Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Olivia Cristina Perez – Doutora em Ciência Política pela Universidade de São Paulo
(FFLCH/USP). Professora da Universidade Federal do Piauí (UFPI). E-mail:
oliviaperez@ufpi.edu.br
Bruno Mello Souza – Doutor em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS). Professor da Universidade Estadual do Piauí (UESPI). E-mail:
bmellosouza@yahoo.com.br
Resumo Abstract
A presente pesquisa aborda The present research addresses the social
representações sociais de associações representations of associations about
acerca da responsabilidade com a proteção responsibility with socio-environmental
socioambiental. Foram examinados dados protection. We examine data from the
do World Values Survey que revelam a World Values Survey that reveal Brazilian’s
percepção dos brasileiros, com ou sem perception, with or without associative
vínculo associativo, a respeito da questão link, of the environmental issues and
ambiental e da responsabilidade com o responsibility for people’s well-being.
bem-estar das pessoas. Para complementar To complement the research, qualitative
a pesquisa, foram realizadas entrevistas interviews were carried out with members
qualitativas com membros de todas as onze of all eleven associations that work with
associações que trabalham com a temática the socio-environmental theme in the
socioambiental no município de Santos, city of Santos, on the coast of the state
litoral do estado de São Paulo. Em geral os of São Paulo. In general, the members of
membros das associações revelam a aposta the associations reveal the belief in the
na parceria entre diversas instituições para partnership between different institutions
o trabalho com as questões ambientais. to work with environmental issues. The
Esses dados destoam da opinião da maior data dispute the opinion of most Brazilians,
parte dos brasileiros, que consideram o who consider the State responsible for the
Estado como responsável pelo bem-estar well-being of the people.
das pessoas.
Palavras-chave Keywords
Democracia associativa. Associações civis. Associative democracy. Civil associations. Socio-
Socioambientalismo. Representações Sociais. environmentalism. Social Representations.
INTRODUÇÃO
eles são formados com base em todos os aspectos que envolvem a vida de um
sujeito, incluindo seu contexto.
Especificamente, na presente pesquisa investigamos se os membros das
associações que atuam na área socioambiental atribuem a responsabilidade pela
proteção ambiental aos governos, às próprias associações ou aos indivíduos
isoladamente, e se tal pensamento coaduna com a percepção dos brasileiros
sobre a responsabilidade com o meio ambiente.
A pesquisa exploratória e descritiva utiliza dados quantitativos e qualitativos.
Primeiro foram analisados dados do World Values Survey (onda de 2010-2014) que
mostram a opinião dos brasileiros (1.486 entrevistados) sobre meio ambiente e
responsabilidade com o bem-estar social. Os dados incluíam a vinculação dos
entrevistados com sindicatos, partidos, associações profissionais, organizações
comunitárias, organizações de consumidores e grupos de autoajuda, permitindo
a comparação das percepções entre a população em geral com membros de
diversos tipos de associações.
No entanto as opiniões quantitativas têm seus limites, pois não são
capazes de aprofundar a compreensão sobre a responsabilidade socioambiental.
Para preencher essa lacuna, foram entrevistados membros das associações que
atuam com a questão na cidade de Santos. O município apresenta altas taxas de
urbanização, além de atividades econômicas variadas e bem desenvolvidas, com
destaque para a presença do histórico Porto de Santos. Em boa medida, pelo fato
de ser a região litorânea que abriga o maior porto da América Latina, o município
apresenta problemas relacionados à poluição da água e do ar. O trabalho com
questões socioambientais na cidade é marcado pela atuação de associações. Por
essa razão justamente é que as associações do município foram escolhidas como
objetos de estudo deste artigo; ou seja, trata-se de uma amostra intencional,
obtida a partir da consideração dos problemas socioambientais específicos à
região e da constatação da presença de associações atuantes na área.
Na pesquisa de campo, primeiramente foram localizadas as associações
da área socioambiental em espaços de participação – especialmente o Conselho
Municipal de Meio Ambiente. Também foi solicitada junto à prefeitura a lista
de todas as organizações da área. Após essa sondagem inicial, foram localizadas
oito organizações. Para complementar tais informações, os entrevistados eram
solicitados a indicar o nome de outras organizações que trabalhavam na área e,
assim, sucessivamente, de modo a gerar novas rodadas de entrevistas. Ao todo
foram localizadas onze associações. Todos os ativistas dessas associações foram
entrevistados no fim do segundo semestre do ano de 2015 e começo de 2016. As
entrevistas partiram de um roteiro semiestruturado que versava sobre a atuação
das associações santistas e suas concepções acerca das origens e do trato com os
problemas socioambientais. Para as entrevistas foram escolhidos os fundadores
das organizações.
