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O que é Teoria dos Jogos

Garrincha: O senhor já combinou com os


russos?

Ele não sabia, mas estava raciocinando com a Teoria dos Jogos

Conta a lenda que na Copa de 1958, durante a preleção antes do jogo contra a antiga
União Soviética, o técnico brasileiro Vicente Feola reuniu os jogadores e combinou a
estratégia da partida. Segundo Nelson Correa, foi algo assim [1]:

No meio de campo, Nilson Santos, Zito e Didi trocariam passes curtos para atrair a atenção dos
russos… Vavá puxaria a marcação da defesa deles caindo para o lado esquerdo do campo…
Depois da troca de passes no meio do campo, repentinamente a bola seria lançada por Nilton
Santos nas costas do marcador de Garrincha. Garrincha venceria facilmente seu marcador na
corrida e com a bola dominada iria até à área do adversário, sempre pela direita, e ao chegar à
linha de fundo cruzaria a bola na direção da marca de pênalti; Mazzola viria de frente em
grande velocidade já sabendo onde a bola seria lançada… e faria o gol! Garrincha com a
camisa jogada no ombro, ouvia sem muito interesse a preleção, e em sua natural simplicidade
perguntou ao técnico: Tá legal, seu Feola… mas o senhor já combinou tudo isso com
os russos?

Luis Nassif lembrou bem que "uma das características de qualquer ser humano racional,
cartesiano, é a capacidade de prever as consequências de um lance jogado. Até Garrincha, gênio
do futebol e escasso em raciocínio, entendia que não existe tática eficiente se não se prever qual
será a reação do adversário. O famoso “já combinaram com os russos” é um monumento à boa
lógica" [2].

Bem vindo ao mundo da Teoria dos Jogos. Garrincha não foi nada ingênuo. Elaborar
uma estratégia significa pensar todas as suas opções considerando as reações do seu
adversário. A ciência e arte da Teoria dos Jogos está em oferecer algumas ferramentas formais
para antecipar o movimento do outro jogador. Como exemplo, uma dos principais conceitos é
"coloque-se na posição do adversário e veja o que você faria se fosse ele".

O que é Teoria dos Jogos

Uma breve introdução intuitiva

O que é Teoria dos Jogos e como ela pode melhorar as suas decisões estratégicas? Teoria dos
Jogos é o estudo das tomadas de decisões entre indivíduos quando o resultado de cada um
depende das decisões dos outros, numa interdependência similar a um jogo.

Mas primeiro é interessante explicar o que não é Teoria dos Jogos: decidir qual carro
comprar, por exemplo. Escolher um automóvel é uma decisão complexa pela quantidade de
variáveis a considerar. Além do preço, existem a aparência, estilo, tamanho, motor, conforto,
acessórios, etc. Para complicar, sempre há um trade-off: nenhum carro possui exatamente
todas as características que você gostou. Seria bom se o carro A, como aqueles acessórios,
também tivesse a configuração do motor do carro B. Você pode criar um algoritmo (mental ou
via computador) para colocar todas as variáveis e pesos de importância (suas utilidades) e criar
um ranking. Entretanto, o exemplo do carro é uma decisão isolada - a decisão é só sua e não
há interferência de outros no resultado.

Já a Teoria dos Jogos estuda cenários onde existem vários interessados em otimizar os
próprios ganhos, as vezes em conflito entre si. Por exemplo, imagine que em sua empresa você
tem dúvidas sobre qual ação tomar para aumentar o seu lucro: reduzir o preço, lançar outro
produto ou fazer uma campanha de marketing?

No caso de reduzir o preço, conhecendo a curva de demanda, se abaixar o preço em 3%, sua
receita sobe 7% pois vai ganhar market-share. Você calculou a relação de preço versus vendas e,
conseqüentemente, a migração de consumidores do produto concorrente para o seu. Mas e se
seu concorrente reagir e também abaixar o preço na mesma proporção? Como conseqüência da
estratégia dele, o seu ganho, antes imaginado como aumento em 7%, muda para uma perda de
5% pois não aconteceu como você previu.

