Você está na página 1de 12

46º ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS

Mesa-redonda

Coletivos de jovens e participação política: dos protestos às eleições

JUVENTUDES, ELEIÇÃO E POLÍTICA

Olívia Cristina Perez 1

1
Doutora em Ciência Política pela Universidade de São Paulo/Brasil. Tem estágio pós-doutoral no Programa de
Investigación en Ciencias Sociales, Niñez y Juventud (Cinde/Clacso). Professora Adjunta na Universidade Federal
do Piauí vinculada aos cursos de bacharelado e mestrado em Ciência Política e ao programa de pós-graduação
(mestrado e doutorado) em Políticas Públicas. E-mail: oliviaperez@ufpi.edu.br
2

Resumo: Este paper aborda certos aspectos da relação dos jovens com a política institucional.
Primeiramente apresentamos dados sobre o interesse de jovens de 16 a 17 pelas eleições.
Depois levantamos algumas hipóteses que ajudam a entender o desinteresse dos jovens pela
política institucional, a saber: o fato deles não estarem representados e a crítica às arenas
parlamentares pela sua excessiva hierarquia, formalidade e exclusão. Também
problematizamos o desinteresse pela política atribuído aos jovens, mostrando que ele é geral
entre as faixas etárias. Em que pese esse desinteresse pela política institucional, mostramos que
os jovens continuam participando politicamente, a exemplo da presença de coletivos em
grandes protestos. Por fim, ressaltamos a diversidade das juventudes, que inclusive tem se
posicionado à direita no espectro político e ideológico. A reflexão contribui então com o campo
das pesquisas sobre juventudes e eleições, levantando outras explicações sobre a relação dos
jovens com a política.
Palavras-chaves: Jovens. Política. Coletivos. Participação.

Abstract: This paper addresses certain aspects of the relationship between young people and
institutional politics. First, we present data on the interest of young people aged 16 to 17 in
elections. Then we raise some hypotheses that help to understand the lack of interest of young
people in institutional politics, namely: the fact that they are not represented and the criticism
of parliamentary arenas for their excessive hierarchy, formality and exclusion. We also
problematize the lack of interest in politics attributed to young people, showing that it is general
among age groups. Despite this lack of interest in institutional politics, we show that young
people continue to participate politically, such as the presence of collectives in large protests.
Finally, we emphasize the diversity of youth, who have even positioned themselves on the right
in the political and ideological spectrum. The reflection then contributes to the field of research
on youth and elections, raising other explanations about the relationship between young people
and politics.
Keywords: Young people. Policy. Collectives. Participation.
3

Introdução

O voto para os jovens de 16 a 17 anos foi fruto da conquista de movimentos estudantis


que atuaram pela redemocratização do Brasil em meados da década de 1980. Passados quase
25 anos da conquista desse direito, o cenário não era muito animador: os dados referentes ao
começo do ano de 2022 mostraram um declínio do interesse do eleitor jovem na votação, que
passou de 4 milhões para menos de 900 mil pessoas em 10 anos (TSE, 2022).

Isso gerou muita preocupação em pelo menos dois sentidos: primeiro pelo desinteresse
entre os futuros adultos pela política. Ademais, como o voto dos jovens carrega a esperança de
mudança por conta de uma certa associação das juventudes com bandeiras progressistas, houve
uma grande preocupação para que os jovens votassem este ano, especialmente entre aqueles
que se opõem à reeleição do atual presidente Jair Bolsonaro.

Para atrair mais eleitores jovens o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), junto com os
Tribunais Regionais Eleitorais (TREs), desenvolveu campanhas como a Semana do Jovem
Eleitor, que pediam para que os jovens de 16 a 18 anos incompletos tirassem seu título e
comparecessem às urnas em outubro de 2022 (TSE, 2022).

Essas campanhas acabaram repercutindo na mídia do país, reunindo artistas, atletas,


celebridades e influenciadores digitais, que passaram a tentar convencer o público jovem a tirar
o título de eleitor, a exemplo das artistas Anitta, Zeca Pagodinho, Whindersson Nunes e
Juliette. Artistas internacionais como Leonardo DiCaprio e Mark Ruffalo aderiram à campanha
compartilhando vídeos e o hashtag #tiraotitulohoje.

Um dos pontos altos dessa mobilização foi o tuitaço do dia 16 de março, que contou
com a participação dos perfis no Twitter do TSE, dos TREs, de organizações da sociedade civil
e de instituições públicas e privadas. Foram publicados durante a mobilização cerca de 6,8 mil
tuítes com esse tema, que chegaram às telas de mais de 88 milhões de pessoas (TSE, 2022).

