações do

Enem? A partir da referida questão, buscamos, neste artigo, investigar os efeitos

de sentido das técnicas argumentativas utilizadas pelos candidatos em redações

produzidas para o Enem, já que as orientações quanto à estrutura da redação

ressaltam a defesa de uma tese pelo candidato, apoiada em argumentos

consistentes, a partir dos textos motivadores presentes no comando da prova,

que, por si, já trazem ideologias que direcionam a argumentação.

O corpus é constituído de 18 redações da edição de 2013 do Enem,

disponibilizadas pelos próprios candidatos em sites públicos, com o tema ‚Os

efeitos da implantação da Lei Seca no Brasil‛. A análise será feita a partir dos

pressupostos teóricos de Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005).Os trechos

retirados dos textos para a análise foram codificados de 1 a 18, seguidos das

iniciais dos nomes dos autores.

Quanto à organização deste artigo, primeiro trataremos dos pressupostos

teóricos acerca das técnicas argumentativas (PERELMAN e OLBRECHTS-TYTECA,


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2005), em seguida apresentaremos a análise dos dados e discussão dos

resultados e, por último, nossas considerações finais.

1.Técnicas argumentativas

Aristóteles propôs dois modos básicos de raciocinar: demonstração analítica e

argumentação dialética. No primeiro caso, trata-se da demonstração fundada

em proposições evidentes, que pode ser exemplificada com o silogismo

analítico. Aqui temos conclusões verdadeiras pautadas na lógica formal.

Podemos chamá-las de evidentes por se referirem a proposições que por si

mesmas garantem a própria certeza. Já no caso da argumentação dialética,

expressam-se opiniões por meio de argumentos sobre enunciados prováveis,

com conclusões apenas verossímeis, representando forma diversa de raciocinar.

Nesse caso, prováveis no sentido de que enunciam opiniões que podem ser

aceitas por todos, pela maioria ou pelos sábios.

Com a evolução do pensamento filosófico, preponderou o racionalismo de tal

forma que o raciocínio dialético foi relegado ao plano dos sofismas, conferindo-

lhe o título de técnicas de persuasão sem ética, discurso vazio de oradores

hábeis em convencer auditórios. A própria expressão dialética não conservou

seu sentido original, de forma que durante, aproximadamente, três séculos,

perdeu-se a noção aristotélica, com predomínio do racionalismo. Perelman e

Olbrechts-Tyteca (2005) retomam a Retórica de Aristóteles e estabelecem uma

ruptura com a concepção da razão e do raciocínio de Descartes até então

reinantes. Na obra Tratado da argumentação: a nova retórica, publicada em

1958, os autores rompem com a visão da lógica formal e estabelecem como

campo da argumentação o do verossímil, do plausível, do provável.

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Nessa nova visão, ressaltam-se alguns conceitos que lhe são imprescindíveis, a

saber: acordo inicial – configura-se como uma predisposição do auditório a

aceitar o discurso do orador, havendo, portanto, a adesão às idéias

apresentadas pelo orador; auditório – diz respeito ao conjunto daqueles que o

orador deseja influenciar com seus argumentos, cabendo, assim, ao orador

estabelecer um diálogo com o auditório; premissas – teses sobre as quais há um

acordo entre as partes envolvidas na argumentação, sendo importante o orador

conhecer opiniões, crenças do auditório.

No Tratado, Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005) apresentam as técnicas

organizadas em três grupos de argumentos. Os autores esclarecem como se

articulam tais argumentos, bem como discutem a eficácia desses para persuadir

o auditório. São eles: argumentos quase-lógicos, argumentos baseados na

estrutura do real e argumentos que fundamentam a estrutura do real.

Enquanto os quase-lógicos são construídos de forma semelhante aos princípios

lógicos, como numa versão mais fraca desses, os argumentos baseados na

estrutura do real constroem-se a partir, não do que o real é, mas do que o

auditório acredita que ele seja, isto é, aquilo que ele toma por fatos, verdades

ou presunções. Já os argumentos que fundamentam a estrutura do real, são do

tipo que operam por indução, estabelecendo generalizações e regularidades,

propondo modelos, exemplos, ilustrações, a partir de casos particulares.

(PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 2005).