O resultado (ganho ou perda) de uma decisão depende obrigatoriamente da movimentação dos


dois concorrentes, tornando a tomada de decisão muito mais complexa. Por isso, você precisa
saber quais são os ganhos ou perdas de cada combinação e identificar quais são os
incentivos mais atraentes para seu adversário, sabendo que ele está imaginando quais são os
seus ganhos para também tomar uma decisão.

Com essas informações e deduções, reduzir o preço não é uma boa estratégia. Então você
imagina fazer uma campanha de marketing. Começa outro ciclo de previsões: como ele vai
reagir neste caso? Ao se antecipar as ações do seu competidor, você deve repensar antes de agir
e visualizar todas as implicações de cada decisão, e ele fará o mesmo simultaneamente.

Por isso, a melhor recomendação é: antes de tomar uma decisão, coloque-se no lugar do
concorrente e imagine qual seria a reação dele dadas as ações e incentivos existentes.
Simultaneamente ele fará o mesmo - entender quais são suas motivações e ações para
que ele tome a melhor decisão. Este é ciclo sem fim: você pensa que ele pensa que você pensa
que ele pensa que....

Teoria dos Jogos é isso: entender que sua decisão não é independente e ambos os ganhos
dependem da combinação de muitas ações em cadeia até chegar em um equilíbrio.
Este equilíbrio é o chamado Equilíbrio de Nash, em homenagem a John Nash Jr, prêmio Nobel
de 1994 e que foi personagem de Russell Crowe no filme Uma Mente Brilhante, ganhador do
Oscar de 2002.
Outras analogias interessantes sobre decisões interdependentes são o Dilema da Ponte e
o Dilema do Vagão de Trem.

Teoria dos Jogos: o intuitivo agora sistematizado


Pensar no concorrente e nas ações-reações antes agir parece ser muito intuitivo. Você já pensa
assim, certo? Então, por que precisaria da Teoria dos Jogos para uma atitude tão
óbvia? Resposta: porque a Teoria dos Jogos oferece metodologias que organizam o seu
raciocínio nos jogos do cotidiano com seu concorrente, chefe, subordinado, colega de trabalho,
cliente, fornecedor, vendedor, amigo, esposa/marido, governo, consumidor e outros.

Nesta caixa de ferramentas existem alguns conceitos estruturados que ajudam na


comunicação e no entendimento de como as pessoas decidem. Exemplos:

- matriz de resultados ou esquema de incentivos


- jogos seqüenciais versus simultâneos
- cooperação versus competição
- dilema do prisioneiro e equilibrio ineficiente
- equilíbrio de Nash
- estratégia dominante e backward induction
- jogos repetitivos e estratégia mista
- informação incompleta

Assim como várias teorias de administração ajudam a estruturar o seu pensamento nas
decisões competitivas, a Teoria dos Jogos possui modelos formais e exemplos que facilitam o
entendimento nas decisões interdependentes, além de facilitar a comunicação e
treinamento dos conceitos como qualquer teoria formal. A base da teoria é colocar-se na
posição do outro e raciocinar o que você faria em cada situação, modelando todas as interações
com benefícios/prejuízos de ambos e daí tomar a melhor ação estratégica.

A Teoria dos Jogos, como disciplina independente, não resolve todos os problemas, mas
apresenta vários insights para melhorar seu pensamento estratégico como um elemento
complementar das demais Teorias de Decisões. Para se aprofundar e para ser um bom
estrategista, é importante unir os conceitos das disciplinas de Estratégia, da Economia
Clássica (como preferências e utilidades, resultado esperado, risco e incerteza, free-rider,
assimetria de informações) e da Teoria Comportamental (heurísticas e viéses cognitivos).
Neste último caso, quanto mais você souber quais são os incentivos e reais motivações do seu
concorrente ou parceiro, maiores as suas chances de ganhar o jogo. A união de todos os
elementos é uma grande forma para melhorar suas decisões estratégicas.

Analogia com o Dilema da Ponte


Existe um texto de Don Ross, no site da Stanford Encyclopedia of Philosophy (capítulo de
Game Theory) o qual chamei de Dilema da Ponte, que representa bem a essência da
Teoria dos Jogos [1]. Imagine que você deseja atravessar um rio que possui três pontes.
Assuma que é impossível via natação ou barco. A primeira ponte é conhecida por ser segura e
livre de obstáculos, se você tentar atravessar lá, você terá sucesso. A segunda ponte se encontra
debaixo de um penhasco de pedras grandes que às vezes caem. A terceira é habitada por cobras
mortais.

