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FAUSTO, Bóris. Brazil: The Social and Political Structure of the First Republic, 1889-1930.

In: BETHEL, Leslie (Org.). The Cambride History of Latin America, c. 1870 to 1930.
Cambridge: Cambridge University Press, 1986. Pp. 779-830.

CAP. 21 BRAZIL…

Political and social structures:

- O início da República: forte descentralização da dinâmica política: no início da


república, havia um ambiente de opinião criado pela burguesia cafeeira (cujo centro principal
era o estado de São Paulo); esse ambiente de opinião advogava por uma República federal,
concedendo autonomia estadual para a cobrança de impostos, formulação de política
migratória própria, criação de forças militares próprias e contratar empréstimos estrangeiros –
em contraste com a centralização do período imperial. Era essa opinião republicana e
federalista que unia a burguesia nacional, sob hegemonia da burguesia cafeeira de São Paulo.
“Após o triunfo da República, ou mais precisamente daqueles interesses regionais de
classes responsáveis pela formação da República, o governo central perdeu um grau
considerável de poder para as províncias, agora chamadas de estados, e seus presidentes
eleitos” (p. 788, tradução livre). [Fausto aponta a vitória da tendência de descentralização.
Mas quem proclamou a república foram os militares, cuja preferência era pela centralização
tecnocrata da administração nas mãos deles próprios. Foi apenas alguns anos depois da
Proclamação que a tendência descentralizadora tomou a república, convenceu os militares e
influenciou a constituição de 1891]. Essa descentralização era dos interesses da burguesia
cafeeira de São Paulo.
A política partidária também seguiu a tendência de descentralização política. Os
grandes partidos, de expressão nacional, eram partidos estaduais, o Partido Republicano de
São Paulo, o PRM e o PRR. Ao mesmo tempo, havia forte confusão entre o Partido e o
respectivo estado.

- A Política institucional: personalismo, coronelismo e oligarquias:


Os depositários do poder institucional eram divididos em três níveis, mas não eram
municípios, estados e União, como hoje. Eram os coronéis, as oligarquias estaduais e o poder
federal. Todos os níveis do poder institucional eram fortemente personalizados, confundindo-
se a pessoa com o poder institucional; a impessoalidade da administração pública tal como
conhecemos hoje era impensável. O poder institucional eram as pessoas: coronéis, oligarquias
e partidos no governo federal.
A dominação e as relações de poder eram legitimadas e “cimentadas” por meio da
“troca de favores”. Entre os coronéis e as pessoas comuns, havia o fornecimento de emprego,
meios e ferramentas de trabalho, terra e “proteção” em troca de votos para seus superiores
políticos (as oligarquias estaduais). Evidentemente, essa “troca de favores” era desigual em
benefício dos coronéis e era uma forma de coerção e exercício de violência sobre a população
rural. Os coronéis criavam relações de dependência, mas não só isso, coagiam simbólica e
violentamente seus comandados a interagirem nessa estrutura desigual de poder. As condições
precárias da vida rural favoreciam essa estrutura de poder.
Dada a heterogeneidade socioeconômica do país, o poder dos coronéis variava de
acordo com o desenvolvimento relativo da região. Na Bahia, os coronéis desfrutaram de
grande autonomia e forte poder de controle no nível micro-regional deixando pouco espaço
para o poder governamental do Presidente do Estado. Já em São Paulo, o governo conseguiu
diminuir sensivelmente o poder e a autonomia dos coronéis, embora sua atuação ainda fosse
significativa (788-93).

- Estrutura do poder político a nível nacional: uma república do café-com-leite: A


constituição de 1891 formalizou a descentralização federal de forma bastante aguda, a ponto
de institucionalizar diferenças de poder entre os estados. Expressão disso era a composição do
parlamento de acordo com o número de habitantes, beneficiando principalmente São Paulo,
Bahia e Minas Gerais. Minas possuía 37 acentos no parlamento; SP e BA, 22 cada.
A diferença de poder entre os estados também foi expressa nas eleições presidenciais.
Graças a uma aliança entre o Partido Republicano de São Paulo e o Partido Republicano de
Minas, nove entre onze presidentes eleitos eram de um desses estados – sendo seis de SP e
três de MG. Era a “política do café com leite”.
São Paulo e Minas Gerais também mantinham forte presença nos principais
ministérios. São Paulo mantinha forte controle sobre políticas nacionais como câmbio e
finanças, em benefício dos interesses da burguesia cafeeira (pp 794-5).

