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Com a cabeça enfiada entre as pernas, Emily sentia em silêncio a culpa por não conseguir

salvar seu povo da morte. As gotas de sangue em sua mão caiam sobre a neve fresca.

Assim como ela, todos se sentiam culpados, com raiva; a quietude no ambiente deixava tudo
pior. Não demorou muito para que o silêncio fosse quebrado.

Emily levantou sua cabeça, fechou seus olhos, respirou fundo e, ao ponto do pulmão
estremecer, gritou com todas as forças que tinha. Um a um, os outros começaram a gritar
também. Seus gritos ecoavam pela vastidão da noite.

— Vamos! Não podemos ficar aqui sem fazer nada! — disse Emily, sua voz emitia uma
felicidade fingida.

— E o que devemos fazer? — perguntou Iuri. — Agora eles estão soltos por aí, livres de suas
correntes. Vamos procurá-los? E o que vamos fazer quando os encontrar? Não existe forma
de vencer, somos guardiões apenas no nome, sucessores de guardiões iguais a nós, guardiões
apenas no nome — A voz falhada deixava escapar o medo que sentia. Pouco a pouco, o
mesmo temor se espalhou para os demais.

— Os únicos que poderiam fazer algo… estão mortos — concluiu Arthur.

O corpo de todos estremeciam só de pensar que o mesmo destino de Calligar poderia


acontecer com todos os outros reinos.

— Sim, eles estão mortos — reforçou Isa — mas vocês se esqueceram que isso só aconteceu
porque eles usaram o mesmo poder que os magos? Diferentemente deles, escolhemos nunca
usar a magia sombria, porém não quer dizer que estamos completamente perdidos.

— Eu acho que tenho um plano, e para que ele dê certo, vamos precisar ir em um lugar antes,
a Floresta Druida — disse Emily.

No momento em que falou isso, todos já sabiam qual era o plano.

Os guardiões seguiram rumo ao local. Passaram por florestas, castelos abandonados e


pântanos. No decorrer de todo o percurso, sentiram uma mudança; o impacto causado pela
saída dos magos estava se esvaindo, a natureza voltava a ordem.

Dias passaram e finalmente era possível ver a floresta. Suas árvores de formatos espirais
entortadas com o peso de suas enormes folhas. No meio de todas as árvores, uma se
destacava, a maior.

No meio da grande floresta, um tronco grosso partia o céu. Quanto mais se aproximavam da
floresta, mais alta árvore parecia ser. A surpresa era tanta que adentraram na floresta sem
nem perceber.

Enquanto caminhavam, sentiam uma sensação estranha, como se algo os observasse por
todos os lados. Foi quando escutaram o barulho quebradiço de um galho seco, nesse
momento, pararam de andar.
Segundos depois, uivos e mais uivos envolveram todo o lugar, mas com toda aquela mata era
difícil enxergar alguma coisa. O barulho ensurdecedor os tirou a atenção, deixando de notar
as flechas lançadas na direção deles. No último momento, Isa conseguiu notar a tempo.

Os livros que a envolviam ficaram do tamanho de uma pessoa após o sussurro de algo. Eles
giravam ao redor dos guardiões em uma velocidade absurda, todas as flechas estavam sendo
rebatidas.

Pouco tempo depois, os gritos e as flechas cessaram. A terra tremeu com as pisadas fortes. Os
livros girando os impedia de ver o que estava acontecendo. No meio de tudo aquilo, uma
única voz pode ser escutada.

— Perdoem minha recepção, guardiões! — disse uma voz rouca, mas também presente.

Toda aquela proteção foi desfeita quando ouviram a voz. Na frente deles estava uma druida:
baixa com ramificações espalhadas pelo corpo, os cabelos vermelhos caiam sob o vestido azul
que usava. Aquela era a rainha.

A surpresa tomou o rosto dos guardiões. A rainha estava na frente deles, ali, no meio da
floresta, como se já estivesse esperando a chegada, mas sem saber quando iriam.

— Devem estar cansados. Me sigam por favor.

Enquanto a proximidade entre eles e a grande árvore diminuía, sons diferentes do que
escutavam começaram a surgir. Vozes distantes. O cheiro de fumaça e comida sendo
preparada invadia suas narinas.

Uma grande muralha de madeira pode ser avistada de longe. O que viram depois de entrar
na vila os fizeram lembrar de Calligar. Druidas conversando, casas construídas ao redor do
tronco das enormes árvores…

Os guardiões podiam sentir os olhares confusos enquanto passavam pelos cidadãos. Esses
olhares os seguiram até a grande árvore, onde entraram.

Andaram por seus inúmeros corredores feitos de barro antigo. Subiram para o ponto mais
alto da árvore e entraram em uma porta.

Um grande salão estava na frente deles, ramificações caminhavam pelas paredes. A rainha se
aproximou do centro do salão, nesse momento, as ramificações se transformam em um
trono.

Já sentada, a rainha começou: — Se antes estavam cansados, devem estar mais ainda depois
de todas essas escadas — disse ela, rindo. — Mas eu gostaria de saber o motivo que os
trouxeram aqui, tão longe de seus reinos.

— Os magos sombrios. De alguma forma, eles foram soltos do selamento — falou Emily.
— Calligar foi destruída antes que pudéssemos fazer alguma coisa — acrescentou Arthur.

— Bom, primeiramente eu sinto muito, princesa — Assim como suas palavras, o rosto da
rainha não parecia esbanjar preocupação. — O retorno deles explica muita coisa. Mas não
tem sentido vocês estarem aqui, o alvo deles nunca foram os druidas.

— Nós não temos força o suficiente para derrotar eles, por isso esta…

Antes que terminasse de falar, Emily foi interrompida pela rainha: — Errado! Vocês têm
força mais que o suficiente para selar eles, mas não querem usar. Nunca quiseram.

— Magia sombria está fora de cogitação — disse Jack.

— Para jogar contra um demônio, você precisa usar as mesmas cartas que ele — retrucou a
rainha.

Todos sabiam disso, apenas a magia sombria poderia selá-los, eles sabiam. Mas usar magia
sombria, para eles, é o mesmo que se tornar os próprios magos.

— Você sabe os nossos motivos. É um motivo egoísta, nós sabemos, porém não vamos usar —
O tom de voz de Emily tentava, de alguma forma, passar confiança.

— E qual é o plano de vocês?

— Juntar as raças.

A rainha inclinou sua cabeça para trás e soltou um grito que, seguidamente, se transformou
em uma gargalhada estrondosa. Sua voz rouca fez o salão inteiro tremer.

— Tá de brincadeira? Faz três mil anos que as raças não têm mais nenhuma ligação — disse
ela, ainda rindo. — Tudo bem, tudo bem, vou fazer parte dessa aliança. Não sabia que era
engraçada, Emily.

Após a reunião, todos foram dormir. A noite é mais agitada na floresta druida, a maioria dos
animais são noturnos, mas não importava o barulho, estavam cansados demais para ligar.

***

O sono pesado dos guardiões foi interrompido por uma gritaria ensurdecedora. Correram
por todos os corredores sem nada avistarem. Não importava por onde fossem, os corredores
não tinham fim, a gritaria não tinha fim. Quando Emily finalmente encontrou uma saída,
olhou ao seu redor e todos os guardiões estavam caídos, mortos.

Ao virar seus olhos para fora, chamas se estendiam até onde sua visão alcançava. O sangue
do povo druida tingia todo o chão de vermelho. Não restava mais ninguém além de Emily.

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