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Da crítica como estratégia

Rui Magalhães

O que é a crítica?

É bem conhecida a passagem do Zaratustra em que Nietzsche se refere ao camelo, ao leão e à


criança. Nietzsche confere à sua análise destas três figuras contornos até certo ponto
históricos, ou, pelo menos, assim tem sido interpretado. No entanto, parece-me que muito
mais do que históricas estas figuras são simultâneas, representando modos diferentes de
pensar o ser, ou seja, ontologias alternativas.

Compreender Nietzsche não significa apenas, apreender os conteúdos teoréticos da sua obra,
mas mais essencialmente, reconhecer a função que cada um dos aspectos concretos
desempenha no «sistema geral» do seu pensamento. Uma leitura superficial ou menos atenta
à natureza profunda da obra de Nietzsche tenderá a privilegiar a figura do Leão. É a filosofia
do martelo. Essa filosofia existe, evidentemente em Nietzsche, mas talvez não seja o mais
importante. Como em relação a todos os grandes autores, será preciso ler Nietzsche para além
da imagem que ele dá de si mesmo e dos diversos mitos pessoais que vão sustentando a sua
relação com a sua própria obra. Ou seja, é preciso lê-lo para além do bem e do mal.

A ideia central que gostaria de vos apresentar é a de que a crítica não é, ou só muito
raramente é, o elemento central de qualquer grande pensamento. E, acrescidamente, que entre
a filosofia do martelo e, por exemplo, a crítica kantiana não existe uma diferença tão grande
como parece.

Gostaria, igualmente de sublinhar que a quase identificação actual entre pensamento e crítica
não é um dado universal e eterno. É, antes, o resultado de um conjunto de factores entre os
quais é necessário ter em conta o facto de o real (situando-nos no plano do sentido) ser
constituído por objectos e por imagens1 que resultam de anteriores intervenções textuais que
1
Claro que esta distinção entre coisas e imagens é totalmente ingénua e impraticável. No entanto, podemos
imaginar um tempo mítico em que as coisas não estavam ainda contaminadas pelas imagens, isto é, por
explicações e por interpretações. O pensar livre seria, então, possível. É esse tempo mítico que, de alguma
forma, devemos tentar recuperar ou simular.
1
acabam por se acrescentar e confundir com as coisas, sendo que sempre nos esforçamos por
ver uma lógica interna teórica ou, pelo menos, histórica. Essa acumulação constitui um
universo de oposições, de explicações alternativas que exige, constantemente, a intervenção
de um juízo capaz de optar.

A crítica moderna

Houve um tempo em que -- como sublinham (ainda que de modos distintos) Richard Rorty e
Foucault -- a crítica simplesmente procurava criar as condições de possibilidade de um
pensamento livre de condicionamentos aparentemente exteriores, entenda-se a falta de
liberdade política e religiosa e, talvez também, o princípio da autoridade. Este terá sido o
essencial do programa moderno, até Kant. No entanto, isto é apenas um dos lados da questão.

A crítica socrática, por exemplo, tem um carácter duplo: trata-se de uma luta contra várias
formas de autoridade, mas também da existência sensível, do erro que daí resulta. Ou seja:
mesmo aí, há sempre uma espécie de contra-proposta que se identifica com uma espécie de
descoberta e afirmação da verdade.

As modificações kantianas

A posição de Kant - num determinado momento histórico em que se justificava ou parecia


justificar, mas que não me parecer dever ser universalizada - terá sido a de tentar ir aquém da
representação, àquilo que a funda. Noutros termos, o que caracteriza a posição criticista é a
prioridade concedida à análise da possibilidade de conhecer em relação a uma teoria do ser.

A crítica de Kant, no seguimento, de resto, do espírito iniciado com Descartes, não pretende,
todavia (como o sublinha Heidegger), anular a metafísica, mas pelo contrário, fundamentá-la
através da discussão dos seus métodos. Deste modo, a questão expressamente colocada por
Kant é a da possibilidade da própria metafísica como ciência, ou seja, a possibilidade de um
conhecimento efectivo no domínio propriamente ontológico.

