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Introdução
suas relações com o realismo e o idealismo é retomado, numa nova formulação, que
"parece conter a consequência última do solipsismo" (PB 54). No capítulo V das PB,
projeto fenomenológico, cabe medir a distância entre o Tractatus e as PB, em que esse
mesmo tema é tratado de diferentes formas. Isso já foi enfocado pelo primeiro ensaio,
que podem interessar mais diretamente ao tema do solipsismo instantaneísta tal como
tratado pelas PB, e ao modo de expressá-lo. Para tanto, na secão 1, retomo o tema da
1
Este ensaio e os dois seguintes foram escritos com o suporte financeiro do CNPq e também da FAPESP.
As secões 1-3 retomam algumas ideias exploradas de forma mais detalhada no capítulo introdutório
PRADO NETO 2003.
2
Nesses pontos adicionais, a minha leitura diverge um pouco da de M. Engelmann, tanto no que diz
respeito ao Tractatus quanto ao projeto fenomenológico.
Prado Neto, B.–- Ensaio 5: Solipsismo - do Tractatus às Philosophische Bemerkungen 2 Formatado: Português (Brasil)
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esse simbolismo (que "obedece à sintaxe lógica") e outros dois simbolismos - a nossa
transformará, nas PB, num único contraste, entre a linguagem fenomenológica e "a
sugiro que isso permite lançar alguma luz sobre a retomada (com modificações) desse
tema no contexto das PB. Finalmente, na seção 4, apresento a estrutura geral do capítulo
completamente analisada
repercutir sobre a própria lógica (especificando inferências que não repousam sobre as
se pode haver proposições elementares que são funções de, digamos, cinco argumentos.
linguagem e a realização de uma análise completa, parece, à primeira vista, ser também
mostrou M. Engelmann). Cabe também lembrá-lo, no que diz respeito ao trecho das PB
3
Essa equivalência (parcial, no sentido de que a constituição de uma Linguagem Fenomenológica
equivale à realização de uma análise completa da nossa linguagem - análise preconizada, mas não
realizada, pelo Tractatus -, sem que se possa inverter essa equação e dizer que, no Tractatus, uma análise
completa redundaria numa linguagem fenomenológica) é fartamente documentada; veja-se, por exemplo,
PB 1 (e o comentário de M. Engelmann, Ensaio 1, seção 1), ou, especialmente, SRLF, pp. 29-31
(voltaremos a discutir esses dois primeiros parágrafos do artigo) .
4
As PB não são inteiramente claras acerca da questão da plena determinação do sentido; por outro lado,
o texto insiste, obsessivamente, na manutenção daquilo que, no Tractatus, lhe é equivalente: a ideia de
análise completa; cf. PB, §§ 1, 38 (primeiro e últimos parágrafos), 46 (último parágrafo) e também,
talvez, § 56, último parágrafo.
Prado Neto, B.–- Ensaio 5: Solipsismo - do Tractatus às Philosophische Bemerkungen 4 Formatado: Português (Brasil)
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que nos interessa, porque essa possibilidade estará em jogo na discussão sobre o tempo
possibilidade, mas não a concretização efetiva de uma análise completa é crucial. Por
outro lado, a concretização de uma tal análise oferece alguns benefícios filosóficos que
talvez não sejam inteiramente desprezíveis. Para tentar mostrá-lo, vou começar por
"indefiníveis" não-lógicos. Levando essa análise até o fim, portanto, acabaríamos por
constituir uma linguagem5 composta apenas pelos indefiníveis "não lógicos" (os nomes
ser traduzidas ou analisadas: essa linguagem seria determinada pela totalidade das
um estado de coisas.
que a "notação do Tractatus" não é capaz de mostrar. De fato, um tal simbolismo, caso
relações desse tipo; ou ainda: aquilo que "cumpriria ao 'Axiom of Infinity' dizer" se
mostraria no fato de que essa linguagem conteria "uma infinidade de nomes com
significados diferentes (T 5.535)." Mas, mais do que isso, caso se leve a sério o
5
De fato, se a análise completa me leva a proposições elementares, dado o holismo semântico do
Tractatus, eu teria de poder especificar integralmente os sinais que as compõem, o que arrasta a totalidade
do espaço lógico, e, portanto, a totalidade da linguagem.