Agora, suponha que você queira ranquear as três pontes de acordo com facilidade de passagem.
Sua tarefa aqui é bastante simples. A primeira ponte é a melhor, obviamente, pois é mais
segura. Para classificar as outras duas pontes você necessita de informações sobre seus níveis
relativos de perigo. Se você conseguisse estudar a freqüência de queda das rochas e os
movimentos das cobras durante algum tempo, você poderia descobrir que a probabilidade de
ser esmagado por uma rocha na segunda ponte é de 10% e de ser picado por uma cobra na
terceira ponte é de 20%. Seu raciocínio aqui é estritamente paramétrico, pois nem as pedras
nem as cobras estão tentando influenciar suas ações, por exemplo, ocultando os padrões típicos
de comportamento. É bastante óbvio que você deve fazer aqui: atravessar a ponte segura. Por
enquanto, não há envolvimento da Teoria dos Jogos, apenas da Teoria da Decisão, com
probabilidades e utilidades.

Agora vamos complicar a situação um pouco. Suponha que a ponte das rochas está na sua
frente, enquanto a ponte segura está longe, necessitando uma caminhada difícil por um dia
inteiro. Sua tomada de decisão aqui é um pouco mais complicada, mas continua sendo
estritamente paramétrica. Você teria que decidir se o custo da longa caminhada vale a pena
trocar pelos 10% de chance de ser atingido por uma pedra. No entanto, isso é tudo que você
tem que decidir, e sua probabilidade de sucesso depende inteiramente de você, o ambiente não
está interessado em seus planos.

No entanto, vamos complicar mais um pouco a situação, acrescentando um elemento


que interage com sua decisão, tornando o problema mais intrigante. Suponha que você é um
fugitivo e seu perseguidor está te esperando do outro lado do rio com uma arma. Ele vai atirar
em você apenas se ele esperá-lo na ponte que você atravessar, caso contrário você consegue
escapar.

A medida que pensa qual ponte escolher, seu perseguidor está do outro lado tentando
antecipar o seu raciocínio. Agora, parece que escolher a ponte segura seria um erro,
uma vez que é exatamente onde ele vai esperá-lo, e sua chance de morrer aumenta. Então
talvez você deva correr o risco com as rochas, uma vez que estas probabilidades são melhores.
Mas espere ... se você chegou a essa conclusão, o seu perseguidor, que é tão racional e bem
informado como você, pode antecipar isso, e estará esperando por você se você fugir das
pedras.

Portanto, talvez você deva arriscar com as cobras, que é o que o perseguidor menos espera.
Mas, então, não ... se ele acha que você acha que ele menos espera nas cobras, então ele vai
esperar mais. Esse dilema, você percebe, é geral: você deve fazer o que o seu perseguidor
menos espera, mas qualquer coisa que você ache que ele menos espera, automaticamente é o
que ele vai esperar mais.

Você parece estar preso na indecisão. Tudo o que pode consolá-lo um pouco aqui é que,
do outro lado do rio, seu perseguidor é preso em exatamente no mesmo dilema, incapaz de
decidir qual a ponte esperar porque logo que ele imagina, comprometendo-se a uma, ele vai
notar que se pode encontrar uma melhor razão para escolher outra ponte pois pode antecipar
essa mesma razão e, em seguida, evitá-la.

São estes tipos de situações em que a Teoria dos Jogos se interessa, onde o resultado depende
da decisão conjunta dos jogadores, onde cada um tenta antecipar a escolha do outro. Os
"teóricos dos jogos" entendem que existe uma solução racional, isto é, uma melhor ação
racional disponível para ambos os jogadores. No entanto, até a década de 1940, nem os
filósofos nem os economistas sabiam como encontrá-lo matematicamente. Von Newman e
John Nash fizeram grandes contribuições na modelagem matemática destes cenários e faz
parte da maioria dos livros didáticos de teoria dos jogos.

Mas o mais importante do legado da Teoria dos Jogos é o raciocínio da antecipação dos
movimentos, intuitivo para a maior parte das pessoas no dia a dia, pois a disciplina oferece
alguns conceitos e modelos formais que ajudam a estruturar o pensamento. Com a ajuda de
"jogos-modelos", ou seja, exemplos de situações e respectivas soluções, você pode usá-los como
analogia no seu cotidiano e tomar melhores decisões.

