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VI Fórum Brasileiro de Pós-Graduação em Ciências Políticas

Universidade Federal do Pará

09/07/2019 – 12/07/2019

GT7 – Participação Política e Movimentos Sociais.

ANÁLISE DAS CARACTERÍSTICAS DOS ESPAÇOS DE PARTICIPAÇÃO DO


NORDESTE.

Maria Clara Paiva Campelo (UFPI)

mclarapaivac@outlook.com

Prof. Dra. Olivia Cristina Perez (UFPI)

oliviacperez@yahoo.com.br
RESUMO

Esta pesquisa faz parte do projeto "Participação no Nordeste” desenvolvida na Universidade


Federal do Piauí, que tem como objetivo mapear a produção cientifica sobre Instituições de
Participação e Movimentos Sociais na região Nordeste do Brasil. Considerando a crescente
importância da participação social no meio político e tendo em vista que a maioria das
produções sobre o assunto está concentrada na região Sul e Sudeste do país, viu-se a
necessidade de realizar uma sistematização das variadas experiências de participação no
Nordeste nos últimos anos. No trabalho aqui apresentado procurou-se analisar quais os
desafios para a democratização das relações entre Estado e sociedade no contexto
nordestino, em suas realidades sub-regionais. Para o levantamento dos trabalhos sobre o
tema, o termo “participação” foi pesquisado junto ao nome de cada estado e capital do
Nordeste no site da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD). Ao todo
foram selecionados 108 trabalhos, em seguida analisou-se individualmente cada um deles,
para posteriormente sistematizá-los e assim criar um banco de dados. Os resultados
parciais apontam dificuldades para a participação da sociedade civil, por conta da falta de
preparo dos gestores e responsáveis pela organização de conselhos, fóruns e orçamentos
participativos, já que por muitas vezes existe uma significativa diferença entre os
representantes os representados.

Palavras-chave: Participação, Nordeste, Revisão bibliográfica.


INTRODUÇÃO

O Brasil acumulou, nas últimas três décadas, variadas experiências e estudos sobre
participação social. Hoje, a participação é uma característica distintiva da gestão das
políticas públicas no país, referência internacional, e constitui um campo de estudos
consolidado nas ciências sociais brasileiras.
Os estudos sobre participação no Brasil ganharam destaque com a ação dos
movimentos sociais no processo de redemocratização brasileira, que culminou com a
Constituição de 1988. Estudos como o famoso livro de Eder Sader, "Quando novos
personagens entraram em cena" (1988), apostavam na ação dos novos movimentos sociais
para a ampliação da participação dos cidadãos nas decisões públicas.
De fato, a Constituição de 1988 garantiu mecanismos de participação semidireta
(plebiscito, referendo e iniciativa popular de lei) além da previsão da participação da
sociedade civil nas políticas públicas. Para consolidar tais diretrizes, inúmeras experiências
participativas multiplicaram-se pelo país, tais como Conselhos Gestores, Fóruns e
Orçamentos Participativos.
Diante da novidade e posterior multiplicação de experiências de participação no país,
a primeira geração de estudos sobre o tema voltou-se à reflexão sobre a potencialidade
dessas experiências inovadoras em incluir novos atores e demandas populares nas
decisões sobre a coisa pública, democratizando o Estado e estabelecendo novas formas de
governar (BAIERLE, 2000; AVRITZER e NAVARRO, 2003). Tais estudos também passaram
a analisar com maior profundidade o desenho institucional das diferentes experiências de
participação, bem como a qualidade da deliberação, levantando desafios de caráter técnico
e político para a efetiva participação da sociedade civil e democratização do Estado. Um
outro grupo de estudos passou a olhar mais de perto as Instituições Participativas (IP)
apontando, por exemplo, o seu caráter representativo, a despeito da participação ampla e
direta dos cidadãos que se esperava com tais experiências (PEREZ, 2011).
A disponibilidade e acúmulo de dados permitiu a confecção de pesquisas
quantitativas e comparativas, ampliando a compreensão do que efetivamente fazem as IPs
em seus "ciclos de vida", e permitindo mais generalizações sobre o tema (LAVALLE, VOIGT
e SERAFIM, 2016). Reflexões mais recentes destacam a inter-relação e mútua constituição
entre Estado e sociedade civil (ABERS e VON BÜLOW, 2011; ABERS, SERAFIM e
TATAGIBA, 2014). Tais estudos apontam para uma agenda de pesquisa sobre a relação
entre movimentos sociais e Estado, focando, por exemplo, nos impactos do ativismo estatal
sobre a formulação de políticas públicas.
A despeito desse acúmulo, novos flancos podem e devem se abrir nos estudos sobre
participação. Clivagens sociais tais como gênero, raça-cor-etnia, escolaridade e região
dificultam o acesso de grupos a direitos, inclusive o direito de participar. A ciência política e
os estudos sobre participação já vem incorporando esse olhar ao focar, por exemplo, o
gênero dos participantes dos Conselhos ou a ação de movimentos com pautas antirracistas.
Esse é um campo de estudo que se abre acompanhando a ascensão de tais temas nas
universidades, movimentos sociais, e mesmo dentro do Estado.
Outra limitação nos estudos sobre participação está relacionada aos objetos de
análise: os estudos são feitos principalmente a partir instituições e atores das regiões Sul e
Sudeste do país. Porto Alegre e Belo Horizonte são tomados como exemplos de
Orçamentos Participativos, assim como os Conselhos Gestores da Saúde de São Paulo são
exemplos de sucesso (BAIERLE, 2000; AVRITZER e NAVARRO, 2003; PEREZ, 2011).
Falta na área uma sistematização e construção de uma agenda de pesquisa sobre a
participação em contextos regionais mais diversos.
Nos poucos estudos existentes, há a predominância de análises das grandes
metrópoles nordestinas (Recife, Salvador e Fortaleza) e ausência de capitais como João
Pessoa, Alagoas, Teresina, Natal, São Luís, Maceió; quiçá estudos comparativos destas
capitais, ou ainda experiências de pequenos municípios e contextos rurais. As grandes
variações entre sub-regiões nordestinas foram pouco exploradas na seleção de casos de
estudos sobre o tema.
Logo, faz-se urgente e necessário aprofundar este debate em um contexto de
insegurança e instabilidade nas arenas tradicionais de representação e de retrocesso no
plano dos direitos de cidadania. O enfrentamento das desigualdades regionais e do
subdesenvolvimento também devem receber a atenção, integrando debates que até hoje
correm em paralelo.
A presente proposta tem como objetivo sistematizar a reflexão sobre a participação
no Nordeste analisando o quanto os atores sociais e instituições incidem de fato nas
políticas públicas na região, e quais os desafios para a democratização das relações entre
Estado e sociedade no contexto nordestino, em suas realidades sub-regionais. Essa
sistematização não será feito apartado dos estudos desenvolvidos em outras regiões:
propõem-se pensar o Nordeste em estreita relação com os estudos mais recentes na área.

