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REPORTAGENS

PUBLICADO DIA 22/08/2018

A educação quilombola
como resistência de suas
comunidades e culturas
POR INGRID MATUOKA

TAGS: EDUCAÇÃO INTEGRAL INCLUSIVA EDUCAÇÃO QUILOMBOLA IGUALDADE RACIAL

COMENTÁRIOS
Djey Dornelles Teixeira é uma
adolescente de 17 anos que COMENTÁRIOS VIA FACEBOOK

sonha cursar Psicologia. É


também parte da primeira
CLIQUE AQUI PARA
geração da Comunidade COMENTAR

Quilombola Morada da Paz,


localizada no interior do Rio 2 comentários
Grande do Sul, a frequentar uma
escola. Um direito que permanece envolto em obstáculos. JOSE RAIMUNDO
25/08/2018 às 12:52

“Sou menina, negra, quilombola, moro na zona rural, muito Li a matéria acima com cuidado,
atenção, de um só fôlego, tal como deve
longe de onde estudo. Ir à escola é sempre um desafio”, diz
ser quando se quer entender algo,
Djey, que é aluna do 2º ano do Ensino Médio de uma escola compreendê-lo na sua essência e
importância. Fiquei encantado. Essa
pública regular da cidade de Porto Alegre. questão da educação dos quilombolas
deve se fazer presente e de mineira no
centro debate. Uma pena que aqui
Leia + Educação indígena: olhar integral para os saberes poucos leem uma matéria como esta.

tradicionais e do território Recomendo a sua leitura!

Responder

Para além das dificuldades de


acesso, a jovem se queixa de Eyllika Milianni
23/08/2018 às 17:23
Essa reportagem integra
aulas que não conversam com
o Especial Eleições 2018 – Eu acredito que a realidade nas Escolas
sua identidade e cultura. “Só quilombolas seja desafiadora para os
Caminhos para a Escola
professores.Gostaria de conhecer um
lembram da história e da Brasileira, do Centro de pouco mais sobre o projeto que é
cultura dos quilombolas em Referências em Educação desenvolvido,embora,a realidade do Rio

novembro, e só na matéria de Integral. A série de Grande do Norte,seja diferente da do


Rio Grande do Sul.E portanto,a
matérias irá abordar como
História”, conta. formação continuada dos profissionais
os principais temas da deveria ter suas particularidades,o que
educação se relacionam desconheço até o momento aqui no RN.
Por estes motivos, diz que com o projeto de país em Sou pedagoga,e trabalho em uma Escola
numa comunidade de remanescentes
persiste nos estudos porque “é disputa com as eleições quilombola.
que se avizinham, dando
preciso”. Do contrário, não Responder
ênfase para as questões
estudaria. “Posso aprender
identitárias
muito mais com a minha brasileiras, direitos
comunidade, viajando e humanos e políticas
conhecendo outros quilombos, públicas de educação.

mas eu sei que ter um diploma


é muito importante na nossa
sociedade, ainda mais sendo negra e quilombola”, diz.

A experiência da jovem dialoga com a de várias outras


crianças e adolescentes de comunidades tradicionais
matriculados nas redes de ensino do País. Se em suas
comunidades a educação acontece de maneira integral, por
meio da experiência e articulada ao território e à cultura, nas
escolas o que encontram são aulas que pouco ou nada
conversam com suas realidades.

“Temos uma escola pautada em referenciais curriculares


muito padronizados, que não olha para o territórios e outros
saberes. E agora, com a Base Nacional Comum Curricular
(BNCC), há uma tendência a homogeneizar ainda mais”,
observa Lourdes de Fátima Bezerra Carril, professora na
Universidade Federal de São Carlos que desenvolve
pesquisas sobre educação quilombola por meio do
Observatório Quilombola.

Permeado por barreiras físicas, culturais, políticas e étnico-


raciais, o acesso à educação formal por estes povos se traduz,
muitas vezes, em precariedade, preconceito e discriminação.

“Se na escola se desconsidera,


por exemplo, o racismo, cria-se
Se em suas
um processo que leva as comunidades a
crianças negras a pensarem educação acontece
que têm que adquirir outras de maneira integral,
formas de comportamento, por meio da
outro símbolo social”, diz experiência, nas
Lourdes. escolas o que
encontram são aulas
Em Rio de Contas, interior da que pouco conversam
com suas realidades
Bahia, a pesquisadora Claudia
Rocha da Silva, professora na
Faculdade de Letras da
Universidade do Estado da Bahia (UNEB), observou estes
efeitos de perto.

