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Reflexões sobre Portugal na “ Estratégia Europa 20201

Lino Fernandes

1. Das intervenções anteriores ressalta uma forte incerteza sobre a evolução da UE e da nossa inserção
nela. Nesses cenários em que a incerteza vem acompanhada por graves ameaças, será aconselhável,
concentrarmos esforços e recursos, através de uma estratégia que reposicione a economia nacional
para uma posição mais favorável. Essa estratégia deve assentar na valorização dos “activos” que
conseguimos criar de melhor e permitir unir a vontade do país por uma maior coesão social. A crise
deve ser aproveitada como um estímulo para acelerar a prossecução dos objectivos de melhoria da
competitividade estrutural, evitando políticas que sejam um recuo, como seria o reforço das
exportações pelos sectores intensivos em mão-de-obra de baixa qualificação.
Dos cenários mais prováveis parece resultar que a globalização continuará a ser uma tendência
dominante na política dos países europeus. Devemos adoptar essa orientação porque nos é adequada
em qualquer cenário, inclusive nos de recuo na integração europeia. A questão central neste momento
já não é a de (man)termos uma Agenda de longo prazo. O nosso timing estratégico encurtou. É agora o
da resolução da crise. As possibilidades do nosso “longo prazo” dependem do modo como sairmos da
crise dentro de três anos. Se não conseguirmos articular desde já as duas dimensões, o custo será o do
desbaratamento dos activos tangíveis e intangíveis que levámos décadas a acumular, dificilmente
recuperáveis.

2. Se evitarmos a auto-recriminação sobre o que fizemos mal, ou não fizemos, e nos concentrarmos nos
resultados que são relevantes para o futuro, há várias coisas que podemos relevar de que destacamos,
pelo potencial estratégico, duas: a melhoria na formação dos Recursos Humanos e na capacidade C&T e
a melhoria nas infra-estruturas de transportes internacionais de mercadorias. O que, nos termos da
sistematização de cenários do DPP pelo gráfico junto, nos permite colocar o desafio de saber se não
podemos ter reunido as condições mínimas para ambicionarmos o cenário “Projecção Euro-Atlântica”
por uma especialização modelo “Flandres”.

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Intervenção no Seminário sobre “A Crise e a Governança económica europeia”. Museu da Fundação
Oriente, 26 de Maio de 2011.

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Gráfico 1 - Quatro Cenários para as Funções Europeias de Portugal no Horizonte 2025

José Félix Ribeiro, “PORTUGAL 2025 – QUE FUNÇÕES NO ESPAÇO EUROPEU?”

2.a) A melhoria conseguida na capacidade científica e tecnológica, que podemos sintetizar pela
evolução do número de investigadores na população activa (Gráfico 2) permitiu políticas de incentivo à
Investigação Empresarial com resultados muito positivos evidenciados no Gráfico 3.

Gráfico 2 - Evolução do Número de Investigadores na População Activa


‰ Investigadores na População Activa

6
5,6
5,3
5 5,1 5,0
4,8
4,4 4,5
4
3,7 3,8
3,3
3 3,0
2,8
2,4 Portugal
2 2,0
1,4 1,6 EU-27
1,3
1 0,9 1,0

0
1982 1984 1986 1988 1990 1992 1995 1997 1999 2001 2003 2005 2007

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Gráfico 3 – Evolução da Despesa em I&D do Sector Empresas

O Crescimento da I&D empresarial, alicerçou de um modo mais geral melhorias significativas na


Inovação Empresarial, como se pode ver na última edição do Innovation Scoreboard da UE. O facto de a
I&D empresarial se ter concentrado no desenvolvimento de novos “meios de produção” permitiu
difundir o seu efeito a um maior número de empresas, as empresas suas clientes, transformando os
resultados da I&D de algumas emersas em meios de inovação de muitas outras.

Quadro 1 -Tipo de produtos ou serviços segundo o seu lugar nas “cadeias de valor”2
Tipo de produtos ou serviços
Novos produtos ou
Venda de Consumo Total
serviços Equipamento Intermédio
Serviços Final
Nº de novos produtos
56% 30% 7% 7% 100%
ou serviços

Fonte: AdI, “Inquérito à Valorização de Resultados da I&D Empresarial”. Fevereiro de 2011.