REVISÃO DA LITERATURA

Contribuindo para embasar teoricamente o trabalho, dois textos foram utilizados:


AVRITZER, 2007 e TRANJAN, 2016. O primeiro deles serviu para desenvolver melhor a
questão de como se dá a forma de participação em alguns dos estados brasileiros, fazendo
uma análise comparativa entre eles e seu percurso histórico; enquanto o outro se atentou
mais a desenvolver as formas de participação existentes e o funcionamento de cada uma.
No artigo de AVRITZER, 2007, intitulado “Participação Social no Nordeste”, o autor
parte de uma suposição de Putnam, 1993, de que no decorrer da história de um local, certos
fatores podem torná-lo mais ou menos participativos. Avritzer propõe essa ideia para
repensar o senso comum de que o Nordeste é uma região não participativa. A partir disso,
ele toma como exemplos três estado: Bahia, Pernambuco e Ceará, apontando as principais
características históricas que o fizeram exercer a participação tal com faz atualmente.
Comparando os três estados em questão, leva-se em consideração aspectos como a
escravidão em cada um desses locais, assim também como a seca e a politica. O Ceará
diferencia-se dos outros dois estados ainda no inicio da colonização por conta das
características sócio econômicas distintas; Houve também uma escravidão em menor
escala comparada a Bahia e Pernambuco, logo não se desenvolveu um a elite tão forte e
como nos outros, o que ajudou futuramente a torna-lo um estado mais participativo.
O caso da Bahia é o que mais se aproxima do senso comum acadêmico citado pelo
autor anteriormente, com estruturas oligárquicas bem estabelecidas e uma rejeição a
modernização. Modernização essa que foi mais avançada em Pernambuco devido à
transferência da capital de Olinda para Recife, tornando a vida urbana intensa aumentando
com isso o papel da mulher, e a criação de clubes sociais. Tornando Pernambuco o estado
mais participativo desses três.
Já no segundo texto, Tranjan começa sua análise desde a criação do orçamento
participativo de Porto Alegre, explicando suas principais características, e apresentando
uma série de exemplos, e em seguida analisa de forma semelhante outros tipos de
participação, como por exemplo: conselhos gestores e debates normativos.
O texto de Avritzer contribui bastante no presente trabalho, fazendo-nos levar em
consideração as especificidades e trajetórias históricas de cada local estudado, já que isso
influencia de modo direto no tipo de participação. Por outro lado o texto de Ricado Tranjan
nos embasa com exemplos, para percebermos como de fato é na prática, sempre
acompanhado da parte técnica e teórica dos processos participativos.