Prado Neto, B.–- Ensaio 5: Solipsismo - do Tractatus às Philosophische Bemerkungen 5 Formatado: Português (Brasil)
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aforismo 2.0233, que parece supor a possibilidade de dois objetos não possuírem a
objeto simples, "a possibilidade de seu aparecimento em estados de coisas", isto é, "a
forma do objeto" (T. 20141). E, finalmente, se lembrarmos, além disso, que "Espaço,
tempo e cor (ser colorido) são formas dos objetos" (T 2.0251), o resultado é que um tal
de 1929. Como o Tractatus, por princípio, não se pronuncia sobre a aplicação da lógica,
mas apenas a possibilidade de exibir a forma dos objetos por meio da forma gramatical
de seus nomes (se esses objetos pertencem ao campo fenomênico ou não, isso não é
uma questão para o Tractatus, qualquer que seja a posição in petto de Wittgenstein, à
época).
além da vantagem de, trocando o enunciado em miúdos, não deixar margens a dúvidas
tácitos" de nossa linguagem, que são "enormemente complicados", cf. T. 4.002), uma
tal notação, que exibisse imediatamente, na superfície dos sinais, a "lógica de nossa
Não parece ser outra a ideia evocada pelo aforismo 3.325 de uma "notação (...)
e Russell" pode levar a pensar que se trata apenas do simbolismo dos conectivos e
lógica). Mas esse simbolismo que obedece à gramática lógica, nos diz o 3.325, não deve
indica, aliás, o exemplo de "Rosa" como nome e como adjetivo). Essa notação que
portanto, só pode ser conquistada após uma análise completa de nossa linguagem.
Deve-se notar, de fato, que essa notação é evocada no grupo 3 de aforismos, que têm
estancar a fonte de que "nascem facilmente as confusões mais fundamentais (de que
É possível sugerir que uma tal notação (e, talvez, apenas uma tal notação)
permitiria o pleno exercício6 do "método correto da filosofia" (6.53), que consiste em,
significado a certos sinais em suas proposições": de fato, como mostrar, a alguém que
enuncia a sentença heracliteana, que ele "não conferiu significado a certos sinais" sem
dispor de uma análise do verbo "fluir", por exemplo? O que é certo, é que, dispondo de
6
É claro que o que M. Engelmann chamou de "simbolismo do Tractatus" (e que não inclui a
especificação das formas das proposições elementares, mas apenas aquilo que segue da "forma geral da
proposição"), basta para saber, de antemão, que qualquer proposição filosófica é um contrassenso; mas
isso por si só não me fornece instrumentos para mostrar ao interlocutor (com pretensões filosóficas) em
que ponto ele violou as regras da gramática lógica - apenas que ele deve tê-lo feito em algum lugar.
Prado Neto, B.–- Ensaio 5: Solipsismo - do Tractatus às Philosophische Bemerkungen 7 Formatado: Português (Brasil)
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gramaticalidade (ou de sua gramaticalidade superficial), ele não poderia sequer ser
formulado em tal notação, embora sua formulação não viole as regras explícitas da
construídas; no entanto, a análise dessas proposições revela - e apenas ela o faz plena e
claramente - que são contrassensos que, numa linguagem cuja gramática coincidisse
descrição" da mecânica.
comuns. Mas há, no Tractatus, um outro tipo de simbolismo que, como a linguagem
comum, possui uma forma que não coincide com a forma daquilo que ele simboliza: as
mecânicas. Não caberia, aqui, uma discussão mais aprofundada do estatuto da mecânica
no Tractatus8; basta, para nossos propósitos, mostrar que uma "mecânica" deve ser
entendida antes como uma "linguagem" do que como um corpo de proposições. Para
isso, é preciso começar por notar que a mecânica deve ser claramente distinguida
7
Cabe notar que os dois parágrafos introdutórios de SRLF descrevem exatamente a tarefa de constituição
de um tal simbolismo (produto de uma análise completa da nossa linguagem) como cumprindo essa
última tarefa: a sintaxe da linguagem ordinária não é adequada ao propósito de excluir estruturas
contrassensuais, como "vermelho é mais alto que verde" ou "o real, embora seja um em si deve ser capaz
de se tornar um para mim", e, por isso, deve-se levar a cabo uma análise dessa linguagem (SRLF, p. 29).
