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Doutora em Ciência Política pela Universidade de São Paulo/Brasil. Tem estágio pós-doutoral no Programa
de Investigación en Ciencias Sociales, Niñez y Juventud (Cinde/Clacso). Professora Adjunta na Universidade
Federal do Piauí vinculada aos cursos de bacharelado e mestrado em Ciência Política e ao programa de pós-
graduação (mestrado e doutorado) em Políticas Públicas. E-mail: oliviaperez@ufpi.edu.br
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Doutoranda em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Piauí – UFPI. Docente efetiva do
Bacharelado em Direito da Universidade Estadual do Piauí. Advogada. Membro do grupo de pesquisa
Democracia e Marcadores Sociais da Diferença - UFPI. E-mail: hilzianelayza@pcs.uespi.br
Resumo
Este artigo analisa o uso da judicialização como estratégia para a garantia de direitos nas
áreas de gênero e sexualidade. Especificamente, analisamos processos em que movimentos
sociais e associações se colocam como amicus curiae em ações no Supremo Tribunal
Federal, verificando quem são esses grupos que assim ingressam e quais os
desdobramentos das ações ajuizadas. Para tanto, a pesquisa qualitativa e documental
analisou todos os processos judiciais no site do STF a partir da busca por decisões que
contivessem as palavras-chaves “movimentos sociais”, “gênero”, “sexualidade” e “amicus
curiae”. Como resultado foram encontrados 23 processos judiciais no site do STF desde o
ano de 2011, com expressivo aumento a partir de 2019. Os grupos voltados às pautas
LGBTQIA+ são os que mais se utilizam do amicus curiae. Para explicar esses resultados,
argumentamos que três fatores estão envolvidos no maior uso da estratégia de ingresso
como amicus curiae por parte de movimentos sociais e associações que atuam nas áreas
de gênero e sexualidade nos últimos anos: 1) a ausência de normas que tratem dos direitos
e garantias para grupos LGBTQIA+; 2) o insucesso das tentativas de diálogo com o Poder
Público; 3) a abertura do Poder Judiciário para o debate desses temas.
Introdução
Este artigo analisa o uso da judicialização como estratégia para a garantia de direitos nas
áreas de gênero e sexualidade. Especificamente, analisamos processos em que movimentos
sociais e associações se colocam como amicus curiae em ações no Supremo Tribunal
Federal. O amicus curiae é alguém que, mesmo sem ser parte, em razão de sua
representatividade, é chamado ou se oferece para intervir em processo relevante com o
objetivo de apresentar ao Tribunal a sua percepção sobre o debate que está sendo travado
nos autos, ou seja, a sua perspectiva sobre uma questão constitucional discutida no bojo do
processo, fazendo com que a discussão seja amplificada (THEODORO JÚNIOR, 2017).
Este instrumento processual representa, portanto, uma espécie de apoio técnico ao
magistrado quando ele necessita de maiores informações acerca de uma temática complexa
para que profira uma decisão mais justa.
Para Cassio Scarpinella Bueno (2013, p. 497), o amicus curiae não opera em defesa de
alguém, mas a favor de um interesse. O amicus curiae desenvolve uma função relevante,
de “melhorar o debate processual e contribuir para uma decisão mais justa e
fundamentada” (BUENO, 2013), assumindo o papel de amigo do tribunal em nome de um
interesse institucional, pois está em busca de “colaborar disponibilizando elementos
informativos e necessários ao julgador, auxiliando na resolução da controvérsia
instaurada” (SANTANA, 2018, p. 446).
Contudo, não é todo processo que admite a participação do amicus curiae. Existem
requisitos processuais e legais que delimitam o ingresso de terceiro como amicus curiae.
Estes requisitos estão previstos no art. 138 do Código de Processo Civil, a saber: relevância
da matéria, especificidade do tema, pessoa/entidade especializada e com
representatividade adequada.