Esta inovação nos meios de produção teve um papel importante na adopção de modelos de negócio
que permitiram a muitas empresas tirar partido das “vantagens de proximidade” do mercado europeu
face à concorrência asiaática, para, através da flexibilidade, da customização e da resposta rápida, fugir
à concorrência pelo custo em que já não havia hipóteses de sobreviver face à entrada de concorrentes
como a China. Este tipo de modelo de negócio, assente na criação de valor aos clientes, teve sucesso
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Dados apurados do “Inquérito à Valorização de Resultados da I&D Empresarial” lançado no início de 2011 a uma
amostra de empresas com projectos de I&D com um perfil temporal de execução que com maior probabilidade
tivessem resultados (produtos ou serviços) a chegar ao mercado entre 2008 e 2013.

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não só em sectores de produção discreta, como o calçado, mas mesmo em sectores designados como
de produção contínua, como a química.
Como resultado “associado” a esse sucesso temos agora uma nova geração de empresas de meios de
produção flexíveis, estreitamente articulado com o sistema C&T e que funcionam como elo do
processo de inovação de muitas outras empresas. Empresas que podem tirar amplo partido das
oportunidades que se estão a abrir pelo 2º vector.

2.b) Melhoria nas Infra-Estruturas de Transportes Internacionais de Mercadorias


O sucesso da nossa integração na Europa fez-se com a recentragem da nossa economia no mercado
continental através do uso crescente do transporte rodoviário. A melhoria no funcionamento dos
portos, cujos investimentos começam agora a evidenciar resultados, vai-nos permitir rebalancear a
economia nacional, “desencravando-a” da posição de periferia da Europa e recolocando-a numa
posição mais central, inserindo-nos na dinâmica da globalização.

Gráfico 4 – Alargamento do Canal do Panamá em 2014 e as rotas do transporte marítimo

2014

O alargamento do Canal do Panamá, com entrada em funcionamento previsto para 2014, vai potenciar
o aproveitamento dos investimentos que estão a ser feitos nessas infra-estruturas de transportes
internacionais. Muitos dos porta-contentores de maior dimensão (que por não poderem passar nesse
Canal se designaram precisamente por post-Panamax) chegavam à costa portuguesa já depois de terem
passado pelos portos europeus da costa mediterrânica, vão agora poder fazer a primeira abordagem da
Europa em Sines. Estarão entre eles os que provêm do Extremo Oriente (como Xangai, Japão, Coreia) e
pretendem também abordar, de caminho, os portos da costa-ocidental dos EUA.
Perspectiva-se assim não só um crescimento dos sectores de serviços e logística, como a criação de
condições mais favoráveis à fixação e desenvolvimento de industrias que beneficiem do melhor acesso

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aos transportes marítimos, nas vertentes de custo, frequência, variedade de destinos e origem, onde se
incluem os mercados mais dinâmicos da economia global.
O que vem, em primeiro lugar, reforçar as condições de sucesso dos modelos de negócio que exploram
as vantagens de proximidade do mercado europeu, modelo de integração de peças e componentes,
com peso dominante nos custos de produção, que muito beneficiarão do seu acesso em melhores
condições. Beneficiando de dois tipos de redução de custos: baixa dos preços dos componentes
(possibilitada pela escala de produção associada á dimensão de marcados como os da China); e redução
de custos com stocks. Uma maior frequência de abastecimentos diminui a incerteza, que pode levar a
dois tipos de sobrecustos de stocks: sobrecustos por excesso de imobilizado, ou custos de “não venda”
por falta de produto procurado.
Ambos são importantes para aumentar a “produtividade do capital” que é um dos pontos fracos da
nossa competitividade, e vai permitir alargar este modelo baseado na “resposta rápida e costumizada” a
outro tipo de produtos, como os bens de consumo duradouros.