Vale cotejar esse texto com os aforismos 3.324-5, dado que ele os retoma de forma quase literal, e
evocando exemplos de contrassensos que nada têm a ver com as novas formas de inferência que escapam
à lógica do Tractatus.
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Discussão que, aliás, não foi levada a cabo por nenhum comentador que eu conheça.
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(verdadeiras); aquela, de outro lado, se caracteriza antes de mais nada pela forma de
uma mecânica é determinar "uma forma de descrição do mundo" (ibidem, grifo nosso)9.
O exame, ainda que rápido, dessa contraposição pode ser útil, na medida em que a
"linguagem comum, físicalista" das PB tem como fulcro a "hipótese", que não é
não são verdadeiras nem falsas: são antes "formas de descrição" (eine Form der
Weltbeschreibung; cf. 6.341), comparáveis às "hipóteses" das PB, que determinam uma
"modo de representação" (Art der Darstellung10) e que "mantêm com a realidade como
representação de uma mancha numa folha de papel: a mesma mancha pode ser descrita
usando tanto uma rede de malhas triangulares quanto uma de malhas hexagonais (mas
utilizado outra forma "com o mesmo sucesso". A escolha da mecânica newtoniana para
descrever o mundo é, portanto, numa certa medida "arbitrária" (é, em outro vocabulário,
"convencional"), porque seria possível, com o mesmo sucesso, escolher outras formas
de representação, outras mecânicas. Se uma mecânica pode ser utilizada qualquer que
seja o mundo efetivo, isso significa que, nela mesma, ela é tão somente um método de
9
Sobre o caráter "convencionalista" do tratamento das mecânicas no Tractatus, cf. Notebooks, p. 37:
"Exemplo característico para a minha teoria do significado da descrição física da natureza: as duas teorias
do calor, de um lado o calor concebido como um material, de outro como um movimento".
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Cf. MS 105, p. 108.
Prado Neto, B.–- Ensaio 5: Solipsismo - do Tractatus às Philosophische Bemerkungen 9 Formatado: Português (Brasil)
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seja descrito por ela: ela não é nem "verdadeira" nem "falsa" - qualquer que seja o
mundo, ele sempre poderá ser descrito pela mecânica escolhida: "não diz nada sobre o
mecânica, tomada nela mesma, isto é, enquanto forma de descrição, não especifica o
determinado: "diz algo sobre [o mundo] a possibilidade de que seja descrito por meio
dela [da mecânica newtoniana] precisamente como vem a ser o caso" (ibidem - minha
ênfase).
igualmente aptos a descrever os fatos observados (os dados científicos) irá consistir na
possibilidade de descrevê-lo mais simplesmente por meio de uma mecânica do que por
meio de outra" (ibidem - minha ênfase). Retomando a tópica clássica da discussão sobre
preferência a outra, é porque sua "aplicação" é mais simples, requer uma quantidade
11
Cf. Notebooks, p. 67: "A proposição física [physikalische Satz] sem a indicação de sua aplicação é
obviamente sem sentido. Que sentido teria dizer 'F = m.a'? //Portanto, a proposição física completa
[vervollstandigte] trata de coisas, relações, etc (Como era propriamente de esperar)" (minha ênfase).