Como resultado dessa grande mobilização, em setembro de 2022 havia 2.116.781 de


eleitoras e eleitores entre 16 e 17 anos aptos a votar nas urnas eletrônicas, representando mais
de 1,3% do total do eleitorado nacional (TSE, 2022). Logo, houve um crescimento de 51% de
futuros votantes quando comparado com o ano de 2018. Apenas em março de 2022, no ápice
da campanha, foram 290 mil os adolescentes que tiraram o título, um aumento de 45% em
relação ao mês anterior. O TSE comemorou a marca histórica de jovens eleitores nas eleições
de 2022 (TSE, 2022).
4

Esses dados mostram sinais positivos em relação ao interesse dos jovens pela política,
embora paire uma certa percepção no senso comum de que os jovens não se interessam pelo
tema existindo entre eles uma apatia generalizada.

Contribuindo com essa reflexão, este paper aborda certos aspectos da relação dos
jovens com a política institucional. Primeiramente, lançamos algumas hipóteses que ajudam a
entender o desinteresse dos jovens pela política institucional, a saber: o fato deles não estarem
representados e a crítica às arenas parlamentares pela sua excessiva hierarquia, formalidade e
exclusão. Também problematizamos essas afirmações mostrando que o desinteresse pela
política é geral entre as faixas etárias. Em que pese esse desinteresse, mostramos que os jovens
continuam participando politicamente, a exemplo da multiplicação de coletivos em grandes
protestos. Por fim, ressaltamos a diversidade das juventudes, que inclusive tem se posicionado
à direita no espectro político e ideológico.

As reflexões aqui apresentadas se originam de pesquisas do grupo da UFPI


“Democracia e Marcadores Sociais da Diferença” a respeito da participação política dos jovens
em coletivos. A primeira grande pesquisa intitulada “O que são os coletivos: por que as
organizações políticas de juventudes vêm se nomeando dessa forma?” foi feita em 2017 e nela
analisamos postagens de todos os coletivos com páginas no Facebook (725) e entrevistas com
21 coletivos de Teresina-PI para definir o que são os coletivos. Desde 2002 estamos
pesquisando “O que querem os movimentos feministas, antirracistas e a favor dos direitos para
a população LGBTQIA+? Compreensões sobre as desigualdades sociais e como mitigá-las
(Edital Univesal/CNPQ)” e, para essa pesquisa, já fizemos cinco entrevistas com movimentos
sociais feministas.

Complementando essas pesquisas qualitativas, também desenvolvemos análises com


base em dados quantitativos que medem algumas percepções dos jovens a respeito da política.
Nas últimas investigações trabalhamos com dados do banco de dados de 2020 do
Latinobarômetro, que reúne um amplo estudo sobre opinião pública na América Latina,
aplicando periodicamente um amplo survey em 18 países. A onda mais recente da pesquisa
totalizou 20.204 entrevistas, sendo aplicada em 18 países, entre 26 de outubro e 15 de dezembro
de 2020, com margem de erro de 3% para as amostras nacionais. Apresentamos neste texto
apenas os dados dos 1.204 brasileiros que em 2020 responderam a respeito da democracia e
suas instituições. Separamos os dados conforme suas faixas etárias, considerando como jovens
aqueles que têm entre 16 e 29 anos de idade e adultos aqueles com mais de 30 anos. Por fim,
5

coletamos dados já sistematizados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE, 2022) a respeito do
voto dos jovens.

A perspectiva teórica aqui adotada considera a juventude como uma noção dinâmica,
pautada sob condições sociais e culturais historicamente construídas de modo situado e
relacional (Vommaro, 2015). Nesse sentido, a juventude não pode ser definida a partir da faixa
etária tampouco como um bloco homogêneo. Defendemos que a compreensão das juventudes
passa pela análise dos diferentes marcadores sociais que incidem no modo como elas
experienciam e se situam na sociedade. Dentre esses marcadores sociais, a renda e a classe
social são os mais analisados. No entanto, fatores como gênero, raça, sexualidade e região
interferem no modo como as subjetividades dos jovens são construídas, assim como o acesso
que eles têm ao campo dos direitos. Por isso, optamos por nos referir sempre às juventudes,
cientes e demarcando as diferenças entre esse segmento que, em última instância, é uma
construção política e social.