Em 2º lugar cria condições mais favoráveis para aumentar as exportações para fora da Europa, pela
melhoria dos transportes para as economias emergentes, mas também pela melhoria das condições de
importação de inputs para os sectores de meios de produções, que constitui para nós o tipo de
especialização mais adequada às necessidade dos mercados emergentes. O desenvolvimento destes
países, já não se limita à exportação de matérias-primas, passa por processos de industrialização,
começando pelos bens de consumo de massa. A nossa capacidade de exportar bens e serviços de
consumo localizar-se-á nas altas gamas para as elites, capitalizando na imagem conseguida nos
mercados mais ricos da Europa. Se quisermos ser úteis ao seu processo de desenvolvimento as nossa
exportações têm de se focar na tecnologia e nos meios de produção. A capacidade tecnológica
desenvolvida mas últimas décadas, somada ao networking que Portugal foi desenvolvendo ao longo da
história torna viável esta especialização, permite-nos contribuir para o desenvolvimento de soluções
mais adequadas para as suas características e problemas. A disponibilização das plataformas de
logística, que se vão localizar em torno de Sines, aumenta a nossa capacidade competitiva enquanto
integradores de novas soluções.

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3. Como resultado do grande crescimento da I&D empresarial, estão em vias de chegar ao
mercado um nº impar, na história da nossa economia, de novos produtos e serviços. Um
Inquérito realizado recentemente dá-nos uma ideia desse potencial.

Gráfico 5 - Distribuição do Nº de Novos produtos/Serviços por Ano de Lançamento no mercado

800

700
Nº de novos produtos/serviços

600

500

400

300
218
200 146 147
101 101
100 52

0
2008 2009 2010 2011 2012 2013
Anos de lançamento no mercado
Novos produtos Novos produtos (Acumulado)

Fonte: AdI, “Inquérito à Valorização de Resultados da I&D Empresarial”. Fevereiro de 2011.

A chegada ao mercado, com sucesso, destes novos produtos, dará um importando impulso à
dinamização e renovação da economia. Mas é preciso vencer as dificuldades agravadas pela própria
crise, desde a redução de capacidade de aquisição pelos clientes, até à capacidade de financiamento da
sua produção e comercialização pelas empresas inovadoras.

Muitos destes novos produtos dirigem-se a sectores com um forte impacto social, ao contribuir para a
melhoria das condições de vida, como a saúde, a segurança ou o ambiente e a mobilidade. O impacto
social deste tipo de inovação pode traduzir-se pela redução de custos, mantendo ou melhorando a
qualidade dos serviços. É o que se passa com várias tecnologias em desenvolvimento na saúde que
tratam informação disponível para ajudar a antecipar o diagnóstico de doenças de elevada relevância
social e custo económico. A antecipação do diagnóstico permite reduzir os custos com os futuros
tratamentos, alterando a natureza de actividades, que tradicionalmente eram de serviço de
proximidade, dando origem a produtos e serviços exportáveis. Trata-se de uma tendência de particular
importância nesta conjuntura, que deverá ser prosseguida de forma sistemática, através de programas
de I&D orientados por objectivos com impacto social. A coesão social também pode ser prosseguida
pela procura de novos meios ou de caminhos mais eficientes. A inovação com impacto social pode abrir

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novas oportunidades à economia. Tratando-se de mercados em que a procura pública tem um
importante papel na diminuição do risco de mercado é preciso encontrar os meios neste período de
fortes restrições orçamentais. Por hipótese a emissão de obrigações convertíveis em acções, pode ser
um instrumento adequado ao financiamento da procura pública de modo a ser rapidamente convertida
em participação no capital para financiar a expansão da produção das empresas nacionais fornecedoras.

Os constrangimentos da crise poderão em alguns casos ser ultrapassados por medidas de política
inovadoras que façam melhor uso de recursos escassos. Por exemplo o retrofiting, a actualização
tecnológica de veículos de transporte, substituindo os motores térmicos por motores eléctricos, é um
caminho possível para diminuir os custos de transporte e a poluição urbana, reduzindo a importação de
combustíveis e veículos, criando emprego no curto prazo e formando, simultaneamente, recursos
humanos especializados e desenvolvendo industrias fornecedoras de peças, para atrair investimentos
em novas fábricas a médio prazo.

Em Síntese: A melhoria que o País alcançou na sua capacidade C&T torna possível que encaremos a
crise como uma oportunidade para a inovação, desenvolvendo novas soluções sob a forma de novos
produtos ou serviços que por serem mais adequados às necessidades serão mais competitivos.

O aproveitamento dos novos meios de transporte internacional de mercadorias, torna possível


potenciar o impacto destes resultados da inovação no mercado global, dando-lhe a dimensão para
uma mudança estrutural na nossa competitividade.

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