Entre os requisitos para o ingresso do amicus curiae em um processo judicial, estão o
objeto específico que demanda um conhecimento mais aprofundado por parte do
magistrado e a repercussão da matéria, que deve ser relevante socialmente. A repercussão
geral da matéria discutida é um requisito de admissão do recurso pelo STF e significa que
o recorrente deve demonstrar que as suas razões são relevantes do ponto de vista jurídico,
social, econômico ou político, transcendendo os interesses subjetivos da demanda
(MELINA, 2008, p. 27).
Além disso, a pessoa que objetiva atuar como amicus curiae precisa “demonstrar a sua
representatividade e o interesse institucional” (SANTANA, 2020, p. 428). Cardinali (2017,
p. 125) aponta um risco decorrente desse pedido de ingresso como amicus curiae, ao se
favorecer grupos “mais organizados e com maior know-how da prática jurídica, o que pode
deformar a percepção dos Ministros acerca da prevalência das opiniões na sociedade sobre
determinado tema.”
No campo do acesso à justiça, Medina (2008) ressalta que são muitas as evidências
empíricas que relatam a contribuição do amicus curiae para a ampliação das opções
interpretativas ao promover uma abertura procedimental, além de possibilitar a
pluralização da jurisdição constitucional. Nesse cenário, a legitimidade da jurisdição
constitucional concretizada pelo processo de judicialização da política permite a definição
cada vez mais do destino da sociedade pelo Judiciário, requerendo deste último a abertura
de canais para a apresentação, pelos agentes sociais, de suas percepções constitucionais
(CARDINALI, 2017).
Falamos de acesso à justiça porque essa via da judicialização das demandas que
submergem de violações de direitos e mobilizam os movimentos sociais apresenta-se, na
maioria das vezes, como única entrada possível de atuação em uma democracia iliberal,
onde acontecem violações de garantias constitucionais anteriormente alcançadas
(ZAKARIA, 1997). A judicialização “consiste no ajuizamento de uma ação a ser resolvida
pelos magistrados, de forma provisória ou definitiva” (BORGES, COSTA, LEITÃO, 2020,
p. 234). As organizações da sociedade civil, em especial as de defesa de direitos, têm-se
utilizado de repertórios relacionados à mobilização jurídica (MONTEIRO; MARQUES,
2022).
Com isso, esta modalidade processual de intervenção de terceiros representa um forte
instrumento de participação capaz de influenciar nas decisões judiciais. Medina (2008, p.
6) aponta em suas pesquisas que o ingresso do amicus curiae contribui de forma favorável
para “o aumento das alternativas interpretativas ao promover uma abertura procedimental
e pluralização da jurisdição constitucional”, além do que possui como traço característico
“a dimensão democratizadora do instrumento”. Da mesma forma, Cardinali (2017, p. 122)
enxerga no amicus curiae a “promoção de um ‘diálogo com a sociedade’, sendo
instrumento para um processo decisório mais democrático”.
Essa modalidade de litigância estratégica adotada por muitas organizações ocorre na forma
de inscrição como amicus curiae no STF em Ações Diretas de Controle de
Inconstitucionalidade (ADIs e ADPFs), em Ações Diretas por Omissão (ADO), entre
outras, que se emergem em face de violações de direitos (RIBEIRO, 2017; ALMEIDA,
FERRARO, 2020).
Pesquisas recentemente realizadas mostram que “a participação em rede das organizações
da sociedade civil como amicus curiae em 27 ações em tramitação no STF a partir da
pandemia de Covid-19” (MONTEIRO; MARQUES, 2022, p. 6). Outra anterior mostra que
entre 1999 e 2014 foram constatados 2.103 amicus curiae em decisões do STF, referentes
a um terço do total das ações de controle de concentrado de constitucionalidade. Essa
modalidade de participação de alguma organização como amicus curiae teve um aumento
expressivo em pouco tempo: saltou de pouco mais de 13% no período de 1999 a 2005 e
chega a 30% entre 2006 e 2014 (ALMEIDA, 2015).