1 O desinteresse dos jovens pela política institucional

As pesquisas realizadas por nós no campo da participação política entre as juventudes


revelam que um dos motivos do desinteresse dos jovens pela política institucional é o fato deles
não se sentirem representados. Essa constatação poderia soar apenas como uma impressão, mas
tem lastro nos dados.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil tem cerca de


51 milhões de jovens de 15 a 29 anos, correspondendo a 1/4 da população do país. Os jovens
entre 16 e 29 anos aptos a votarem representam 27% do eleitorado nacional (TSE, 2022). No
entanto, conforme dados coletados no Repositório de Dados Eleitorais do TSE, a proporção de
vereadores mais jovens é de 7,2%. Em 2016, o percentual de vereadores eleitos com menos de
30 anos no momento da eleição foi de 7,9%. Quatro anos antes, em 2012, essa proporção era
de 8,7%. Ou seja, a proporção de jovens eleitos está em queda (Gelape; Spagnuolo, 2022).

Esses dados mostram então que, apesar da juventude ser 1/3 do eleitorado, ela está sub
representada nas arenas parlamentares. Por um lado, há uma resistência à renovação nos
quadros dos partidos, ainda que haja movimentos de mudanças na política nacional nos últimos
anos que mudaram nomes de partidos, criaram siglas e lançaram novos candidatos. Por outro
lado, a própria juventude não teria tanto interesse na política institucional. Mas essa é uma
6

leitura simplista pois o que merece exame é o porquê as juventudes não se interessam pela
política partidária.

Os jovens que participam de coletivos apontam em geral que são necessários mais
espaços de formação política, inclusive na escola. Essa informação é extremamente relevante
na atualidade já que a violência política - física e simbólica - tem se disseminado nos últimos
anos. Falar sobre política e participar da política – especialmente a partidária – tornou-se
perigoso para as juventudes.

Isso quando a discussão sobre política acontece, porque ela vem sendo cerceada no
ambiente escolar. Parte dessa responsabilidade deve-se ao avanço do Movimento Escola sem
Partido, reconhecido nacionalmente como a mais importante e consistente iniciativa contra o
uso das escolas e universidades para fins de propaganda ideológica, política e partidária e que
tem cerceado a discussão sobre o tema. Ainda que projetos dentro desse Movimento não sejam
aprovados pelas instâncias parlamentares, já há um cerceamento da discussão sobre política no
ambiente escolar e essa proibição atinge principalmente os jovens.

Outro fator bastante mencionado nas pesquisas com membros de coletivos que pode
ajudar a explicar o desinteresse do jovem pela política institucional é o fato de que as
instituições parlamentares são associadas com corrupção e ineficiência. Essa percepção cresceu
nos últimos anos com as denúncias de corrupção contra o Partidos dos Trabalhadores,
representante da esquerda e de quem se esperava avanços significativos na política
institucional. A despeito de existir mais ou menos corrupção na política institucional, fato é
que essas constantes denúncias corroboram para a percepção de que a política não é o lócus da
transformação social, mas sim da reprodução das desigualdades.

Para os jovens de coletivos entrevistados, as instituições democráticas que foram


ocupadas tanto por governos à esquerda quanto à direita no Brasil não conseguiram garantir o
mínimo básico de sobrevivência para a população, tampouco a inclusão nas decisões políticas
de grupos tradicionalmente excluídos, como os próprios jovens. Então, em geral há um rechaço
ao próprio sistema democrático entendido como incapaz de garantir direitos e inclusão.

2 A descrença generalizada nas instituições políticas

Ainda no sentido de problematizar o desinteresse dos jovens pela política


argumentamos que esse desalento não é uma especificidade da parcela jovem da população,
7

mas está presente em todas as faixas etárias. E não se trata apenas de uma desconfiança nas
instituições, mas sim no próprio regime democrático.

Conforme dados coletados pela pesquisa Latinobarômetro (2020) um percentual muito


significativo, tanto dos jovens quanto dos brasileiros com 30 anos ou mais, desconfiam da
instituição eleitoral brasileira, materializada no Tribunal Superior Eleitoral (Perez; Souza,
2022). Enquanto 58% dos jovens confiam pouco ou nada nessa instituição, os entrevistados
acima dos 30 anos de idade apresentam um percentual ainda mais elevado de desconfiança
(65%). Ainda conforme os dados Latinobarômetro (2020), em 86% dos jovens confiam pouco
ou nada nos partidos, enquanto entre os respondentes com mais de 30 anos esse percentual é
de 87% (Perez; Souza, 2022).

