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Novos Cadernos NAEA

v. 25, n. 1, p. 197-216, jan-abr 2022, ISSN 1516-6481 / 2179-7536

Do público ao privado: representações sociais de


associações acerca da responsabilidade com a questão
socioambiental
From public to private: social representations of associations about
responsibility for the socio-environmental issue

Olivia Cristina Perez – Doutora em Ciência Política pela Universidade de São Paulo
(FFLCH/USP). Professora da Universidade Federal do Piauí (UFPI). E-mail:
oliviaperez@ufpi.edu.br
Bruno Mello Souza – Doutor em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS). Professor da Universidade Estadual do Piauí (UESPI). E-mail:
bmellosouza@yahoo.com.br

Resumo Abstract
A presente pesquisa aborda The present research addresses the social
representações sociais de associações representations of associations about
acerca da responsabilidade com a proteção responsibility with socio-environmental
socioambiental. Foram examinados dados protection. We examine data from the
do World Values Survey que revelam a World Values ​​Survey that reveal Brazilian’s
percepção dos brasileiros, com ou sem perception, with or without associative
vínculo associativo, a respeito da questão link, of the environmental issues and
ambiental e da responsabilidade com o responsibility for people’s well-being.
bem-estar das pessoas. Para complementar To complement the research, qualitative
a pesquisa, foram realizadas entrevistas interviews were carried out with members
qualitativas com membros de todas as onze of all eleven associations that work with
associações que trabalham com a temática the socio-environmental theme in the
socioambiental no município de Santos, city of Santos, on the coast of the state
litoral do estado de São Paulo. Em geral os of São Paulo. In general, the members of
membros das associações revelam a aposta the associations reveal the belief in the
na parceria entre diversas instituições para partnership between different institutions
o trabalho com as questões ambientais. to work with environmental issues. The
Esses dados destoam da opinião da maior data dispute the opinion of most Brazilians,
parte dos brasileiros, que consideram o who consider the State responsible for the
Estado como responsável pelo bem-estar well-being of the people.
das pessoas.

Palavras-chave Keywords
Democracia associativa. Associações civis. Associative democracy. Civil associations. Socio-
Socioambientalismo. Representações Sociais. environmentalism. Social Representations.

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INTRODUÇÃO

Assim como o trato com as questões sociais, a proteção ao meio ambiente


não é responsabilidade apenas do poder público. Indivíduos e associações têm
forte atuação nessas áreas na medida em que prestam serviços e promovem
campanhas de conscientização. Para se ter uma ideia da presença de associações
no Brasil, conforme o Mapa das Organizações da Sociedade Civil, em 2016 já
existiam 820.186 organizações da sociedade civil (IPEA, 2017).
Embora os estudos sobre as associações não sejam recentes – o campo
tem como marco A democracia na América, obra clássica de Tocqueville ([1835]
2005) –, há um retorno do interesse sobre o tema. Em geral, os estudos atuais
têm destacado o crescimento das associações (LÜCHMANN; ALMEIDA;
TABORDA, 2019), a pluralidade delas (LÜCHMANN, 2014; LÜCHMANN;
SCHAEFER; NICOLETTI, 2017), bem como a diversidade de relações entre
as associações e o Estado e seus potenciais (ABERS; SERAFIM; TATAGIBA,
2014; LAVALLE; SWAKO, 2015; MENDONÇA; MEDEIROS; ARAÚJO, 2019;
PISMEL, 2019). Esses resultados contrariam certo tipo de análise que considera
o campo associativo homogêneo, virtuoso, contraposto ao Estado e associado a
movimentos sociais que lutam pela ampliação dos direitos.
A teoria da democracia associativa (COHEN; ROGERS, 1995; FUNG,
2003; HIRST, 2001; WARREN, 2001) contribui com tais reflexões, ao pontuar
que não se deve generalizar o potencial das associações, mas sim partir da
compreensão de que existe uma variedade delas, com diferentes efeitos sobre a
democracia, por isso adota-se o conceito de ecologia de associações (WARREN,
2001). Ademais, embora sem caráter lucrativo, as associações não são esferas
autônomas, nem tampouco livres de relações políticas e mercadológicas
(WARREN, 2001).
A presente pesquisa aborda representações sociais de associações
acerca da responsabilidade com a proteção socioambiental. O conceito de
representação social tem origem nos escritos de Durkheim, que explica como
coletivamente compartilhamos modos de ser e de pensar. Na psicologia o
conceito foi desenvolvido por Moscovici (1978), que considera as representações
sociais uma modalidade de conhecimento que tem por função a elaboração
de comportamentos e a comunicação entre os indivíduos. Trata-se então de
conhecimentos elaborados socialmente, com participação dos indivíduos, que
fazem parte da vida cotidiana das pessoas, funcionando no sentido de orientar
as interpretações, pensamentos e ações sobre a realidade. E há um componente
histórico-cultural importante na construção desses saberes, na medida em que