Prado Neto, B.–- Ensaio 5: Solipsismo - do Tractatus às Philosophische Bemerkungen 10 Formatado: Português (Brasil)
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que ela requer para a sua aplicação a torna pouco prática comparativamente a alguma
outra mecânica; vale cotejar essa ideia com o que Wittgenstein diz acerca da troca de
hipóteses nas PB, 226: "Minha experiência depõe em favor de que esta hipótese poderá
método mais simples que eu escolho" (ênfases minhas): aquilo que vale, no Tractatus,
linguagem comum (já por sua ambição de sistematicidade, já porque ela procura
"traje que disfarça o pensamento", quanto a linguagem da mecânica, "traje" cuja forma
os dois tipos de definição (não explícitas) evocadas por Mauro Engelmann no primeiro
oferecesse estaria vinculada a uma certa massa determinada de fatos observados (que
será substituída por uma única oposição, entre a linguagem fenomenológica (herdeira
óbvia, é que no Tractatus há uma nítida distinção entre linguagem comum e física (ou
mecânica), distinção que vem a ser borrada pelo duplo epíteto da linguagem que se
Wittgenstein, ao tratar das "hipóteses" transita, por vezes sem maiores advertências, das
traduzido tanto por "fisicalista" quanto por "física"; na primeira acepção13, o epíteto faz
algo pertencente ao objeto daquele discurso: uma realidade tão pertencente ao mundo
da física quanto, digamos, uma cadeira; como veremos, no capítulo VII há claramente
linguagem fisicalista descreve objetos físicos, como cadeiras, etc) - e isso será muito
12
A questão da definição dos termos de uma mecânica (Tractatus) ou de uma linguagem
fisicalista/secundária (PB) pode ser iluminada pela discussão, por Ramsey, acerca da possibilidade de
definir os termos de uma teorias (que é tomada como equivalente à questão de saber se uma "teoria" é
realmente uma "linguagem") no texto "Theories" (aliás, escrito em 1929, e testemunho de suas discussões
com Wittgenstein); cf RAMSEY 2003, p. 255-276.
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É a acepção em que "physikalische" é empregada nos Notebooks quando aposto a "proposição"(p. 67)
ou "modo de expressão" (p. 81).
Prado Neto, B.–- Ensaio 5: Solipsismo - do Tractatus às Philosophische Bemerkungen 12 Formatado: Português (Brasil)
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importante para compreender este capítulo. Acredito que se deva procurar manter essa
atribuído à nossa "linguagem comum", ainda que "fisicalista". A impressão que pode
proposições falsas14; essa impressão é natural, quando se esquece que a mecânica tem
observados); a distância entre essa ambição e sua efetiva realização é (em parte)
colmatado pela probabilidade: esta se aplica num campo em que as leis causais são
compatíveis tanto com a ocorrência quanto com a não ocorrência de uma determinada
classe de fatos. A descrição, nessa linguagem, de um desses fatos pode ser tanto
"verdadeira" quanto "falsa"15, o que não retira a essas proposições isoladas o seu
comprometimento com a "linguagem" em que elas são moldadas - elas são, portanto,
14
Isso corresponde em certa medida à impressão, também equivocada, de que, nas PB, pelo fato de que
as "proposições comuns" são caracterizadas como "hipóteses", não se poderia dizer que algo como "o
livro está sobre a mesa" é verdadeiro ou falso.
15
Por outro lado, a distribuição total das ocorrências deve se coadunar com a teoria das probabilidades -
ou então devemos sair em busca de uma causa (ainda não detectada em nossa teoria/mecânica) para essa
distribuição anômala.
Prado Neto, B.–- Ensaio 5: Solipsismo - do Tractatus às Philosophische Bemerkungen 13 Formatado: Português (Brasil)
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como mesas, cadeiras, etc, são objetos que são dificilmente separáveis de uma teia de
relações causais que servem como critério (parcial) de identificação desses objetos;
uma chama de fogo que não queime não será reconhecida como tal, embora a conexão
interesse dessa observação reside no fato de que ela permite ver como natural a
retomada do tema num livro que se propõe a levar a cabo uma análise completa da
inclusive meu corpo, e "minha vontade", apenas o "eu" (o sujeito) não seria
16
Esta (a denúncia da causalidade como superstição, fundada, em última instância, na independência
lógica das proposições elementares) é, aliás, uma das razões que torna o campo dos fenômenos um
melhor candidato para fornecer os "objetos simples" do que os objetos usuais da nossa linguagem
(pondo-se de lado "inobserváveis", como os "pontos materiais"), muito embora o Tractatus, por
princípio, possa silenciar - e tenha de fazê-lo - a esse respeito: "O que vem com a aplicação, a lógica não
pode antecipar"(5.557).