Os estudos sobre o amicus curiae evidenciam as consequências positivas de seu emprego,
como a possibilidade de influenciar as decisões judiciais (MEDINA, 2008; ALMEIDA,
2015; MONTEIRO, MARQUES, 2022; ALMEIDA, FERRARO, 2020; SANTANA,
2019). Os estudos também mostram que na conjuntura política atual, as possibilidades de
participação dos movimentos sociais foram enfraquecidas na agenda política e, com isso,
aumentou a estratégia da judicialização, inclusive com o instituto processual do amicus
curiae (MONTEIRO, MARQUES, 2022; ALMEIDA, FERRARO, 2020; SANTANA,
2019).
No entanto, essas conclusões não explicam algumas constatações verificadas na presente
pesquisa, como o fato de que a maior parte dos movimentos sociais e associações que
ingressam como amicus curiae atuam em prol dos direitos para a população LGBTQIA+
(sigla para lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis, transgêneros, queer,
intersexuais, assexuais e o mais, que serve para abranger a pluralidade de orientações
sexuais e variações de gênero).
Dialogando com essa literatura e no sentido de aprofundar a compreensão sobre a escolha
da estratégia de ingresso como amicus curiae por parte de movimentos sociais e
associações, a presente pesquisa parte dos seguintes questionamentos: quais movimentos
sociais têm aderido ao uso do instituto do amicus curiae como estratégia de judicialização?
Quais as consequências dessa atuação como amicus curiae para os grupos afetados pelas
decisões? Por que os movimentos sociais de gênero e sexualidade têm optado por essa
estratégia?
O trabalho tem como objetivo central verificar quais movimentos sociais e/ou associações
de gênero e sexualidade aderem a essa prática, as pautas levantadas e quais as
consequências dessa atuação sobre as decisões de grande repercussão no Supremo Tribunal
Federal. De forma breve, os resultados apontaram que os movimentos sociais e associações
LGBTQIA+ são os que mais ingressam como amicus curiae, obtendo um resultado
favorável em todas as decisões.
Para explicar esse resultado, retomamos a literatura sobre o tema que afirma que o aumento
da presença de movimentos sociais com pautas voltadas ao gênero e sexualidade como
amicus curiae tem relação com o fechamento de canais tradicionais de negociação entre
movimentos sociais e Estado por conta da ascensão de governos mais à direita no espectro
político e ideológico (MONTEIRO; MARQUES, 2022). Adicionamos a essa explicação
mostrando que, na verdade, o maior ingresso como amicus curiae é feito por movimentos
sociais e associações LGBTQIA+ por conta da ausência de normatização que trate dos
direitos e garantias desses grupos e pela sensibilidade do Poder Judiciário para essas
questões.
Esta é uma pesquisa descritiva, qualitativa e documental. Para a coleta de dados, em junho
de 2022 pesquisamos no site oficial do STF processos que tiveram movimentos sociais e/
ou associações que atuam na área de gênero e sexualidade como amicus curiae. As
decisões foram encontradas a partir da inserção de palavras-chaves na caixa de pesquisa
do site oficial do STF. Dentre as palavras-chaves, utilizamos “movimentos sociais”,
“gênero”, “sexualidade” e “amicus curiae”. Sem limitarmos um período em específico,
deixamos a busca livre e a pesquisa localizou 23 processos em que movimentos sociais e/
ou associações entraram como amicus curiae em ações no Supremo Tribunal Federal. Há
processos em que movimentos sociais ou associações na área de gênero e sexualidade
entram como amicus curiae desde 2011 até o ano de 2021, sendo dois processos do ano de
2011 e todos os outros 21 julgados entre o período de 2018 a 2021.
Na análise dos 23 processos, verificamos quais movimentos sociais e associações atuaram
como amicus curiae e como se deu sua admissão processual, se por requerimento próprio,
por requerimento do Ministério Público ou por convocação judicial. Posteriormente,
verificamos os períodos de ingresso e as pautas processuais daqueles movimentos sociais
e/ ou associações que entraram como amicus curiae nos processos encontrados. Por fim,
investigamos quais as consequências dessa participação para o resultado da demanda
judicial.