- Bases dos poderes partidários: em São Paulo, havia grande convergência entre a
burguesia/oligarquia cafeeira e o PRP. O PRP representava muito bem os interesses da
economia cafeeira, em franca expansão e hegemônica sobre a incipiente atividade industrial.
O PRM, por sua vez, contava com dissidências internas correspondentes aos interesses
cafeeiros e de outras atividades econômicas; contudo, a nível nacional, o partido
frequentemente conseguia apresentar uma posição unificada. Também nesse estado havia
forte confusão entre o poder institucional e o partido, facilitando o atendimento dos interesses
econômicos por parte do governo estadual.
No Rio Grande do Sul, havia maiores dissidências, mas não dentro do mesmo partido.
A política estadual era marcada por fortes oposições entre o PRR e Liberais herdados do
período imperial. Por esse motivo, o partido tinha dificuldades para alcançar expressão
nacional durante a Primeira República.
Ao tratar dos estados do Nordeste, o autor relata que sua união era dificultada pela
concorrência por recursos e impostos. Porém, relata também que ao se unirem, os estados do
Nordeste interpuseram oposição aos interesses do Sudeste em matéria de empréstimos
estrangeiros, para a política de valorização do café de 1906.

- Militares, política e sociedade: o golpe militar republicano: Durante o império, gestaram-


se, segundo o autor, duas vertentes de oficiais das forças armadas: de um lado, oficiais velhos
veteranos da Guerra do Paraguai; de outro, oficiais jovens graduados na Escola Militar da
Praia Vermelha, que estudaram matemática, letras e a filosofia positivista. O autor menciona
que “gradualmente” alguns oficiais começaram a ver o exército como uma entidade “cidadã”,
independente das classes sociais e destinada a tomar o poder para regenerar a ordem na nação
(p. 798).
Os oficiais da Praia Vermelha eram os primeiros oficiais profissionais das FA. Foi
através da Praia Vermelha, e da atuação de Benjamin Constant nessa escola, que o
positivismo foi introduzido nas FA. Esses oficiais lideraram o golpe de 1889 e, nas palavras
do autor, “arrastaram” com eles os velhos tarimbeiros1. Esses oficiais eram em parte oriundos
da classe média e em parte oriundos de uma decadente oligarquia, então possuíam alguma
familiaridade com a política. Apesar disso, segundo o autor, não se identificavam totalmente
com a oligarquia cafeeira de SP e MG. Em vez disso, viam-se como “protetores da nação,
criadores de um Estado austero mas progressista, livre de fraudes eleitorais dos legistas
(bacharéis que constituíam os funcionários políticos da oligarquia) e dos casacas (nouveaux
riches que acumularam fortunas no mercado de capitais)” (p. 800, tradução livre).  Parece
que não havia, portanto, uma associação entre os militares e a oligarquia republicana, mas um

1
“A derrubada da monarquia em 15 de novembro de 1889 foi o resultado de um golpe militar planejado por um
grupo de jovens oficiais do exército no Rio de Janeiro” (p. 811, tradução livre).
distanciamento e até mesmo valores conflitantes. Os oficiais queriam uma nação unificada,
homogênea e forte [pode-se dizer, centralizada], enquanto os poderosos de São Paulo queriam
o oposto disso (p. 800). A desassociação entre jovens oficiais militares e burguesia cafeeira
civil é dita neste trecho do autor: “O grupo republicano civil mais bem organizado,
representando a burguesia cafeeira de São Paulo, tinha poucos contatos com os militares e
questionava a conveniência de envolve-los em sua campanha” (p. 812, tradução livre).
[A questão é, como os militares foram de um golpe republicano com valores e
intenções centralistas para, três anos depois, uma constituição oligárquica descentralizada? A
resposta a essa pergunta pode ajudar a explicar a associação entre militares e burguesia ao
longo da história subsequente da república].