Na seção seguinte, discutimos quatro tipos de argumentos, nos quais as

análises deste trabalho estão centradas, que são: autoridade e pragmático, para

os baseados na estrutura do real, e exemplo e ilustração, para os que

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fundamentam a estrutura do real. Para maior aprofundamento de todas as

técnicas argumentativas, recomendamos a leitura do livro Tratado da

argumentação: a nova retórica, de Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005).

2.Análise dos dados e discussão dos resultados

Apresentamos as análises dos argumentos utilizados pelos candidatos em

redações do Enem 2013, a partir dos pressupostos de Perelman e Olbrechts-

Tyteca (2005) referentes às técnicas argumentativas.

Embora tenha sido observado o uso de diferentes técnicas argumentativas

pelos candidatos, esclarecemos que, em virtude das redações analisadas

apresentarem um número significativo de argumentos baseados na estrutura do

real e os que fundamentam a estrutura do real, optamos por discutir, neste

estudo, alguns desses tipos de argumentos, especialmente os pragmáticos (de

sucessão) e os de autoridade (coexistência), para os baseados na estrutura do

real; bem como os de exemplo e de ilustração, para os que fundamentam a

estrutura do real.

Assim como fazem Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005), queremos salientar dois

aspectos relevantes: primeiro, sobre os recortes apresentados na análise;

segundo, sobre as possibilidades de interpretação de um mesmo argumento.

Sobre os trechos utilizados para mostrar o tipo de argumento, ressalte-se que

estes são parte integrante de um discurso maior que, por sua vez, constitui toda

a argumentação defendida na redação analisada, de forma que ‚*...+ o sentido e

o alcance de um argumento isolado não podem, senão raramente, ser

compreendidos sem ambiguidade; a análise de um elo da argumentação, fora

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do contexto e independentemente da situação em que ele se insere, apresenta

inegáveis perigos‛. (PERELMAN e OLBRECHTS-TYTECA, 2005, p. 211). Quanto à

interpretação, os autores salientam que ‚*...+ um mesmo argumento pode ser

compreendido e analisado diferentemente por diferentes ouvintes e que as

estruturas lógicas podem ser consideradas matemáticas e inversamente‛.

(PERELMAN e OLBRECHTS-TYTECA, 2005, p. 221).

A seguir, apresentamos análises que revelam, no corpus analisado, o uso dos

argumentos baseados na estrutura do real e os que fundamentam a estrutura

do real, indicados anteriormente.

2.1.Argumentos baseados na estrutura do real

2.1.1.Argumento pragmático

A defesa da tese acerca dos efeitos positivos da implantação da Lei Seca no

Brasil leva os sujeitos a apresentarem raciocínios junto ao seu auditório (nesse

caso, o corretor da redação), que exploram, valorizam as consequências do ato,

com vistas à adesão do corretor e, consequentemente, ao fortalecimento da

tese principal, conforme se verifica nos trechos (1), (2) e (3), retirados do texto 1.

(1) O automóvel é uma das grandes invenções do homem. Ao longo dos


anos, a espécie humana foi se organizando em sociedades e
desenvolvendo meios para facilitar seu deslocamento. Dessa forma, o
sistema rodoviário foi implantado e sendo, progressivamente,
aprimorado no território brasileiro. A intensificação desse processo
gerou maior mobilidade à população, mas também possibilitou a
ocorrência de eventuais ações maléficas por parte dos cidadãos, como
o ato de dirigir após consumir bebida alcoólica. (01 ADBF)
(2) [...] dirigir embriagado é um comportamento brutal, uma vez que a
bebida alcoólica afeta negativamente o controle do homem sobre si.
(01 ADBF)

551
(3) A criação da Lei Seca foi de grande importância para organizar esse
quadro, e vem apontando estatísticas gradualmente satisfatórias na
redução de vítimas de acidentes de trânsito. (01 ADBF)

Os trechos citados configuram-se como argumentos pragmáticos, uma vez que

há a transferência do valor de uma consequência para sua causa, tais como: (1)

ações maléficas, como dirigir alcoolizado – implantação/aprimoramento do

sistema rodoviário; (2) perda de controle na direção – dirigir embriagado; (3)

redução de vítimas de acidentes de trânsito – criação da Lei Seca.