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eles são formados com base em todos os aspectos que envolvem a vida de um
sujeito, incluindo seu contexto.
Especificamente, na presente pesquisa investigamos se os membros das
associações que atuam na área socioambiental atribuem a responsabilidade pela
proteção ambiental aos governos, às próprias associações ou aos indivíduos
isoladamente, e se tal pensamento coaduna com a percepção dos brasileiros
sobre a responsabilidade com o meio ambiente.
A pesquisa exploratória e descritiva utiliza dados quantitativos e qualitativos.
Primeiro foram analisados dados do World Values Survey (onda de 2010-2014) que
mostram a opinião dos brasileiros (1.486 entrevistados) sobre meio ambiente e
responsabilidade com o bem-estar social. Os dados incluíam a vinculação dos
entrevistados com sindicatos, partidos, associações profissionais, organizações
comunitárias, organizações de consumidores e grupos de autoajuda, permitindo
a comparação das percepções entre a população em geral com membros de
diversos tipos de associações.
No entanto as opiniões quantitativas têm seus limites, pois não são
capazes de aprofundar a compreensão sobre a responsabilidade socioambiental.
Para preencher essa lacuna, foram entrevistados membros das associações que
atuam com a questão na cidade de Santos. O município apresenta altas taxas de
urbanização, além de atividades econômicas variadas e bem desenvolvidas, com
destaque para a presença do histórico Porto de Santos. Em boa medida, pelo fato
de ser a região litorânea que abriga o maior porto da América Latina, o município
apresenta problemas relacionados à poluição da água e do ar. O trabalho com
questões socioambientais na cidade é marcado pela atuação de associações. Por
essa razão justamente é que as associações do município foram escolhidas como
objetos de estudo deste artigo; ou seja, trata-se de uma amostra intencional,
obtida a partir da consideração dos problemas socioambientais específicos à
região e da constatação da presença de associações atuantes na área.
Na pesquisa de campo, primeiramente foram localizadas as associações
da área socioambiental em espaços de participação – especialmente o Conselho
Municipal de Meio Ambiente. Também foi solicitada junto à prefeitura a lista
de todas as organizações da área. Após essa sondagem inicial, foram localizadas
oito organizações. Para complementar tais informações, os entrevistados eram
solicitados a indicar o nome de outras organizações que trabalhavam na área e,
assim, sucessivamente, de modo a gerar novas rodadas de entrevistas. Ao todo
foram localizadas onze associações. Todos os ativistas dessas associações foram
entrevistados no fim do segundo semestre do ano de 2015 e começo de 2016. As
entrevistas partiram de um roteiro semiestruturado que versava sobre a atuação

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das associações santistas e suas concepções acerca das origens e do trato com os
problemas socioambientais. Para as entrevistas foram escolhidos os fundadores
das organizações.
O conteúdo das entrevistas foi analisado com a intenção de apreender
representações sociais em comum sobre a responsabilidade com as questões
socioambientais. A análise de conteúdo é uma técnica bastante utilizada nas
pesquisas qualitativas, uma vez que seu principal objetivo consiste em verificar
a frequência em que ocorrem determinadas construções em um texto, o que
permite sistematizar as entrevistas realizadas (BARDIN, 2006).
A pesquisa contribui com o conhecimento acerca das representações
sociais das associações em diversos sentidos: expondo a trajetória do debate
sobre tais instituições; demonstrando o substrato liberal das associações com
base nos teóricos da democracia associativa; analisando representações sociais das
associações que trabalham com a questão socioambiental a partir de entrevistas
qualitativas; e, por fim, relacionando as concepções das associações com opiniões
da sociedade acerca da responsabilidade com o bem-estar das pessoas.

1 TRAJETÓRIA DO DEBATE SOBRE AS ASSOCIAÇÕES

As teorias que apostam nas associações para se obter algum aprimoramento


da democracia são chamadas de teorias democráticas associativas (COHEN;
ROGERS, 1995; FUNG, 2003; HIRST, 2001; WARREN, 2001). Tal literatura é
bastante presente nos Estados Unidos e tem influência de Alexis de Tocqueville
([1835] 2005), na medida em que considera as associações como fatores
fundamentais para a consolidação da democracia.
Conforme um dos principais teóricos dessa vertente, Mark Warren
(2001), as associações podem ser divididas em três tipos, conforme a natureza
dos laços e o grau de autonomia: associações primárias (famílias e amizades que
formam redes a partir de relações próximas e íntimas); associações secundárias
(transcendem o mundo individual, tais como os grupos cívicos, os clubes e as
associações religiosas); e, por fim, as associações terciárias (grupos de interesses
e profissionais, nos quais os membros são relativamente anônimos).
Em linhas gerais, tal teoria se inscreve em uma chave de interpretação
liberal, especialmente por advogar que as associações são mais capazes de prestar
serviços sociais do que os Estados. Bader (2001), por exemplo, propõe que o
máximo de atividades sociais deve ser desenvolvido pelas associações; o Estado
e o mercado deveriam se limitar às funções que eles podem desempenhar mais
eficazmente. Dessa forma, o controle sobre os serviços seria devolvido aos seus