Analogia com o Dilema do Vagão de Trem


Outra analogia muito útil sobre decisões interdependentes para explicar a essência da
Teoria dos Jogos é dada por Thomas Schilling, no livro Choice and Consequence (capítulo
What is Game Theory). Batizei este trecho como o Dilema do Vagão de Trem.

Cena 1: Imagine que você está na plataforma de uma estação, pronto para embarcar no trem, e
encontra um velho amigo que tem assento reservado em um vagão diferente do seu. Você
combina de encontrá-lo no vagão do jantar. Depois de embarcar no trem, você descobre que
existe um restaurante na primeira classe e um buffet na segunda classe. Você prefere comer na
primeira classe, mas suspeita que seu amigo prefere o carro buffet. Você quer fazer uma reserva
que coincida com a dele. Você escolhe a primeira classe ou o carro buffet? (Evidentemente,
considere que você não sabe o número do celular dele e não podem ser comunicar).

Cena 2: Imagine agora que você está na plataforma e encontra um amigo que você
quer evitar. Suas reservas estão em carros diferentes, mas ele sugere encontrá-lo no jantar.
Você fica aliviado quando descobre que existem dois vagões de restaurante, o da primeira
classe e o buffet. Se você escolher corretamente, você pode "inocentemente" desencontrar com
seu amigo. Você tem que ter cuidado, ele pode imaginar que você quer fugir dele. Normalmente
você janta na primeira classe e ele sabe disso. Para qual vagão você faz sua reserva?

Perceba nas duas situações que as decisões de vocês são interdependentes e, portanto, mais
uma situação em que a Teoria dos Jogos ajuda na análise. Dois ou mais indivíduos têm
escolhas a fazer, possuem preferências quanto aos resultados, e algum conhecimento das
opções disponíveis para cada um e sobre as preferências dos outros. O resultado depende das
escolhas que ambos fazem. Assim, não há uma melhor escolha "independente" do que se pode
fazer. Você depende das decisões dos outros.

Para alguns problemas, como escolher a rota que minimiza a distância de casa para o
escritório, você pode chegar a uma solução sem resolver qualquer problema dos outros ao
mesmo tempo. Mas nas grandes avenidas e trajetos, porém, você precisa saber o que o outro
motorista vai fazer e você sabe que um elemento fundamental em sua decisão é o que ele pensa
que você vai fazer. Qualquer "solução" de um problema como este é necessariamente uma
solução para ambos os participantes. Cada um deve tentar ver o problema a partir do outro
ponto de vista. O que a Teoria dos Jogos faz é ajudar a identificar este tipo de situação de forma
prática e intelectual, e tenta propor uma solução conjunta satisfatória para os participantes
racionais.

Cada um deve basear sua decisão baseando-se nas suas próprias expectativas e a dos outros. A
menos que supomos que um jogador simplesmente tenha expectativa errada, deve haver
alguma consistência, não apenas nas suas escolhas/expectativas, mas nas expectativas dos
outros. Por isso que a Teoria dos Jogos é o estudo formal das expectativas racionais e
consistentes de que os participantes tem sobre as escolhas dos outros. É, porém, abstrato e
dedutivo, não estudo empírico de como as pessoas tomam decisões, mas uma teoria dedutiva
sobre as condições em que as sua decisão é considerada "racional", "consistente", ou "não-
contraditória". É claro que a definição "racional", "consistente" ou "não-contraditória" para
decisões interdependentes é em si parte do estudo da Teoria dos Jogos.

Os próximos exemplos mostrarão como analisar algumas situações utilizando empresas,


estratégias e valores numéricos para mostrar como a metodologia funciona.

[1] Nelson Correa, Blog Pô Meu, http://pomeu.com/automobilismo/esqueceram-de-combinar-com-o-lewis/


[2] Luis Nassif, Blog Luis Nassif Online, http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/serra-a-sina-de-ser-vidraca
[1] Site Stanford Encyclopedia of Philosophy, link http://plato.stanford.edu/entries/game-theory/
[1] Choice and Consequence, Thomas Schilling, capítulo 10, What is Game Theory.

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