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Abstract: Universities have been paying attention to the work of political organizations that
call themselves intersectional collectives. Although intertwined and often treated as synonyms,
there is a difference in meaning between the academic concept of intersectionality and that
attributed by collectives in their daily struggles. In this text we analyze intersectionality
according to academic production and discuss how the collectives formed by university
students understand this same category. To capture the meanings attributed by the literature,
we carried out a systematic review of 51 scientific articles available at CAPES Periodicals
Portal in June 2019. To understand the same category among the collectives, we analyzed
content shared by the ten collectives of young university students who defined themselves as
intersectional in a social network, in addition to qualitative interviews carried out in 2021. The
results show that, as in the academic debate, the collectives emphasize that social inequalities
are related to gender and other social cleavages, especially race/color/ethnicity. But in line
with the field of social movements, the collectives have as one of their main agendas the
defense of rights for the LGBTQIA+ population. We end the text with a reflection on social
class, which is more present in the academic debate than in the collective agendas.
Key words: Collectives; intersectionality; Feminisms; Social Movements.
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INTRODUÇÃO
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Optamos neste texto pela linguagem inclusiva: nos referimos ao gênero feminino dos grupos pesquisados. Daí
porque escrevemos jovens universitárias(os), autoras(es) e pretas(os) em vez de universitários, autores e pretos.
Isso não significa que os grupos pesquisados incluam apenas mulheres.
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O texto contribui com a sistematização do debate acadêmico brasileiro sobre
desigualdades sociais, em especial daquele que trata da interseccionalidade. Além disso, a
análise contribui para a compreensão sobre as organizações políticas da sociedade civil
contemporâneas. Por fim, o texto ajuda a divulgar e a promover os ativismos juvenis nas
universidades.
O trabalho está organizado da seguinte forma: na seção 1 são apresentados os
procedimentos metodológicos. Na seção 2 sistematizamos o debate acadêmico brasileiro a
respeito da interseccionalidade. As pautas dos coletivos interseccionais são apresentadas na
seção 3. Seguem as considerações finais com problematizações acerca da adoção de
clivagens sociais tal como articuladas pelos coletivos.
1 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
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estruturação do instrumento político de luta que eu, com outras mulheres,
concebi o GELEDES, pensava o que era ser mulher negra no contexto do
feminismo branco hegemônico da época (CARNEIRO, 2017, 18 ).
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cruzamento de clivagens como gênero e raça. Já para as sociólogas marxistas e estudiosas
das relações de trabalho, as categorias centrais para a compreensão das desigualdades,
embora não exclusivas, são classe social, trabalho e gênero/sexo.
A influência desses dois debates aparece nos tipos de clivagens sociais mais
analisadas nos 51 artigos brasileiros que abordam o tema. As intersecções mais comuns são
entre gênero e classe social (temas estudados pela sociologia do trabalho e/ou feministas
marxistas como Danièle Kergoat e Heleieth Safiotti) e gênero e raça (clivagens sociais
ressaltadas pelas feministas negras).
A classe social também é importante nas análises acadêmicas brasileiras. Enquanto
12 trabalhos ressaltam gênero e raça, 10 deles tratam da clivagem “gênero” atrelada à raça e
classe social e outros 5 abordam gênero e trabalho ou classe. Isso se explica porque,
conforme Miguel (2017, p. 120), a reflexão feminista surgida no Brasil na segunda metade do
século XX estava preocupada com a relação entre gênero e classe social, em consonância
com o debate europeu e da América do Norte.
Embora gênero, raça e classe social sejam centrais nos estudos que abordam a
interseccionalidade, outras clivagens sociais aparecem nos estudos, como por exemplo,
sexualidade, corpo, deficiência, região e corporalidade. Nesse sentido, não é à toa que, para
dar conta de tantas formas de opressão, as Ciências Sociais, mais especificamente a
Antropologia, vêm utilizando o conceito de marcadores sociais da diferença. Os marcadores
sociais da diferença compreendem clivagens sociais como gênero, orientação
sexual/sexualidade, raça/cor, geração, religião, nacionalidade, deficiência, escolaridade etc.
Todos estão relacionados à opressão, à violência, à dificuldade de acesso a direitos, bens e
serviços. (Moutinho, 2014).
