Você está na página 1de 4

Para fazer análise de conjuntura

A análise de conjuntura é como a análise do clima. O agricultor conhece a estação


mais propícia à preparação da terra, ao plantio e à colheita, mas está sempre perscrutando o
céu em busca de sinais do que vem pela frente, para definir o que deverá fazer na semana ou
no dia seguinte. Aliás, qualquer pessoa sabe que há dias quentes no inverno e dias frios no
verão. Acertar a previsão do tempo, mesmo para meteorologistas profissionais, com ajuda de
satélites e banco de dados, é sempre um desafio. Mas quem faz a previsão realiza seus planos
muito melhor do que quem não sabe prever.
Assim também é a análise de conjuntura para quem atua no campo social e político,
aqui entendido no sentido mais amplo, de movimentos sociais, conselhos, sindicatos,
associações, partidos e organismos de governo. Se queremos ter uma estratégia eficaz para a
atuação política, precisamos saber qual é o terreno e o tempo mais ou menos propício, e isso
não é fácil. Tentaremos aqui apresentar os pontos mais importantes para se fazer uma boa
análise de conjuntura.
Estrutura e Conjuntura. Quando falamos de estrutura, nos referimos a um conjunto
de relações de certa permanência. Por exemplo, terminadas as eleições e composto o governo,
temos uma estrutura que, em princípio durará 4 anos. Quem conhece as forças políticas que
compõem o governo e a oposição, pode prever qual será sua linha dominante. Mas todos
sabemos que essa estrutura é afetada por inúmeros fatores que mudam quase a cada dia, e que
podem ir-se acumulando até provocarem mudanças estruturais. São essas pequenas mudanças
que a análise de conjuntura procura captar e interpretar. Por isso, ela precisa tomar como base
a análise estrutural.
Análise estrutural. Aqui reside a primeira grande dificuldade: definir quais são as
forças a serem consideradas. Marx foi o primeiro a propor uma teoria estrutural da moderna
sociedade capitalista, que ele via como uma sociedade de classes em conflito por interesses
em última instância econômicos. Gramsci desenvolveu essa teoria, mostrando que os conflitos
de classes são econômicos sim, mas sem desconhecer a autonomia dos interesses
propriamente políticos (a dominação exercida pelo Estado) e sociais (a condução intelectual e
moral do conjunto social). Outras linhas de pensamento substituem os interesses de classes
por interesses institucionais, nacionais, de grupos e assim fundamentam outros modelos de
análise de conjuntura.
Opção de fundo. Não há análise de conjuntura neutra ou imparcial diante da realidade
política, se é que existe imparcialidade nesse campo. Ao escolher uma perspectiva teórica (as
classes sociais, ou as instituições, por exemplo) está se tomando uma opção política de fundo,
porque é o ponto de onde eu olho que me permite ver certos fatos e não outros. Se quero ver a
conflitividade do real, a análise de classes me convém; se quero ver como funciona o sistema,
uso a análise institucional. Esta é uma das razões para a existência de diferentes análises de
conjuntura: cada qual vê a realidade sob um ângulo. E não adianta sonhar com uma análise
global, que incorporasse a contribuição de todas as outras, porque a complexidade da
realidade histórico-social vai muito além das nossas teorias.
Ultrapassar o nível das informações. A análise de conjuntura trabalha, é claro, com
informações atualizadas e confiáveis. Mas uma análise não é uma descrição fenomênica do
real, e sim sua interpretação: o que significam esses dados em relação ao quadro teórico de
referência. Com freqüência, confunde-se análise de conjuntura com coleta de informações
sobre determinado tema, o que pouco adianta para a eficácia da ação política.
2

Referência a um projeto. A análise de conjuntura só faz sentido quando ajuda a


traçar uma estratégia de ação, ou seja, um conjunto hierarquizado de medidas a serem
tomadas para a realização de um projeto. A referência última para a análise será portanto o
projeto político. Se meu projeto é conservador, uma análise feita em função de um projeto
social transformador pouco ou nada me ajudará. Mas se queremos ser eficazes em nossa
estratégia de construção de um Brasil cidadão, democrático e justo, precisamos fazer boas
análises de conjuntura.

PRESSUPOSTOS DA ANÁLISE DE CONJUNTURA

Podemos fazer muita coisa, porque nada está predeterminado. Mas não podemos fazer
qualquer coisa, porque tudo está condicionado. Por isso, é preciso conhecer a realidade e seus
condicionamentos para ter uma atuação realista.
A realidade se transforma a cada dia, em função de seus dinamismos, contradições,
atuações e lutas. Ela é transformada pela ação voluntária de pessoas, por meio de iniciativas
individuais e coletivas. O resultado final dessas iniciativas depende das forças de cada um:
elas podem somar-se ou anular-se. É o que chamamos correlação de forças.
A análise de conjuntura é um bom instrumento de conscientização. Ajuda a adquirir
um sentido crítico da realidade, a fazer opções, a tomar posição. Ela é um ato político.