METODOLOGIA

Iniciou-se o trabalho com a leitura de uma bibliografia básica (AVRITZER, 2007;


TRANJAN, 2016) para embasar o conhecimento sobre o que era realmente de interesse da
pesquisa, no caso, conceituando e caracterizando o termo participação e as principais
questões que envolvem esse tema.
Depois dessa fase inicial, passamos para a seleção dos trabalhos Biblioteca Digital
Brasileira de Teses e Dissertação (BDTD). Com isso, o termo participação foi pesquisado
junto ao nome de cada estado e capital do nordeste no campo de busca da Biblioteca Digital
Brasileira de Tese e Dissertação, em seguida, separaram-se os trabalhos de realmente
estavam relacionados à pesquisa, essa separação foi baseada nas leituras dos resumos dos
trabalhos encontrados.
Com relação à busca e trabalhos exibidos quando se utilizavam os termos citados
anteriormente, encontrou-se algumas dificuldades com relação a forma que o site BDTD –
Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações, selecionavam os trabalhos. Colocando
na busca “Participação and (o local de interesse)”, muitas vezes eram selecionados
trabalhos com apenas um dos termos, apenas “participação”, apenas “and” ou apenas o
local pesquisado, e assim muitos trabalhos que não tinha relação com o tema apareciam na
busca.
Diante disso, tentou-se fazer uma escolha melhor de caracteres, e também adicionar
filtros na busca avançada, que não foram muito úteis. No caso da categoria “Participação
and Natal” e “Participação and São Luís”, não foram encontradas trabalhos sobre o tema,
sendo que no primeiro caso apareceram muitos resultados (555), dentre esses a maioria
relacionados a trabalhos da área da saúde (principalmente na área pré-natal) por conta do
termo; Já no segundo caso, apareceram 767 trabalhos, que por muitas vezes eram
selecionados pelo nome do autor que continha “Luís”, outras vezes associando apenas ao
termo “São”, fazendo com que muitos trabalhos de São Paulo ou outros lugares surgissem
sendo que não era de interesse da pesquisa.
Ao término dessa fase de seleção dos trabalhos, foi elaborado um pequeno roteiro
para a análise mais aprofundada de cada tese e dissertação. As seguintes informações
eram coletadas de cada trabalho: Região de análise (município ou estado), instituição de
participação analisada (conselhos, conferencias, fóruns, etc.), área em que se insere
(discussão sobre temáticas relacionadas à mulher, saúde, etc.), especificidades da
participação relacionadas à região (se existe algo que difere a participação desse lugar de
outros), problemas relacionados à participação, e por fim os êxitos da participação.
Nessa etapa do trabalho, era previsto inicialmente o uso do programa NVivo para a
melhor sistematização e analise das teses e dissertações encontradas; Porém, por conta do
alto custo financeiro do programa essa opção foi descartada e a sistematização foi feita
através do Microsoft Word.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados obtidos inicialmente foram referentes à quantidade que trabalhos