Esses resultados apontam para a emergência de debates empíricos e teóricos que
exigem de pesquisadores categorias que reúnam as desigualdades. A interseccionalidade
permite essa reunião e a análise da interação entre elas. Em sua maioria, os trabalhos
analisados não examinam tal interação, mas indicam sua existência ao utilizarem o conceito
de interseccionalidade. Mencionar a interseccionalidade é, portanto, uma forma de mostrar ao
leitor que as clivagens sociais estão relacionadas, ainda que não se faça a análise de suas
relações.
Para expandir a compreensão sobre a direção do debate brasileiro acerca da
interseccionalidade, a figura 1 reúne as 100 palavras mais recorrentes nos 51 artigos
científicos analisados.2
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Foram excluídas preposições, advérbios, pronomes, artigos, repetições e palavras que não remetiam aos temas
do debate.
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Figura 1- Nuvem de palavras dos 51 trabalhos acadêmicos que abordam o conceito de
interseccionalidade
Fonte: Elaboração própria, com base nos artigos disponíveis no Portal de Periódicos CAPES
em 2019.
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“Diferença, diversidade, diferenciação” (2006) é o segundo mais utilizado para a definição de
interseccionalidade (6 artigos o retomam). Em terceiro lugar, os trabalhos da pesquisadora
brasileira Adriana Piscitelli são a base para a definição de interseccionalidade.
Outros dados corroboram a importância das feministas negras nos estudos sobre
interseccionalidade. Além de Crenshaw, bell hooks é mencionada 86 vezes, seguida de
Patricia Collins com 71 menções. Embora os textos em geral não se concentrem em
desenvolver as ideias de Collins ou hooks, os trabalhos sobre raça e gênero costumam fazer
um percurso histórico sobre o debate. Nessa retomada, as feministas negras norte-
americanas são referência absoluta mostrando a sua importância para a academia brasileira.
Com relação às outras clivagens sociais, a sexualidade é apenas a quarta mais citada,
o que indica o volume ainda pequeno de produções nessa área que utilizam a abordagem
interseccional. O colonialismo também é um tema presente na compreensão sobre as
desigualdades envolvendo as mulheres no mundo. A palavra “jovens” é citada 226 vezes,
indicando a clivagem geracional como um dos temas abordados de forma interseccional.
Embora seja um tema recente, a transexualidade já vem sendo objeto de reflexão na literatura.
O último marcador social da diferença com recorrência significativa é a deficiência, com 97
menções. Esse resultado demonstra o quanto o campo vem se abrindo para novas clivagens
sociais.
Tais clivagens são retomadas para compreender problemas como a saúde da mulher
(a 10ª palavra mais citada), as violências cotidianas sofridas por mulheres, negras(os) e
LGBTQIA+ (iniciais para as palavras lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, queer,
assexuais e intersexuais, sendo que + se refere a outras possibilidades dentro desse universo,
como os assexuados e pansexuais). O trabalho doméstico também é um tema recorrente nas
análises que adotam a abordagem interseccional para compreender as desigualdades. Ainda
remetendo ao mundo do trabalho, a palavra prostituição aparece 148 vezes. Esses estudos,
assim como o das domésticas, concentram-se nas relações de trabalho refletindo sobre
clivagens como gênero e raça para explicar a identidade, vivências e mobilizações dessas
mulheres.
O debate brasileiro sobre interseccionalidade é publicado principalmente pela Revista
Estudos Feministas, da Universidade Federal de Santa Catarina - por isso a palavra
Florianópolis aparece na figura 1 (ela é a 26ª palavra mais citada). Dos 51 artigos analisados
para a pesquisa, 16 foram publicados na Revista, inclusive um com autoria de Kimberlé
Crenshaw (2002), o que contribui para que a revista seja ainda mais citada, já que grande
parte dos artigos analisados referencia o trabalho de Crenshaw.
Em suma, os trabalhos acadêmicos sobre interseccionalidade no Brasil são feitos no
campo de estudos sobre gênero e mulheres e neles são retomadas autoras feministas negras
e sociólogas que estudam trabalho e/ou classe social. A importância das autoras que
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destacam a opressão sofrida pelas mulheres negras, em especial Kimberlé Crenshaw, é
comprovada pelo fato de que seus escritos são a principal fonte da definição do conceito de
interseccionalidade. Em que pese a importância das feministas negras, as Ciências Sociais
brasileiras têm uma tradição marxista que reverbera na análise sobre gênero, na medida em
que atrela gênero à classe social e/ou trabalho.