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consumidores, tornando-os mais eficazes, forçando os gestores a compartilharem


as decisões com base na consulta daqueles que são diretamente afetados pelas
políticas públicas (HIRST, 2001). Subjacente a essa proposta está a concepção
de que o Estado não seria mais capaz de controlar os sistemas público e privado,
pois estes se tornaram mais complexos nas últimas décadas (HIRST, 2001).
Compartilhando essa concepção (ainda que não explicitamente), escritos
brasileiros confeccionados durante o auge das associações no Brasil (década de
1990) destacaram as contribuições de um tipo específico: as Organizações Não
Governamentais (ONGs) (FERNANDES, 1994; CARDOSO, 1997). Segundo
tais interpretações, as ONGs proporcionariam a democratização das relações
sociais na medida em que, por meio delas, os cidadãos poderiam interferir
diretamente nas questões públicas. Além disso, transferir os meios de acesso aos
serviços públicos para as ONGs seria a forma mais eficiente e eficaz de aplicação
dos recursos públicos, considerando que as atividades dessas organizações
não passariam pela burocracia estatal e disporiam de um conhecimento mais
detalhado sobre as necessidades e as soluções para os problemas sociais.
Como resposta à defesa e ao crescimento das ONGs que executam serviços
públicos, parte da literatura brasileira ligada à tradição marxista (MONTAÑO,
2002; SADER, 2002) explica que o financiamento estatal às associações faria parte
de uma política neoliberal. Tal política teria como diretriz a retirada do Estado
do trato com a questão social e a transferência da correspondente atribuição para
as associações. Ao mesmo tempo, ao assumirem serviços públicos, as ONGs
contribuiriam para a diminuição da responsabilidade estatal.
No Brasil também foram produzidos trabalhos que apontaram para
a variedade de associações. Em um dos mais importantes deles, a professora
Evelina Dagnino (2004) utiliza o termo “projeto político” para discernir as
concepções sobre Estado e sociedade implícitas nos discursos das organizações
civis. A defesa e o crescimento de certos tipos de associações poderiam favorecer
o projeto neoliberal (diminuição do Estado) ou o projeto democratizante
(ampliação de direitos). Os defensores da diminuição do papel do Estado
nas questões sociais se apropriariam dos termos do projeto democratizante
transferindo para o indivíduo e para as ONGs a concretização dos direitos dos
cidadãos – papel esse que deveria ser do Estado. Daí a importância do estudo
do projeto político das associações, a fim de se observar o quanto ele contribui
para o alargamento dos direitos ou para a retirada do Estado das questões
sociais. Outras interpretações brasileiras mais recentes apontam justamente a
interdependência entre as instituições sociais (ABERS; SERAFIM; TATAGIBA,

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2014; LAVALLE; SWAKO, 2015; PISMEL, 2019). Para essa literatura, o Estado
e a sociedade civil não estariam separados em nenhum período.
O tema das associações, sob a perspectiva de sua variedade, tem ganhado
adeptos dentro e fora do Brasil. O cientista político canadense Mark Warren (2001)
afirma que as associações são tão diversas que não é possível analisá-las como
uma unidade, mas sim como uma ecologia de associações. Por exemplo, o fato de
a associação se dedicar a causas sociais, ao poder ou ao dinheiro faz diferença para
sua contribuição ao projeto democrático. Outra distinção importante diz respeito
à fonte de financiamento da associação, bem como ao fato de ela querer ou
não mudar o contexto social (WARREN, 2001). Outros teóricos da democracia
associativa também indicam pontos negativos na relação entre associações e
poder público. As associações podem promover seus interesses no interior do
Estado, caso apenas os interesses organizados tenham suas demandas atendidas,
assim como podem promover o domínio da agenda pública por determinados
grupos da sociedade (COHEN; ROGERS, 1995).
Ancorada nessas reflexões, a brasileira Ligia Lüchmann (2014) explica que
o problema de se partir de uma concepção generalista a respeito das associações
é não perceber seus efeitos diversos ou então atribuir efeitos virtuosos onde
não se pode encontrá-los. Em suma, “há, portanto, importantes desigualdades,
conflitos e relações de poder no interior do campo associativo” (LÜCHMANN,
2014, p. 173), e esses devem ser incluídos nas pesquisas.

2 A CRESCENTE PREOCUPAÇÃO COM O MEIO AMBIENTE

As questões ambientais ocupam hoje um lugar assegurado no debate e


na agenda das esferas estatal, privada, das associações e da academia. O marco
da discussão sobre o meio ambiente na esfera internacional foi a Conferência
das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, também conhecida
como Conferência de Estocolmo, realizada em junho de 1972 e decisiva para
o aparecimento de políticas ambientais. As discussões da Conferência de
Estocolmo foram resgatadas no início da década de 1980 pela Organização
das Nações Unidas (ONU), inspirando o documento chamado “Nosso Futuro
Comum”, também conhecido como Relatório Brundtland (1987), que propõe o
conceito de desenvolvimento sustentável pela máxima de que o desenvolvimento
deve satisfazer às necessidades contemporâneas sem comprometer a capacidade
das gerações futuras. O relatório defendia a necessidade de soluções para a
superação da pobreza; garantia de alimentação, saúde e habitação; utilização
de novas matrizes energéticas renováveis; e transferência tecnológica entre