encontrados em cada uma das categorias procuradas no site da Biblioteca Digital Brasileira
de Teses e Dissertações. Nesse ponto foram encontrados:
Participação and Alagoas: 114 resultados, cinco estavam relacionados ao tema da pesquisa.
Participação and Bahia: 632 resultados encontrados, 12 eram relacionados ao tema.
Participação and Ceará: Dos 919 resultados, apenas 24 estavam ligados ao tema.
Participação and Maranhão: 109 resultados encontrados, nove tinham relação com o tema.
Participação and Pernambuco: 580 resultados encontrados, 10 foram sobre o tema.
Participação and Piauí: 61 resultados encontrados, apenas três estavam ligados ao tema.
Participação and Rio Grande do Norte: 496 resultados encontrados, 3 relacionados ao tema.
Participação and Sergipe: 291 resultados encontrados, 18 estavam ligados ao tema.
Participação and Aracaju: 70 resultados foram encontrados, três relacionados à pesquisa.
Participação and Fortaleza: 985 resultados encontrados, 12 relacionados ao tema.
Participação and São Luís: 767 resultados encontrados, nenhum relacionado ao tema.
Participação and Paraíba: 747 resultados encontrados, sete relacionados ao tema.
Participação and Recife: 437 resultados, com nove relacionados à pesquisa.
Participação and Teresina: 16 resultados, nenhum resultado relacionado à pesquisa.
Participação and Natal: 555 resultados, nenhum relacionado à pesquisa.
Participação and João Pessoa: 884 resultados encontrados, três relacionados ao tema.
Observou-se que muitas dessas informações obtidas inicialmente (através dos
marcadores iniciais) não transmitiam algo correspondente a pesquisa, já que muitos
trabalhos que apareciam não eram relacionados ao tema (problema citado anteriormente na
parte metodológica). Além disso, alguns trabalhos apareciam de forma repetida na categoria
da “capital” e “estado” correspondentes.
Partindo dessa seleção inicial, foi feita a analise de cada tese e dissertação
individualmente de acordo com as categorias expostas anteriormente na metodologia, sendo
assim, à medida que a pesquisa se desenvolvia, os resultados diminuíram. Ressaltando que
até o momento os resultados obtidos são parciais, sobre as analises individuais dos
trabalhos pode-se pontuar algumas questões.
Por conta da quantidade de trabalhos que a pesquisa abrange, as posições dos
autores sobre o tema são bastante diversificadas, assim como também o tipo de
participação que se era estudada em cada caso; Alguns trabalhos se concentram no modo
de participação presencial, enquanto que outros partiram para o estudo dos casos de
participação virtual.
Sobre os problemas que foram relatados com mais frequência nos trabalhos
analisados acerca dos espaços de participação, destaca-se a forma de como eram
conduzidas as discussões, com dificuldades de comunicação entre os conselheiros e a
população, sendo que por muitas vezes membros da sociedade civil permanecem em
silêncio quando são solicitadas a sua fala; Além da linguagem, os horários em que eram
marcadas as reuniões coincidiam com o horário de trabalho de muitos membros, gerando
conflitos que serão citados posteriormente.
Outro ponto que cabe a essa problemática é a linguagem “robusta” utilizada por
membros do Estado para se comunicar com a população, causando um abismo entre as
partes que compõem o espaço participativo, e consequentemente uma desencorajamento
tanto da própria comunidade em continuar participando, como do estado de encorajar esses
espaços. Em outros trabalhos encontrou-se uma visão de certa forma negativa do processo
participativo, isso porque, mesmo incluindo membros da sociedade e os colocando mais
próximos das discussões e pautas do Estado, o autor entende isso negativamente sob uma
perspectiva ideológica, que tal processo apenas camufla a verdadeira intenção e poder do
Estado.
Em outros casos pode-se perceber um desestimulo da sociedade em participar
desses processos por conta da percepção de não eficácia dos conselhos/fóruns; ou, quando
existia a vontade de participar, essa prática era dificultada pelos patões, que não liberavam
para as reuniões, e caso faltassem ao trabalho em decorrência delas, as consequências
eram percebidas nos salários e em alguns casos até em demissões.
Pontuando agora os pontos positivos que mais apareceram na análise, foram
principalmente a questão da heterogeneidade dos segmentos sociais que frequentam os
espaços de participação; Além de gerar um engajamento entre os membros da comunidade
e uma consciência políticas sobre os assuntos que eram discutidos nas reuniões. Em alguns
casos foram percebidos, inclusive, uma atuação isenta de interesses político-partidários,
visando realmente o interesse da sociedade; outras vezes o processo participativo em si era
entendido de forma positiva - mesmo com todas as ressalvas – apenas por gerar uma
educação e aprendizado para aqueles que participam.

CONCLUSÃO
Com a análise dos trabalhos, majoritariamente foi-se percebidos mais problemas do que
êxitos com relação ao processo participativo. Entretanto isso ocorre em decorrência de que tal
processo foi adotado recentemente na região Nordeste e ainda são necessário muitos ajustes para
que tal participação ocorra de modo a beneficiar tanto a sociedade quanto o poder público, visto que
é um espaço constituído de forma plural, visando o crescimento político desses atores.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AVRITER, L. A Participação Social no Nordeste. In: Participação e Distribuição nas Políticas
Públicas do Nordeste. Belo horizonte, p. 9-44, mar. 2007.
TRANJAN, J. A sociedade Civil Brasileira Pela Lente da Participação Cidadã. In: Brasil: 25 anos
de democracia – Participação, Sociedade civil e cultura política Rio de Janeiro: Fundação Konrad
Adenauer, 2016.

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