Estudando o tratamento dado por uma escola à linguagem


dos estudantes quilombolas que frequentavam o
Fundamental I, percebeu um forte preconceito linguístico. Os
alunos eram estigmatizados como “menos inteligentes” pelos
professores porque “falavam errado”.

“Esses estudantes eram discriminados por serem falantes de


uma variante linguística estigmatizada, o que a antropóloga
Lélia Gonzalez nomeava de português afro-brasileiro, ou
pretoguês”, diz Claudia. O resultado foi a rejeição dos alunos
à própria língua e, consequentemente, à sua cultura.

“Encontramos estudantes com


uma acentuada baixa
Os quilombos foram
autoestima, silenciados no
formados na era colonial,
espaço escolar por não se
principalmente, a partir da
sentirem capazes de dizer a resistência de negros
língua e, por conta disso, escravizados e libertos.
demonstrando desempenho Muitos deles se associaram
a povos do campo e
insatisfatório”, conta a
indígenas. A educação das
pesquisadora. crianças sempre ocorreu
nos quilombos, liderada
Apesar da necessidade de pelos mais velhos, e
aprender a norma culta da articulada à prática e à
tradição oral.
língua, Claudia alerta que isso
não pode significar um
processo de aculturação
linguística. “A escola deve estar aberta e preparada para lidar
com as diferenças, sejam as raciais, as linguísticas ou
quaisquer outras. Senão corre o risco de excluir os que não se
enquadram nos modelos pré-estabelecidos
tradicionalmente”, diz.

Em outras palavras, apenas uma educação que se proponha a


olhar para a diversidade pode ser capaz de transformar
desigualdades em potencialidades e construir uma escola
verdadeiramente brasileira.

Cartazes nos corredores da escola quilombola Dona Rosa Geralda da Silveira, feitos pelas crianças

Crédito: Acervo pessoal

O que é educação quilombola?

A fim de recuperar a ancestralidade que, por vezes, a escola


distorce e resume à escravidão, as comunidades quilombolas
começaram, por volta de 1980, a se organizar em prol de uma
educação quilombola.

Desde então, foram instituídas legislações para respaldar a


garantia da educação dos quilombolas, como a Lei Nº. 10639
(2003), que tornou obrigatório o ensino sobre História e
Cultura Afro-Brasileira nas escolas, as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico‐
raciais (2007) e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Escolar Quilombola (2012).

Hoje, existem pouco mais de 2300 escolas localizadas em


áreas remanescentes de quilombos no País para cerca de 5
mil comunidades quilombolas, segundo dados de 2017 do
Governo Federal. Destas, somente 34% utilizam materiais
didáticos específicos para atendimento à diversidade
sociocultural quilombola.

“Não há um modelo único de


comunidade quilombola e,
Segundo as Diretrizes
portanto, não há um formato
Curriculares Nacionais
específico para pensar
para a Educação Escolar
uma educação quilombola”, diz Quilombola, de 2012, estas
Kalyla Maroun, professora na escolas devem estar
Faculdade de Educação da inscritas em suas terras, e
ter uma pedagogia própria
Universidade Federal do Rio
em respeito à
de Janeiro (UFRJ). “Cada especificidade étnico-
comunidade tem um processo cultural de cada
singular de constituição de comunidade, bem como
reconhecer e valorizar sua
identidade, de formação e
diversidade cultural.
autoatribuição enquanto
quilombo e assim devem ser
pensadas cada uma das escolas destes territórios”, explica.

Em comum, estão desafios como garantir saneamento básico,


transporte, energia elétrica e alimentação. A maioria das
escolas localizadas nas áreas rurais funciona em espaços
improvisados, cedidos ou alugados de instituições religiosas
ou privadas, em barracões ou salões comunitários, em
condições muito precárias.

Identidade e ancestralidade

Apesar das dificuldades, algumas escolas quilombolas


resistem. É o caso da primeira escola quilombola do estado
do Rio de Janeiro, inaugurada em 2013. Nomeada em
homenagem à mulher que lutou até o fim pela garantia dos
direitos da comunidade quilombola de São Pedro da Aldeia
(RJ), a escola municipal Dona Rosa Geralda da Silveira atende
quase 300 crianças, da pré-escola ao 3º ano do Ensino
Fundamental.

Mais do que o ensino curricular, a escola preza pela


valorização e preservação da cultura e identidade
quilombola. “Nosso projeto é voltado para deixar os nossos
alunos por dentro da história que veio a originar a escola e
para que eles tenham uma educação de qualidade”, conta a
diretora Ana Rogéria Arruda Moraes.