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"isolar o sujeito", isto é, "para mostrar que, num sentido importante, não há sujeito
algum" (5.631). Ora, a redação de um tal livro (que descrevesse tudo o que eu sei do
inúmeras pessoas que se dedicam a esse tipo de literatura, a maioria sai profundamente
que se deveria "mostrar" só seria exibido ao custo de uma análise dessas proposições
que me revelaria que aquilo que eu costumeiramente chamo de "eu" não corresponde
ao que essa palavra pretende significar "num sentido importante" (ibidem). O livro só
escrito numa linguagem completamente analisada: a palavra "eu", com todas as suas
completamente analisada mostraria, na superfície dos seus sinais, que não há algo como
um "eu" que "pensa" - esse seria um resultado, por assim dizer, imediato, da
diferente, a saber, a descrição do mundo do ponto de vista do sujeito (o mundo, mas tal
17
Sobre a importância, para a lógica do Tractatus, desse eu irrepresentável, e sobre as razões para assim
caracterizá-lo, cf. CUTER 2006.; o que procuramos fazer aqui é tão somente, assumindo esse resultado
(a inexistência do eu que pensa, representa), indicar como isso pode ser "mostrado".
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fenômeno (enendendo por essa expressão o mundo tal como o encontro, isto é, tal como
ele me aparece), irei descobrir que o eu para o qual o fenômeno é fenômeno, isto é, se
manifesta, esse eu, por princípio, não se manifesta: tudo o que poderei descrever são
esses fatos (fenomênicos) que aparecem "para mim"; só "eu" não serei descrito. O
É interessante notar que podemos encontrar, nos manuscritos que deram origem
O trecho em questão procura descrever "os fenômenos do espaço visual enquanto tais,
consignado obsessivamente nessas poucas páginas: "o espaço visual, por essência, não
sujeito"(§71); "Agora, quer isto dizer que a imagem visual, apesar de tudo, contém ou
espaço inteiramente "objetivo" (ainda que não coincida, de modo algum, com o espaço
tal como descrito pela física - no qual "eu" estou situado e no qual "eu" posso me
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Essa restrição ao domínio do que é espacial será comentada adiante, em seu devido momento; por ora,
nos interessa esse elemento de continuidade entre a exibição do solipsismo no Tractatus e nas PB.
Prado Neto, B.–- Ensaio 5: Solipsismo - do Tractatus às Philosophische Bemerkungen 16 Formatado: Português (Brasil)
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mesmo tempo, algo como uma ilustração de dois de seus elementos: o livro evocado
exclusão do globo ocular da estrutura do campo visual, efetuada pelo aforismo 5.6331,
Esse trecho (ainda que restrito à dimensão visual dos fenômenos, como
linguagem completamente analisada - revela que "o eu que pensa não existe". Se esse
é apenas um indício (por enquanto, apenas isso) de que a postura acerca do solipsismo
não mudou entre uma obra e outra, por outro lado, isso nos mostra, creio eu, alguns
pontos importantes: i) uma notação composta apenas de indefiníveis basta para mostrar
o que o solipsista tenta, desastradamente, dizer (e que é o oposto daquilo que ele acaba
por dizer); ii) uma notação desse tipo, com o acréscimo da tomada de posição
fenomenológica, tem como uma de suas principais tarefas mostrar essa verdade do
solipsismo desaguando no realismo. Esses dois pontos são importantes para a discussão
19
STERN 2010.
Prado Neto, B.–- Ensaio 5: Solipsismo - do Tractatus às Philosophische Bemerkungen 17 Formatado: Português (Brasil)
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tractarianas) não está mais disponível; ii) o solipsismo, nas PB é atrelado à questão do
tempo (o que não ocorre no Tractatus): a forma mais radical de solipsismo, agora, é o
solipsismo instantaneísta, que diz que "só minha experiência presente é real".