O conteúdo das entrevistas foi analisado com a intenção de apreender
representações sociais em comum sobre a responsabilidade com as questões
socioambientais. A análise de conteúdo é uma técnica bastante utilizada nas
pesquisas qualitativas, uma vez que seu principal objetivo consiste em verificar
a frequência em que ocorrem determinadas construções em um texto, o que
permite sistematizar as entrevistas realizadas (BARDIN, 2006).
A pesquisa contribui com o conhecimento acerca das representações
sociais das associações em diversos sentidos: expondo a trajetória do debate
sobre tais instituições; demonstrando o substrato liberal das associações com
base nos teóricos da democracia associativa; analisando representações sociais das
associações que trabalham com a questão socioambiental a partir de entrevistas
qualitativas; e, por fim, relacionando as concepções das associações com opiniões
da sociedade acerca da responsabilidade com o bem-estar das pessoas.
2014; LAVALLE; SWAKO, 2015; PISMEL, 2019). Para essa literatura, o Estado
e a sociedade civil não estariam separados em nenhum período.
O tema das associações, sob a perspectiva de sua variedade, tem ganhado
adeptos dentro e fora do Brasil. O cientista político canadense Mark Warren (2001)
afirma que as associações são tão diversas que não é possível analisá-las como
uma unidade, mas sim como uma ecologia de associações. Por exemplo, o fato de
a associação se dedicar a causas sociais, ao poder ou ao dinheiro faz diferença para
sua contribuição ao projeto democrático. Outra distinção importante diz respeito
à fonte de financiamento da associação, bem como ao fato de ela querer ou
não mudar o contexto social (WARREN, 2001). Outros teóricos da democracia
associativa também indicam pontos negativos na relação entre associações e
poder público. As associações podem promover seus interesses no interior do
Estado, caso apenas os interesses organizados tenham suas demandas atendidas,
assim como podem promover o domínio da agenda pública por determinados
grupos da sociedade (COHEN; ROGERS, 1995).
Ancorada nessas reflexões, a brasileira Ligia Lüchmann (2014) explica que
o problema de se partir de uma concepção generalista a respeito das associações
é não perceber seus efeitos diversos ou então atribuir efeitos virtuosos onde
não se pode encontrá-los. Em suma, “há, portanto, importantes desigualdades,
conflitos e relações de poder no interior do campo associativo” (LÜCHMANN,
2014, p. 173), e esses devem ser incluídos nas pesquisas.
a maior parte dos entrevistados (66%) considera que o meio ambiente deve ser
priorizado em relação ao crescimento econômico; ao passo que 32% consideram
que o crescimento econômico deve ser privilegiado. Isso demonstra a centralidade
da questão ambiental para a população, já apontada pela literatura (ALONSO;
COSTA, 2002), e consequentemente, a importância da reflexão sobre os trabalhos
que vêm sendo realizados na área, que podem ser feitos pelos indivíduos, por
associações ou pelo governo.
Para auferir a percepção das pessoas sobre quem deve ser responsável
pelo bem-estar dos cidadãos, o World Values Survey desenvolveu uma escala de
possibilidades de responsabilidade em que 1 é responsabilidade do governo e 10 é
responsabilidade dos indivíduos. Para que os dados aqui apresentados sejam mais
compreensíveis, as respostas organizadas no Gráfico 1 foram reunidas em cinco
escalas.1 Além de checar o que pensam os brasileiros sobre a responsabilidade para
com o bem-estar das pessoas, o World Values Survey questiona o vínculo associativo
dos entrevistados. Para verificar se a percepção de membros de associações difere
da percepção dos entrevistados em geral, separamos as respostas apresentadas
no Gráfico 1 conforme o vínculo associativo dos entrevistados.
Gráfico 1 – Responsabilidade governamental x responsabilidade individual,
conforme vínculo com associação
Fonte: os autores, com base nos dados do World Values Survey (2014).
Fonte: os autores, com base nos dados do World Values Survey (2014).
Quando perguntado sobre quais atores poderiam ser responsáveis por tais
questões, as respostas divididas apontaram a ação do Estado, da sociedade civil,
das empresas e do homem – em geral, juntos. Para quatro organizações (A, E, J
e H) os problemas socioambientais devem ser sanados pela atuação do Estado
junto à sociedade civil. E isso deve ser feito de duas formas: pelo financiamento
do Estado às ações da sociedade civil (A e J) ou por meio da própria sociedade
civil, que desenvolveria tecnologias para o setor (E), embora só a sociedade civil
esteja agindo (H). Para três organizações, trata-se de uma responsabilidade de
todos (B, F e K). Já para as organizações I e C, cabe ao Estado e ao homem
assumirem papéis significativos na área, pois o homem “[...] tem que saber cuidar
de seu meio ambiente e de sua cultura e costumes também” (informação verbal)2.