As várias danças africanas fazem parte da educação quilombola na escola Dona Rosa Geralda da Silveira,
em São Pedro da Aldeia (RJ).

Crédito: Acervo pessoal

Ela conta que com os alunos mais velhos trabalha, por


exemplo, o vocabulário próprio da comunidade. Com os mais
novos, utiliza-se da literatura infantil para contar histórias
sobre a África. Ano passado, inclusive, uma mulher
quilombola foi pessoalmente contar para as crianças sobre a
origem do quilombo.

Além disso, pretendem desenvolver o projeto Sabores da


Terra para abordarem as origens da alimentação quilombola
e seu cultivo. Na merenda da escola, inclusive, já
incorporaram abóbora, aipim, carne-seca, e muitas frutas.

Para as apresentações dos alunos em festas da escola, os


pequenos aprendem um pouco mais sobre músicas e danças
africanas. Na última, convidaram um grupo africano para
fazer uma apresentação.

“Trabalhamos com esses elementos para reforçar a


identidade negra É comum eu receber pais que dizem que o
filho é pardo, que é moreno, ao invés de dizer negro.
Queremos valorizar a identidade dessas crianças para elas
saberem que são importantes”, diz a diretora.

Ela ressalta que nada disso


seria possível sem o
“Queremos valorizar a
comprometimento das
identidade dessas
dezenas de professores que lá crianças para elas
trabalham. Ao chegarem, os saberem que são
docentes passam por uma importantes”, diz a
sensibilização ao tema, diretora Ana Rogéria
estudam o Projeto Político
Pedagógico (PPP) da escola e
as Diretrizes da Educação Quilombola, além de receberem
cursos de formação continuada.

“De nada adiantaria criar um PPP se os professores não


levassem a sério. Mas eles querem fazer mais pela cultura,
querem estudar, conhecer, e levar isso para as crianças”,
comemora Ana Rogéria.

Mas todo esse empenho em valorizar a cultura afro-brasileira


não vem sem alguma resistência. A escola, aberta à
comunidade, recebe muitos alunos de fora do quilombo, e
algumas famílias não entendem o projeto de educação em
vigor, e “acham que só ensinam macumba”, como conta a
diretora, e acabam tirando os filhos da escola.

“Eu sou negra, e sei a importância de valorizar nossa história.


Por meio do estudo, porque a nossa cultura ficou adormecida
por muito tempo no ambiente escolar, as crianças pequenas
vão poder conhecer a nossa bonita história, que nós não
vamos deixar morrer”, diz Ana Rogéria.

O colégio quilombola Maria Joana Ferreira leva para as ruas o combate ao racismo

Crédito: Acervo pessoal

Continuidade e troca

A escola quilombola de São Pedro da Aldeia, no entanto,


enfrenta um problema comum a muitas outras: a falta de
continuidade para as demais etapas de ensino. São raras as
unidades que ofertam Ensino Fundamental II e Médio. Uma
delas fica em Palmas, no interior do Paraná.

Inaugurado em 2009, o Colégio Estadual Quilombola Maria


Joana Ferreira recebe 460 estudantes, e também trabalha os
conteúdos regulares do currículo junto aos saberes e culturas
africanas e do quilombo.

“Nós, negros, já passamos


tempo demais sem vez, sem
Em relação às matrículas
voz. Agora vamos mostrar que
em escolas quilombolas, o
somos capazes, sujeitos de Ensino Médio concentra
nossa própria história”, diz apenas 5,9% enquanto o
Rosemary Ferreira da Silva Fundamental corresponde
Câmara, diretora do colégio. “E a 68,5%, segundo o estudo
Educação Escolar
ter escolas quilombolas é
Quilombola no Censo da
fundamental para isso, e não Educação Básica, do
significa que estamos nos Instituto de Pesquisa
excluindo, como dizem, até Econômica Aplicada (Ipea),
de 2015.
porque o quilombo hoje é
composto por várias etnias,
acolhemos a todos”, afirma.

A diretora também conta que promover intercâmbios


culturais é um dos principais objetivos da escola, e que
costumam visitar outros espaços e cidades vizinhas. Em
breve, por exemplo, os estudantes irão conhecer uma
comunidade indígena para ensinar a mankala, um jogo
africano para aprender matemática.

Dentro da escola, procuram trabalhar o racismo e outras


questões por meio do resgate da autoestima e da
ancestralidade, mostrando sua riqueza cultural. Sobre a
importância destas ações, Rosemary sintetiza: “Queremos
nossos direitos, ter visibilidade na sociedade e diante do
poder público, porque ainda temos muito preconceito e
racismo no Brasil.”

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