Nesse sentido, podemos afirmar que ao utilizar argumentos pragmáticos para

justificar a tese, o orador propõe-se a enfatizar que, ao dirigir embriagado, o

motorista poderá provocar inúmeros problemas que atingirão a sociedade de

modo geral. O argumento em questão ancora a defesa da tese, demonstrando

questões de ordem prática, uma vez que fazem parte do conhecimento do

auditório, em virtude dos acidentes não serem novidades para o interlocutor.

Entendemos, portanto, que a lei em foco, poderá promover a diminuição desses

problemas, uma vez que o orador demonstra acreditar na eficácia de uma maior

cobrança e vigilância, já que apresenta a diminuição de acidentes como um fato

a ser constado depois da lei entrar em vigor.

2.1.2.Argumento de autoridade

O argumento de autoridade utiliza-se do prestígio como meio de prova para

uma determinada tese. Esse prestígio é adquirido através de atos ou juízos de

uma pessoa ou grupo de pessoas, como autoridades reconhecidas pelo

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auditório. Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005) chamam a atenção para o fato de

esse argumento ter sido bastante criticado nos meios hostis à pesquisa

científica, uma vez que, ao ser utilizado de maneira abusiva, adquiriu status

coercitivo, como se as autoridades não pudessem ser contestadas.

Os trechos (4), (5) e (6) mostram que os candidatos fizeram uso desse

argumento, o que, teoricamente, fortalece a tese de cada um, já que são

autoridades reconhecidas que falam.

(4) Segundo Thomas Hobbes, é necessário estabelecer um contrato social


Tese: A Lei em que o governo garanta a segurança do povo e iniba um convívio
Seca é caótico. *...+ a ‚Lei Seca‛ surgiu como um mecanismo que corrige
benéfica, mas diversos hábitos incoerentes por parte de motoristas [...]. (03 BPD)
precisa de
intensificação
(5) Thomas Hobbes, filósofo inglês, dizia que o estado de natureza
na sua humano é um risco à sobrevivência da própria espécie, e que
aplicação. instituições que regulamentem o comportamento e as ações do
homem são essenciais para evitar o caos e a extinção da humanidade.
Tese: A
A Lei Seca é uma dessas instituições. (05 TGL)
importância da
implantação da (6) Com a crise de 1929 nos Estados Unidos, Roosevelt implementou a Lei
Lei Seca. Seca para minimizar os problemas e acidentes no trabalho. Agora, o
Governo Federal implementou a Lei Seca com o intuito de reduzir o
número de vítimas em acidentes de trânsito envolvendo motoristas
embriagados. (16 ACA)

A evocação ao filósofo, matemático, teórico político Thomas Hobbes, que viveu

nos séculos XVI e XVII, autor de obras de referências no mundo inteiro, com

pontos de vista bastante consolidados a respeito da natureza humana, de

governos e sociedades, entre outros, só fortalece a tese principal do candidato.

A mesma estratégia ocorre com a citação do presidente dos Estados Unidos,

Roosevelt, que comandou o país por quatro mandatos e é considerado por

muitos historiadores, juntamente com Abraham Lincoln e George Washington,

553
como um dos três maiores presidentes dos Estados Unidos. Certamente, esses

argumentos ajudam o candidato a fortalecer sua argumentação e,

consequentemente, a persuadir o auditório fazendo com que este adira à tese

defendida. Embora Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005) tenham feito referência

às críticas e/ou aspectos que podem ser contestados nos argumentos

apresentados, sobretudo porque isso é passível de acontecer quando não

estamos diante de evidências, no caso em particular das redações do Enem,

esse argumento torna-se relevante, considerando-se o propósito do texto. O

orador se apropria de grandes nomes, que se consolidaram como figuras

importantes, vultos que realizaram grandes feitos na sociedade e que, portanto,

não podem ser contestados.

Podemos inferir, portanto, que o orador demonstra ter conhecimento e embasa

seu posicionamento de aceitação da lei fundamentando-se em homens

importantes da história. Ressalte-se que essa estratégia vai ao encontro do que

sugere o Guia do participante do Enem 2013, ao indicar que o candidato deve

se utilizar, para desenvolver os argumentos, de modo a convencer o leitor, de

estratégias argumentativas, como: citações ou depoimentos de pessoas

especializadas no assunto; alusões históricas; e comparações entre fatos,

situações, épocas ou lugares distintos, dentre outras.