Os resultados mostram então que as instituições políticas do Brasil se encontram em


xeque, tanto na faixa de idade entre 16 e 29 anos quanto entre aqueles que têm 30 anos ou
mais. Considerando tal desconfiança, não poderíamos esperar nada muito diferente do que
uma falta de interesse em comparecer às urnas - tanto por parte dos jovens, quanto da população
em geral.

Há uma percepção entre todos de que o regime democrático não foi capaz de garantir
minimamente o que se espera dos governos. Mas isso não é só uma percepção, considerando
as profundas desigualdades sociais no Brasil. Ainda assim, tal desconfiança não significa que
os jovens estão apáticos ou que não estão participando politicamente como uma avaliação
apressada pode indicar.

3 A participação política das juventudes nos protestos e coletivos

Um primeiro exemplo que demonstra a rica participação política das juventudes é a sua
disposição em participarem de protestos. A década de 2010 marcou a história do Brasil por
conta de um intenso ciclo de protestos, iniciado com as Jornadas de Junho de 2013, em que
milhares de pessoas foram às ruas inicialmente pedindo a redução da passagem de ônibus e
depois denunciando principalmente a forma como a política é conduzida no país (Perez, 2021).

Nem a pandemia foi capaz de impedir ou alterar substantivamente o ciclo de protestos


que estava acontecendo no Brasil. De modo geral, os protestos durante a pandemia expressaram
bandeiras e embates presentes no período anterior, a saber: de um lado a defesa da democracia,
das pautas mais à esquerda e contra o presidente Bolsonaro; de outro, defensores do Bolsonaro
e do projeto autoritário que ele representa (Perez, 2022).
8

Em todo esse ciclo de protestos estavam presentes organizações de juventude, chamadas


de coletivos, que atuam na defesa dos direitos de grupos com menos acesso a eles como
mulheres, negros, moradores de periferia e população LGBTQIA+ (sigla para lésbicas, gays,
bissexuais, transexuais, travestis, transgêneros, queer, intersexuais, assexuais e o mais, que
serve para abranger a pluralidade de orientações sexuais e variações de gênero) (Perez, 2019).

Há entre os coletivos uma crítica à forma como a política é exercida nas instituições
consideradas tradicionais, como os partidos políticos, pelo fato dessas instituições serem
consideradas hierárquicas e com excesso de normas (Perez e Souza, 2020). Tais organizações
seriam ocupadas pelos mesmos políticos de sempre: homens, brancos, velhos, ricos e de regiões
mais privilegiadas. Essa organização política excludente não estaria incluindo as juventudes e
suas diversidades no campo dos direitos, assim como outros grupos com mais dificuldade de
acesso a eles.

Para contornar esse problema, os jovens se organizam em coletivos, organizações mais


horizontais e autônomas, possibilitando assim que todos possam decidir, sem a necessidade de
lideranças ou dependência de outras instituições (Perez e Souza, 2020). Embora a autonomia e
a horizontalidade possam não ser concretizadas, há uma intenção de que essas organizações
sejam mais inclusivas. Ou seja, para os jovens organizados em coletivos, seria preciso incluir
em todas as decisões de uma organização as mulheres, os negros, a população LGBTQIA+ e
os moradores de periferia; somente eles poderiam e deveriam falar sobre seus problemas. Com
base nas experiências desses grupos, seriam construídas políticas públicas mais afinadas com
a realidade social.

Os coletivos conectam então a ideia de que os grupos mais sujeitos a opressões sociais
têm dificuldade de alcançar os direitos porque eles não estão presentes nas decisões políticas.
Logo, a falta de interesse nas urnas não se trata apenas de uma apatia das juventudes, mas de
uma certeza de que essas instituições políticas excludentes não os representam. Nesse sentido,
para que os jovens confiem nas instituições, elas devem primeiro incluir os grupos alijados das
decisões públicas.

E para que isso aconteça é necessário que as organizações políticas se abram de fato à
participação desses grupos. Somente com a inclusão de todxs (jovens, mulheres, negros,
moradores de periferia e população LGBTQIA+) nas principais decisões públicas, eles
adentrarão no campo dos direitos.
9

Pode parecer um certo paradoxo os jovens se distanciarem da política institucional ao


mesmo tempo em que praticam política em coletivos presentes em protestos virtuais e ruas.
Consideramos que, para entender esse aparente paradoxo, é preciso discernir distintas formas
de compreensão da política. Nessa tarefa retomamos ensinamentos do historiador francês
Pierre Rosanvallon (2010).

