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ATAIDE, Glauber.

O Conceito de Reificação em História e Consciência de Classe, de Georg


Lukács.

Capítulo 1 e Capítulo 2

A dissertação de Ataide pretende examinar o desenvolvimento do conceito de Reificação no


livro História e Consciência de Classe, de Georg Lukács, analisando suas bases e raízes
filosóficas e conceituais e conversas com outros autores. Na Introdução o autor recupera a
importância crucial da categoria Totalidade, tal qual é mobilizada por Hegel e,
posteriormente, por Max, para o desenvolvimento do conceito de reificação, assim para as
possibilidades de superação de tal fenômeno. No primeiro capítulo, Ataide apresenta o
conceito de fetichismo da mercadoria em Marx e o seu desenvolvimento no conceito de
Reificação, de Lukács.

No início de sua obra, o autor apresenta um fator de extrema importância do conceito de


totalidade: este não é apenas uma categoria de conhecimento, mas prático-política. Portanto,
tanto para a compreensão da reificação quanto para a sua superação.

A totalidade, diz o autor, não deve ser pensa em ato, como uma totalidade movente,
mas pela articulação entre pensamento e ação. Ela é uma exigência prática da razão, na
medida em que pretende capturar o movimento processual da realidade histórica, em sua
sincronia e diacronia, inserindo os elementos particulares em processos históricos articulados.
Assim, é necessária uma articulação dos diversos campos de investigação, articulação não
apenas mecânica, mas pela reelaboração teórico-metodológica cuja totalidade adquire um
papel central.

Dessa maneira, totalidade não nos é apresentada como uma totalidade metafísica, mas
uma totalidade empírica, “uma reunião de fatos que conhecemos”, na medida em que cada
fato particular deve ser inserido como momento inscrito na história. Dito de outra maneira, a
totalidade é uma construção intelectiva – uma unidade entre pensamento e ação.

A totalidade é uma categoria de reprodução intelectual dos processos reais, de maneira


que o real é reconstruído como articulação dos múltiplos níveis de objetividade social, dando
domínio do todo sobre as partes, de maneira que a função, origem e transformação de cada
momento só pode ser compreendido se inserido no processo histórico total. É esta unidade
que constitui o objeto e função da categoria totalidade. Ela captura a constituição, reprodução,
leis tendenciais e transformações da realidade em uma relação dialética entre história e
pensamento – o devir histórico reproduzido no pensamento pela ação teórica. Diferentemente
de Kant, totalidade não é, em Lukács, uma categoria quantitativa, mas qualitativa.

Um ponto importante é que a categoria reconstrói a realidade histórica como


contraditória, isto é, não subssume as partes ao todo. Os momentos da totalidade ainda
apresentam certo grau de autonomia, e, ainda assim, a história, sincronicamente, não pode ser
reduzida a nenhuma de suas partes e, diacronicamente, a nenhum de seus momentos. Para
Lukács, aquilo que a ciência tradicional fragmenta como autônomo é unificado como
momento em uma totalidade histórica.

Segundo o autor, Lukács recupera de Marx a concepção da totalidade como realidade


pensada, concreto pensado, e o pensamento como processo genético de reconstrução da
totalidade real em totalidade pensada. Assim, o movimento do pensamento passa por dois
momentos: de análise e de síntese, de abstração em categorias simples e reconstrução do todo
como concreto síntese e múltiplas determinações. Dessa maneira, o ponto de partida já é a
totalidade, mas a totalidade imediata, abstrata. Porém, o real que é ponto de partida constitui
um momento do todo, momento que não pode ser visto como uma parte mecânica, constituída
por si mesmo, de forma que a reconstituição desse momento passa pela sua articulação com o
todo. Ou seja, cada momento possui a riqueza de ser capaz de desenvolver toda a totalidade.

Inseridos no processo total, cada momento é reapreendido não somente em sua


descrição ou constituição enquanto fenômeno isolado, mas em todo o seu conteúdo, função,
origem e desenvolvimento. Essa historicidade absoluta é marcante no pensamento de Lukács,
não há nada que possa ser analisado isoladamente, em si mesmo, fora do processo histórico,
nem mesmo uma máquina.

Nesse sentido, o conceito de reificação pode ser compreendido como perda da


totalidade, processo que atinge tanto a filosofia burguesa quanto a ciência. Porém, o que este
conceito captura não é apenas a descrição do fenômeno, mas sua constituição em uma
metacrítica, isto é, compreendendo as antinomias do pensamento burguês como produtos da
estrutura social do capitalismo.
Passando para o capítulo 2, a análise do fetichismo de Marx aponta para a base do conceito de
reificação em Lukács, uma forma de subjetividade, de experiência, que surge da materialidade
da sociedade burguesa. Nesta medida, a reificação é uma ampliação do fetichismo da
mercadoria para fenômenos não analisados por Marx e influenciado por outros autores como
Simmel e Weber.