2.2. Argumentos que fundamentam a estrutura do real

2.2.1. Argumento pelo Exemplo

Observa-se, no trecho abaixo, extraído de um dos textos do Enem 2013, o uso

de dois exemplos. O primeiro, que também traz uma relação de causa,

fundamenta a regra de que o sistema de locomoção brasileiro é precário,

554
considerando-se o caso dos horários dos transportes públicos e do abuso

praticado pelos taxistas. Verifica-se que, embora não haja o uso de conectivos

demarcadores de exemplificações, tão largamente defendidos por Wachowicz

(2010), a estratégia é utilizada e facilmente reconhecida em (7).

(7) O precário sistema de locomoção brasileiro auxilia diretamente na


escolha do automóvel individual ao sair de casa, principalmente à
Argumento do noite. Os ônibus não possuem horário marcado para passar, o metrô
1º exemplo
fecha relativamente cedo e os taxistas, sem fiscalização, cobram
preços exorbitantes em taxímetros adulterados. Ademais, esse pouco
Argumento do investimento do Estado vem juntamente ao apoio do mesmo ao
2º exemplo mercado automobilístico, influenciando no aumento das vendas de
carros, ao autorizar taxas de juros baixas, como o IPI zero. Assim, o
cidadão escolhe ter a certeza da volta para casa e dirige seu veículo,
mesmo que esteja alcoolizado e que isso possa causar acidentes
posteriormente. ( 04 CBE)

Já o segundo exemplo, que fundamenta a regra de que o Estado apoia o

mercado automobilístico mediante ações como a determinação do ‚IPI zero‛, é

introduzido pelo conectivo que funciona como sinalizador linguístico

demarcador da estratégia argumentativa do exemplo: como, mas que também

pode aparecer introduzido por várias outras formas linguísticas: por exemplo,

como é o caso etc. Contudo, vale salientar que não necessariamente os

argumentos pelo exemplo, assim como com os demais tipos, são introduzidos

com o uso de tais formas sinalizadoras, uma vez que a identificação da técnica

argumentativa pode também se dar pelo contexto.

A análise dos textos do Enem 2013 levou-nos a perceber que, de modo geral, os

argumentos pelo exemplo são apresentados de forma a produzir efeitos de

sentido generalizantes, que mostram situações ou comportamentos particulares

que apontam para: consequências da implantação da Lei Seca e de fatores que

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proporcionam falhas na sua execução; medidas tomadas para que não se

desrespeite a Lei ou, até mesmo, aquelas que tentam burlá-la, conforme os

trechos apresentados nas sequências (8) e (9).

1º EXEMPLO (8) É importante ressaltar, contudo, que existem ainda consequências


Consequência
da Lei Seca
indiretas como o menor uso do carro. Isso se deve ao fato das pessoas
optarem por não dirigirem até o local onde potencialmente beberão,
se utilizando, ao invés disso, de meios de transporte alternativos.
2º EXEMPLO
Nesse sentido, até mesmo quando a opção é pelo automóvel, o grupo
Medida em
respeito à Lei de amigos, muitas vezes, se junta para ir em um mesmo veículo,
elegendo um motorista específico para aquela ocasião. Desse modo, é
perceptível como essa medida pode ter efeitos, apesar de não muito
discutidos, extremamente benéficos. (06 TFM)

(9) Com o avanço na tecnologia surgiram aplicativos de mensagens


3º EXEMPLO
on-line em que motoristas avisam sobre a ocorrência de fiscalização
Medida para
burlar a Lei em determinadas rodovias e avenidas, sendo assim uma prática de
burlação da lei Seca. (11 MSL)

2.2.2.Argumento pela Ilustração

Segundo Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005), a diferença entre a ilustração e o

exemplo consiste no apoio ao estatuto da regra servido por uma e por outro.

Enquanto a estratégia do exemplo é utilizada para fundamentar a regra, a

estratégia da ilustração tem por função reforçar a adesão à regra já conhecida e

aceita, mediante apresentação de casos particulares que esclareçam o

enunciado geral e que mostrem o interesse deste através da variedade das

aplicações possíveis. Dessa forma, a ilustração, apesar de não ser incontestável

como o exemplo, por não depender dela a adesão à regra, mas sim de servir

para reforçá-la, deve impressionar vivamente a imaginação para impor-lhe à

atenção.