1 Os movimentos sociais e associações que mais atuaram como amicus curiae no STF
(2011 – 2021)
Sem especificarmos um período em particular, realizamos uma busca livre no site do STF
e a pesquisa localizou 23 processos em que movimentos sociais e/ ou associações com
atuação no campo do gênero e sexualidade entraram como amicus curiae em ações no
Supremo Tribunal Federal. Os resultados nos mostram que há processos em que
movimentos sociais ou associações na área de gênero e sexualidade entram como amicus
curiae desde 2011 até o ano de 2021, sendo dois processos do ano de 2011 e todos os
outros 21 julgados entre o período de 2018 a 2021.
Podemos resumir o quantitativo de processos encontrados de acordo com o quadro 2:
ANO QUANTIDADE
2011 02 ações
2012 01 ações
2018 03 ações
2019 04 ações
2020 10 ações
2021 03 ações
TOTAL 23 ações
Fonte: as autoras.
Notamos, assim, uma utilização tímida do amicus curiae entre 2011 e 2012, havendo um
intervalo considerável de tempo sem utilização deste instituto processual entre os anos de
2013 e 2017. Essa estratégia passou a ser utilizada com grande frequência a partir dos anos
de 2019, em especial no ano de 2020, o que corrobora o entendimento de que dois dados
intensificaram a busca pelo STF pelos litigantes da sociedade civil nos últimos três anos:
a pandemia do COVID-19 e a ascensão de Jair Bolsonaro à presidência da República
(MONTEIRO, MARQUES, 2022). Com isso, o Poder Judiciário tem adotado uma postura
mais ativa diante de processos que “[...] envolvem desde temas morais controversos na
sociedade, questões de saúde pública, até aqueles relacionados com a implementação de
políticas públicas” (MONTEIRO; MARQUES, 2022, p. 4).
3 Pautas discutidas e resultados dos processos com participação dos amicus curiae.
ADI nº 5.617/ 2018 Fixação de piso (5%) e de teto Favorável aos movimentos
(15%) do montante do fundo sociais e/ou associações
partidário destinado ao (amicus curiae).
financiamento das campanhas
eleitorais para a aplicação nas
campanhas de candidatas.
Mandado de Injunção nº Aplicação da Lei 7.716/89 Favorável aos movimentos
para fins de tipificação dos sociais e/ou associações
4.733/ 2019
crimes resultantes de (amicus curiae).
discriminação ou preconceito
de raça, cor, etnia, religião ou
procedência nacional à
discriminação por orientação
sexual ou identidade de
gênero, até que o Congresso
Nacional venha a legislar
sobre o assunto.
ADO nº 26/ 2019 Punição/criminalização dos Favorável aos movimentos
atos de enquadramento das sociais e/ou associações
práticas de homofobia e de (amicus curiae).
transfobia.
ADI nº 6.121/ 2019 Questionava a Favorável aos movimentos
constitucionalidade dos sociais e/ou associações
artigos 1º, parágrafo único, (amicus curiae).
inciso I, e 5º do Decreto do
Poder Executivo de nº
9.759/2019 que extinguia e
estabelecia diretrizes, regras e
limitações para colegiados da
administração pública federal
direta, autárquica e
fundacional.