Rosanvallon (2010, p. 41) distingue a política do político; sobre o primeiro: “A política


pode, portanto, ser definida como o processo que permite a constituição de uma ordem à qual
todos se associam, mediante deliberação das normas de participação e distribuição”. Ou seja,
o estudo do político permite entender como um grupo social constrói respostas para o que lhes
é percebido como um problema, como as questões da igualdade, soberania, democracia, etc.
Conforme constatamos no decorrer da nossas pesquisas com jovens que participam de
coletivos, embora não usem o termo político, os jovens entendem que a política também
envolve a discussão de demandas e direitos para grupos mais sujeitos a opressões sociais.

Logo, se consideramos a política como o lugar da discussão do bem comum, uma


parcela dos jovens não está distante dela. Ao contrário, a multiplicação de coletivos presentes
nos protestos dos últimos dez anos mostra o interesse dos jovens por essa discussão e ação.
Mas é importante ressaltar que essa política pela qual os jovens se interessam e nela se
envolvem tem a intenção de desconstruir as desigualdades das arenas parlamentares, em
especial dos partidos.

Os jovens membros de coletivos se contrapõem à forma excludente como a política vem


sendo exercida nas arenas parlamentares, em especial pelos partidos políticos. Esse sentido da
política é explicado por Rosanvallon (2010) como um segmento do político ou a forma como
uma sociedade estabelece o exercício da representação. Ou seja, o político pode ser associado
com as arenas parlamentares - e é essa que os jovens rechaçam.

Embora os jovens utilizem o termo política para se referirem tanto à política partidária
quanto à construção de acordos coletivos, essas distintas concepções não devem ser tratadas
como sinônimos. Ao simplificar as nuances da política, corre-se o risco de afirmar que os
jovens estão distantes dela. Na realidade, ao exercer a atividade política, os jovens reafirmam
que determinadas práticas da política - especialmente no âmbito dos partidos - não são
eficientes na vocalização e atenção às suas demandas.
10

Isso também não significa o abandono dos partidos, dado fenômenos como as
candidaturas coletivas que intencionalmente têm incluído na disputa institucional jovens e
outros grupos com mais dificuldade de acesso a direitos, como mulheres e negros.

4 A diversidade das juventudes

A juventude é comumente compreendida como uma fase da vida em que os indivíduos


são mais “livres”, contestadores e de algum modo, mais ativos. Essa percepção é alimentada
tanto pela mídia na promoção de padrões de consumo, quanto por pesquisas acadêmicas
inspiradas pelos movimentos revolucionários, em especial desde a década de 60, na qual a
juventude despontou como protagonista de diversas transformações sociais e políticas. (Sherer-
Warren, 2014)

Entretanto, essa interpretação deixa de lado os diversos movimentos que as diferentes


juventudes têm seguido ao longo das últimas décadas, que nem sempre estão na direção de
pautas progressistas ou contestadoras.

Um aspecto pouco explorado pela literatura e que tem se manifestado com muita força
nos últimos anos é a expressão de uma juventude assumidamente de direita. Conforme a
pesquisa de Araújo, Barros e Perez (2022, no prelo) com base nas 323 respostas dos jovens ao
survey do Latinobarômetro, há um certo equilíbrio na distribuição de jovens à esquerda e à
direita (ambos em torno dos 20%). Chama a atenção nos dados um expressivo percentual de
jovens que se colocam numa posição mais ao centro, chegando a quase metade da amostra. São
dados importantes para não tratarmos as juventudes como um bloco homogêneo, já que muitas
delas estão se posicionando à direita.

Muitas dessas juventudes à direita estavam presentes nos grandes protestos que
ocorreram recentemente no Brasil desde Junho de 2013 (Perez, 2021). Alguns desses jovens
formaram grandes organizações, como o Movimento Brasil Livre, protagonista nos protestos
que de alguma forma tiveram relação com o impeachment da ex presidenta Dilma Rousseff
(PT) em 2016.

Além de destacar que as juventudes são diferentes em relação ao espectro político-


ideológico, vale ressaltar outras diferenças entre elas. Os coletivos têm mostrado que gênero,
raça, sexualidade e região fazem a diferença na forma como as juventudes experienciam suas
subjetividades e têm acesso desigual ao campo dos direitos. Por exemplo, a experiência de uma
menina negra e moradora da periferia com a política é outra quando comparado a um jovem
11

rapaz branco, heterossexual e morador de uma região privilegiada. No entanto, as análises não
conseguem captar essas diferenças se remetendo, em geral, ao jovem branco mais rico.

