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No movimento dos sentidos: a ideologia e o silêncio como fatores de

produção do discurso pelo sujeito em sua posição de produção do funk

Jeferson Sousa Cavalcante1

RESUMO: Este artigo tem como finalidade uma análise nos funks Só quer vrau, de Mc MM
(parte DJ RD) e Sua amiga eu vou pegar, de Mc Lan (parte de Mc WM). Teremos, como
propósito, fazer uma investigação, com base na Análise de Discurso, partindo de Eni
Puccinelli Orlandi, para buscarmos uma das possibilidades de sentidos que nosso material nos
proporcionará, levando em conta que todos os indivíduos que produz sentidos, são
interpelados em sujeito pela ideologia. Observaremos que, mesmo quando o sujeito, em sua
posição de produção do funk, coloca as palavras no silêncio, somos capazes de compreender
os sentidos, já que entramos na mesma formação discursiva que ele. Analisaremos, também, a
forma pela qual o sujeito significa ao produzir sua música, e acaba que, por querer que seu
produto seja vendido, colocando a mulher como instrumento de uso sexual. Reiteramos que
isto é uma das possibilidades de sentidos.
PALAVRAS-CHAVE: Ideologia; Funk; Sentidos; Silêncio; Sujeito.
ABSTRACT: This article has as purpose an analysis in the funks Só quer vrau, of Mc MM
(part DJ RD) and Sua amiga eu vou pegar, of Mc Lan (part of Mc WM). We will have, as a
purpose, to do an investigation, based on Discourse Analysis, starting from Eni Puccinelli
Orlandi, to search for one of the possibilities of senses that our material will provide us,
taking into account that all the individuals that produces senses, are interpellated in subject by
ideology. We will observe that even when the subject, in his position of funk production,
places words in silence, we are able to understand the senses, since we enter into the same
discursive formation as he. We will also analyze the way in which the subject means when
producing his music, and ends up wanting that his product be sold, placing the woman as an
instrument of sexual use. We reiterate that this is one of the possibilities of senses.

KEYWORDS: Ideology; Funk; Senses; Silence; Subject.

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Graduando do quarto semestre do curso de letras pela Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT,
Campus universitário de Pontes e Lacerda. E-mail: jeferson.amofelicidade@hotmail.com
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O presente artigo tem como objetivo uma análise nos funks Sua amiga eu vou pegar e
Só quer vrau, compostos e cantados por Mc Lan (parte de Mc WM) e Mc MM (parte DJ RD),
respectivamente. Pela perspectiva da Análise de Discurso, pelo olhar de Eni Puccinelli
Orlandi, nosso objetivo é ver/compreender a forma pela qual o discurso de ambas as músicas
é compreendido, uma vez que elas silenciam os verdadeiros sentidos, mas, ainda sim, somos
capazes de entender o que está sendo dito. Analisaremos, também, a maneira do
funcionamento do discurso sobre a mulher, visto que a mesma parece ser, pela forma da
composição das canções, simplesmente um objeto de uso sexual.
Somos capazes de interpretar e investigar uma das possibilidades de sentidos que
tomaremos, porque, ao adentrarmos na área de Análise de Discurso, passamos a observar as
coisas presentes no mundo de forma diferente. Além da música, vemos que as imagens, os
gestos, entre outras questões, passam a ser vistas com outros olhares, isto porque averiguamos
que tudo pode ter outros sentidos, que o que está posto pode não ser aquilo. Passamos a nos
surpreender com o dito, e, claramente, a duvidar do não dito, e assim nos constituímos
enquanto sujeitos. Deixemos claro, desde já, que nossa compreensão não partirá de um único
e verdadeiro sentido, mas sim, como já dito, de um possível que nosso material proporcionará.
No movimento dos sentidos, na busca do que está subentendido, e sabendo que, nós mesmos,
indivíduos, que, graças à ideologia, interpelamo-nos em sujeitos, reproduzimos discursos já
ditos, nosso objetivo para com este trabalho é sair da margem do comum. Veremos, também,
que uma simples palavra, mesmo com seu sentido pronto, significa para nós.
Antes de começarmos com nossa análise, faz-se necessário mostrarmos a origem do
funk e sua temática enquanto música dançante:

O funk é um estilo musical que surgiu através da música negra norte-americana no


final da década de 1960. Na verdade, o funk se originou a partir da soul music, tendo
uma batida mais pronunciada e algumas influências do R&B, rock e da música
psicodélica. De fato, as características desse estilo musical são: ritmo sincopado, a
densa linha de baixo, uma seção de metais forte e rítmica, além de uma percussão
(batida) marcante e dançante. (https://brasilescola.uol.com.br/artes/funk.htm)

Por ter se originado da música negra, vemos que assim quando o funk surgiu, a
temática principal era sobre problemas sociais, uma crítica voltada ao negro e os conflitos
sociais que o rodeia, como, por exemplo, o preconceito. No Brasil, percebemos que,
atualmente, os artistas não se preocupam com esse tipo de questão, e sim em produzir para
que repercuta e faça sucesso. Nós, tomados pela ideologia, esquecemo-nos do funk origem,
daquele tipo de música que fazia uma denúncia social, especificamente sobre a vida nas
favelas, sobre drogas e armas. Apagamos no imaginário. Agora, temos funks, como as letras

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que nos propomos a analisar, que possuem temática erótica, e com letras que conotam duplo
sentido.

Para que possamos dar ênfase em nossa análise, usaremos, como referencial teórico,
dois livros de Orlandi, sendo o primeiro As formas do silêncio: no movimento dos sentidos
(2007) que nos ajudará a perceber que o sentido pode ser sempre outro, que aquilo que é mais
importante não se diz, pois o sujeito cai na censura, isto é, cai em um limite de significação. O
silêncio atravessa as palavras, fala por elas e, assim, conseguiremos perceber o sentido, tudo
isso por estarmos envolvidos com o discurso que está ligado, diretamente, com a língua e a
ideologia. Com a ajuda deste, não teremos como não interpretar, mesmo no silêncio, lugar
este em que o sujeito significa, silenciando um verdadeiro sentido, mas não deixando de
significá-lo. Trabalharemos, também, com o livro Análise de Discurso: princípios e
procedimentos (2007) que será fundamental a nós para que possamos perceber como o
discurso, que é palavra em movimento, circula para que o sujeito que o faz signifique. Será
importante para percebermos como conseguimos captar os sentidos no material que nos
propomos a avaliar, isto devido à ideologia, que age em nós.

Desta forma, com estes dois textos, além do apoio de mais dois, sendo um de Felipe
Sousa Ferraz, tese de dissertação de mestrado, intitulado como Entendeu o que eu quero
dizer? O discurso do Punk Rock brasileiro e a textualização da história (2017) e um artigo de
Valéria Leoni Rodrigues, A importância da mulher (2007), problematizaremos nosso
material. Nossa intenção não é fazer nenhum tipo de crítica aos cantores e muita menos às
músicas, mas sim fazer uma observação minuciosa a respeito dos sentidos. Não queremos,
também, chegar a uma resposta concreta do que observaremos, mas, reiterando o que
dissemos no começo, sair da margem do comum. “Por isso a importância de um trabalho
minucioso (...) do analista do discurso em investigar até mesmo nas “pistas mudas” ou mais
triviais aquilo que explode em produção e circulação de sentidos.” (FERRAZ, 2017, p.26).
Iniciaremos nossa análise pela música Sua amiga eu vou pegar, de Mc Lan (parte de
Mc WM):

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Quando essa tocar
Tu vai se lembrar
De que eu era um bosta
E tu não queria me pegar
Mundão vai girar
E ela vai voltar
Lembra daquela garota?
Agora ela quer me dar!
Hoje a vida mudou
E hoje eu não quero mais pegar você
Sabe por quê?
Porque
Sua amiga eu vou pegar
E laraiaraiá
Sua prima eu vou pegar
E raraiaraiaraiá
Sua tia eu vou pegar
E larararará
Sua chefe eu vou pegar
E larararararararará
Mulher gostosa
Não é a que tem tetão
Não é a que tem bundão
É a que faz gostoso
Na giromba, ladrão!
E além de tudo
É bem melhor que você, hein!
Éh tá dando de
Tipo pilha duracell
Oito vezes mais