METODOLOGIA DE ANÁLISE DE CONJUNTURA

Análise de conjuntura não é neutra. Se faz desde uma posição, a partir duma opção de
princípios e valores, em função de certos objetivos. Ela depende do que se quer compreender
em função dos objetivos e interesses de um grupo (ou uma pessoa).
Sua qualidade vem da prática habitual e regular. Por isso, o grupo não pode variar
muito. Grupo não precisa concordar em tudo, mas é indispensável partilhar um consenso
político básico: mesma visão e mesmos objetivos de ação.
Para o conhecimento da realidade, ela utiliza múltiplas fontes de informação: jornais,
revistas, relatórios, cartas, experiência própria, ouvir opiniões diferentes, conversa com
informantes qualificados. Mas não se reduz a reunir informações. As informações são matéria
bruta, sobre a qual a Análise de Conjuntura deve trabalhar para dar transparência ao real
(como as gemas e cristais: antes de serem burilados são opacos).
Considerar sempre:
1) Análise feita em grupo é muito melhor do que a feita individualmente, porque o
confronto de opiniões evita que se tome uma falsa pista de interpretação.
2) Para quem é feita a análise: ela só terá efeitos se o destinatário entender sua
linguagem e considerá-la plausível (corresponder à sua experiência prática).
3) A análise deve ter limites temporais: evolução de um mês, de um ano, entre 2
reuniões...
4) A análise pode ter pretensão globalizante, ou centrar-se sobre uma só dimensão da
realidade (econômica, política, social, religiosa, sindical, saúde, educação e muitas
outras), mas neste caso não pode ignorar que o particular é condicionado pelo geral.
2
3

5) Pode ter como foco o âmbito local, regional, nacional, internacional ou mundial, mas
não deve isolar esse âmbito dos demais: “pensar globalmente, agir localmente”.
Análise se faz com rigor metodológico e científico, de maneira objetiva e sistemática.
Mas nunca é algo acabado, é instrumento que se aprimora com o uso. Dois grandes mestres
do método: Mao Tsedong: “quem não pesquisa, não pode falar na reunião”. A. Gramsci:
“pessimismo da razão, otimismo da vontade”.

PROCEDIMENTOS PARA UMA ANÁLISE DE


CONJUNTURA

Pode ser feita em três etapas, separadas por razão metodológica, mas que formam um
conjunto. Por isso, não é bom separá-las demais.
1ª Etapa: VER
● Fatos e acontecimentos mais relevantes do período;
● Problemas, tensões, conflitos, lutas e contradições mais fortes;
● Posições e atitudes dos atores, individuais ou coletivos;
● Considerar o que se vê e o que não aparece, o que se diz e o que se faz.
2ª Etapa: JULGAR
Análise de conjuntura não é resumir os acontecimentos. É apreciar, avaliar, criticar o
que vai acontecendo, para perceber o sentido das transformações: por onde e para onde
caminha o real?
Análise vem do grego analusein (decompor, separar e unir, ver as ligações, resolver).
Considerar os atores, seus interesses e suas forças não isoladamente mas em correlação, para
desvendar as contradições e os conflitos entre eles. Descobrir a estratégia (linha de ação
global) e as táticas (maneiras de agir mais adequadas ao momento ou circunstância) de cada
ator.
Aqui entra a importância das chaves de leitura fornecidas pela Teoria. Os
acontecimentos são expressão (resultados) da realidade que é complexa e invisível, mas
enganadora porque parece ser transparente ao senso-comum. São as Teorias que rompem com
o conhecimento de senso-comum e reconstroem a lógica do real, permitindo explicar as
relações entre os diferentes campos de ação humana (político, econômico, social, cultural,
ideológico, religioso, educacional, etc).
A Teoria fornece também o quadro de referência a partir do qual se pode perceber
(analisar) as mudanças, as transformações e as tendências: o que é estável e o que muda. Os
acontecimentos têm uma história. Relacionar os acontecimentos e atores com elementos e
forças permanentes, leva a entender a ligação entre o conjuntural e os estrutural.
3ª Etapa: AGIR
É o momento das iniciativas que a análise revela serem necessárias em função dos
objetivos e metas a atingir. A partir das tendências resultantes da atual correlação de forças, a
análise poderá indicar modos de intervenção com probabilidade de êxito. Uma boa análise
deve indicar prioridades para a ação, e até mesmo a estratégia mais conveniente no momento.

3
4

Brasília, 10 de outubro / 2003


Pedro A. Ribeiro de Oliveira / UCB
e Bernard Lestienne / IBRADES

Você também pode gostar