Conforme o quadro 3, é vasta a ponderação presente no corpo dos votos dos ministros em
todas as decisões sobre as manifestações dos amicus curiae favoráveis às pautas voltadas
ao gênero e sexualidade, firmando a relevância desses movimentos e associações quando
traz, por exemplo, trechos de pesquisas realizadas pelo Grupo Gay da Bahia – GGB,
atuante desde 1983, assim como manifestações da ANTRA – Associação Nacional dos
Travestis e Transexuais e do GADVS – Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão nº. 26 de 2019 (ADO 26/ 2019), por
exemplo, é considerado um marco histórico para o reconhecimento dos direitos do grupo
LGBTQIA+. A ação foi instaurada diante da situação de inércia do estado em relação à
edição de diplomas legislativos necessários à punição dos atos de enquadramento imediato
das práticas de homofobia e de transfobia. A ADO nº. 26 de 2019 trata-se de uma ação
direta de inconstitucionalidade por omissão instaurada pelo Partido Popular Socialista
(PPS), visando uma medida cautelar tendo em vista a inércia legislativa do Congresso
Nacional na edição de uma norma que criminalize todas as formas de homofobia e
transfobia. Na ADO nº. 26 de 2019, enquanto de um lado temos um grupo de amicus
curiae que se manifestaram favoravelmente à pretensão autoral (Grupo Gay da Bahia –
GGB; Associação de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais – ABGLT;
Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual – GADVS; Grupo Dignidade - Pela
Cidadania de Gays, Lésbicas e Transgêneros; Associação Nacional de Travestis e
Transsexuais – ANTRA, além de outras instituições públicas), de outro temos um grupo
de amicus curiae que adentraram no processo para se manifestar contra o pleito inicial:
Associação Nacional de Juristas Evangélicos – ANAJURE; Frente Parlamentar "Mista" da
Família e Apoio à Vida; Convenção Brasileira Das Igrejas Evangélicas Irmãos Menonitas
– COBIM.
Embora não se tenha acesso às manifestações escritas inseridas nos autos pelos amicus
curiae admitidos, é vasta a ponderação presente no corpo dos votos dos ministros sobre as
manifestações dos amicus curiae favoráveis ao deferimento da ação. O acórdão pontua em
várias páginas dados levantados e apontados pelos amicus curiae da frente de gênero (STF,
ADO nº. 26, 2019, p. 72; 239; 230), firmando a relevância desses movimentos e
associações quando traz trechos de pesquisas realizadas pelo Grupo Gay da Bahia – GGB,
atuante desde 1983, assim como manifestações da ANTRA – Associação Nacional dos
Travestis e Transexuais e do GADVS – Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual.
Um dado relevante na ADO nº. 26/2019 é a defesa oral das razões dos grupos LGBTQIA+
realizada por três advogados que se auto afirmaram como pertencentes aqueles grupos. O
advogado Paulo Iotti destacou a relevância de gays, lésbicas, travestis e transexuais
marcarem representatividade naquele julgamento (STF, ADO nº. 26, 2019). A relevância
do amicus curiae está configurada no seu caráter pluralizador e pela dimensão inclusivo-
participativa no debate, já que muitos dos pedidos de ingresso de amicus curiae é deferido
pelo Supremo Tribunal Federal que, consequentemente promove uma ampliação da
participação de diversos atores sociais na jurisdição constitucional (MEDINA, 2008, p.
76).
Os amicus curiae, uma vez admitidos no processo, são legitimados a praticar atos
processuais da mesma forma que as partes envolvidas, ou seja, podem fazer sustentação
oral, peticionar nos autos, apresentar documentos e até mesmo dialogar com ministros em
seus gabinetes. O representante da GGB, Thiago Viana, ressaltou em sua manifestação oral
sobre a inércia da Câmara dos Deputados no que tange à normatização dos direitos ali
buscados e ainda criticou a bancada evangélica que estava representada no Plenário e ainda
se habilitou como amicus curiae com interesses opostos (STF, ADO nº. 26, 2019).
O Ministro Luiz Roberto Barroso fala em ter impressionado com alguns dos argumentos
trazidos pelos amicus curiae envolvidos (STF, 4275/2018, p. 51). Constatamos o impacto
que essa participação promove para a elucidação dos casos postos sob análise da Corte
Constitucional brasileira, o que consequentemente pode determinar os rumos das vidas dos
atingidos por aquela decisão. Essas decisões geram precedentes judiciais que serão tidos
como base para outros julgamentos de casos semelhantes até mesmo na primeira instância
judicial, pois possuem efeito erga omnes, ou seja, possui efeito vinculante e produzirá
efeito sobre todos, o que permite o julgamento de quaisquer outros novos casos com
matéria semelhante.
