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Eu sei tudo de você? - Jorge Forbes


Clínica
4-5 minutos

18/05/2015 02h48

Jorge Forbes

Eu sei tudo de você. Assim resume-se a nova febre que acomete


casais desconfiados, craques nas novas tecnologias.

Eu sei tudo de você: olho seu whatsapp, baixo seus e-mails, fuxico
seu instagram, bisbilhoto seu facebook. E se der, gravo suas
conversas e filmo os seus momentos. Aliás, não controlo só você,
mas também seus parceiros, seus filhos, seus pais e seus amigos
mais próximos.

Eu sei tudo de você e só sabendo tudo de você é que eu posso


confiar e declarar meu amor. Chamo isto de transparência, posso
aceitar descompassos, mas quero uma relação transparente, na
qual tudo que você souber de você mesmo, eu também sei.

Eu sei tudo de você. Oh, quimera pós-moderna, ilusão dos


inseguros. Nada disto pessoinhas antenadas, nada de pensar que
sua bisbilhotice vai lhes trazer maior conhecimento a respeito de
quem quer que seja. Bons tempos aqueles nos quais as pessoas
se envergonhavam de abrir uma gaveta alheia e quando bolsa de
mulher e paletó de homem eram intocáveis. Agora, com a desculpa

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rala de ver uma foto ou de que seu celular estava tocando, os


sherloquinhos conectados se permitem a incursões invasivas e
indecentes.

Pensam que se a tecnologia está aí então é para ser usada,


quando a ética reza o contrário: a existência da possibilidade não
autoriza o seu uso.

Ademais, há um erro básico em imaginar que se conhece uma


pessoa por colher informações supostamente secretas. Nenhum
ser humano é traduzível em palavras, o mais essencial de nós
mesmos não tem palavras, nem nunca terá. Nem mesmo a própria
pessoa sabe de si, é o que todos os dias verifico nos analisandos.
A psicanálise melhora esse conhecimento, mas não tem intenção
de extenuá-lo. Aliás, se uma parte do tratamento visa o se
conhecer melhor, outra, talvez a mais importante, visa dar
condições à pessoa decidir sobre o que não conhece e que nunca
conhecerá de si e dos outros.

Espera uma revisão, em nossos tempos, o conceito de traição e de


fidelidade. Não nos basta mais nos aferrarmos à velha divisão
simplista e maniqueísta, do branco e do preto, do fiel e do infiel. O
amor, especialmente na pós-modernidade, não se expressa em
nenhuma moral de costumes. Amar é bem mais complexo do que
o claro ou escuro. São as nuances que melhor rimam com os
romances.

Alguém poderia perguntar por que nestes tempos pós-modernos,


continuamos a presenciar crises de ciúmes apaixonadas. Embora
pareça contraditório, não é. Exatamente porque vivemos uma
época múltipla e flexível é que os ciúmes se acerbam como uma
tentativa - falsa, sem dúvida - de acalmar a angústia da escolha.

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Voltando, pesquisa recente afirma que 40% dos casos de traição


na Itália foram provocados pelo whatsapp. Conclusão: jogar o
celular pela janela? É claro que não. Só beneficiaria os fabricantes
dos ditos cujos. Melhor jogar pela janela aquela pequeneza
humana que não sabe diferenciar o que é da cena, com o que é da
obscenidade. Explico: as pessoas acham que além da cena está
escondida uma verdade maior, A Verdade maiúscula. Ledo
engano, um dos sentidos da palavra “obsceno” é exatamente “além
da cena”. Assim, ir além da cena, do que está ali, visível, querer
escarafunchar além, para ter mais segurança – como dizem – não
trás nenhuma nova verdade. É simplesmente obsceno.

Artigo publicado na Revista GENTE IstoÉ - fevereiro 2015

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