Somente uma organização citou a relevância das empresas que inclusive “[...]
poderiam se envolver mais, não apenas com patrocínios, mas também entender
os impactos que estão ocorrendo” (informação verbal)3. Já a organização G
lembrou-se do papel articulado do Estado, da sociedade civil e das empresas, um
colaborando com o outro.
A parceria entre Estado e sociedade civil no trato com questões
socioambientais é ressaltada pela literatura que defende a ação das ONGs junto
ao Estado (cf. CARDOSO, 1997). Segundo essa reflexão, não cabe somente
ao Estado procurar soluções para questões sociais. As ONGs seriam menos
burocratizadas, mais eficientes e estariam mais próximas da população, sendo
capazes de engajar os cidadãos nas questões públicas. Essa concepção também
é defendida pelos teóricos da administração de empresas que dissertam sobre
responsabilidade social e sustentabilidade. Para essa linha, a preocupação com a
questão social e ambiental deve confluir para esforços das esferas governamentais,
do meio empresarial e das organizações civis (BARBIERI, 2007, p. 151).
Os membros das associações em Santos tendem a ter então uma perspectiva
mais liberal do que a população em geral (mais estatizante), na medida em que
ressaltam a parceria entre diversas instituições para o trabalho com as questões
ambientais. Isso pode ser explicado pelo fato de eles atuarem em associações
que têm essa concepção em seu bojo. Conforme um dos principais pensadores
do associativismo (BADER, 2001), o Estado e o mercado deveriam se limitar
às funções que eles podem desempenhar mais eficazmente, enquanto as outras
atividades deveriam ser exercidas por associações. Os indivíduos reunidos em
associações seriam então os responsáveis pelo trato com questões sociais, ainda
que com o apoio do Estado.
2
Informação verbal fornecida pelo Entrevistado C, no dia 11 de novembro de 2015.
3
Informação verbal fornecida pelo Entrevistado D, no dia 23 de janeiro de 2016.
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
IPEA. Mapa das organizações da sociedade civil. IPEA, Brasília, DF, 2017.
Disponível em: https://mapaosc.ipea.gov.br. Acesso em: 04 nov. 2017.
LAVALLE, A. G.; SWAKO, J. Sociedade civil, Estado e autonomia: argumentos,
contra-argumentos e avanços no debate. Opinião Pública, Campinas, v. 21,
n. 1, p. 157-187, 2015.
LOCKE, J. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril, [1689] 1973.
LÜCHMANN, L. H. H. Abordagens teóricas sobre o associativismo e seus
efeitos democráticos. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v.
29, n. 85, p.159-178, 2014.
LÜCHMANN, L. H. H. Modelos contemporâneos de democracia e o papel
das associações. Revista de Sociologia e Política, Paraná, v. 20, n. 43,
p. 59-80, 2012.
LÜCHMANN, L. H. H.; ALMEIDA, C.; TABORDA, L. Associativismo no
Brasil contemporâneo: dimensões institucionais e individuais. Revista Política
e Sociedade, Florianópolis, n. 17, p. 307-341, 2019.
LÜCHMANN, L. H. H.; SCHAEFER, M. I.; NICOLETTI, A.
S. Associativismo e repertórios de ação político-institucional. Opinião Pública,
Campinas, v. 23, p. 361-396, 2017.
MELO NETO, F. P.; FROES, C. Responsabilidade social e cidadania
empresarial: a administração do terceiro setor. Rio de Janeiro:
Qualitymark, 1999.
MENDONÇA, P., MEDEIROS, A.; ARAÚJO, E. Modelos para parcerias entre
governos e organizações da sociedade civil: análise comparativa de políticas
de AIDS, assistência social e cultura no Brasil. Revista de Administração
Pública, São Paulo, v. 53, n. 5, p. 802-820, 2019.
MONTAÑO, C. Terceiro setor e questão social: crítica ao padrão emergente
de intervenção social. São Paulo: Cortez, 2002.
MOSCOVICI, S. A representação social da psicanálise. Rio de Janeiro:
Zahar, 1978.
PEREIRA, R. Responsabilidade social: uma atitude a ser adotada pelos
indivíduos e pelas empresas. Comissão Direito do Terceiro Setor. São Paulo:
OAB, 2005.