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países ricos e pobres (WORLD COMMISSION ON ENVIRONMENT AND


DEVELOPMENT, 1987). Percebe-se que o relatório estabelece uma concepção
de meio ambiente que inclui questões sociais.
Recentemente o termo “socioambientalismo” vem sendo utilizado quando
se pretende associar a questão dos direitos sociais com a problemática ambiental.
O termo não desvincula a natureza das relações sociais estabelecidas entre os
homens e seu meio, pois considera que o homem faz parte do meio ambiente
e que a compreensão de seus problemas e desafios não poderia ser separada do
contexto em que está inserida. O termo socioambiental hoje representa “[...]
um novo paradigma de desenvolvimento socialmente justo e ambientalmente
sustentável, na medida em que contextualiza a disputa por recursos naturais
em uma sociedade heterogênea e desigual do ponto de vista social, econômico,
político e cultural” (FURSTENAU-TOGASHI; SOUZA-HACON, 2012, p. 411).
Além do conceito socioambiental, está em voga a preocupação com a
chamada sustentabilidade – ou seja, algo não apenas circunscrito ao meio
ambiente. Inclusive é possível notar nos documentos da área o deslocamento da
preocupação com a questão social e ambiental para o foco na sustentabilidade.
Por exemplo, nos anos 2000 a ONU promulgou a Declaração do Milênio, que
continha os “Objetivos de Desenvolvimento do Milênio”, como direitos sociais
e sustentabilidade ambiental (objetivo sete); em 2015 foram estabelecidos os
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que devem ser alcançados até
2030 (UNITED NATIONS, 2015). Isto é, como substituto para os “Objetivos
do Milênio”, a ONU formulou um documento que reafirma a preocupação com
a sustentabilidade ao inserir o termo no próprio título de suas diretrizes. As metas
desse novo documento tratam da redução da pobreza, da promoção social e da
proteção ao meio ambiente. Nesse sentido, a sustentabilidade é considerada uma
diretriz capaz de promover o equilíbrio entre os aspectos econômico, social e
ambiental – o chamado tripé da sustentabilidade.
Conforme parte das interpretações, para que se atinja a sustentabilidade
são necessários esforços de várias esferas: do governo (autoridades locais,
principalmente), do meio empresarial e das organizações do terceiro setor
(BARBIERI, 2007, p. 151). Até mesmo as empresas passaram a assumir o
compromisso com a sustentabilidade, como uma prática de responsabilidade social.
Assim a sustentabilidade passou a fazer parte da agenda de organismos internacionais
e foi incorporada pelas corporações em geral, não apenas pelas organizações de
escopo internacional mais ligadas às diretrizes e ao encaminhamento legislativo – o
que pode ser constatado pelo exame da literatura sobre administração de empresas
(cf. MELO NETO; FRÓES, 1999; BARBIERI, 2007).

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O próprio conceito de responsabilidade social sofreu alterações. Para as


clássicas teorias administrativas e econômicas, a responsabilidade das empresas
restringia-se à maximização dos lucros e à obediência às leis; já para as teorias
atuais a responsabilidade social envolve a ética nos negócios (business ethics),
assim como a ética da sustentabilidade também passou a pautar as relações
com acionistas, funcionários e todos os grupos de investimento interessados,
ou  stakeholders, que afetam ou são afetados pelas atividades da organização
empresarial (PEREIRA, 2005).
O conceito ainda vem se transformando, de modo que atualmente a
responsabilidade social é apenas parte de um conceito mais amplo, a saber: o
desenvolvimento sustentável, que inclui a dimensão social (responsabilidade
social), a dimensão econômica (geração de empregos, investimentos e pagamento
de impostos) e a ambiental (educação ambiental, tecnologia de sistemas de
preservação ambiental e qualidade em proteção ambiental) (MELO NETO;
FRÓES, 1999). Nesse sentido, para favorecer a adequação das organizações à
prática do desenvolvimento sustentável, foram criados vários instrumentos
de certificação e orientação, dentre os quais a Norma Brasileira de Gestão da
Responsabilidade Social (NBR 16001), Indicadores de Responsabilidade Social
(Instituto Ethos), bem como as diretrizes da Organização Internacional para a
Normalização (International Organization for Standardization – ISO), que, no caso da
responsabilidade social, coincide com a ISO 26000.
Como consequência dessa sinergia de interesses, o Brasil adotou a discussão
sobre a importância do meio ambiente. Na prática, depois da Conferência de
Estocolmo, houve a criação da Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA),
vinculada ao Ministério do Interior – marco de institucionalização do meio
ambiente no Estado. E, com a aprovação da Política Nacional de Meio Ambiente
(PNMA), em 1981 (SOTERO; LEME, 2009), a preocupação com o meio
ambiente tornou-se uma política pública.
A preocupação com o meio ambiente está prevista na Constituição de
1988, especificamente no Capítulo VI, Art. 225, ao determinar que: “todos têm
direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado [...] impondo-se ao Poder
Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e
futuras gerações” (BRASIL, 1988, não paginado). Assim a Constituição Brasileira
normatiza a questão ambiental criando instituições voltadas ao tema, tais como
agências de controle ambiental e fóruns participativos.
Embora já previsto na Constituição de 1988, o momento-chave referente
à questão ambiental no Brasil foi a Conferência das Nações Unidas para o Meio
Ambiente e Desenvolvimento, também conhecida como Rio-92, que resultou na