Porém, se aceitarmos esta ideia do carácter essencial de uma análise preliminar o pensamento

2
reduz-se a uma propedêutica da ciência. Propedêutica interminável, talvez, mas
propedêutica2.

O perigo desta atitude reside numa espécie de adiamento sistemático do pensar, numa recusa
integral do risco e, finalmente, numa abdicação do direito de pensar.

Poderíamos concluir este ponto introdutório e antecipando o que vai ser a nossa ideia central,
afirmando que a crítica tem sempre como objectivo denunciar a não verdade de um
pensamento em nome da verdade. É por isso que todos os autores, todos os sistemas têm
sempre razão, desde que os compreendamos adequadamente. O erro resulta apenas ou de uma
incoerência lógica ou de uma referência directa ao real e neste último caso não é a crítica mas
os factos que o demonstram.

Os argumentos da crítica

Resumamos, pois, os vários argumentos utilizados para justificar a necessidade da crítica e o


seu carácter nuclear do pensamento filosófico.

A verdade

O primeiro argumento justificativo da necessidade da crítica é a verdade.


Platão, Sócrates, Kant e, de certo modo, todos os outros, iniciam os seus pensamentos com a
evocação - muitas vezes implícita - da necessidade da verdade e com a denúncia dos erros ou
desvios dos pensamentos anteriores. O pensamento desenvolve-se através de uma relação
dupla com o pensamento anterior: de inspiração e de aceitação de pontos particulares e de
recusa.

A crítica é, neste sentido, o trabalho prévio, a demolição necessária à construção. Ou, em


outros termos, a denúncia do erro de uma resposta de modo a viabilizar a resposta
supostamente certa.

A verdade é, assim, o primeiro aspecto e o mais universal, uma vez que todos os outros, de
2
Ver a posição kantiana acerca do ensino da filosofia.
3
uma ou de outra forma, não deixarão de a evocar. A vontade de verdade é, segundo Foucault,
um princípio estruturante da nossa cultura.

A História

A visão moderna da crítica é de carácter histórico. Admite-se que o tempo (a História) muda a
realidade enquanto o pensamento (que vem sempre em segundo lugar, depois da realidade)
tende a continuar a reflectir uma realidade já passada.

Esta justificação da crítica é uma espécie de actualização. A referência à verdade permanece,


mas agora incluindo uma dimensão temporal.

Mesmo no marxismo, em que a crítica é ideológica (isto é: depende, assumidamente, de um


ponto de vista) continua histórica porque esse ponto de vista é justificado historicamente (o
ponto de vista de uma classe que detêm o poder mas que já não orienta a História). E neste
ponto a História encontra a verdade e a liberdade.

A liberdade

O terceiro argumento é a liberdade. A liberdade de pensar contra todas as forças que limitam
o pensamento, que controlam a possibilidade de pensar e de fazer circular os pensamentos.

Este combate pela liberdade, tão longo e doloroso, parece, no entanto, ter terminado. As
democracias modernas asseguram a liberdade de expressão, a religião retirou-se
gradualmente da cena teórica e o princípio da autoridade foi, oficialmente, ultrapassado desde
o Renascimento.

No entanto, há aqui dois aspectos a considerar, um sublinhado por Foucault e outro por
Derrida.

Primeiro, a liberdade política é muito mais ilusória do que parece. Mostrou-o Foucault em
toda a sua obra e sistematizou-o, sobretudo, na sua Lição Inaugural no Collége de France,
4
L’Ordre du Discours, ao sublinhar o conjunto de procedimentos de controle de emergência e
de circulação dos discursos.

Segundo, Derrida sublinhou, por seu lado, os condicionalismos intrínsecos ao pensamento.


Mostrou o modo como a metafísica determina o nosso modo de pensar, mas alertou,
simultaneamente, para os limites da crítica afirmando a necessidade de uma estratégia
específica que assegure a possibilidade de pensar.

O exame das condições de possibilidade

O último argumento que aqui tomaremos em consideração é o exame das condições de


possibilidade. Corresponde, grosso modo, às várias formas de criticismo que já referimos.

Existirá algum argumento que possa ser considerado ‘positivo’?