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No caso do trecho a seguir, verifica-se exatamente o detalhamento próprio da

ilustração, ao relatar, imbuído de uma repercussão afetiva, como são

ocasionadas as más decisões/atitudes de se dirigir um automóvel sob o efeito

do álcool. Tal ilustração está acompanhada de um juízo de valor referente à

imprudência cometida por aqueles que decidem beber e dirigir, manifesto por

sequências avaliativas. O efeito de sentido buscado com essa estratégia consiste

em ilustrar a forma como os motoristas se veem envolvidos em situações que

favorecem à tomada de decisão por dirigir alcoolizado, reforçando ainda mais,

através de comentários avaliativos, a adesão à regra de que muitos acidentes de

trânsito são causados por decisões imprudentes.

(10) Fim de semana se aproximando, encontros em bares com amigos


ILUSTRAÇÃO
são certos! Todos em pleno clima de descontração acabam
exagerando no consumo do álcool. Após a diversão, muitos – sem o
TRECHOS menor pudor – vão embora dirigindo. Algo já proibido por lei. Seria
AVALIATIVOS
então realmente válido e prudente tomar essa decisão?(08 DNG)

Neste outro trecho abaixo, há a ocorrência da ilustração como meio de

argumentar em favor de estratégias adotadas para obedecer à Lei Seca,

evitando, assim, que motoristas alcoolizados dirijam. Com a ilustração, o redator

buscou salientar que, para o efetivo cumprimento da Lei, faz-se necessária a

criação de alternativas de mobilidade para aquele motorista que decide sair

para ingerir bebidas alcoólicas. Dessa forma, observa-se que a argumentação se

dá através do relato de um caso específico e particular, em reforço à regra de

que o sucesso da Lei Seca está associado a algumas medidas práticas.

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(11) Diante disso, a maneira de pensar e de agir em relação a essa
famigerada dupla – bebida e direção – é modificada a partir da
conscientização. Na noite das principais cidades do país, é cada vez
mais comum a presença de cooperativas de taxistas unidas aos bares
ILUSTRAÇÃO - e às casas noturnas para melhor atender os frequentadores. Por sua
Porto Alegre e os
vez, a cidade de Porto Alegre já dispõe de uma linha de ônibus
ônibus
exclusiva durante a madrugada para facilitar o deslocamento dos
moradores que saem para a balada. Assim, comprova-se a
importância da Lei Seca estar associada a alternativas para a
mobilidade. (14 MJFS)

3.Considerações finais

Compreendemos que este trabalho configura-se como relevante por promover

um debate acerca do uso das técnicas argumentativas em redações do Enem,

bem como os efeitos de sentidos que elas imprimem aos discursos dos

estudantes nas defesas das teses. Podemos perceber que, embora os

candidatos não dominem a teoria, os textos revelam que os oradores se

posicionam com clareza e buscam ancorar as teses com argumentos que

possam provocar convencimento no auditório.

Destacamos que a presença de argumentos mais relacionados às práticas

sociais revela o nível de comprometimento do orador e da necessidade que se

apresenta em levar o auditório a aceitar as teses defendidas.

Salientamos, ainda, que outros trabalhos serão necessários nesta ampla tarefa

de compreender a construção do texto dissertativo-argumentativo nas redações

do Enem, assim como os efeitos de sentidos que as técnicas imprimem aos

textos. Acreditamos que é uma temática necessária e que poderá contribuir

para uma maior compreensão das questões que envolvem o ensino de texto,

principalmente, no ensino médio.

558
Assim, concluímos, sem encerrar as discussões, que os candidatos utilizam em

seus textos diferentes técnicas argumentativas que ancoram suas teses,

buscando dar credibilidade aos posicionamentos, utilizando, para isso,

elementos da vida cotidiana do auditório.

Referências bibliográficas

BRASIL. A redação no Enem 2013– Guia do Participante. Brasília: INEP, 2013.

PERELMAN, C.; OLBRECHTS-TYTECA, L. Tratado da argumentação: a nova retórica.


Tradução de Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão. 2ª edição. São Paulo: Martins
Fontes, 2005.

WACHOWICZ, T. C. Análise lingüística nos gêneros textuais. Curitiba: Ibpex, 2010.

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