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criação da Agenda 21. A Agenda 21 caracteriza-se como uma proposta de plano


de ação para o meio ambiente e o desenvolvimento no século XXI. Classifica-
se como a mais ampla tentativa já realizada de se orientar um novo modelo de
desenvolvimento, cuja base é a sinergia da sustentabilidade ambiental, social e
econômica (ALMEIDA, 2007, p. 58).
A discussão sobre a questão ambiental também passou a ser obrigatória
nas escolas. A Lei nº 9.795/99, que institui a Educação Ambiental no Brasil,
determina em seu Art. 2o que a educação ambiental é essencial, devendo estar
presente em todos os níveis e modalidades do processo educativo, em caráter
formal e informal (BRASIL, 1999). Essa normatização é a base para a Resolução
nº 2, de 15 de junho de 2012, que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação Ambiental, tornando a educação ambiental interdisciplinar, em
todas as séries e em todas as disciplinas, bem como em todos os níveis de ensino,
desde a educação infantil ao ensino superior (BRASIL, 2012).
Junto ao crescimento da prática e da preocupação com a sustentabilidade,
desenvolvimento sustentável e a responsabilidade social das empresas, também
cresceu o número de associações com foco socioambiental. As organizações
ambientalistas são encontradas em todo o estado de São Paulo, com maior
concentração nas cidades litorâneas e na capital do estado (FOSSALUZA;
TOZONI-REIS, 2015). Esse é o caso da cidade de Santos, litoral do estado
de São Paulo, que conta com diversas associações trabalhando em prol da
questão ambiental.

3 OPINIÃO DOS BRASILEIROS SOBRE A RESPONSABILIDADE


PÚBLICA x PRIVADA

Existe um discurso de que a proteção ao meio ambiente retardaria o


crescimento econômico. Nessa lógica de pensamento, o meio ambiente é
associado apenas à natureza, e a sua preservação atrapalharia o crescimento de
cidades, incluindo a própria circulação de riquezas. Considerando a existência
desse tipo de pensamento, foi perguntado aos brasileiros no World Values Survey o
que eles acham que deve ser priorizado: o crescimento econômico ou a proteção
ao meio ambiente?
Essa não é uma pergunta boa, pois restringe o conceito de meio
ambiente ao excluir dele a dimensão social, cada vez mais presente no debate,
a exemplo do que está subjacente ao já mencionado termo socioambientalismo
(FURSTENAU-TOGASHI; SOUZA-HACON, 2012). No entanto, a pergunta
ainda assim mede o apoio da população à proteção ambiental. Como resposta,

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a maior parte dos entrevistados (66%) considera que o meio ambiente deve ser
priorizado em relação ao crescimento econômico; ao passo que 32% consideram
que o crescimento econômico deve ser privilegiado. Isso demonstra a centralidade
da questão ambiental para a população, já apontada pela literatura (ALONSO;
COSTA, 2002), e consequentemente, a importância da reflexão sobre os trabalhos
que vêm sendo realizados na área, que podem ser feitos pelos indivíduos, por
associações ou pelo governo.
Para auferir a percepção das pessoas sobre quem deve ser responsável
pelo bem-estar dos cidadãos, o World Values Survey desenvolveu uma escala de
possibilidades de responsabilidade em que 1 é responsabilidade do governo e 10 é
responsabilidade dos indivíduos. Para que os dados aqui apresentados sejam mais
compreensíveis, as respostas organizadas no Gráfico 1 foram reunidas em cinco
escalas.1 Além de checar o que pensam os brasileiros sobre a responsabilidade para
com o bem-estar das pessoas, o World Values Survey questiona o vínculo associativo
dos entrevistados. Para verificar se a percepção de membros de associações difere
da percepção dos entrevistados em geral, separamos as respostas apresentadas
no Gráfico 1 conforme o vínculo associativo dos entrevistados.
Gráfico 1 – Responsabilidade governamental x responsabilidade individual,
conforme vínculo com associação

Fonte: os autores, com base nos dados do World Values Survey (2014).

O Gráfico 1 demonstra o quanto as pessoas atribuem aos governos


a responsabilidade pelo bem-estar das pessoas. Em consonância com a
responsabilidade pública prevista na Constituição, quando trata dos direitos
sociais (Arts. 6º a 11) (BRASIL, 1988), 46% dos entrevistados acreditam que o
governo deve ser o responsável pela garantia do bem-estar social, enquanto apenas
15% afirmaram ser dos indivíduos. Um número significativo de entrevistados
(20%) se posiciona no meio da escala de respostas, do que se subentende que eles
consideram que a responsabilidade é de ambos (indivíduos e governo).