Segundo o autor, Lukács sustenta que o fetichismo é a estrutura objetiva (como o


mundo é apresentado e como é apreendido) e subjetiva da sociedade (como o sujeito se
enxerga e sua atitude frente a ordem capitalista) capitalista. Isto é, uma forma de subjetividade
que surge do conjunto de relações objetivas que constituem o capitalismo, assim como
reproduz estas relações.

A produção, no capitalismo, é uma produção atravessada pela propriedade privada,


pelo trabalho assalariado, pela troca e pelo dinheiro. Por óbvio, tais relações, mediações de
segunda ordem, surgem historicamente em algum momento. Enquanto a produção se
mantinha comunal, a produção era voltada para valores de uso, e apenas o excesso era levado
para a troca, e, em primeiro momento, este comércio era apenas entre sociedades. Apenas
com o surgimento da produção independente, onde o sustento do produtor isolado depende da
troca e, portanto, sua produção é voltada para a troca desde o início, é que surge a mercadoria.
Propriedade privada e troca aparecem como essenciais para a mercadoria.

No capitalismo, por outro lado, há a produção e a mercantilização de uma mercadoria


especial que só se estabelece como dominante no capitalismo: a força de trabalho. Diferente
do artesão, dono dos meios de sua própria produção, os trabalhadores no modo de produção
capitalista são despossuídos, sendo livres – dos meios de produção -, são livres para vender
sua força de trabalho. Junto ao processo de proletarização, a produção voltada à troca é
determinada pela maximização do lucro do proprietário, do burguês. Este lucro não é fruto de
uma esperteza do burguês: o valor da mercadoria vendida é igualado ao valor recebido. O
lucro tem origem no fato de o valor dos insumos da produção ser menor que o valor do
produto final. Isto só é possível pela propriedade especial da mercadoria força de trabalho: ela
produz mais valor que o seu próprio na medida em que é consumida. O valor recebido pela
venda do produto final é devidamente repartido entre o valor de seus insumos, o valor da
força de salário, e o mais-valor produzido pela força de trabalho e apropriado pelo burguês.
Essa repartição só é possível pela expressão do valor da mercadoria em dinheiro. A
mercadoria, no capitalismo, é atravessada pelo trabalho assalariado e pelo dinheiro.

Dado que a mercantilização se torna quase total no mundo capitalista, os indivíduos


para sobreviver devem consumir, e, logo, trocar. A troca é a sociabilidade mais fundamental
do capitalismo. Nela os indivíduos trocam volitivamente com a finalidade de satisfazer suas
necessidades particulares.

A estrutura da mercadoria efetiva os dois momentos da mercadoria – o valor de uso e


o valor. Tal efetivação prática ocorre com a consideração do valor na produção mesma da
mercadoria, isto é, com projeção de lucros, e de tempo de produção. Com a efetivação do
valor de uso e do valor, há também a efetivação do trabalho em trabalho útil e trabalho
abstrato: o trabalho produtor de bens capazes de satisfazer necessidades sociais e o trabalho
capaz de satisfazer as necessidades particulares dos produtores por meio da intercambialidade
de seus trabalhos, apresentados como a abstração de suas particularidades, reduzidos a
consumo de força de trabalho. Os diferentes trabalhos são abstraídos e reduzidos.

Essa é a estrutura objetiva da mercadoria: a produção material mediada pela


propriedade privada, pela troca, pelo trabalho assalariado e pelo dinheiro: a produção privada,
voltada para a troca com a motivação do lucro, feita pelo trabalho assalariado – orientada por
uma racionalidade instrumental, de adequação entre meios e fins, que substitui a
complexidade e totalidade do concreto por quantidades abstratas. E é esta estrutura que
estabelece a objetividade do fetichismo: as mercadorias apresentam as características sociais
dos trabalhos particulares como características naturais suas – não é mais uma relação social
que permite que os indivíduos em uma sociedade satisfaçam suas necessidades, mas uma
mercadoria – e apresentam as relações entre os produtores das mercadorias como suas
próprias relações – uma troca é uma relação de equivalência entre o valor das mercadorias, e
não uma relação entre os produtores, que trabalham uns para os outros. Assim, a mercadoria
apresenta uma aparência autônoma, estranha aos seus próprios produtores. Possui
necessidades próprias, valor próprio, cuja volatilidade é determinada por leis próprias. Pela
satisfação das necessidades das mercadorias, a realização de seu valor, sacrifica-se até seus
próprios produtores.
O autor alerta que por mais que o segredo da mercadoria está em suas próprias
relações, estas estão escondidas, já que os produtores só se relacionam uns com os outros
diretamente na esfera da circulação: como possuidores perseguindo objetivos privados, na
troca mediada pela mercadoria.