Porque ela
É melhor sentando
É melhor quicando
É melhor que tu
Balançando o bumbum
Ela é melhor sentando
É melhor quicando
É melhor que tu
Balançando o bumbum, vai!
É melhor sentando
É melhor quicando
É melhor que tu
Balançando o bumbum
Ela é melhor sentando
É melhor quicando
É melhor que tu
Balançando o bumbum
Que essa amiga eu vou pegar
E laraiaraiá
Sua prima eu vou pegar
E raraiaraiaraiá
Sua tia eu vou pegar
E larararará
Sua chefe eu vou pegar
E larararararararará
DJ solta o beat
Concorrência dá chilique
E pra variar é WM e Lan
Lançando mais um hit.
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De primeiro momento, temos os seguintes trechos que nos chamaram a atenção: “Sua
amiga eu vou pegar E laraiaraiá, Sua prima eu vou pegar, E, raraiaraiaraiá, Sua tia eu vou
pegar, E larararará, Sua chefe eu vou pegar, E larararararararara”. Aqui entramos na
perspectiva do silêncio “procurando escutar o não dito naquilo que é dito, como se fosse um
presença de uma ausência necessária” (ORLANDI, 2007, p.34). Na passagem da música que
mostramos, o sujeito ao dizer “vou pegar e raraiaraiaraiá”, vemos, pela possibilidade de
sentido que enxergamos, que as palavras se referem ao ato do sexo e tudo que o envolve.
Somos capazes de entender assim pelo contexto da música, e, também, porque as palavras
contêm muitos sentidos que não serão ditos, porque o sujeito tem certo limite para significar.
Ele transmite o sentido, significa mesmo não dizendo o “real” da palavra, isto porque o
silêncio fala por elas. Se assim dizemos é porque “também a música, em geral, em suas
diferentes expressões, propõe-nos uma relação com o silêncio” (ORLANDI, 2007, p.41). Por
que o sujeito consegue significar pelo não dito? Porque ele toma sua posição, uma identidade
que se inscreve em uma formação discursiva e não em outra. Toma uma posição de sujeito
que já está ideologicamente constituída, assim suas palavras têm sentidos.
Assim, se as palavras ditas por este sujeito, afetado por uma formação discursiva,
estivessem ditas por outro sujeito, ou por ele mesmo, em outro tipo de discurso, seríamos
capazes de interpretar os sentidos de forma diferente. “A música, inevitavelmente, captura o
sujeito e invade seu espaço das mais variadas formas, constituindo diferentes processos de
identificação subjetiva” (FERRAZ, 2017, p.17).
Por meio do primeiro trecho que destacamos, já vemos que o papel da mulher pode
estar sendo rebaixado a mero aparelho de sexo. Vemos que ela, mesmo assumindo diferentes
posições de sujeito (amiga, prima, tia e chefe), parece não receber o valor que deve. Com
base nisto, continuamos nossa análise com os trechos subsequentes da canção: “Mulher
gostosa não é a que tem tetão/ Não é a que tem bundão / É a que faz gostoso na giromba,
ladrão!”. Questionemo-nos: o valor da mulher está em simplesmente em saber fazer sexo?
Em questões de moral e ética, estamos regredindo, em vez de progredirmos? Percebemos,
que, segundo Rodrigues (2007, p.7) “muitas mulheres conseguiram conquistar postos de
trabalho, antes só ocupados por homens, como cargos políticos, por exemplo. Com a crise
familiar da sociedade, muitas passaram a exercer o cargo de chefes de família também.” Ao
longo de nossa história a mulher conquistou seu espaço na sociedade, e, inclusive, tem seu
direito de igualdade em relação ao homem. Então, como base nas perguntas que levantamos,

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vemos que não é bem assim que se caracteriza o sujeito mulher.
O sujeito silencia o sentido, mas nós, enquanto analistas, somos capazes de entender,
pois estamos saindo do efeito de transparência da linguagem, daquilo que não parecia dizer
nada, mas está cheio de sentidos a significar. Estamos, como dito no início, tomando uma das
possibilidades de sentidos que nosso material está nos proporcionando.