1
As respostas 1 e 2 na questão original foram reunidas na resposta 1; respostas 3 e 4 ficaram
como 2; respostas 5 e 6 estão agrupadas no item 3; as respostas 7 e 8 aparecem como 4; e as
respostas 9 e 10 foram reunidas no item 5.

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A centralidade atribuída aos governos é compreensível no Brasil,


considerando que suas enormes carências e desigualdades não poderiam
ser corrigidas apenas com o esforço individual. Apesar da forte presença das
associações no Brasil – em 2016 existiam 820.186 organizações da sociedade
civil (IPEA, 2017) – e do crescimento da literatura que se concentra em suas
potencialidades e limites (LAVALLE; SWAKO, 2015; LÜCHMANN, 2012; 2014;
LUCHMANN; SCHAEFER; NICOLETTI, 2017; LÜCHMANN; ALMEIDA;
TABORDA, 2019), a crença na ação dos indivíduos (base do associativismo)
parece não ter eco no Brasil quando o assunto é o bem-estar social.
Contrariamente ao argumento de que o vínculo associativo altera a
percepção das pessoas quanto às responsabilidades coletivas, os dados não
diferem significativamente conforme o vínculo dos entrevistados (membro ativo,
inativo ou não membro de associação). Apenas os membros inativos apostam
menos na responsabilidade do governo do que os outros entrevistados, e se
situam mais nas categorias intermediárias.
Além de perguntar se são membros de associações, os questionários
aplicados pelo World Values Survey de 2014 (fonte do Gráfico 2) incluíam questões
sobre a vinculação dos entrevistados com diversos tipos de associações: sindicatos,
partidos, associações profissionais, organizações comunitárias, organizações de
consumidores e grupos de autoajuda. Esse dado é importante, pois as associações
não devem ser entendidas como homogêneas, e sim como parte de uma ecologia
(WARREN, 2001). Nesse sentido, a inclusão dessas informações nos permite
perceber a variação das percepções sobre a responsabilidade com o bem-estar
das pessoas segundo o tipo de associação.
Gráfico 2 – Responsabilidade governamental x responsabilidade individual
conforme o tipo de associação

Fonte: os autores, com base nos dados do World Values Survey (2014).

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Ao partirmos da ideia de ecologia das associações de Warren (2001),


esperávamos que a diversidade de associações fosse produzir representações
sociais diferentes entre os entrevistados. No entanto os dados mostram que
ser membro de alguma associação (sindicato, partido, associação profissional,
organização comunitária, organização de consumidor e grupo de autoajuda)
não influencia a percepção acerca da responsabilidade com o bem-estar das
pessoas. Em geral, a aposta no poder público para resolução dos problemas
dos cidadãos prevalece entre os brasileiros, seja qual for o tipo de associação à
qual estão vinculados. Isso corrobora a ideia de que, em um país caracterizado
por desigualdades marcantes, o Estado possui, para parcela significativa dos
brasileiros, atribuições fundamentais para minimizar o abismo que separa as
faixas mais abastadas do restante da população.
Se, no que diz respeito à maior parte da população brasileira, os dados
apontam para a relevância atribuída ao Estado na manutenção do bem-estar
da sociedade, torna-se de grande importância, dentro do escopo deste artigo,
examinar a postura das associações sobre as responsabilidades no que concerne
à questão socioambiental, isto é, se o foco incide mais sobre a sociedade
civil ou mais sobre os atores e instituições estatais. Para examinar a fundo as
representações sociais das associações, a próxima seção apresenta os resultados
de entrevistas qualitativas com seus membros.

4 REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DAS ASSOCIAÇÕES ACERCA DA


RESPONSABILIDADE COM A QUESTÃO SOCIOAMBIENTAL

A Baixada Santista comportava 1,7 milhão de habitantes em 2010,


conforme o censo realizado pelo IBGE. Naquele mesmo ano o município de
Santos contava com 419.400 habitantes, enquanto a população estimada em
2014 era de 433.565 habitantes (IBGE, 2010). Logo Santos é uma cidade de
grande porte, pois tem uma população superior a cem mil habitantes. Porém,
os dados sobre a população residente não refletem a realidade do município, em
especial na época de férias, justamente por ser uma estância balneária. A atividade
econômica do local é marcada pelo Porto, o maior e mais importante complexo
portuário da América do Sul, conforme mencionamos anteriormente. Segundo
Ambrozevicius (2010), os seguintes problemas são encontrados em Santos:

• As águas costeiras recebem o esgoto por conta do emissário submarino e


das ligações clandestinas nas galerias pluviais, sem tratamento adequado;

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com a questão socioambiental