É a partir dessas relações objetivos que o trabalho adquire uma determinada forma
simbólico-cognitiva, constitui uma consciência invertida. O caráter social dos trabalhos é
apreendido subjetivamente apreendido como um produto útil para os outros, o caráter
socialmente igual dos trabalhos diferentes é apreendido como igualdade de valores entre os
produtos uteis, traduzido em sua intercambialidade. Dessa maneira, o fetiche é tanto a forma
de subjetividade da sociedade capitalista quanto a forma de objetividade, e caracterizada pela
autonomização e “socialização” dos produtos da atividade humana, nas relações produtivas,
dando origem a uma atitude contemplativa e exterior a ela mesma.

Segundo o autor, Lukács, a partir de sua leitura hegeliana, da categoria de totalidade,


reconstrói a totalidade social a partir da estrutura da mercadoria, apresentando o fetiche como
a uma forma cultural total da sociedade capitalista, uma coisificação na qual processos sociais
aparecem com partes autônomas, divorciadas e separadas da totalidade. O fetiche dissimula os
processos sociais que os constituem. Dessa maneira, a racionalidade formal-instrumental
torna-se a forma cultural do capitalismo.

Para o autor, Lukács considera o fetichismo como forma objetiva da estrutura


capitalista assim como forma subjetiva, do comportamento dos sujeitos no capitalismo. O
fetichismo é a forma específica da alienação na sociedade burguesa, sua constituição e seu
escamoteamento.

Como apresentado, o fetichismo é um processo específico do capitalismo, que surge


com universalização das relações mercantis no interior das sociedades, de maneira qualitativa
e quantitativa que passa a estruturar toda a sociedade. Com a transformação da força de
trabalho em mercadoria, a própria atividade dos trabalhares aparece como algo autônomo e
com leis próprias. A força de trabalho adquire a forma mercadoria, e aparece como posse do
trabalhador. Assim que assume a forma mercadoria a força de trabalho deve ser tomada
formalmente para que seja possível a permutabilidade de objetos diferentes. Por esta
generalização, o trabalho adquire seu caráter abstrato, torna-se um trabalho abstrato,
mensurável pelo tempo socialmente necessário para a produção de uma mercadoria. No
capitalismo esta categoria, trabalho abstrato, que possibilita a objetividade de objetos e
sujeitos, tornando-se um elemento estrutural de toda a sociedade.

Na medida em que o processo de proletarização se expande e a tecnologia avança em


direção à mecanização, as características qualitativas dos trabalhos vão realmente
desaparecendo e abstraindo-se, e o tempo de trabalho vai deixando de ser um tempo empírico
para se tornar uma quantidade plenamente calculável. É dessa maneira que o valor se efetiva
praticamente como fundamento da sociedade capitalista. Nestas estruturas objetivas, a
racionalidade instrumental aparece como fundamental para a sociedade burguesa, tendo
efeitos na subjetividade tanto dos capitalistas como dos trabalhadores. O processo de
produção - conjunto de relações sociais que, embora se constituem como momentos com certa
autonomia, são articulados em uma unidade – é rompido, fragmentado, e a cadeia total de
produção torna-se sistemas autônomos e independentes para que se possa maximizar as
possibilidades de racionalização e previsão, o cálculo.

É dessa forma que os sujeitos são despossuídos de subjetividade e fragmentados: com


a força de trabalho inserida nesses sistemas autônomos, voltados para a maximização do
lucro, as qualidades psicológicas e subjetivas dos trabalhadores aparecem como obstáculos
para a produção, fontes de erro que interferem na previsibilidade do sistema. Lukács afirma
que a produção vai se organizando, junto com a mecanização, de forma que o trabalhador se
torna paulatinamente um apêndice da máquina, e sua atitude frente ao seu trabalho torna-se
completamente contemplativa: a produção, as máquinas, tudo é um objeto autônomo
independente do trabalhador, com suas leis e produtividade próprias, as quais o trabalhador
pode no máximo experienciá-las formalmente. A divisão do trabalho leva à perda da
totalidade.

Assim, o processo de racionalização não vai das ciências para a realidade, mas dos
processos materiais para a consciência, o pensamento, e a ciência. Segundo Lukács, quando
mais as ciências se desenvolverem, mais elas virarão as costas para os problemas ontológicos
que as formaram, se configurando como um sistema fechado de leis parciais. A formalização,
a racionalidade instrumental – a racionalidade burguesa – torna-se, dessa forma, um problema
prático e teórico. Isto é, nas práticas, a racionalidade formalista ofusca os processos reais e
concretos da produção, ocultando, por exemplo, a exploração capitalista e adequando a atitude
dos trabalhadores à ordem burguesa. Teoricamente, as ciências e a filosofia burguesa nada
pode fazer para superar a fragmentação da realidade, pelo contrário, somente contribuir para
aumenta-la.

Assim, a superação da racionalidade formalista torna-se uma necessidade para a


apreensão do substrato concreto da realidade. Superação não pela articulação mecânica entre
as ciências, mas pela construção de um novo método, uma nova racionalidade, que oriente de
maneira radicalmente diferente a atividade teórica em direção à totalidade material e concreta
– a racionalidade dialética.

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