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Uma importante conquista para a população negra foi a Lei das Cotas – como ficou
conhecida a Lei nº 12.711 de 2012 –, que estabeleceu critérios mistos envolvendo tanto a
questão racial quanto fatores socioeconômicos a fim de facilitar o acesso de estudantes de
baixa renda nas universidades. As políticas de cotas se expandiram inclusive para outros
públicos, a exemplo das políticas afirmativas para a população trans, adotada por cerca de 30
instituições públicas de ensino superior – a grande maioria em programas de pós-graduação,
conforme dados de 2020 (Iazzetti, 2021).
A expansão das universidades federais, assim como a adoção do sistema de cotas,
contribuiu para a ingresso de negras(os), LGBTQIA+ e estudantes de baixa renda no ensino
superior, fortalecendo mobilizações sociais em torno de clivagens mais diversas, o que ajuda
a entender o crescimento de coletivos universitários antirracistas e a favor dos direitos
LGBTQIA+.
Ademais, a ampliação das discussões e da militância feminista, preta e LGBTQIA+ tem
relação com o crescimento do acesso à internet nos últimos anos. Desde 2004, o acesso à
internet nos domicílios por meio de microcomputador vem aumentando, variando de 6,3%, em
2004, a 25,7% em 2012. Em 2015, a expansão continuou ocorrendo, alcançando 57,8%,
correspondente a 39,3 milhões de domicílios conectados. Os meios móveis (celulares e
tablets) permitem o acesso fora de casa, potencializando assim o uso da internet pelos
brasileiros (IBGE, 2016). A internet ampliou a possibilidade de produção e compartilhamento
de conteúdos que questionam preconceitos e exigem mais direitos para mulheres, negras(os)
e população LGBTQIA+. Para dar conta dessas clivagens, os coletivos adicionam mais de
uma delas a suas bandeiras de luta.
Procuramos também analisar o que os coletivos entendem por interseccionalidade. De
modo geral, a interseccionalidade é uma forma de combater as diversas formas de opressões
que atingem principalmente mulheres, pretas(os) e LGBTQIA+. Por exemplo, um coletivo
formado por mulheres de uma universidade particular define-se como: "Coletivo interseccional
esquerdista de feministas autônomas estudantes da Universidade Anhembi Morumbi. Agimos
contra qualquer tipo de opressão”. No mesmo sentido, o Coletivo de Mulheres Filósofas do
Cariri combate "todas as formas de opressões que atingem, de maneira interseccional, as
mulheres”. Logo, embora a interseccionalidade tenha esse sentido de combate a todas as
formas de opressão que atingem grupos específicos, ela tem mais relação com gênero, raça
e sexualidade.
Por vezes outras clivagens sociais são mencionadas como religião e classe social.
Esse é o caso do coletivo Madame Satã que busca “criar relações dialógicas, reflexivas e
propositivas para a diversidade de Gênero e Sexual, evidenciando os recortes raciais,
femininos, socioeconômicos e de religião". No mesmo sentido, o Coletivo Lélia Gonzalez
(Feminismo Negro Interseccional de Campinas), embora não declare na sua descrição a
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importância do viés classista, participa de um fórum de discussões sobre raça, gênero e classe
na justiça brasileira.
Um exemplo do que é a interseccionalidade para os coletivos está expresso na página
do Coletivo Bendita Geni - UEMG Frutal:
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o número de jovens nas universidades e a variedade de perfis, cresceu também novos modos
de ativismos, como os coletivos interseccionais.
E é justamente o ativismo juvenil que tornou visível as dinâmicas sociais e políticas da
América Latina nos últimos anos, exigindo inclusive o reconhecimento das diversidades
(Vommaro, 2019). Essas jovens que pensam, agem e se expressam de outras formas em
comparação com o que é comumente aceito, criam discursos transgressores ressignificando
a política (Rubio, 2020). Logo são jovens com dificuldades a acesso a direitos em vários
campos que tem levado adiante justamente o processo de reconhecimento das diversidades
sociais construídas a partir das suas visões de mundo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Referências:
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