• As águas costeiras também recebem efluentes das indústrias localizadas


no Polo Industrial de Cubatão, via estuário do canal do Porto de Santos;
• Contaminação dos solos que frequentemente atinge os cursos de água,
em razão dos processos de escoamento, dispersão, percolação, lixiviação e
infiltração;
• Áreas contaminadas por descarte descontrolado de resíduos industriais
e lixo doméstico;
• Os solos altamente permeáveis, a umidade e a chuva abundantes da
região contribuem para que a dinâmica dos contaminantes seja captada e os
corpos d’água contaminados;
• Os canais de drenagem pluvial que cortam a cidade transportam para as
praias a água da chuva junto com resíduos e esgoto;
• Muitas das áreas contaminadas são ocupadas pela população de baixa
renda, exposta aos riscos;
• Os manguezais também estão contaminados, prejudicando a área de
criadouros naturais e os seres humanos que consomem organismos coletados ou
pescados nos mangues.
Somam-se a esses problemas apontados por Ambrozevicius (2010) os
dados a respeito da qualidade de ar em Santos. Conforme relatório da Companhia
Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB, 2011), Cubatão e Santos estão
entre as 44 cidades do estado de São Paulo com o mais alto nível de poluição
do ar, de acordo com análises dos últimos cinco anos. A má qualidade do ar
é agravada pelo aporte de sacas de grãos no Porto de Santos e a consequente
emissão de poluentes pelos navios, particularmente na área chamada de “Ponta
da Praia” – região residencial vizinha ao Porto.
Além dos problemas nas praias e no mar, Santos tem recorrentes acidentes
no Porto e que afetam o meio ambiente. Em abril de 2015, um incêndio na
empresa Ultracargo durou nove dias, espalhando uma fumaça densa que
prejudicou principalmente as pessoas que moram nas proximidades da zona
portuária. No início do ano de 2016, outro incêndio no Porto de Santos, ao
lado da cidade de Guarujá, formou uma nuvem tóxica que se espalhou pela
Baixada Santista. Cerca de setenta pessoas foram atendidas nos hospitais da
região, alegando problemas respiratórios causados pela fumaça do incêndio (EM
SANTOS..., 2015; BOMBEIROS..., 2016).

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210 Olivia Cristina Perez • Bruno Mello Souza

Para complementar e comparar as informações obtidas por meio do exame


da literatura e de notícias recentes de jornais acerca dos principais problemas
socioambientais da região, inquiriram-se os onze membros das organizações que
trabalham com questões socioambientais em Santos a respeito de quais seriam os
principais problemas do município. Os integrantes das organizações citaram mais
de um problema socioambiental na região, dentre os quais o mais lembrado foi a
poluição dos mangues e rios (entrevistados A, B, C, D, H e K), que tem relação
com a falta de conscientização ambiental (referida pelos entrevistados A, C, G, H
e J), já que a população é também responsável pelo descarte de esgoto e lixo nos
mananciais, além de poluir as praias e desperdiçar água. Em suma, conforme o
entrevistado C: “os principais problemas são a falta de consciência ambiental da
população que traz problemas de saúde pública para todos e para todas as classes
sociais. Um exemplo são as praias onde todos sofrem com essa falta de cuidados”.
Os problemas específicos da moradia em palafitas foram citados por dois
entrevistados (B e C) que ressaltaram as condições em que vive tal população –
sem acesso a saneamento básico, por exemplo. A poluição das praias por banhistas
foi citada por duas organizações (C e H), enquanto outras duas organizações
destacaram a falta de fiscalização e captura inadequada de animais silvestres e
aves marinhas (entrevistados F e K).
É possível constatar um descompasso em relação aos problemas
socioambientais apontados pela literatura, pela mídia e pelos entrevistados.
Ambrozevicius (2010) aponta como problemas principais a contaminação das
praias da região e de muitos dos seus corpos d’água afluentes, problemas esses
relacionados à presença do Porto e à falta de planejamento urbano. Já a mídia
destaca os problemas causados pelos grandes acidentes na região provocados
por empresas (EM SANTOS..., 2015; BOMBEIROS..., 2016). Os entrevistados,
por sua vez, apontam como principais problemas a poluição dos mangues e rios
causada pela falta de conscientização ambiental dos próprios indivíduos.
Quando questionadas sobre suas principais atividades, quase todas as
organizações (A, B, C, D, E, G, H, I e J) realizam atividades de educação ambiental
relacionadas a questões como lixo, água, meio ambiente e animais. Essas
atividades consistem em realizar visitas em escolas, comunidades de pescadores,
comunidades que vivem em regiões próximas a rios e mangues, além de conversas
com frequentadores de praias e áreas de mergulho. Os entrevistados listaram
também outras atividades além da educação ambiental, como oficinas artísticas
e de capacitação (F e K). Nota-se que são muitas as atividades realizadas pelas
organizações, embora seja possível estabelecer um escopo central, geralmente
ligado à conscientização ambiental.