Considerações finais

A juventude é associada no senso-comum como um bloco homogêneo, em geral


progressista, ainda que apático e desinteressado pela política. As análises sobre juventudes e
política comumente selecionam como fontes de informação jovens brancos de classe média
alta, moradores de regiões mais ricas.

O presente texto problematiza essas concepções sobre a relação entre juventudes e


política, mostrando primeiramente que o desinteresse pela política é geral entre todas as faixas
etárias da população, mas que isso não deve ser confundido com desinteresse por toda a
política.

Os jovens em geral rechaçam certas práticas exercidas nas arenas parlamentares. Eles
se contrapõem a uma forma de organização extremamente hierarquizada e formal que exclui
das decisões coletivas os próprios jovens, além de mulheres, negros, população LGBTQIA+ e
moradores de periferias.

Para incluir esses grupos, parte das juventudes se organizam em forma de coletivos,
organizações ao menos intencionalmente mais horizontais e inclusivas. Logo, os jovens estão
exercendo e ensinando sobre política. E essa política nem sempre está longe da política
parlamentar, já que as juventudes vêm forçando a discussão sobre a inclusão desses grupos
também nos partidos.

O que as juventudes vêm nos ensinando é que não basta direitos para grupos com mais
dificuldade de acesso a eles e mais sujeitos a violências simbólicas e físicas. É preciso que
esses grupos sejam incluídos em todas as decisões coletivas para que elas sejam mais afinadas
com a realidade deles. Com o feliz argumento do “lugar de fala” parte das juventudes está
mostrando que para alargar a democracia é necessário a inclusão de todxs.

Nesse sentido não basta críticas ao desinteresse dos jovens pela política. São necessárias
ações que incluam as diversidades em todas as arenas. A crítica deve se dirigir à política
institucional, feita por adultos que, de alguma forma, não estão incluindo a diversidade nos
centros das decisões. E elas estão clamando por essa presença.
12

Referências

Araújo, R.; Barros, R.; Perez, O.C. (2022, no prelo). Jovens e opinião sobre política:
semelhanças e diferenças entre as juventudes de direita e de esquerda no Brasil. Studia.
Politicae.
Gelape, L; Spagnuolo, S. 2022. Proporção de vereadores mais jovens mantém queda no brasil.
Núcleo: jornalismo inteligente sobre redes sociais. Reportagem publicada em 28.nov.2020.
Disponível em: https://nucleo.jor.br/arquivo/2020-11-28-vereadores-jovens-brasil-2020/.
Acesso em 20/09/2022.
Latinobarômetro. Banco de dados: Latinobarómetro, 2020. Disponível em:
<http://www.latinobarometro.org> Acesso em 10 de abril de 2020.
Perez, O. C. (2022). Brazilian street protests during the covid-19 pandemic. OnePager, vol. 1.
Perez, O. C. (2019). Relações entre coletivos com as Jornadas de Junho. Opinião Pública, v.
25, p. 258-256.
Perez, O. C. (2021). Sistematização crítica das interpretações acadêmicas brasileiras sobre as
Jornadas de Junho de 2013. Izquierdas, v. 1, p. 1-16.
Perez, O. C.; Souza, B. M. (2020). Coletivos universitários e o discurso de afastamento da
política parlamentar. Educação e Pesquisa, v. 1, p. 1-19
Perez, O. C.; SOUZA, B. M. (2022). Notas sobre a participação política dos jovens. Boletim
Lua Nova, online, 25 abril.
Rosanvallon, P. (2010). Por uma história do político. São Paulo: Alameda.
Scherer-Warren, I. (2014). Manifestações de rua no brasil 2013: encontros e desencontros na
política. Caderno CRH, Salvador, v. 27, n. 71, p. 417-429.
TSE. Eleições 2022: crescem números de jovens e idosos aptos a votar. Notícia publicada em
19/07/2022. Disponível em: https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2022/Julho/eleicoes-
2022-crescem-numeros-de-jovens-e-idosos-aptos-a-votar. Acesso em 20/09/2022.
Vommaro, Pablo. (2015). Juventudes y políticas en la Argentina y en América Latina:
tendencias, conflictos y desafíos . Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Grupo Editor
Universitario.

Você também pode gostar