Vê-lo-emos mais adiante, depois de termos tentado esclarecer o sentido normal da crítica e
detectar as suas origens menos perceptíveis e extra-teóricas.

O desejo e geral e o desejo de de afirmação (contra)

O pensamento, nomeadamente o filosófico, tem de si mesmo uma imagem excessivamente


teórica ao conceber-se como luta e ruptura com as mundivisões mítico-teológicas, com o
senso comum ou as evidências sensíveis. Concebe-se, assim, como essencial e
definitivamente liberto das condições concretas - nomeadamente psicológicas e psico-sociais
em que nasce. Ora, o discurso filosófico, por mais abstracto e teórico que seja o plano em que
se instala, não deixa, por isso, de ser o discurso de um homem concreto que tem perante si (e,
sobretudo, por detrás de si) um mundo concreto. O desejo do filósofo não é apenas o da
verdade teórica [poderíamos, no entanto, falar de uma “verdade pessoal”], tal como a sua
imaginação não é apenas aquela faculdade transcendental elaborada por Kant. O discurso
filosófico partilha de muitas das intenções e desejos que não teremos muitas dificuldade em
reconhecer, por exemplo, no discurso literário.

5
Pensamento filosófico e literatura são, também, modos diferentes de tentar concretizar um
mundo nascido do desejo. Em relação à filosofia se poderia dizer o que Olivier Rolin diz
acerca da literatura, que «não é uma actividade mundana, ela implica um desacordo com o
mundo»3. A questão de saber se este não mundanismo assenta numa vontade de poder pessoal
ou num princípio utópico, é um outro problema a que não me referirei.

O não criticismo da crítica. A crítica como confrontação

A marca mais determinante da crítica é uma aparente ingenuidade e uma real estratégia. Ela
desliga-se de qualquer condicionamento não racional ao conceber-se a si mesma como o
resultado de uma análise, ainda que raramente enuncie com suficiente clareza o lugar a partir
do qual efectua essa análise.

A racionalidade, enquanto toma como objecto da sua análise a ordem real, efectiva-se, de
facto, sob a forma do exercício de um confronto entre um ideal fixado na memória social e
um outro ideal que resulta de uma diferente leitura/interpretação dos dados da ordem real,
normalmente resultante da aplicação de um outro sistema de crenças.

Em última instância, a crítica é o agente de uma outra norma de carácter ideal que é
identificada com a verdade e a liberdade. A crítica vitoriosa constitui um novo real, uma nova
moralidade, uma nova metafísica ou, no mínimo, uma nova maneira de ler o metafísico.

O autêntico objecto da crítica não são significações mas no ponto em que elas se ligam a
outras significações que são indicadas pelas primeiras; ou seja: a crítica é interior a um
universo pré-determinado mas que se apresenta como natural. Compreende-se por isso que,
num dado momento, o trabalho de Derrida se tornou absolutamente necessário.

Pensar: não há pensamento crítico

Encontramos em Foucault uma interessante perspectiva acerca da crítica. A crítica como


coragem, ideia que ele não deixa de ligar à máxima kantiana do Sapere aude! Tem a coragem
de te servir do teu próprio entendimento!

3
O. Rolin, O meu chapéu cinzento, p. 11.
6
Foucault sublinha que a critica não é um simples instrumento utilizado por uma série de
teóricos alemães (Kant e Marx, p. ex.), mas uma «atitude», uma «virtude em geral». É
«simplesmente a arte de não ser governado ou ainda a arte de não ser governado assim e a
este preço».

Crítica será, assim, «o movimento pelo qual o sujeito se dá o direito de interrogar a verdade»,
uma interrogação que requer uma prática da «arte de inservidão voluntária, da indocilidade
reflectida», ligam-se, por conseguinte, ao tema do sujeito que recusa ser «sujeitado».

A questão de Kant na interpretação foucauldiana - que privilegia um Kant substancialmente


diferente do das Críticas é: como podemos saír da menoridade? Para Foucault, isso supõe a
tentativa de decifrar «as relações de poder, de verdade e do sujeito». Esta prática é
estritamente individual e pessoal: «Trata-se, de facto, (...) de fazer a sua própria história»,
analisando cuidadosamente os conceitos herdados e ensaiando, ao mesmo tempo, criar
conceitos novos, fabricá-los como por ficção».