O que se espera do dispositivo do analista é que ele lhe permita trabalhar não
numa posição neutra, mas que seja relativizada em face da interpretação: é
preciso que ele atravesse o efeito de transparência da linguagem, da
literalidade do sentido (...) não se coloca fora da história, do simbólico ou da
ideologia. Ele se coloca em uma posição deslocada que lhe permite
comtemplar o processo de produção de sentidos em suas condições.
(ORLANDI, 2007, p.61)

Estando engajados no funcionamento do discurso em que estamos trabalhando, nossa


intenção é descrever e compreendê-lo, e, por isso, nossa interpretação não para por aqui.
Continuemos com o último trecho no qual destacamos: “E além de tudo é bem melhor que
você, hein! / Éh tá dando de Tipo pilha duracell / Oito vezes mais”. Com mais este trecho,
constamos que o sujeito já está tomado pela ideologia, e, sabendo que tem que produzir para
vender, já que vive disso, acaba que, segundo nossa visão de enxergar os sentidos, não tendo
mais noção da forma que está significando. Conseguimos extrair dois tipos de visão em que,
novamente, o trecho pode se remeter à mulher que está perdendo seu valor. Primeiro, ao dizer
“é bem melhor que você, hein”, o sujeito, ideologicamente constituído na formação discursiva
de produtor do funk, coloca uma diferença entre as mulheres, e, como estamos interpretando,
entendemos que uma é melhor que a outra, pondo em discussão a “inferioridade em que a
mulher se encontra, ou até mesmo seu destino, como ser complementar do homem.”
(RODRIGUES, 2007, p.13). Em segundo, o sujeito ao dizer “Éh tá dando de Tipo pilha
duracell, oito vezes mais”, até poderíamos dizer que, neste momento, o sujeito mulher ganha
um prestígio, já que a pilha em questão é de marca boa. Dizemos isto pelo slogan que ela
contém:

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Figura 1: https://www.duracell.com.br/product/pilhas-aa-basicas/

Mas, independentemente disto, de durar “até dez vezes mais”, e, inclusive não “oito
vezes mais”, como na música, sabemos que toda pilha, ao acabar sua carga, é descartada.
Logo, voltamos à questão a que estamos dando ênfase por uma das possibilidades de sentidos:
a mulher sendo um objeto de uso de gestos sexuais, em que usou, não serve mais.

O sujeito é tomado pela ideologia, produz sentidos, e nós conseguimos captá-lo.


Dizemos que não há discurso, que é palavra em movimento, sujeitos significando, sem o
sujeito que o faz, da mesma forma que não há sujeito sem ideologia. Tanto o sujeito que adota
um discurso, entra em uma formação discursiva para se fazer entender, como nós,
significamos, entramos, para ver/compreender, o sentido posto por ele. “todo dizer é
ideologicamente marcado” (ORLANDI, 2007, p.38).

Para finalizar nossa análise, iremos ver o silêncio atravessando as palavras e


significando na outra música que nos propomos a trabalhar, isto é, Só quer vrau, de Mc MM
(parte DJ RD). Apontaremos os trechos que, para nós, faz-se necessário destacar para nossa
análise.