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Do público ao privado: representações sociais de associações acerca da responsabilidade 211
com a questão socioambiental

Quando perguntado sobre quais atores poderiam ser responsáveis por tais
questões, as respostas divididas apontaram a ação do Estado, da sociedade civil,
das empresas e do homem – em geral, juntos. Para quatro organizações (A, E, J
e H) os problemas socioambientais devem ser sanados pela atuação do Estado
junto à sociedade civil. E isso deve ser feito de duas formas: pelo financiamento
do Estado às ações da sociedade civil (A e J) ou por meio da própria sociedade
civil, que desenvolveria tecnologias para o setor (E), embora só a sociedade civil
esteja agindo (H). Para três organizações, trata-se de uma responsabilidade de
todos (B, F e K). Já para as organizações I e C, cabe ao Estado e ao homem
assumirem papéis significativos na área, pois o homem “[...] tem que saber cuidar
de seu meio ambiente e de sua cultura e costumes também” (informação verbal)2.
Somente uma organização citou a relevância das empresas que inclusive “[...]
poderiam se envolver mais, não apenas com patrocínios, mas também entender
os impactos que estão ocorrendo” (informação verbal)3. Já a organização G
lembrou-se do papel articulado do Estado, da sociedade civil e das empresas, um
colaborando com o outro.
A parceria entre Estado e sociedade civil no trato com questões
socioambientais é ressaltada pela literatura que defende a ação das ONGs junto
ao Estado (cf. CARDOSO, 1997). Segundo essa reflexão, não cabe somente
ao Estado procurar soluções para questões sociais. As ONGs seriam menos
burocratizadas, mais eficientes e estariam mais próximas da população, sendo
capazes de engajar os cidadãos nas questões públicas. Essa concepção também
é defendida pelos teóricos da administração de empresas que dissertam sobre
responsabilidade social e sustentabilidade. Para essa linha, a preocupação com a
questão social e ambiental deve confluir para esforços das esferas governamentais,
do meio empresarial e das organizações civis (BARBIERI, 2007, p. 151).
Os membros das associações em Santos tendem a ter então uma perspectiva
mais liberal do que a população em geral (mais estatizante), na medida em que
ressaltam a parceria entre diversas instituições para o trabalho com as questões
ambientais. Isso pode ser explicado pelo fato de eles atuarem em associações
que têm essa concepção em seu bojo. Conforme um dos principais pensadores
do associativismo (BADER, 2001), o Estado e o mercado deveriam se limitar
às funções que eles podem desempenhar mais eficazmente, enquanto as outras
atividades deveriam ser exercidas por associações. Os indivíduos reunidos em
associações seriam então os responsáveis pelo trato com questões sociais, ainda
que com o apoio do Estado.


2
Informação verbal fornecida pelo Entrevistado C, no dia 11 de novembro de 2015.

3
Informação verbal fornecida pelo Entrevistado D, no dia 23 de janeiro de 2016.

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212 Olivia Cristina Perez • Bruno Mello Souza

CONCLUSÃO

A presente pesquisa constatou que os membros de associações que


trabalham com a questão socioambiental apostam na parceria entre diversas
instituições. Esses dados destoam da opinião da maior parte dos brasileiros que
consideram o Estado como responsável pelo bem-estar das pessoas.
Talvez as diferenças nas respostas tenham relação com os instrumentos de
pesquisa. Enquanto os instrumentos quantitativos captam vínculos associativos
menos intensos, aproximando as respostas dos membros das associações com a
população em geral, os instrumentos qualitativos conseguiram captar percepções
de membros ativos de associações. Nesse sentido, a presente pesquisa mostra
o cuidado que devemos ter com os dados quantitativos e a necessidade de uma
aproximação maior com sujeitos, pois há discrepância nas respostas. 
Outra explicação para as diferenças nas respostas estaria no tipo de
associação examinada, considerando que em alguns campos há mais parcerias
entre associações e instituições, tais como as estatais, enquanto em outros campos
as associações trabalham de forma mais isolada. Nesse caso, as associações
socioambientais de Santos podem atuar em mais parcerias com outras instituições
quando comparadas a outros campos. Daí a importância de discernir campos e
formas de atuação das associações.
O que se percebe é que as respostas qualitativas dos membros das
associações valorizam o trabalho em conjunto de diversas esferas no trato
com a questão socioambiental, assim como valorizam os próprios teóricos da
democracia associativa. Ou seja, os membros das associações trabalham com
outras instituições e por isso constroem representações sociais que valorizam
essa parceria. O fato de os membros participarem de forma ativa das associações
influencia nas suas representações sociais sobre como as questões sociais devem
ser solucionadas. Logo o vínculo de trabalho deve ser considerado nas análises
sobre as representações sociais.
Por fim, sugerimos que pesquisas futuras considerem a variedade do
campo associativo. Consideramos que é fundamental discernir compreensões,
práticas e discursos, em especial quanto ao papel do Estado e da sociedade civil,
pois as representações sociais impactam na realidade, contribuindo para a maior
ou menor presença do Estado no trato com as questões sociais.

Novos Cadernos NAEA • v. 25 n. 1 • p. 197-216 • jan-abr 2022


Do público ao privado: representações sociais de associações acerca da responsabilidade 213
com a questão socioambiental

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Texto submetido à Revista em 19.08.2020


Aceito para publicação em 13.01.2022

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