Basta «descrever um nexo de saber-poder» e logo este nexo se torna intolerável pois o que a
crítica histórico-filosófica sublinha num sistema é «o seu arbitrário em termos de
conhecimento, a sua violência em termos de poder».

A crítica torna-se, deste modo, a análise (e não o juízo judiciário e talvez mesmo não a
analítica) das condições de nascimento das ideias, dos conflitos, das guerras pessoais e
colectivas.

«Se a questão kantiana era a de saber que limites o conhecimento deve renunciar a transpor,
hoje, a questão crítica deve ser transformada em questão positiva: no que nos é dado como
universal, necessário, obrigatório, qual é a parte do que é singular, contingente e resultante de
constrangimentos arbitrários”4.

Aquilo a que pacificamente poderemos chamar crítica só pode existir, por conseguinte, como
determinação de planos de legitimidades no interior de um determinado quadro. Ou seja, só

4
"Qu’ est-ce que les Lumières?”, p. 574. O problema que enunciamos atrás, permanece, na medida em que nos
faltam, naturalmente, os critérios para estabelecer uma tal distinção. O apelo a alguma forma de racionalidade
ou, em alternativa, a um ideal existencial, é inevitável.
7
pode ser uma crítica técnica ou uma análise genealógica.

O pensar ingénuo e afirmativo

O pensamento deve ser atenção à relação incerta entre tempo e eternidade.

Estudo dos sinais, no que eles têm de precário e, simultaneamente, sólido.

O óbvio ou o excessivamente improvável serão os seus objectos preferenciais5.

A crítica, como convicção de verdade ou como a História (cf. Nietzsche) anula uma certa
‘ingenuidade’ e indisciplina que é essencial ao pensamento e que encontramos - sob formas
diversas - em autores como Witgenstein, Nietzsche ou Benjamim.

É por isso que a filosofia como disciplina é algo de relativamente pouco interessante; que se
pode fazer com ela a não ser tornarmo-nos filósofos? É sempre nas margens de uma filosofia
que nascem os pensamentos e as emoções mais decisivas.

Distinguiremos assim duas atitudes a que chamaremos, respectivamente, confrontação e


afrontamento. Enquanto a primeira é sempre fundada numa qualquer espécie de verdade e
surge, por isso mesmo, dotada de uma arrogância e de uma visibilidade essenciais, a segunda
é muito mais subtil porque menos segura de si, da sua verdade e mais apoiada numa força
interior.

O verdadeiro afrontamento é indirecto, imperceptível. Não se apresenta como o essencial do


gesto. Pode nem sequer apresentar-se, pode nem sequer existir, constituindo, então a mais
sábia das atitudes 6.

O confronto, guerreiro ou civilizado, é uma forma de auto-defesa, um modo de obter energia

5
O exemplo do ser em Ser e Tempo (esse é o ponto mais interessante de Ser e Tempo.
6
Em Nietzsche, o verdadeiro afrontamento não é a sua guerra com o Cristianismo, isso é um seu mito pessoal.
Os mitos pessoais podem ser compreendidos teoricamente (como Deleuze faz, por exemplo, com o eterno
retorno nietzschiano), mas mesmo que se faça isso, tem de ser num movimento paralelo e claramente distinto da
compreensão propriamente mitológica e psicológica.
8
psicológica, como os mitos pessoais (para pensar ou para não pensar, isso depende de cada
um).

Sobre a necessidade da crítica

E todavia, não deixamos de viver num mundo em que, diríamos, estamos totalmente
rodeados, sufocados por realidades em relação às quais a crítica (ou algo como isso) parece
ser não apenas absolutamente necessário, mas imprescindível.

Boaventura Sousa Santos exprime esta necessidade de uma forma particularmente feliz
quando se pergunta: «Como fazer falar o silêncio sem que ele fale necessariamente a
linguagem hegemónica que o pretende fazer falar?» («Porque é tão difícil constituir uma
teoria crítica?», Revista Crítica de Ciências Sociais, nº 54, Junho de 1999, p. 206).