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Essas malandra assanhadinha
Que só quer vrau, só quer vrau
Só quer vrau, vrau, vrau
Vem pra favela ficar doidinha
Então, vem sentando aqui
(Senta aqui, senta aqui, vai)
Essas malandra (vai, vai) assanhadinha (vai, vai)
Que só quer vrau, só quer vrau
Só quer vrau, vrau, vrau
Vem pra favela (vai, vai) ficar doidinha (vai, vai)
Então, vem sentando aqui
Vai nov-, vai nov, vai nov-, vai nov-
Vai nov-, vai novinha da favela
O ritmo é esse aqui
Senta aqui, senta aqui, senta aqui
Senta aqui, senta aqui, senta aqui, senta (vai, vai, vai)
Senta aqui, senta aqui, senta aqui
Senta aqui, senta aqui, senta aqui, senta (vai, vai, vai)
Senta aqui, senta aqui, senta aqui
Senta aqui, senta aqui, senta aqui, senta (vai, vai, vai)
Vai, vai
Essas malandra (vai, vai) assanhadinha (vai, vai)
Que só quer vrau, só quer vrau
Só quer vrau, vrau, vrau
Vem pra favela (vai, vai) ficar doidinha (vai, vai)
Então, vem sentando aqui
Essas malandra assanhadinha
Que só quer vrau, só quer vrau
Só quer vrau, vrau, vrau
Vem pra favela ficar doidinha
Então, vem sentando aqui
(Senta aqui, senta aqui, vai)
Essas malandra assanhadinha
Que só quer vrau, só quer vrau
Só quer vrau, vrau, vrau
Vem pra favela ficar doidinha
Então, vem sentando aqui
Vai nov-, vai nov, vai nov-, vai nov-
Vai nov-, vai novinha da favela
O ritmo é esse aqui
Senta aqui, senta aqui, senta aqui
Senta aqui, senta aqui, senta aqui, senta (vai, vai, vai)
Senta aqui, senta aqui, senta aqui
Senta aqui, senta aqui, senta aqui, senta (vai, vai, vai)
Senta aqui, senta aqui, senta aqui
Senta aqui, senta aqui, senta aqui, senta (vai, vai, vai)
Vai, vai
Essas malandra assanhadinha
Que só quer vrau, só quer vrau
Só quer vrau, vrau, vrau
Vem pra favela ficar doidinha
Então, vem sentando aqui.

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Os trechos que nos chamaram atenção, e que basicamente se repete durante toda a
canção, são: “Essas malandra, assanhadinha/ Que só quer vrau/ só quer vrau/ só quer vrau,
vrau, vrau/ vem pra favela, ficar doidinha/ então, vem sentando aqui”.
Tomemos, primeiramente, a questão do “só quer vrau”. Entendemos, como dissemos
outras vezes, que pode se remeter ao ato do sexo, só que, desta vez, pela música, a mulher
ganha uma posição de sujeito de “malandra”, que, por nosso olhar, talvez seja pelo fato de
estar na favela. Deixemos essa questão para nosso segundo ponto de análise, pois agora o que
nos interessa é a questão que já mencionamos, ou seja, “só quer vrau”. O silêncio ajuda-nos.
Orlandi nos diz que ele não é interpretável, é compreensível. Possibilitando-nos uma
possibilidade de sentido, temos que, para compreender o silêncio, “saber como um objeto
simbólico produz sentido, procurar a explicitação dos processos de significação presentes no
texto e permite que se possam “escutar” outros sentidos que ali estão” (ORLANDI, 2007,
p.30).
Dissemos que o trecho remete-se ao sexo, pois novamente entramos na mesma
formação discursiva que a do sujeito que assume sua posição e significa. No movimento dos
sentidos, nós vamos significando também, pois, como dissemos no início, passamos a duvidar
do não dito e se surpreender com o dito.

Nosso segundo ponto, e que já comentamos: “vem pra favela ficar doidinha”.
Questionemo-nos: por que, justamente, se faz necessário, quando se quer fazer algo errado,
levar para a favela? É proposital de o sujeito pensar assim? Dizemos que não, pois ele está
tomado pela ideologia, e influenciado pelas características, não boas, que significam ao
lembrarmos do lugar, que:
É um assentamento urbano informal densamente povoado caracterizado por
moradias precárias e miséria. Apesar das favelas diferirem em tamanho e em
outras características de país para país, a maioria delas carece de serviços
básicos, como saneamento, abastecimento de água potável,
eletricidade, policiamento, corpo de bombeiros, além da falta
de infraestrutura em geral e de regularização fundiária, entre outros
problemas. As residências desse tipo de assentamento urbano variam de
barracos mal construídos até edifícios deteriorados.
(https://pt.wikipedia.org/wiki/Favela)

Por esse descaso com o local, vemos que lá pode ser feito tudo o que quiserem. Não é
proposital, como dissemos, o sujeito significar como compreendemos, pois “o individuo é
interpelado em sujeito pela ideologia e é assim que a língua faz sentido” (ORLANDI, 2007,