The Political Process:

Militares e a associação com a burguesia na república: O que responde àquela pergunta é


o seguinte. Os militares não eram um grupo exatamente coeso. Havia divergências entre o
Exército e a Marinha e entre apoiadores de Deodoro da Fonseca e apoiadores de Floriano
Peixoto. Foi Floriano Peixoto, levado por “ameaças reais ou imaginárias” à consolidação da
República (p. 812) que aproximou a burguesia e o setor militar. Ele fora apoiado por
financistas de São Paulo na Revolução Federalista e na Revolta da Marinha e escolhera um
ministro da finança que representava os interesses políticos de São Paulo
Mas Floriano Peixoto abriu caminho para a tomada do poder pelos civis da oligarquia
“contra sua vontade” (p. 812). Floriano representava os oficiais da Praia Vermelha, cujos
valores advogavam pela alienação dessa oligarquia da política e pela centralização e
unificação da política nacional nas mãos dos militares. Essa escola seguiu sendo oposição ao
regime civil até o começo do século XX. Mesmo assim, os civis, a oligarquia cafeeira
paulista, consolidaram o poder sobre o regime. Os presidentes Prudente de Morais (1894-
1898) e Campos Sales (1898-1902), ambos paulistas, marcaram essa consolidação do regime
civil oligárquico.
Na década de 1910, começa a ficar evidente um elemento adicional na política
nacional. Era a crescente influência política dos gaúchos e do Partido Republicano
Riograndense (p. 814). Esse evento é importante por causa da fortíssima tradição militar no
RS e lá, sim, havia uma afinidade mais orgânica entre os militares e a oligarquia encastelada
no partido, por vários motivos. Os mais interessantes são que havia certa convergência
ideológica entre os dois atores. Entre os militares desse estado, o positivismo também tinha
forte influência. Além disso, as políticas econômicas defendidas pelos políticos civis da
oligarquia gaúcha coincidiam com a perspectiva ideológica dos militares. Assim, os gaúchos
conseguiram, em aliança com os mineiros, apresentar a candidatura do Marechal Hermes da
Fonseca contra a candidatura dos paulistas, Rui Barbosa, em 1910. Nesse momento, havia
certa divergência entre as oligarquias nacionais e Hermes da Fonseca fora apresentado como o
elemento militar disposto a dirimir essas divergências. A presidência de Hermes da Fonseca
(1910-1914) parece ter sido um passo a mais na intromissão dos militares na vida política
nacional (p. 815-6).

- O que fica do capítulo: aparentemente, o início da república foi conturbado demais para
procurar estabelecer um aspecto padronizado de política externa ou de qualquer política
pública. Em meio às inúmeras crises e à consolidação do novo regime, não seria possível
identificar – e nem exigir – uma política externa consciente, consistente, bem definida,
determinada e estrategicamente orientada. Em 1890-91, o país ainda redigia sua constituição,
em meio a trocas golpistas de poder. Desse ano até 1892-3, uma grave crise financeira e
especulativa gerou desconfianças e instabilidades sobre o país. Entre 1893 e 1895-6, inúmeros
conflitos armados internos agravaram ainda mais a instabilidade política. Entre 1889 e 1902, o
país teve onze diferentes ministros das Relações Exteriores. É por esse motivo que os
historiadores da política externa relatam que nesse período a principal missão da diplomacia
brasileira fora restaurar a imagem do país junto aos credores estrangeiros, nomeadamente
Grã-Bretanha, França e Estados Unidos.
Além dessa imagem do início da Primeira República, permanece e se reforça a
impressão de que havia uma incongruência entre a política nacional e a política externa. O
autor aqui relata que a política federal era completamente dominada pelos PR de SP e MG,
que por sua vez representavam organicamente os interesses da burguesia cafeeira de seus
respectivos estados. Por que, então, a política externa do Brasil endereçou a retórica anti-
imperialista contra a Grã-Bretanha e a França, sendo esses países os maiores financiadores da
expansão da produção e das políticas de valorização do café brasileiro, além de controlarem o
transporte, a distribuição e as vendas ao consumidor final? Apenas a parceria comercial e a
admiração ideológica explicam a aproximação do Brasil junto aos Estados Unidos em matéria
de Política Externa? Essa aproximação com os EUA não poderia haver ocorrido sem
antagonismos em relação às potências europeias?

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