Creio que é esta uma tarefa impossível, impraticável. Os estudos culturais, por exemplo, que
de certa forma tentaram responder a esta necessidade, constituem um terreno totalmente
inquinado ideologicamente, dependendo de um certo número de princípios tomados como
indiscutíveis mas que não são mais do que o reverso da visão dominante e que, aos poucos, se
vai tornando visão dominante.

Do meu ponto de vista, o fracasso da crítica do que deve ser criticado, isto é, do inaceitável,
resulta do facto de se tentar encontrar sempre um fundamento para a inaceitabilidade. Isso é
compreensível porque, à primeira vista, existe uma necessidade absoluta de distinguir um
inaceitável legítimo de um outro que aparece como ilegítimo. Mas creio que aqui - como em
muitos outros casos - se opera invertendo a ordem das coisas 7. Mas se quisermos demonstrar
a falsidade do nazismo, como o podermos fazer senão recorrendo a ideias metafísicas como
«o valor da vida humana»?: de uma necessidade prática deduz-se a existência de um
fundamento teórico que passa a ser o objecto da análise. É, no fundo, a dificuldade extrema
que temos de viver no sem razão, isto é, de viver a própria existência como existência, o que
é o resultado da nossa concepção da própria vida como algo ordenado e não caótico. É
sobretudo esta imagem da vida que falta desconstruir. Porque é ela que subjaz ao nosso modo
de nos relacionarmos com as coisas, os acontecimentos e nós mesmos. Esta ‘ordem da vida’
7
Exemplo: o nazismo é uma doutrina falsa porque conduz à barbárie.

9
é, provavelmente, o primeiro e o último dos nossos mitos totais.

É preciso ter a coragem de assumir o caótico, o sem razão, uma vida que não tem de se
justificar a si mesma. Isso implicará, naturalmente, a perda de fundamento das nossas
reivindicações, das nossas lutas. Implica entrar na luta de mãos vazias, o que, seguramente,
não é fácil, mas imprescindível.

Um dos correlatos práticos e históricos desta concepção é a ideia de globalidade, ideia que
não apenas é um facto civilizacional cada vez mais evidente como parece ser algo de lógico e
legítimo. E, todavia, existe aqui muita matéria altamente problemática.

Nietzsche escreveu já que a lógica é uma ficção. Mas esta lógica não é apenas a lógica
específica deste ou daquele domínio, deste ou daquele conhecimento; é antes a lógica geral
que aplicamos aos acontecimentos e através da qual constituímos esses ideais reguladores da
vida prática: Deus, alma, mundo e também vida.

É necessário assumir que as lutas são autónomas e não heterónomas. A sua razão de ser é
tópica e assim as devemos assumir. Não diremos que a vida é lógica nem que é caótica. Não
diremos nada. Lançaremos a suspeita sobre a própria ideia de vida. Tentaremos esquecê-la.
Esquecer todas as definições.
Erguer a palavra sem razão, apenas porque é necessário.

Conclusão

A noção de crítica requer um trabalho de desconstrução. Melhor seria ainda um trabalho de


esquecimento.

Não se trata, evidentemente, de a substituir por formas dogmáticas de pensar, mas de excluir
a confrontação do núcleo duro do pensamento. Ou, pelo menos, de compreender a função
estratégica da crítica (e do mito pessoal), ou seja, de a não levarmos demasiadamente a sério.
Importa sublinhar o muito relativo valor teórico da crítica a fim de melhor aceder aos
verdadeiros conteúdos teóricos do pensamento que se apresenta como crítico. Nos espaços
em que algo como a crítica é “necessário”, será preciso, como sugeri, substituí-la pela
coragem de afirmar. Sem fundamento.
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No fundo, a ideia central é a de que os dois sentidos de crítica, o seu sentido normal e o seu
sentido kantiano, como análise, não são essencialmente diferentes. Por trás de uma análise
existe sempre uma política de terra queimada que visa preparar o terreno para a conquista. A
história da filosofia é a destas sucessivas batalhas pelo domínio e a história da literatura, a da
substituição, relativamente mais pacífica, dos dominadores.

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