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p.17). O sentido da palavra está construído, e, por estar em uma letra de funk, conseguimos
compreender a forma pela qual está significando. “as palavras simples do nosso cotidiano já
chegam até nós carregadas de sentidos que não sabemos como se constituíram e que, no
entanto, significam em nós e para nós” (ORLANDI, 2007, p.20).
Por fim, dizemos: não tivemos como não interpretar. Graças à “incompletude do
sujeito, do sentido, da língua e da história” (FERRAZ, 2017, p. 31-32), pois, se o sujeito vai
ressignificando novos sentidos, eles sempre podem ser outros, jamais serão completos. A
Análise de Discurso, pelo olhar de Orlandi, foi-nos fundamental, pois ela trabalha “com
homens falando, considerando a produção de sentidos enquanto partes de suas vidas”.
(ORLANDI, 2007, p.16).
Foi-nos uma abordagem importante uma das possibilidades de olhar para nosso
material. Saímos, como era esperado, da margem do comum, pois interpretamos e deixamos
os sentidos significar em nós. Comprovamos, realmente, que diante de qualquer objeto
simbólico somos levados a analisá-lo. Explicitamos nosso material de leitura dos sentidos
com base na linguagem, mostrando como se constitui a relação de sentido que foi posto em
jogo no discurso que trabalhamos. Constamos que saímos do efeito de transparência da
linguagem, desnaturalizando os sentidos que pareciam ser os únicos possíveis. Interpelados
pela ideologia, assim como qualquer sujeito, conseguimos compreender o discurso do qual
tomamos, isto é, do funk, descrevendo-o e, assim, conseguimos significar.
Nossa intenção foi fugir da literalidade do sentido, ir além, escapar do que parece
óbvio, e para isso, fizemos algumas pesquisas. Como aponta Orlandi "o que se espera do
analista é que lhe permita trabalhar não numa posição neutra, mas que seja relativizado em
face da interpretação. É preciso que ele atravesse o efeito de transparência da linguagem"
(ORLANDI, 2007, p.61). Encaremos a tarefa, pensamos. Constamos que nosso material pode
ter várias outras possibilidades de partir para analisar, partindo do silêncio, por exemplo, este
lugar de recuo necessário para que o sujeito possa significar, para que o sentido faça sentido,
para que o sujeito se movimente em face dele. Poderíamos ter tomado nossa análise até
mesmos de outras posturas ideológicas, como, por exemplo, nos interessar por uma
comparação do funk com o sertanejo, com o hip-hop, o country, como os sentidos são
mostrados, se o discurso sobre a mulher difere-se ou iguala-se nos estilos musicais. Até
mesmo poderíamos ter comparado com o funk-gospel, como funciona o discurso neste,
relacionando com os outros estilos, dentre várias outras possibilidades de análise. No entanto,
preferimos não, o que, para a análise de discurso, é importante, pois um mesmo analista pode

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tomar várias posições de ver/compreender os sentidos. Ressaltamos que, independentemente
do ponto de vista que tomarmos, não podemos nos colocar fora do simbólico e da ideologia,
já que é a condição para que o sujeito se constitua enquanto sujeito.

Referências bibliográficas:

DANTAS,Tiago."Funk"; Brasil Escola. Disponível em


<https://brasilescola.uol.com.br/artes/funk.htm>. Acesso em 13 de outubro de 2018.
Ferraz, Felipe Souza. Entendeu o que eu quero dizer? O discurso do Punk Rock brasileiro e a
textualização da história. Cáceres/MT: UNEMAT, 2017

ORLANDI, Eni Puccinelli. As formas do silêncio: no movimento dos sentidos. 6ºed.


Campinas: Editora da Unicamp, 2007
ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise de Discurso: princípios e procedimentos. 7ºed. Campinas:
Pontes, 2007
RODRIGUES, Valéria Leoni. A importância da mulher. 2007. Disponível em:
<http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/729-4.pdf>. Acesso em: 15 de
Novembro de 2018.

https://www.letras.mus.br/mc-mm/so-quer-vrau-part-dj-rd/. Acesso em: 18 de novembro de


2018.
https://www.letras.mus.br/mc-lan/sua-amiga-eu-vou-pegar/. Acesso em: 18 de novembro de
2018.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Favela. Acesso em: 24 de novembro de 2018.

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