Essa consequência é relatada por Calixto e Carvalho (2020, p. 46-47) como uma “nova
cidadania” perseguida pelos movimentos sociais, redimensionando “a noção do direito e
do direito a ter direitos”, além de enfatizar a busca por uma participação ativa dos cidadãos
no processo de definição da política. Essa participação ativa da sociedade civil é capaz de
permitir que o Estado “reconheça as reivindicações políticas e jurídicas dos cidadãos e
institucionalize as soluções aos problemas levantados pelos cidadãos” (CALIXTO;
CARVALHO, 2020, p. 47).
Nesse tocante, o Ministro Gilmar Mendes afirma, em resposta àqueles que criticam,
alegando que o STF insiste em legislar, embora este não esteja entre seus poderes
garantidos constitucionalmente, que o STF assume um papel que é o de dar uma resposta
de caráter positivo quando o legislador não toma essa iniciativa e deixa a matéria sem
regulamentação: “se o Judiciário é chamado, de alguma forma, a substituir ao próprio
sistema político, óbvio que a resposta só poderá ser esta de caráter positivo” (STF, ADI
4277/2011, p. 729).
Relatada a visualização pelos Ministros julgadores da importância do amicus curiae para
o deslinde justo dos casos, percebemos que em 18 decisões das 23 encontradas há
participação de grupos que defendem a proteção e garantia dos direitos LGBTQIA+. Esse
dado pode se dar por vários motivos: 1) ausência de normatização legal sobre direitos do
grupo LGBTQIA+; 2) insucesso das tentativas de diálogo com o Poder Público; 3) abertura
do Poder Judiciário para pluralização do debate (acesso à justiça). Quanto a essas
evidências, Cardinali (2018) sustenta que o texto constitucional, não obstante apresente
vários direitos delimitados para grupos oprimidos, como mulheres e negros, não há
previsão normativa referente aos direitos das pessoas LGBTQIA+. Esse fato, somado à
maioria conservadora no Poder Legislativo, possibilita aos interessados buscarem ao
Judiciário como alternativa para a proteção jurídica e no reconhecimento dos direitos
desses grupos oprimidos historicamente (CARDINALI, 2018).
Todos esses fatores têm levado à incorporação da linguagem jurídica pelo movimento
LGBTQIA+, o que Cardinali (2018) chama de “gramática de direitos”, desencadeando a
discussão de pautas LGBTQIA+ principalmente sobre três conjuntos de direitos:
criminalização da homofobia, casamento igualitário e demandas das pessoas trans.
Afere-se das decisões aqui apresentadas que é notório que o que se suplica em todas elas
é um modelo mínimo de proteção institucional que enfrente e impeça uma caracterização
permanente de discriminação. É sobre direitos fundamentais básicos que todas elas
discutem. Todas essas questões são tratadas com dificuldade pelo Congresso Nacional, não
obstante os inúmeros projetos de lei, proposições já apresentadas de emendas à
Constituição, todas sem deliberação ou esperando há anos por uma discussão inaugural.
Considerações Finais
Referências
ALMEIDA, Eloísa Machado de. Amicus curiae no Supremo Tribunal Federal. Tese de
Doutorado. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2015.
BORGES, Rebeca Simei da Silva. COSTA, Sâmia Laudêmia Freire. LEITÃO, Macell
Cunha. Movimentos Sociais e Poder Judiciário: a Judicialização das Lutas do
Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra. Rev. Campo Jurídico, Barreiras-BA
v.8 n.2, p.227-245, Julho-Dezembro, 2020.
BRASIL. Código de Processo Civil (2015). Código de Processo Civil Brasileiro. Brasília,
DF: Senado, 2015.
BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. 6. ed. São
Paulo: Saraiva, 2013, v. 2, t. I, p. 497.
CARDINALI, Daniel Carvalho. A judicialização dos direitos LGBT no STF: limites,
possibilidades e consequências. Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro. 2017.