Um último ponto merece nossa atenção, no que diz respeito à continuidade entre
menos no grupo 5.6 de aforismos do que no grupo 5.54. Ali, sustentando a tese da
primeiro da crítica é a análise de "A acredita que p é o caso" em termos de uma relação
entre um objeto (o sujeito) e uma proposição. Para uma exposição das razões da recusa
dessa análise, remeto o leitor aos textos de Cuter 20; o que nos interessa aqui, é que esse
como tarefa dissipar a aparência de que há um "eu que pensa, representa". O que é
essa Erkenntnistheorie, sobretudo, SRLF, irá atribuir a tarefa de uma análise completa
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CUTER 1999.
Prado Neto, B.–- Ensaio 5: Solipsismo - do Tractatus às Philosophische Bemerkungen 18 Formatado: Português (Brasil)
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Não seria insensato ver nos capítulos II a XIX uma reescritura do Tractatus,
visando uma sua reformulação que desse conta das dificuldades encontradas no
matemática. Nesse esquema, o bloco que nos interessa agora (capítulos V a VII)
introdução aos dois seguintes, que desenvolverão separadamente esses dois temas (eu
e tempo). Como pretendo tratar de cada um desses temas em ensaios diferentes, cumpre
esboçar a estrutura geral desse bloco, em que ambos os temas estão entrelaçados.
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Cada um dos autores do presente livro apresenta uma diferente caracterização da estrutura das PB;
creio que, apesar das fortes diferenças, elas são antes complementares do que incompatíveis.
Prado Neto, B.–- Ensaio 5: Solipsismo - do Tractatus às Philosophische Bemerkungen 19 Formatado: Português (Brasil)
Formatado: Português (Brasil)
é constituída pelos fenômenos), seguida de uma dupla crítica, de caráter desigual, aos
contendores: o realista é criticado por reduzir o âmbito do qual não podemos nem
esguelha", portanto, por distorcer a forma do mundo; o idealista é criticado por ceder à
tentação de querer delimitar essa forma, de dizer o que não pode ser dito.
(b) A essa seção introdutória, se segue um longo trecho (PB 48 a 52) cujo tema
principal é a natureza do tempo primário, sua estrutura paradoxal, seu contraste com o
tempo da física, as dificuldades que ele impõe à descrição do mundo primário. Esse
mostrar tanto a "verdade" do solipsismo, quanto a natureza do tempo primário (ou sua
síntese: o solipsismo instantaneísta). Que o mundo é "meu mundo" ou que "tudo flui"
não apenas não pode ser dito, como tampouco pode ser exibido por um sistema de
notação privilegiado (não há mais tal sistema): isso se revela na aplicação enquanto tal
entre realismo e idealismo - levando em conta sua dimensão temporal - e sua dupla
rejeição) assim como temas que serão abordados no capítulo seguinte (como a questão
desenvolver "em separado" o primeiro. A divisão que proponho (para estruturar meu
comentário) é a seguinte:
(c) Reúno, como "terceira parte", todas as seções restantes (59 a 66), que tratam
da assimetria lógica entre o uso de "eu" e "ele" quando referido aos "sense data" (a dor
Finalmente, o capítulo VII tem como tema principal o tempo primário (com um
linguagem fenomenológica que acaba resultando num fracasso, numa linguagem que
é, a despeito de tudo, "física" ou "fisicalista". Parece bastante claro que a raiz desse
fracasso (qualquer que seja seu estatuto) é remetida à estrutura do tempo primário.
(c) Por fim, na seção 75, Wittgenstein retoma o tema das relações entre
frustrante.
Segundo a leitura que propomos, o capítulo VII tem uma posição central nesse bloco,
com base nas peculiaridades da estrutura do tempo primário; isso não significa
necessariamente que esta seja a razão do abandono desse projeto, mas apenas que essas
integral do sentido das proposições através da exibição da forma lógica - que inclui a
determinação temporal - era uma das tarefas que atribuímos, na seção 1 deste ensaio, a
poderia ser claramente mostrada por meio de uma tal linguagem; na sua
especial" para outro campo: o campo da aplicação da linguagem (qualquer que seja a
notação escolhida); é com base nisso que procurarei analisar a "linguagem do déspota"
do capítulo VI.